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Processo nº 767/2011
(Autos de Recurso Contencioso – Reclamação para a Conferência)

Data: 05 de Julho de 2012
Recorrente: Sociedade de Entretenimento A, Limitada
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

  I – Relatório
  Sociedade de Entretenimento A, Limitada, melhor identificada nos autos, vem reclamar para a Conferência do despacho do Relator, de 28/03/2012, através do qual foi determinada a não inquirição das testemunhas arroladas, por entender que os factos alegados na petição inicial com interesse para boa decisão da causa podem e devem ser provados por prova documental, pelo que a inquirição não tem qualquer utilidade prática.
  Como fundamento da reclamação, alegou o seguinte:
  “Com o devido respeito, não pode a Recorrente concordar com a posição adoptada por esse douto Tribunal quando afirma que "Não se afigura ter alguma utilidade prática a inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente, uma vez que os factos por si alegados na petição inicial com interesse à boa decisão da causa pode e devem ser provados por prova documental.".
De facto, tal como se passará a expôr, e muito bem pelo contrário, parece existir toda a necessidade, utilidade e relevância que tais testemunhas possam vir ao processo, no sentido de se efectuar um cabal escalarecimento sobre questões determinantes para uma boa decisão da causa.
Vejamos,
Desde logo, o principal objecto da matéria controvertida que deu lugar aos presentes autos, encontra-se directamente relacionado com a fixação do montante para Liquidação Oficiosa do Imposto de Turismo (cfr. artigos 7.° e 8.° da petição inicial).
Tal montante foi determinado pela entidade Recorrida com base em critérios unica e exclusivamente fundados em dados contabilísticos declarados em exercícios anteriores, de onde se extraíram meras presunções acerca do volume de negócios da Recorrente no período a que se refere a incidência do supracitado Imposto (cfr. artigo 13.° da petição inicial).
Acresce ainda que, a Recorrente teria sempre a faculdade de se opôr a tais presunções através da demonstração de que, no período a que se refere a incidência do supracitado Imposto, o seu volume de negócios foi diferente daquele que foi fixado pela entidade Recorrida.
Ora, tal demonstração poderia ser facilmente efectuada através da produção de prova documental – eg. documentos contabilísticos da Recorrente.
Acontece, porém, tal como alegado e, aliás, demonstrado na sua petição inicial, não é possível à Recorrente produzir tal prova documental, uma vez que o computador que servia de suporte e armazenamento a toda a sua contabilidade foi furtado (cfr. artigos 18.º a 20.º da petição inicial).
Assim, a única forma verosímil de se poder chegar a uma conclusão acerca do volume de negócios da Recorrente, no período a que diz respeito a incidência do Imposto, fica apenas circunscrita a uma demonstração através de prova testemunhal, por pessoas que efectivamente conheciam o negócio da Recorrente e cujos depoimentos são fundamentais para que se faça a habitual justiça.
Á contrario sensu, tal como parece ser a opinião desse douto Tribunal, com a qual não se pode concordar, a não inquirição das testemunhas inviabilizaria, por completo e irremediavelmente, a Recorrente de poder lançar mão ao único meio probatório que está ao seu a1cançe por forma a demonstrar a razão que lhe assiste, logo nunca podendo conduzir a uma boa decisão da causa.
Ademais, e por mero amor ao raciocínio lógico, sempre se diria que, perante a impossibilidade de oferecimento de prova documental, se ficasse vedado o recurso aos outros meios probatórios consignados na lei, nunca poderia esse douto Tribunal ser esclarecido quanto à situação de facto do volume de negócios da Recorrente. Logo, não sendo possível apurar qual a verdade material in casu, estariam definitivamente comprometidas todas e quaisquer conclusões a que se chegasse, por manifesta falta de elementos conducentes a efectivação da justiça.
Ainda assim, por mera cautela de patrocínio, entendendo-se que do douto despacho, que ora se reclama, apenas cabe recurso, considere-se o mesmo interposto ao abrigo do disposto no art.° 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e n.º 3 do art.° 569.º, alíneas b) e d) do n.º 1 do art.° 571.º, art.° 581.º, art.° 591.°, art.° 593.º, art.° 602.º e art.° 603.º todos do Código de Processo Civil de Macau.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
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II – Factos Assentes
1. A Recorrente, na petição inicial, alegou os seguintes factos:
Artigo 6º
A Recorrente é sujeito passivo do Imposto de Turismo, ao abrigo do disposto na alínea a) do art.° 2.° do RIT,
Artigo 7º
tendo sido notificada da Liquidação Oficiosa do Imposto de Turismo, no montante de Mop$170.724,00 (Cento e setenta mil setecentas e vinte e quatro patacas).
Artigo 8º
Não tendo a Recorrente, no período a que respeita a Liquidação Oficiosa - Janeiro a Abril de 2010 - volume de negócios que justifiquem a cobrança de tal avultada contribuição;
Artigo 9º
entregou, a 31 de Maio de 2010, a declaração do Imposto de Turismo M/7, relativa aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2010, apresentando um volume de negócios correspondente a MOP$687.281.34 e MOP$753.021,81, respectivamente;
Artigo 10º
efectuando, de imediato, o pagamento do imposto devido em relação aos montantes declarados.
Artigo 11º
Mesmo assim, a 18 de Julho de 2010, interpôs reclamação junto da Exm.ª Senhora Directora da Direcção dos Serviços de Finanças.
Artigo 12º
A 13 de Agosto de 2010, foi a Recorrente notificada do indeferimento, por parte da Exm.º Senhor Director substituto da Direcção dos Serviços de Finanças, da pretensão expressa na sua reclamação.
Artigo 13º
A 20 de Setembro de 2010, a Recorrente interpôs recurso hierárquico para o Exm.º Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau.
Artigo 14º
A 8 de Setembro de 2011, foi a Recorrente notificada do despacho ora recorrido que, uma vez mais, indeferiu a sua pretensão.
Artigo 15º
Alega a Recorrida que, como base de cálculo do valor do imposto a liquidar, tomou em consideração a "... média mensal de vendas declarado par efeitos do Imposto Complementar de Rendimentos referentes ao exercício de 10-12/2008, e o volume de vendas mencionado no livro de contas referentes a 09/2009, que totalizam 4 meses do volume médio mensal das vendas, no valor de MOP$1.213.694,25 ...".
Artigo 16º
Mais alega a Recorrida que, por via de uma acção de fiscalização externa - n.º 016/NVT/DOI/RFM/2010 - "... a fim de verificar o volume efectivo de vendas do estabelecimento nos meses de Janeiro e Fevereiro ..,", foi constatado que:
a) "... a funcionária B apresentou duplicados do registo de contas do estabelecimento, referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro, indicando que o volume de negócios foi de MOP$675.300,00 e MOP$701.911,20 respectivamente,,," ;
b) "Na sequência dos novos cálculos feitos pela Administração, o volume de vendas obtido é mais elevado do que o declarado pelo contribuinte na M/7, constatando-se uma manifesta divergência de valores quanto á matéria colectável, o que de imediato suscitou sérias dúvidas acerca da veracidade dos registos contabilísticos do livro de contas".
Vejamos então,
Artigo 17º
Por um lado, os elementos fornecidos pela funciorária B apontam, como facilmente se pode constatar, que, efectvamente, a Recorrente declarou, para efeitos de Imposto de Turismo, montantes relativos ao volume de negócios, respeitantes aos meses de Janeiro e Fevereiro, mais elevados dos que aqueles que efectivamente obteve (cfr. artigo 9.° da p.i.);
Artigo 18º
beneficiando, desta forma, a Administração, pois efectuou o pagamento do imposto com base nos montantes declarados na declaração M/7.
Artigo 19º
Por outro lado, afirma a Recorrida que efectuou "novos cálculos", abstendo-se, porém, de esclarecer a Recorrente, qual a forma e quais os critérios a que recorreu para efectuar tais "novos cálculos",
Artigo 20º
afirmando, ainda, que constatou "uma manifesta divergência de valores quanto â matéria colectável" sem, no entanto, especificar quais as divergências encontradas,
Artigo 21º
sabendo apenas a Recorrente que, com o devido respeito, tais cálculos e divergências só podem estar assentes em pressupostos de facto errados, uma vez que nunca teve volume de negócios que ascendessem aos montantes que a Recorrida insiste em manter,
Artigo 22º
e que, a existirem quaisquer divergências de valores, tal apenas ter-se-à ficado a dever a um engano da Recorrente que, afinal, resulta a favor da Administração,
Artigo 23º
uma vez que o volume de vendas declarado pela Recorrente foi sensivelmente superior áquele que efectivamente obteve.
Ademais,
Artigo 24º
É de notar que, após ter assistido a um acentuado decréscimo do seu volume de negócios, e a um acumular de prejuízos, a Recorrente cedeu a exploração do estabelecimento, sob a mesma denominação - "Cubica" - a uma outra sociedade comercial.
Artigo 25º
Tal como é conhecido pela Recorrida pois, a 21 de Janeiro de 2011, quando da Acção de Fiscalização IT6/006/NFE/DAUT/2011, verificou que o estabelecimento da Recorrente tinha um aviso afixado nas suas portas, datado de 10 de Setembro de 2010, informando a mudança de instalações para uma nova morada no Cotai.
Artigo 26º
Sendo ainda do conhecimento público, por ter sido amplamente divulgado em diversos jornais, que o estabelecimento "Cubica" retomou a sua actividade, nessa nova morada, em Fevereiro de 2011;
Artigo 27º
mas, de facto, operado e administrado por uma nova sociedade comercial e não a Recorrente.
2. E indicou duas testemunhas para serem ouvidas.
3. Em 28/03/2012, o Relator dos autos proferiu o seguinte despacho:
“Não se afigura ter alguma utilidade prática a inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente, uma vez que os factos por si alegados na petição inicial com interesse à boa decisão da causa podem e devem ser provados por prova documental.
Nesta conformidade, determino a não realização da mesma, por ser um acto inútil.
Cumpre-se o disposto do n° 1 do artº 68° do CPAC.
Notifique e D.N.”
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III – Fundamentos
Não nos se afigura que assiste razão à Recorrente.
Senão vejamos.
Do elenco dos factos acima transcritos, verifica-se que os factos vertidos nos artºs 6º, 7º e 9º a 16º da petição inicial devem ser considerados como provados por prova documental constante do processo administrativo remetido pela Entidade Recorrida.
Em relação aos factos vertidos artºs 8º, 17º, 18º, 21º, 22º e 23º, os mesmos não são factos objectivos, mas sim factos conclusivos, pelo que não podem ser objecto de inquirição.
Os factos vertidos nos artºs 24º a 27º da petição inicial não são relevantes para boa decisão da causa, já que o que está em causa é o imposto de turismo relativo ao período de Janeiro a Abril de 2010 e a mudança das instalações reporta-se a uma data posterior àquele período.
Os artºs 19º e 20º da petição inicial prendem-se com questão de direito – a de saber se o acto recorrido cumpriu ou não o dever de fundamentação – pelo que também não são susceptíveis de inquirição.
Por outro lado, como é sabido, a Recorrente, enquanto sociedade comercial limitada, tem a obrigação legal de ter uma contabilidade organizada sujeita à aprovação anual – cfr. artºs 254º e 255º do Código Comercial, daí que o resultado do exercício da sua actividade tem de ser provado por prova documental.
Nunca a Recorrente na petição inicial referiu que “o computador que servia de suporte e armazenamento a toda a sua contabilidade foi furtado”; fê-lo pela primeira vez na presente reclamação.
De qualquer forma, se a Recorrente já não tinha qualquer suporte documental da sua contabilidade, então com que base é que as testemunhas vêm depor sobre a mesma? Simplesmente com base na memória fresca duma contabilidade de 2 anos atrás?
Cumpre realçar ainda que a Recorrente sempre se limita a dizer que o volume de negócios obtido é inferior ao do fixado pelo acto recorrido (trata-se duma conclusão pessoal como já vimos), sem que no entanto, indica o respectivo montante em concreto (facto objectivo).
Assim sendo, as testemunhas arroladas só podem servir para repetir a conclusão a que chegou a Recorrente – o volume dos negócios obtidos é inferior ao fixado pela entidade recorrida, e não para provar factos objectivos, o que se traduz num acto inútil.
Face ao expendido, é de manter o despacho reclamado.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em indeferir a reclamação apresentada, mantendo o despacho reclamado.
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Custas pela Reclamante com taxa de justiça de 6 UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 05 de Julho de 2012.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
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767/2011