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Processo nº 802/2011


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificada nos autos e patrocinada pelo Ministério Público, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou pugnando pela improcedência da acção e deduziu excepção de prescrição e pedido reconvencional.

Proferido o despacho saneador, pelo qual não foi admitido o pedido reconvencional e foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição, absolvendo a Ré do pedido relativo aos créditos reclamados anteriores 27MAIO1991.

Não se conformando com o mesmo segmento do despacho saneador em que não foi admitido o pedido reconvencional, dele interpôs o recurso interlocutório a Ré, defendendo em síntese que se deve admitir o pedido reconvencional por se terem verificados todos os requisitos previstos no artº 17º do CPT, isto é, a acessoriedade, a complementaridade e a dependência do pedido reconvencional.

Ao que respondeu a Autora pugnando pela improcedência do recurso..

Admitido o recurso interlocutório e fixado a ele o regime de subida imediata, cumpre conhecer.
Constitui objecto do recurso a seguinte decisão:

  Da admissibilidade do pedido reconvencional:
  Na contestação, a Ré deduziu reconvenção alegando, muito em síntese, que tendo o Autor aceitado as condições laborais que lhe foram propostas, não pode pretender englobar no seu salário o montante das gorjetas concedidas por terceiros, sob pena de enriquecer indevidamente à sua custa.
  Acrescenta que caso estivesse ciente da eventualidade de ter de compensar os descansos anuais e semanais e os feriados obrigatórios dos seus trabalhadores tendo por base valores que incluem essas gorjetas, nunca as teria distribuído, pelo que deverá esse montante, que liquidou em MOP$1.046.095,45, ser-lhe devolvido por via do instituto do enriquecimento sem causa.
  Cumpre decidir:
  O artigo 17.º do Código de Processo do Trabalho, no seu n.º 1, estatui o seguinte: a reconvenção é admissível, desde que o valor da causa exceda a alçada do tribunal, quando:
  1) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
  2) O réu se propõe obter a compensação;
  3) Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista acessoriedade, complementariedade ou dependência;
  São, assim, apenas dois os casos em que é admissível a reconvenção em processo laboral:
  - o pedido reconvindo emergir ou resultar do mesmo facto jurídico que serve de fundamento ao pedido do Autor;
  - o pedido reconvindo tenha relações de conexão com questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementariedade ou dependência, excepto no caso de compensação em que é dispensada a conexão.
  Ora, o facto jurídico que serve de fundamento a esta acção é a violação, pela : Ré, das normas relativas ao gozo e retribuição dos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, de um seu trabalhador, no âmbito da relação jurídica de trabalho estabelecida.
  Por sua vez, a Ré pretende que o Autor a indemnize por factos que, no seu entender, serão subsumíveis ao instituto civilístico do enriquecimento sem causa, sendo este o facto jurídico que serve de fundamento à sua contra acção.
  Neste cenário, parece-nos manifesto que o pedido reconvencional não resulta do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção e, como tal, não preenche o primeiro dos requisitos supra enunciados.
  Analisemos, então, se entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção existe acessoriedade, complementariedade ou dependência;
  Como sumaria o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.11.2006, n.º 06S1822, disponível in www.dgsi.pt “as relações de acessoriedade e dependência pressupõem que haja um pedido principal a que estão objectivamente subordinadas; a diferença está na intensidade do nexo de subordinação: o pedido dependente não subsiste se desligado do pedido principal” e “a relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um “complemento” do pedido formulado na acção, isto é, esteja interligado com ele. Daí que neste aresto se tenha concluído que “não existe conexão substantiva entre (por um lado) os pedidos indemnizatórios formulados pelo autor com base na rescisão unilateral do contrato de trabalho pelo empregador, na violação do direito a férias e na cessação do contrato como facto gerador de danos não patrimoniais e (por outro) o pedido reconvencional de indemnização alicerçado no cumprimento defeituoso da prestação laboral por parte do autor.
  O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (de 12.02.2009, disponível no mesmo sítio da internet) dá-nos, por sua vez, a seguinte classificação:
  Na acessoriedade, a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal.
  Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra.
  Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.
  Concluindo que a relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório como o pedido dependente estão objectivamente subordinados a esse pedido (principal).
  Regressando ao caso dos autos, também não vislumbramos nos factos que consubstanciam a causa de pedir da reconvenção uma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência com o pedido formulado na acção. Analisando a forma como a Ré estrutura o seu pedido reconvencional, verificamos que a sua causa de pedir assenta, como já se afirmou, no instituto do enriquecimento sem causa, à margem de qualquer consideração da qualidade de trabalhador e da relação de trabalho que se estabeleceu entre eles. Note-se que, segundo a fundamentação da Ré não poderá ser responsabilizada por valores que foram atribuídos aos seus trabalhadores por terceiros, externos ao contrato de trabalho e às condições negociadas com cada um dos seus trabalhadores; daí que, concluímos nós, tendo em conta o enquadramento que a Ré pretende fazer dessa relação jurídica e, sobretudo, as consequências jurídicas que dela pretende retirar, essa materialidade não poderá ser discutida no âmbito de uma acção laboral.
  Pelo exposto, não se admite a reconvençao deduzida pela Re uma vez que não obedece aos requisitos substanciais previstos no artigo 17.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.

Às doutas e sensatas considerações tecidas nessa decisão, aderimos integralmente.

Assim, nos termos permitidos pelo artº 631º/5 do CPC, dando aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos invocados na decisão ora impugnada, é de negar provimento ao recurso.

III

Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso interlocutório da Ré.
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Custas pela Ré.

RAEM, 31MAIO2012

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira






Ac. 802/2011-4