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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  A e B intentaram acção declarativa com processo ordinário contra 1.os réus C e mulher, D, 2.os réus Herdeiros Incertos de E, 3.os réus Herdeiros Incertos de F e G, 4.os réus Interessados Incertos e Ministério Público, pedindo:
  Como pedido principal:
  a) a declaração de que os autores adquiriram por usucapião a propriedade do prédio com o [Endereço (1)] em Macau descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX, a fls. 275, do Livro XX.
  Como pedidos secundários:
  b) a declaração de que são nulas as habilitações notariais de herdeiros outorgadas no 14º Cartório Notarial de Lisboa em 30 de Abril e 16 de Julho de 1996, por serem instruídas com base em documentos falsos e conterem falsas declarações; e consequentemente;
  c) a declaração de que é nula a inscrição de propriedade com o n.º XXXXX, sobre o referido prédio, a favor dos 1.os Réus, por se basear nos direitos emergentes das habilitações cuja declarações de nulidade se peticiona;
  d) ordenar-se o cancelamento da correspondente inscrição XXXXX a fls. 417 do Livro X-XXX, assim como das inscrições que a antecederem (já caducadas) na Conservatória do Registo Predial de Macau (com os números nºs XXXXX a fls. 325 do Livro XXX-X e XXXXX a fls. 47 do Livro X-XXX).
  Posteriormente, foram admitidos a intervir, como associados dos réus, H, I, J, K e mulher L, esta última, entretanto falecida e substituída pelos seus herdeiros, o mencionado marido e os filhos M e N.
  A acção foi julgada improcedente relativamente a todos os pedidos.
  Os autores interpuseram recurso da sentença para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo aí impugnado, nos termos do artigo 430.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o despacho que desatendeu reclamação contra a base instrutória, na parte em que não levou a esta peça processual os artigos 4.º, 7.º, 17.º, 19.º, 30.º a 38.º, 41.º, 44.º, 45.º, 46.º e 47.º da petição inicial.
  Pelo Acórdão recorrido, de 9 de Fevereiro de 2012, o TSI deu provimento parcial ao recurso, determinando o aditamento à base instrutória dos factos mencionados nos artigos 4.º, 7.º, 17.º, 19.º e 30.º a 38.º da petição inicial.
  Inconformados, recorrem agora os réus C e mulher, D, para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a revogação do Acórdão recorrido.
  Para tal, formulam as seguintes conclusões úteis:
  - Contrariamente ao que afirma o acórdão recorrido, E, primitiva proprietária do prédio em questão, não foi a doadora de facto desse imóvel, nem nunca se alegou que fosse casada.
  - A doadora seria F e foi em relação a ela que se alegou ser a mesma casada com G ou O.
  - Consequentemente, parece estarmos na presença de um lapso que terá originado um erro de julgamento.
  - Efectivamente, a questão subjacente aos artigos 4.º e 7.º da p. i. consiste somente numa pretensa venda da Sra. E a F e a relevância daqueles dois artigos apenas pode ser aferida tendo por norte aquele negócio e nenhum outro.
  - Ora, o quesito 1.º faz precisamente essa pergunta e, como tal, fica afastada a ampliação da matéria de facto com a inclusão dos artigos 4.º e 7.º da p.i., por redundante.
  - Já a relevância que o acórdão recorrido atribui à doação, pode ser encontrada, por seu turno, no quesito 2.º da Base Instrutória, no qual se pergunta claramente se a F doara o prédio a P.
  - A matéria constante do artigo 19º da p.i. (pagamento de contribuição predial) está incluída no quesito 9.° (pagamento dos impostos), sendo redundante a sua quesitação.
  - De qualquer modo, é por demais evidente que o pagamento da contribuição predial, bem como, a titularidade dos contratos de utilização de telefone e electricidade, são irrelevantes perante o quadro fáctico apurado nos autos e sumariamente relatado nos nºs. 33 e 35 do presente recurso, até porque nunca podem pressupor uma relação de facto sobre o imóvel em causa, não sendo configuráveis como actos materiais de posse, nem sendo susceptíveis de inverter a convicção do Distinto Tribunal de l.ª Instância.
  - Pelo que se afigura irrelevante o aditamento dos artigos 17.º e 19.º da p.i. à Base Instrutória.
  - Ficou provado que os recorrentes são terceiros adquirentes de boa fé (quesito 13.°) e que a al . f) dos Factos Assentes estabelece a compra do prédio pelos recorrentes, logo, a onerosidade do negócio aliás, a douta sentença assim o afirma expressamente na pág. 60.
  - Consequentemente, a nulidade invocada pelos Recorridos é inoponível aos Recorrentes, por força do disposto no artigo 291.º, n.º 1 do Código Civil de 1966 (CC66) e 284º, nº 1 do Código Civil de Macau (CCM).
  - Tanto basta para que toda a matéria relativa à validade de tais escrituras, seja descartada.
  - Ainda que assim se não entenda, ao não lograrem os Recorridos a prova do quesito 12.º da Base Instrutória, fica irremediavelmente comprometida uma eventual declaração de nulidade das habilitações em causa, o que, salvo melhor opinião, retira toda e qualquer relevância à matéria alegada nos artigos 30º a 38º da p.i.
  - Efectivamente, tendo em conta a redacção deste quesito 12.º, tal desfecho significa que não ficou provada a inexistência de relações de parentesco e afinidade entre a primitiva proprietária do imóvel em causa, E e os herdeiros habilitados por via das duas escrituras supra mencionadas, desaparecendo o pressuposto necessário à pretendida declaração de nulidade de tais escrituras.
   - Donde que, também por esta via, se afigura não ser relevante a inclusão daquela matéria na Base Instrutória.
  
  II – Os factos
  Os factos considerados provados pelo Tribunal de Segunda Instância, são os seguintes:
  Na Conservatória do Registo Predial de Macau, encontra-se descrito com o número XXXX, a fls. 275 do Livro XX, desde 25 de Junho de 1882, o prédio com o [Endereço (1)], constituído por rés-do-chão e andar, e as seguintes confrontações: N - Praça Lobo de Ávila n° XX-XXX; S - Praça Lobo de Ávila nos XX-XX; E - Praça Lobo de Ávila; W - Travessa do Colégio nºs X-XX [alínea A) dos factos assentes].
  Em 27 de Junho de 1894, a aquisição do dito prédio foi inscrita definitivamente no Registo Predial de Macau, a favor de E [alínea B) dos factos assentes].
  Em 22 de Maio de 1996, foi registada a aquisição do prédio referido na alínea A) em comum e sem determinação de parte ou direito e a título de sucessão hereditária, a favor de H, I, J [alínea C) dos factos assentes].
  A essa inscrição no registo predial serviram de títulos as escrituras públicas de habilitação de herdeiros cujos teores constam de fls. 100 a 103 e de fls. 105 a 107 e aqui se dão por integralmente reproduzidos [alínea D) dos factos assentes].
  Em 30 de Outubro de 1996, foi inscrita no registo predial de Macau a aquisição por compra do dito prédio, a favor de K casado com L no regime da Comunhão de adquiridos [alínea E) dos factos assentes].
  Em 10 de Março de 1997, foi inscrita no registo predial de Macau, a aquisição por compra do prédio referido na alínea A), a favor de C e mulher D [alínea F) dos factos assentes].
  Os Autores casaram entre si em 21 de Dezembro de 1964 em Hong Kong [alínea G) dos factos assentes].
  A P vivia até à década de 70 no prédio referido na alínea A) da matéria dos Factos Assentes (resposta ao quesito 5.º da base instrutória).
  A P e o Q eram os pais da Autora (fls. 37 a 39) (resposta ao quesito 6.º da base instrutória).
  Os Réus, quando celebraram a escritura pública de compra e venda do prédio referido na alínea A) da matéria de Factos Assentes, desconheciam a existências das habitações referidas na alínea d) (resposta ao quesito 13.º da base instrutória).
  Em 10 de Março de 1997, o prédio referido na alínea A) da matéria de Factos Assentes já se encontrava desocupado de pessoas e bens (resposta ao quesito 14.º da base instrutória).
  O prédio referido na alínea A) da matéria de Factos Assentes, foi demolido no período entre 12 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2001 (resposta ao quesito 15.º da base instrutória).
  Os Autores passaram a viver em Macau na década de 70 do século passado, residindo no [Endereço (2)] (resposta ao quesito 16.º da base instrutória).
  A Autora continua a residir na fracção referida no quesito anterior (resposta ao quesito 17.º da base instrutória).
  Foram os Réus C e D quem procedeu à demolição referida em 15.º (resposta ao quesito 19.º da base instrutória).
  E procederam à vedação do terreno onde se encontrava implantado o edifício o que ainda hoje se ver fica (resposta ao quesito 20.º da base instrutória).
  
  III – O Direito
  1. A questão a resolver
  Trata-se de saber se não havia necessidade de ampliação da base instrutória, com os artigos 4.º, 7.º, 17.º, 19.º, 30.º a 38.º da petição inicial, decidida pelo Acórdão recorrido.
  
  2. Ampliação da base instrutória. Artigos 4.º, 7.º, 17.º e 19.º da petição inicial.
  Seguindo a lógica do recurso, analisemos a relevância dos factos alegados na petição inicial, que o Acórdão recorrido determinou aditar à base instrutória.
  Recordemos que, por decisão transitada deste TUI, foi negado provimento ao recurso da decisão do TSI, que determinou a junção aos autos de vários documentos tendentes a provar os quesitos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º e 9.º da base instrutória.
  Os factos dos artigos 3.º, 7.º e 9.º foram dados como não provados e o 5.º parcialmente não provado e todos eles respeitavam à relação da família da autora com o prédio dos autos.
  Independentemente do lapso do Acórdão recorrido, o facto do artigo 4.º é pertinente, tal como o é do artigo 7.º, para demonstrarem que o prédio foi adquirido por usucapião pelos autores, por via da venda verbal feita pela mencionada E a F, que o doou verbalmente a P, mãe da autora.
  O mesmo se diga dos factos dos artigos 17.º e 19.º da petição, adjuvantes na prova dos factos atinentes à prova da posse do prédio pelos autores.
  A circunstância de os quesitos 1.º e 2.º (venda do prédio e posterior doação) terem sido julgados não provados não é relevante, já que o Acórdão recorrido anulou o julgamento realizado na parte relativa à usucapião (quesitos 1.º a 11.º).
  Improcede o recurso nesta parte.
  
  3. Ampliação da base instrutória. Artigos 30.º a 38.º da petição inicial.
  Esta matéria respeita aos pedidos das alíneas b), c) e d) da petição inicial.
  Não obstante o Acórdão recorrido ter anulado o julgamento, sem especificar qual o âmbito do julgamento viciado, visto que a anulação foi causada pelo indeferimento da junção de documentos que visavam a prova dos quesitos atinentes à usucapião (3.º, 5.º, 6.º, 7.º e 9.º), nada tendo que ver com o quesito 12.º - que respeita aos pedidos das alíneas b), c) e d) da petição inicial – a resposta a este último quesito não foi anulada. E também não foram anuladas as respostas aos quesitos 13.º a 17.º, apenas quesitados com vista ao conhecimento da litigância de má-fé dos autores (cfr. nota 2 da base instrutória). A mesma anulação também não abrange os factos dos quesitos 18.º, 19.º e 20, sem nenhuma relação com os aludidos documentos.
  Pois bem, para a procedência dos pedidos das alíneas b), c) e d) da petição inicial era essencial a prova do quesito 12.º, onde se pretendia provar que não existia qualquer relação de parentesco entre E e os intervenientes H, I e J.
  Na verdade, na escritura de habilitação de herdeiros de E fez-se constar que R e S eram suas parentes colaterais no 6.º grau. E estas duas são mães de três dos intervenientes.
  O facto constante de tal quesito foi julgado não provado.
  A matéria dos artigos 30.º e 31.º da petição, com vista a apurar a ascendência em 1.º grau e ausência de descendência de E, não tem qualquer relevância para provar ou infirmar o quesito 12.º.
  A matéria dos artigos 32.º a 38.º da petição, com vista a apurar a ascendência em 1.º grau e descendência de R e S, também não releva em nada para provar ou infirmar o quesito 12.º.
  Ou seja, a matéria dos artigos 30.º a 38.º da petição era inútil, porque não se alegou a ascendência de E em 2.º e 3.º graus (avós e bisavós), nem a ascendência em 2.º e 3.º graus (avós e bisavós) de R e S, com o que seria impossível concluir que entre E e os intervenientes H, I e J não existiu qualquer relação de parentesco.
  Dito de outro modo, o parentesco na linha colateral em 6.º grau entre E e as irmãs R e S implicaria, por exemplo, que tivessem um bisavô comum, ou seja que os seus avós fossem irmãos. Ou então, que um avô de E fosse, simultaneamente, um trisavô das irmãs R e S.
  Ora, desde que os factos artigos 30.º a 38.º da petição apenas referem os pais destas três pessoas, mas não os seus avós e bisavós, é evidente que a sua prova em nada releva para afastar a resposta “não provado” ao quesito 12.º. Daí a sua irrelevância.
  Procede o recurso nesta parte.
  
IV – Decisão
Face ao expendido, julgam parcialmente procedente o recurso, revogando o Acórdão recorrido na parte em que aditou os factos dos artigos 30.º a 38.º da petição inicial à base instrutória e mantendo-o na parte em que aditou os factos dos artigos 4.º, 7.º, 17.º e 19.º da petição inicial à base instrutória.
Custas por recorrentes e recorridos em partes iguais, decisão esta que substitui a do Acórdão deste Tribunal, de 25 de Julho de 2012, no que toca ao recurso da decisão final.
Macau, 14 de Junho de 2013.
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai



1
Processo n.º 46/2012