打印全文
Processo nº 399/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 28 de Junho de 2012
Recorrente: Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorrido: A (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho proferido na audiência de julgamento realizada no dia 15/11/2011, foi decidido indeferir o requerimento da ampliação da Base Instrutória formulado pela Ré.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de audiência de julgamento e que indeferiu o requerimento na mesma sede apresentado pela Ré para aditar à base instrutória novos quesitos.
II. Em face dos elementos probatórios juntos aos autos pelas partes, nomeadamente o documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial e os documentos juntos pela Ré através do requerimento datado de 20/09/2011 e cuja junção foi admitida (cfr. despacho de fls. 363) e dos quais se inferem os factos cujo aditamento à base instrutória se requereu, deveria aquele douto Tribunal deferir a pretensão da ora Recorrente e proceder à ampliação da base instrutória nos termos requeridos, ou noutros que considerasse mais apropriados.
III. A ampliação da base instrutória nos termos requeridos não comportaria qualquer desvio ao principio da concentração.
IV. Se é certo que, ao autor cabe o ónus de alegar os factos constitutivos do direito que pretende valer na acção, ou seja, os factos que integram a causa de pedir, e que ao réu cabe o ónus de alegar os factos em que baseia a sua defesa, e que o juiz, ao decidir, só pode em princípio atender a estes factos, também é certo que esse princípio não está rigidamente instituído no processo laboral atento o vertido no número 1 do artigo 41º do Código de Processo Trabalho.
V. O douto Tribunal a quo não se debruçou minimamente sobre a relevância dos factos cujo aditamento à Base lnstrutória foi requerido pela ora Recorrente, tendo-se limitado, a lançar mão de princípios processuais em detrimento do direito substantivo que se visa aplicar e alcançar, sendo que a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi solicitado pela ora Recorrente e o teor dos documentos em que tal requerimento se fundamentou, justificava que o douto Tribunal a quo lançasse mão da prerrogativa especial que lhe confere a lei processual laboral (artigo 41.º, n.º 1 do CPT),
VI. Em sede de processo laboral os poderes de investigação do Juiz são mais amplos do que os estipulados em sede de processo civil, permitindo-se ao juiz da causa ampliar a base instrutória se no decurso da produção de prova surgirem factos que, não obstante não alegados pelas partes, sejam considerados relevantes para a boa decisão da causa, e ainda condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele.
VII. O facto da matéria em apreço nunca ter sido alegada de forma suficientemente explanatória por nenhuma das partes em sede dos seus articulados, não deve prejudicar a tarefa do Tribunal a quo em alcançar a verdade material e uma justa solução para o litígio que lhe foi apresentado, para o que estaria melhor apetrechado caso deferisse a ampliação da matéria de facto nos termos requeridos pela ora Recorrente.
VIII. O juiz deve ter sempre presente que as normas processuais cumprem uma função instrumental, que não devem sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, e que essa subordinação lhe impõe que faça uso deste poder-dever, até porque não existe qualquer obstáculo à ampliação da base instrutória, pois tenha ou não existido reclamação contra tal peça processual, não se forma caso julgado formal que impeça a sua alteração.
IX. A verdade material foi proclamada como um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados.
X. Seria assim de extrema relevância saber-se ao abrigo de que Contratos de Prestação de Serviços o Autor permaneceu ao serviço da Ré de 27 de Fevereiro de 1997 a 31 de Maio de 2008, para, a partir das condições salariais estipulados nos mesmos, na hipótese de o douto Tribunal a quo os considerar fonte de direitos para o Autor, calcular os montantes a que este terá eventualmente direito por contraposição aos seus contratos individuais de trabalho.
XI. Na verdade, o Autor formulou um pedido com expressão numérica e monetária e que se encontra impugnado e a prova desse pedido (e desses valores) terá que ter em consideração elementos de prova dos quais resulte o mesmo, pelo que, não se tendo apurado ao abrigo de que contratos de prestação de serviço celebrados entre a Recorrente e Agência de Emprego o Autor permaneceu ao serviço da Ré e estando impugnado o valor peticionado, o Tribunal não poderá condenar a Ré com base na simples alegação do Autor, necessitando de título do qual resulte essa pretensa obrigação.
XII. Os factos que consta da Base Instrutória (e a sua correlação com os documentos) insuficientes para suportar o pedido, impunha-se, não havendo oposição da Recorrente (que deveras a requereu), a ampliação da base instrutória por forma a permitir a descoberta dessa verdade obscura de saber que contratos de prestação de serviços afinal vigoraram durante o período que o Autor esteve ao serviço da Recorrente e que valores os mesmos reflectem.
XIII. Nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do CPT, e ao contrário daquilo que é afirmado na decisão ora sob recurso, a ampliação da base instrutória não necessita de ser decorrente do surgimento de factos supervenientes - factos novos, ou seja, ocorridos posteriormente ao momento dos articulados ou factos de conhecimento posterior por parte da Ré -, mas sim de factos relevantes.
XIV. Se assim fosse, não teria razão de ser a norma especial constante do artigo 41.º, n.º 1 do CPT, podendo sempre, quantos ao factos supervenientes, o Tribunal a quo no âmbito de uma acção laboral lançar mão da regra geral de processo civil e ampliar a base instrutória.
XV. A matéria confessada pela Ré, ora Recorrente, em sede da sua contestação e espelhada na especificação elaborada no âmbito dos presentes autos, não é de forma alguma contraditória com os factos cujo aditamento a ora Recorrente requereu e sendo verdadeiros os factos constantes da especificação, nem pretendeu a Recorrente formular qualquer nova excepção relativamente a qualquer facto anteriormente confessado.
XVI. O que está em causa, isso sim, é a total omissão de título ou documento que suporte o pedido do Autor referente aos anos que ultrapassem a validade dos contratos de prestação de serviços mencionados na especificação.
XVII. Não resulta de parte alguma da Base Instrutória ou Factos Assentes qual terá sido o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado pela Recorrente e nem ao abrigo de qual ou de quais o mesmo se manteve ao seu serviço entre Fevereiro de 1997 e Maio de 2008.
XVIII. Para além de relevantes, os factos cujo aditamento se requereu, em nada contraditórios com o alegado pelas partes em sede de articulados, seriam, como supra se disse, essenciais para suportar o pedido do Autor.
XIX. O douto despacho sub judice incorre no vício de erro na aplicaçã de direito, por violação do disposto nos artigos 41.º, n.º1 do Código de Processo do Trabalho.
*
O Autor, ora recorrido, respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 435 a 446, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
  Por sentença de 19/01/2012, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a acção intentada do Autor e, em consequência, condenou a Ré a pagar áquele a quantia de MOP$229,524.25, acrescida dos juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão final vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$229,524.25 (duzentas e vinte e nove mil, quinhentas e vinte e quatro patacas e vinte e cinco avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II. Andou mal o douto tribunal a quo ao dar como provado o facto constante no quesito 4.º da base instrutória, porquanto não foi produzida qualquer prova documental, testemunhal ou outra, relativa à renovação dos contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes.
III. Por outro lado, a resposta positiva a tal quesito encontra-se em manifesta contradição com o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, a lista dos contratos de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau donde resulta claramente quantas vezes foram renovados e até quando vigoraram os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes, da mesmas resultando que nenhum desse contratos de prestação de serviços vigorou até 31 de Maio de 2008.
IV. Assim, deveria antes o douto Tribunal a quo ter considerado não provado o facto constante do quesito 4.º da Base Instrutória.
V. Nos presentes autos não se apurou ao abrigo de qual contrato de prestação de serviços foi o Autor contratado, se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado, por quantas vezes, em que condições, e até quanto vigorou.
VI. Cada um dos contratos de prestação de serviços referidos na alínea C) da matéria de facto assente, têm datas ou períodos de validade diferentes, bem como preveem uma série de formalidades para a sua renovação que, não se tendo apurado, não podem ser ultrapassadas nem sequer por via judicial, nos termos do principio geral da liberdade contratual e da prova.
VII. Pelo que sem a prova de tais factos nunca poderia o Tribunal a quo ter aplicado um qualquer contrato de prestação de serviços - seja ele qual for - à relação laboral inicialmente estabelecida entre Autor e Ré, fazê-lo estender a todo o período de tempo em que o Autor esteve ao serviço da Ré ao abrigo de autorizações para contratação distintas e limitadas no tempo, e condenar a Ré nos moldes em que o fez.
VIII. Assim, e não obstante as tentativas nesse sentido realizadas pela ora Recorrente, nomeadamente, ao requerer a ampliação da base instrutória para se aferir ao abrigo de que contrato de prestação de serviços o Autor foi inicialmente contratado pela Recorrente, até quando permaneceu ao seu serviço ao abrigo desse mesmo contrato de prestação de serviços e se outros houve que sustentaram a sua permanência como trabalhador não residente ao serviço da Ré até Maio de 2008, a matéria de facto apurada em sede dos presentes autos, reputa-se manifestamente insuficiente para sustentar a decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo.
IX. Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
X. Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância: "[...] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (...) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." (...) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (...) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [...]"
XI. À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
XII. Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
XIII. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XIV. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contra entes ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
XV. De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XVI. Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
XVII. Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes são fonte dos direitos reclamados pelo Autor, por se tratarem de contratos a favor de terceiro, sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se ao abrigo de que o contrato de prestação de serviços o Autor foi contratado, e nem se tal contrato de prestação de serviços foi renovado e em que condições o terá sido até 31 de Maio de 2008.
XVIII. A interpretação dos factos que foi levada a cabo pelo douto Tribunal a quo de presumir a renovação até 31 de Março de 2008 dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) dos factos assentes, é feita totalmente ao arrepio de qualquer prova produzida nos presentes autos., sendo que era ao Autor a quem cabia o ónus de alegação e prova destes mesmos factos.
XIX. Pelo que, a conclusão de que foi sempre ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) que o Autor se manteve ao serviço da Ré até 31 de Maio de 2008 e que, como tal, durante todo o período que durou a relação laboral o Autor é titular do direito às diferenças salariais existentes entre um daqueles contratos de prestação de serviços e os vários contratos de trabalho que foi celebrando com a Recorrente, não tem suporte factual, e trata-se de uma mera presunção que, ao arrepio da lei, o douto Tribunal a quo lançou mão para "acomodar" a pretensão do Autor.
XX. A Ré, ora Recorrente, não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde 27 de Fevereiro de 1997 e 31 de Maio de 2008 e nem o Autor invoca tal facto.
XXI. Assim, não poderia o douto Tribunal a quo ter extrapolado o alegado pelas partes e nem os elementos probatórios existentes nos autos e condenado a ora Recorrente a pagar ao Autor um montante a título de diferenças salariais existentes entre um contrato de prestação de serviços, cuja identificação, duração e renovação não se apuraram, e os contratos de trabalho que foram sendo celebrados entre as partes.
XXII. Pelo que, não se tendo apurado a verdadeira extensão e condições da promessa (contida nos contratos que o douto Tribunal a quo qualificou como contratos a favor de terceiros), o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
XXIII. O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
XXIV. Entendeu o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor um valor correspondente ao subsídio de alimentação alegadamente devido pelo número total de dias de toda a relação laboral, o que, salvo devido respeito por melhor opinião, se reputa ilegal.
XXV. Para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu.
XXVI. Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
*
O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 494 a 512, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
2. A Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
3. A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994. (alínea C) dos factos assentes)
4. Esses contratos de prestação de serviços dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da Ré; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dos factos assentes)
5. Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré. (alínea E) dos factos assentes)
6. A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor. (alínea F) dos factos assentes)
7. Entre 27 de Fevereiro de 1997 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alínea G) dos factos assentes)
8. Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea H) dos factos assentes)
9. Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea I) dos factos assentes)
10. Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea J) dos factos assentes)
11. O contrato de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da Ré. (alínea K) dos factos assentes)
12. O Autor foi convidado a assinar outros sete contratos individuais de trabalho. (alínea L) dos factos assentes)
13. Os sete contratos de trabalho assinados entre o Autor e a Ré correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a Ré. (alínea M) dos factos assentes)
14. Entre Março de 1997 e Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a titulo de salário, a quantia de MOP$1.700,00 mensais. (alínea N) dos factos assentes)
15. Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais. (alínea O) dos factos assentes)
16. Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais. (alínea P) dos factos assentes)
17. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais. (alínea Q) dos factos assentes)
18. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais. (alínea R) dos factos assentes)
19. Para o período de 1 de Setembro de 1993 a 30 de Junho de 1997, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8,00 por hora. (alínea S) dos factos assentes)
20. Para o período de Julho de 1997 a Junho de 1999, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea T) dos factos assentes)
21. Para o período de Julho de 1999 a Junho de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea U) dos factos assentes)
22. Para o período de Julho de 2002 a Dezembro de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora. (alínea V) dos factos assentes)
23. Para o período de Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2005, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (alínea W) dos factos assentes)
24. Para o período de Março de 2005 a Fevereiro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora. (alínea X) dos factos assentes)
25. A autorização para a contratação de trabalhadores não residentes está condicionada à apresentação prévia de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 1º da base instrutória)
26. O contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente é sempre remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho (hoje, DSAL) para efeitos de verificação e aprovação de certos requisitos tidos como mínimos exigíveis para o efeito. (resposta ao quesito da 2º da base instrutória)
27. A entidade interessada na contratação de trabalhadores não residentes tem que contratar os trabalhadores não residentes em conformidade com as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 3º da base instrutória)
28. Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. (resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
29. Aquando do início da prestação de trabalho do Autor para a Ré, esta apresentou àquele um contrato individual de trabalho cujo conteúdo foi integral e previamente preparado pela Ré e posteriormente assinado pelo Autor. (resposta ao quesito da 5º da base instrutória)
30. Durante todo o tempo que durou a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré facultou ao Autor uma cópia dos contrato de prestação de serviço. (resposta ao quesito da 6º da base instrutória)
31. O Autor só teve conhecimento do conteúdo de um dos contratos de prestação de serviços assinados entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau já depois de cessada a relação a relação de trabalho com a Ré., mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, facultada a pedido do Autor em Julho de 2008. (resposta ao quesito da 7º da base instrutória)
32. Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviços da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2.700,00 por mês. (resposta ao quesito da 8º da base instrutória)
33. Nem sempre o montante do salário constante dos contratos individuais de trabalho assinados entre a Ré e o Autor correspondem aos valores efectivamente pagos ao Autor pela Ré a título de salário. (resposta ao quesito da 9º da base instrutória)
34. Entre 1 de Março de 1997 e 30 de Junho de 1997, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 10º da base instrutória)
35. Entre Julho de 1997 e Junho de 1999, o Autor fez 4 hora de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 11º da base instrutória)
36. Entre Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002, o Autor fez 4.637,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 12º da base instrutória)
37. Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o Autor fez 846 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 13º da base instrutória)
38. Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o Autor fez 5.174,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 14º da base instrutória)
39. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o Autor fez 2.350,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 15º da base instrutória)
40. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o Autor fez 3.144,50 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 16º da base instrutória)
41. Para o período de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora. (resposta ao quesito da 17º da base instrutória)
42. Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 18º da base instrutória)
43. Nunca a Ré entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 19º da base instrutória)
44. Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço. (resposta ao quesito da 20º da base instrutória)
45. Nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (resposta ao quesito da 21º da base instrutória)
46. Nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (resposta ao quesito da 22º da base instrutória)
47. Entre 5 de Janeiro de 2000 e 18 de Janeiro de 2002, nunca o Autor descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias sem perda do respectivo rendimento. (resposta ao quesito da 23º da base instrutória)
48. Sem que a Ré tivesse proporcionado qualquer acréscimo no salário do Autor. (resposta ao quesito da 24º da base instrutória)
*
III – FUNDAMENTOS
1. Do recurso interlocutório:
Na audiência de julgamento realizada no dia 15/11/2011, a Ré requereu o seguinte:
   “..Atentos os documentos recentemente juntos pela Ré e a relevância que os mesmos assumem na presente sede, vem ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material e do disposto no artigo 41.° do C.P.T., requerer mui respeitosamente a V. Ex.ª se digne ordenar a ampliação da Base Instrutória por forma a nela se incluírem os seguintes factos controvertidos:
1. Ao abrigo de que contraltos de prestação de serviços celebrados entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, se manteve o Autor ao serviço da Ré durante o período de 27 de Fevereiro de 1997 a 31 de Maio de 2008?
2. O contrato de prestação de serviço nº1/1 é para 240 TNR, para 240 vagas, foi aprovado em 15 de Janeiro de 2001 pelo prazo de um ano, renovável por igual período?
3. O contrato de prestação de serviço n.º 14/1 é de 70 vagas e foi aprovado em 3 de Abril e 7 de Junho de 2001 com duração de um ano, renovável por igual período?
4. As condições da renumeração dos contratos acima referidos, n.ºs 1/1 e 14/1 são iguais, o salário é por hora e corresponde a um mínimo de MOP$2000/ para 215 horas de trabalho por mês?
5. As vagas dos contratos n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram nos contratos n.ºs 1/1 e 14/1, passando todos os TNR ao serviço da Ré a estar abrangidos nestes contratos?
6. Os contratos n.ºs 1/1, 14/1, 12/4, 36/5, 9/5 e 35/5 foram sucessivamente renovados até 15 de Março de 2006 nas mesmas condições inicialmente estabelecidas?
7. O contrato de prestação de serviço n.º 1/1 foi ainda renovado em 15 de Março de 2006 para durar até 31 de Março de 2007, e previa a utilização de 340 vagas?
8. O contrato de prestação de serviço n.° 19/SS/2006 prevê a renovação de 100 vagas até 31 de Março de 2007?
9. A partir de 15 de Março de 2006, as condições de renumeração dos contratos n.ºs 1/1 e 19/SS/2006 são iguais, o salário mensal é MOP$4000 e o tempo de trabalho é 312 horas?
10. A partir de 31 de Março de 2007, as condições de renumeração dos contratos n.ºs 1/1 e 14/SS/2007 são iguais, o salário mensal é MOP$5070, incluindo a renumeração por trabalho suplementar e subsídios?
   O ora requerido, salvo melhor opinião, irá coadjuvar este douto Tribunal na tarefa de descortinar o que justificou que o Autor permanecesse ao serviço da Ré durante tantos anos, tendo em conta que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi inicialmente contratado tinha um período de validade de um ano, bem como, caso assim se considere ser a solução a dar ao presente caso, proceder ao cálculo das diferenças salariais existentes entre os vários contratos de prestação de serviços celebrados com a Agência de Emprego e aprovados pelo Gabinete de Recursos Humanos e os vários contratos individuais de trabalho celebrados entre a Ré e o Autor.”
Ouvida a parte contrária, o Tribunal a quo decidiu pela forma segunte:
   “Os factos que a Ré pretende aditar à base instrutória são factos principalmente relativos às condições de trabalho dos outros contratos de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
   Esses factos nunca foram alegados pela Ré na contestação nem em qualquer dos articulados e esses factos não são factos novos, ou seja, ocorridos posteriormente ao momento dos articulados nem os factos de conhecimento posterior por parte da Ré e que por motivo que não se explicou, a Ré não alegou esses factos no momento próprio, ou seja, na contestação.
   Por força do princípio de concentração, toda a defesa deve ser feita na contestação. O princípio não é permitido a Réu resguardar a defesa para momento posterior com surpresa para a contraparte. A disciplina da regra processual é para se observar com rigor, não tendo a Ré actuado, por negligência ou por intenção, de acordo com a regra processual, há de sujeitar as consequências legais.
   Em relação aos factos sobre os contratos de prestação de serviço entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., com base na qual o Autor foi recrutado pela Ré, de facto, a Ré reconheceu expressamente os factos alegados pelo Autor na contestação.
   Com os alegados factos novos efectivamente o que a Ré pretende não é mais de ter por não dito o que tinha admitido na contestação. O que não é admitido sob pena de inutilizar a disciplina da ordem processual.
   Nem se afigura que este caso esteja enquadrado no n.º 1 do art.º 41.° do C.P.T., se bem que por força do princípio da verdade material, seja admissível a ampliação da base instrutória. Os factos em causa devem ser os factos surgidos na produção da prova. Os factos alegados pela Ré não são factos desconhecidos e surgidos na produção de prova, mas os factos trazidos pela Ré com vista a provar com provas eventualmente apresentadas.
   Nestes termos, indefiro o requerido pela Ré.”
   Custas do incidente pela Ré em 3UCs.
   Notifique.”
Entende a Ré que a decisão acima transcrita violou o nº 1 do artº 41º do CPT.
Não lhe assiste razão.
Pelo contrário, a decisão recorrida não merece de qualquer censura ou reparação, já que não obstante o nº 1 do artº 41º do CPT permitir a ampliação da base instrutória, o certo é que esta ampliação só deve visar factos alegados pelas partes ou factos supervenientes, que não é o caso em apreço.
Pois, a lei processual exige que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado. Depois da contestação, só podem ser deduzidas excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente (artº 409º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPT).
É o chamado “princípio da concentração da defesa”, também aplicável, a nosso ver, aos processos cíveis laborais.
Os factos que a Ré pretende acrescentar nunca foram alegados na contestação.
E do conteúdo dos mesmos resulta inequivocamente que tais factos nunca podem ser considerados como factos supervenientes, quer sob o ponto de vista de ocorrência, quer de conhecimento.
Pelo exposto, se conclui pela improcedência do recurso interlocutório.
2. Do recurso final:
2.1 Do erro de julgamento do quesito 4º
Para a Ré, houve erro de julgamento do quesito 4º da base instrutória porque o Tribunal a quo não dispunha de nenhum elemento probatório para dar como provado o facto vertido no referido quesito 4º.
O quesito 4º foi considerado como provado pela forma seguinte:
   “Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego.”
Ficaram assentes que:
   “A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994.” (alínea C) dos factos assentes)
    “A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor.” (alínea F) dos factos assentes)
Ora, com base nos factos acima transcritos, achamos que é da consequência lógica para o Tribunal a quo considerar como provado o facto vertido no referido quesito 4º.
Pergunta-se o seguinte:
Se não é para apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para que a Ré apresentasse àquela Direcção cópia dos referidos contratos de prestação de serviço?
Por outro lado, não se esqueça que quer o Despacho nº 12/GM/88, quer o Despacho nº 49/GM/88, ambos conferem à DSTE a competência para verificar e informar se os contratos de prestação de serviço celebrados se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis (al. d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 e b.4 do nº 2 do Despacho nº 49/GM/88) - v. facto provado nº 26.
Nesta conformidade, é de julgar improcedente o recurso final nesta parte.
2.2 Da insuficiência da matéria de facto apurada:
Na óptica da Ré, a matéria de facto apurada não é suficiente para a sua condenação, já que não foi apurado ao abrigo de qual contrato de prestação de serviço foi o Autor contratado; se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado; por quantas vezes; em que condições e até quando vigorou.
Mais uma vez não lhe assiste a razão.
Ficaram assentes que:
   “A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994.” (alínea C) dos factos assentes)
   “Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré.” (alínea E) dos factos assentes)
   “A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor.” (alínea F) dos factos assentes)
Ora, os factos acima transcritos, conjugados com a posição tomada pela Ré na contestação, que afirmou que “... à data de assinatura dos mesmos o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o Contrato de Prestação de Serviço nº 45/94, ...” (artº 39º da Contestação), não temos qualquer dúvida de que a contratação do Autor e as posteriores renovações foram feitas ao abrigo do contrato de prestação de serviço nº 45/94.
Vejamos a razão de ser.
Em primeiro lugar, foi a Ré que confirmou que o Autor foi contratado ao abrigo do contrato de prestação de serviço nº 45/94.
De seguida, ficou assente que a cópia deste contrato foi apresentada à DSTE para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor.
A relação laboral entre a Ré e o Autor só cessou em 31 de Maio de 2008.
Perante este quadro fáctico, é lógico e correcto para o Tribunal a quo concluir que a relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré foi sucessivamente renovada ao abrigo do contrato nº 45/94, até ao seu termo.
Pois, é lícito ao Tribunal “tirar conclusões em matéria de facto que, não alterando os factos provados e nestes se apoiando, sejam consequência lógica dos mesmos”1.
Não se verifica, portanto, a alegada insuficiência da matéria de facto.
2.3 Do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.:
A Ré entende que o Tribunal a quo andou mal em qualificar o contrato celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. como um contrato a favor de terceiro.
Sobre esta questão, este Tribunal já se pronunciou de forma unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, etc, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011 e 16/06/2011, respectivamente) no sentido de que:
- O acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda é um contrato a favor de terceiro;
- Este contrato é aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré.
Com a devida vénia e a propósito de situação igual à que ora nos ocupa, transcreve-se a jurisprudência fixada no Ac. do Proc. nº 838/2010:
   “…
   2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
   A propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré Guardforce e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada - ct. e.g. os Acórdãos do TSI tirados em 12MAI02011, 19MAI02011 e 02JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010 e 876/2010.
   Não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
   Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda ..
   Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.
   E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
   O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437° e s.s. do Código Civil.
   Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
   Então vejamos.
   Reza o art° 437° do Código Civil que:
    1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
   2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
   O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como "aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)" - Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s ..
   In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
   Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao "direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias".
   Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no art° 437°/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
   Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a Guardforce) e o promissário (a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula com promissória nunca poderia vinculá-lo.
   O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.”
É a jurisprudência que aponta a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Pelo exposto, se conclui pela improcedência do recurso final da Ré nesta parte.
2.4 Do subsídio de alimentação:
O contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., prevê a atribuição do subsídio de alimentação à taxa diária de MOP$15,00 aos trabalhadores que irão ser contratados, sem que no entanto se tenha estipulado qualquer condição de pagamento.
Tendo sido julgado que a atribuição deste subsídio de alimentação não depende da prestação efectiva do trabalho por parte do trabalhador2.
Contudo, melhor reponderada a questão e tendo em conta a função e natureza do subsídio em causa (com vista a subsidiar os trabalhadores nas despesas de alimentação diariamente suportadas quando realizam a sua actividade profissional), entendemos que a atribuição do mesmo deve depender da prestação efectiva do serviço.
No mesmo sentido, veja-se os Ac. deste Tribunal, de 31/5/2012 e 14/06/2012, proferidos nos Proc. nºs 131/2012 e 376/2012.
Bem como ainda, a título do Direito Comparado, o Ac. RL, de 29/06/1994, Proc. nº 092324 e o da RP, de 06/05/1995, Proc. nº 9411201.
No caso em apreço, o Tribunal a quo condenou a Ré a pagar a quantia de MOP$61.650,00, resultante do cálculo baseado no número total de dias da duração da relação laboral e não os dias de trabalho efectivos, o que urge reparar.
Não se sabe o número de dias de trabalho efectivo, mas isto não determina a absolvição da Ré como é pretendida, uma vez que não temos qualquer dúvida de que a Ré tem a obrigação de pagar, só que não sabemos, por falta de elementos nos autos, qual a sua quantia exacta.
Nesta conformidade e tendo em conta o disposto do nº 2 do artº 564º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPT, a Ré deve ser condenada no que se liquidar em execução da sentença.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
* negar provimento ao recurso interlocutório;
* conceder provimento parcial ao recurso final, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$61.650,00, respeitante ao subsídio de alimentação;
* Condenar a Ré a pagar ao Autor a título de subsídio de alimentação no montante a liquidar em execução da sentença; e
* Confirmar a sentença recorrida na restante parte.
*
Custas do recurso interlocutório pela Ré.
Custas do recurso final pelas partes em função do decaímento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.
Notifique e D.N.
*
RAEM, aos 28 de Junho de 2012.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

1 Ac. do STJ, de 13/01/1999, referenciado no CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Abílio Neto, 21ª Edição, pág. 1094, ponto nº17 da anotação do artº 712º.
2 Ac. do TSI, de 08/03/2012, Proc. nº 781/2011.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Proc. nº 399/2012