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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, intentou acção declarativa com processo ordinário contra B, pedindo a sua condenação no pagamento de HK$2.925.000,00 e juros legais desde a citação, acrescidos de 2%.
Em reconvenção, o réu pediu o pagamento da autora no pagamento de HK$17.260.000,00, bem como da quantia de HK$13.255.471,79.
A sentença absolveu o réu do pedido e condenou a autora a restituir ao réu a quantia de HK$9.676.864,79 (relativa ao pedido de HK$13.255.471,79 a que deduziu HK$ 3,578,607.00), absolvendo a autora dos restantes pedidos reconvencionais.
Recorreram a autora, quanto à improcedência do pedido da acção e quanto à procedência parcial da reconvenção e o réu, quanto à improcedência parcial da reconvenção para o Tribunal de Segunda Instância (TSI).
O TSI julgou procedente o recurso da autora quanto à improcedência da acção e à sua condenação na restituição ao réu da quantia de HK$9.676.864,79, pelo que condenou o réu a restituir à autora a quantia de HK$ 2,925.000.00 e absolveu a autora dos pedidos reconvencionais, com excepção da parte em que considerou procedente o desconto de MOP$391.475.00 no pagamento a fazer à autora.
Recorrem ambas as partes para este Tribunal de Última Instância (TUI).
A autora apresentou as seguintes conclusões úteis:
- Nas conclusões das alegações de recurso para o Tribunal de Segunda Instância, o Réu circunscreveu o objecto do seu recurso (i) ao pedido de indemnização pelo atraso na instalação do sistema de conservação e condução do gás de petróleo líquido, (ii) à impugnação da resposta aos quesitos 20.° e 5.° da Base Instrutória, (iii) à ampliação da Base Instrutória por forma a incluir a matéria alegada nos artigos 101.° e 106.° da Contestação, e (iv) ao pedido de pagamento do imposto, custas jurídicas e despesas do pedido de vistoria.
- Não existindo nas alegações de recurso do Réu qualquer referência à ilegalidade nem à revogação da parte da sentença relativa à improcedência do pedido de compensação das despesas de reparação por defeitos da obra.
- Significa isto que o objecto do recurso ficou delimitado pelas conclusões das alegações nos termos dos artigos 563.°, n.º 2, 567.°, 589.°, n.os 3 e 4 e 598.º, n.º 1, n.° 1, todos do Código de Processo Civil, não podendo o Tribunal a quo1 conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas fossem de conhecimento oficioso [artigos 563.°, n.º 3 do Código de Processo Civil], o que não era o caso das despesas de reparação por defeitos da obra.
- Logo, por força da referida limitação do objecto do recurso pelo Réu/recorrente [artigo 589.°, n.º 2, 1ª parte, e 3, do Código de Processo Civil] verificou-se a aceitação tácita pelo Réu da sentença da primeira instância na parte relativa às despesas de reparação por defeitos da obra nos termos do artigo 586.º. n.º 2, do Código de Processo Civil, não podendo, por isso, tal questão ser objecto de nova pronúncia pelo Tribunal de Segunda Instância.
- Esta restrição do objecto do recurso nas alegações do Réu/recorrente conduziu assim à preclusão do conhecimento das questões não submetidas à reapreciação do tribunal superior [artigo 564.°, n.º 1 ex vi do artigo 631.° n.º 2 do Código de Processo Civil]
- Por isso, o Acórdão ora recorrido ao condenar a Autora no valor a apurar em liquidação de sentença das despesas de reparação por defeitos da obra, concedeu mais do que aquilo que o Réu/recorrente pediu no recurso (reformatio in melius), incorrendo em excesso de pronúncia, que é causa de nulidade, nos termos dos artigos 633.°, 571.°, n.º 1, alínea d), 2.a parte, 563.°, n.º 3,589.°, n.os 2, 1ª parte, e 3, todos do Código de Processo Civil.
O réu apresentou as seguintes conclusões úteis:
(i) Violação do artigo 228.º do Código Civil
- Como se sabe, no termo da indústria da construção, a licença de habitação indica apenas a licença de utilização dum edifício, mas não de outra obra.
- Na verdade, o acórdão recorrido confirmou isto por se ter descrito em fls. 36: o pagamento de 2ª fase foi feito no prazo de 30 dias contados da data de emissão da licença de habitação (licença de utilização).
- Pelo que o termo “aprovação final” utilizado na cláusula 7 do Acordo de conciliação extrajudicial devem indicar a vistoria e a aprovação de outras obras (designadamente as obras das instalações de gás) e a emissão da licença.
- Face aos factos supracitados e ao disposto no artigo 228.º do Código Civil, a declaração que um declaratário normal, colocado na posição do recorrente (réu), possa deduzir do comportamento da recorrida (autora), deve ser o conteúdo declarado por esta na cláusula 7 do Acordo de conciliação extrajudicial, mas não a interpretação no acórdão recorrido.
- Face ao exposto, a interpretação do Acordo de conciliação extrajudicial pelo acórdão recorrido não é correcta, pelo que este viola o disposto no artigo 228.º do CC.
(ii) Violação do princípio dispositivo e do princípio de ónus da prova
- Além disso, o recorrente mais entende que o acórdão em causa viola o princípio dispositivo e o princípio de ónus da prova.
- Isso é porque, depois de o réu ter deduzido excepção e reconvenção com fundamento de a autora não ter concluído, no prazo fixado no Acordo de conciliação extrajudicial, as obras de projecto das instalações de gás nem ter obtido a licença, a autora nunca sustentou, tal como o acórdão recorrido, que o termo “aprovação final” no Acordo em causa só significa a vistoria mas não inclui a emissão de licença.
- Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, n.º 2, 1.ª parte e artigo 567.º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções; o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes.
- Além disso, segundo o artigo 420.º, n.º 1, al.s a) e b) do CPC, compete à autora réplica se for deduzida alguma excepção ou reconvenção pelo réu. Nos termos do artigo 335.º, n.º 2 do Código Civil, A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
- Mas tal como se refere anteriormente, a autora nunca sustentou que a “aprovação final” no Acordo de conciliação extrajudicial só indica a vistoria mas não inclui a emissão de licença; pelo que tal facto não se encontra na base instrutória da causa, e a autora também não comprovou este facto.
- No entanto, sem a pretensão e ónus da prova da autora, o acórdão recorrido revogou a decisão do Tribunal a quo tendo por fundamento o facto de que a “aprovação final” no Acordo de conciliação extrajudicial só indica a vistoria mas não inclui a emissão de licença. Assim sendo, tal acórdão violou, sem dúvida, o artigo 5.º, artigo 420.º, n.º1, al. a) e b) do CPC e artigo 335.º, n.º 2 do CC, isto é, o princípio dispositivo e o princípio de ónus da prova.
(iii) Oposição entre os fundamentos e a decisão
- Mesmo que entendamos o teor descrito em fls. 37 do acórdão recorrido, “os factos acima referidos são suficientes para comprovar a nossa ideia de que a “aprovação final” no Acordo de conciliação extrajudicial não inclui a emissão de licença de utilização. Deve-se entender que a autora comprometeu a observar todas as formalidades relativas à aprovação final no prazo de 14 dias contados da data da recepção da verba de 1ª fase, caso contrário, seja punida, por cada dia que exceder o prazo, na multa de dez mil patacas, ou se mais de 10 dias exceder o prazo, na multa de vinte mil patacas e com a restituição da verba coberta”, não se poderia revogar a decisão do TJB.
- Isso é porque, tendo aplicado a lei aos factos tido como provados, não se pode formar a decisão no acórdão recorrido.
- Porque a resposta à base instrutória 19 é: em 8 de Outubro de 2007, a DSSOPT notificou o réu de que, dado que ainda não é reconhecida a qualificação do engenheiro dos combustíveis que se responsabiliza por elaborar o projecto, não se qualifica para a aprovação o projecto de modificação do sistema de gás n.º X-XXXX.
- Assim sendo, a autora não cumpriu em 8 de Outubro de 2007 o seu compromisso de “observar todas as formalidades relativas à aprovação final no prazo de 14 dias contados da data da recepção da verba de 1ª fase”, porque as obras das instalações de gás não são qualificadas para a aprovação final, para não falar a emissão de utilização das mesmas. Isso revela expressamente que a autora violou a cláusula 7 do Acordo.
- Dada a violação da cláusula 7 do Acordo, é correcta a decisão do TJB de condenar a autora, segundo a cláusula 10 do Acordo, na restituição ao réu de valor de HKD$9.676.864,79.
- Face ao exposto, o acórdão recorrido padece do vício previsto no artigo 571.º, n.º 1, al. c) do CPC.
- Além disso, segundo o recorrente, a fundamentação no ponto 2 citou um facto não provado para a presunção dum facto relevante. Aqui vem o facto não provado: “segundo os dados nos autos, a DSSOPT notificou, em 31 de Agosto de 2006, através de ofício, o réu da realização de vistoria da sala de gás em 6 de Setembro de 2006, às 15h00 (vd. fls. 163 dos autos, dá-se como integralmente reproduzido o respectivo teor)”, e o facto relevante presumido: “disso resulta que as respectivas instalações de gás foram com certeza concluídas antes de 31 de Agosto de 2006.”
- A emissão do ofício de vistoria da sala de gás não significa que “as respectivas instalações de gás foram com certeza concluídas antes de 31 de Agosto de 2006.”
- Isso é porque há possibilidade de não aprovação por causa da irregularidade. A construção das instalações de gás irregulares não equivale ao cumprimento da cláusula 19 da “Declaração sobre os Materiais” ou à conclusão das instalações de gás.
- O recorrente também espera que o acórdão recorrido possa conhecer, através da resposta à base instrutória 19, que a recorrida (autora) não observou todas as formalidades relativas à aprovação final no prazo de 14 dias contados da data da recepção da verba de 1ª fase, porque a falta de engenheiro dos combustíveis qualificado em 8 de Outubro de 2007 significa a não autorização da licença de obras, a não realização de obras e a falta dos requisitos para a autorização da licença de utilização.
- Além disso, na sua fundamentação, o acórdão recorrido considerou o facto não provado referido no ponto 43 acima, violando assim o disposto no artigo 562.º, n.º 3 do CPC, pelo que deve ser revogado.
- Assim sendo, deve ser reenviado para novo julgamento ao TSI o pedido reconvencional de a autora pagar a pena ao réu pela violação do Acordo de conciliação extrajudicial.

II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de 1.ª e Segunda Instâncias, são os seguintes:
- A Autora é uma companhia limitada, inscrita na Conservatória de Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o número de empresário comercial da pessoal colectiva XXXXX(SO), exercendo actividade de desenvolvimento dos bens imóveis (alínea A) dos factos assentes).
- Na sequência do processo que correu termos neste tribunal sob o número CV3-06-0003-CAO entre aqui A. e o R. foi celebrado o acordo extrajudicial que consta de folhas 87 e 88 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea B) dos factos assentes).
- Naquele acordo A. e R. nos termos do artigo 3 do “Contrato de Empreitada das Obras de Construções da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X, Lote X” ajustaram o preço global de construção do mesmo contrato, fixando-o no montante de HKD54.921.393,00, o réu em causa já pagou ao autor o montante de HKD42.319.528,21 como quantia das obras, promete pagar o montante de HKD12.601.864,79 e uma Companhia de Fomento Predial concorda em pagar nome do réu o montante de HKD3.578.607,00 à A., como subsídio do preço global de construção do aludido edifício, pelo que o R. em causa não necessita de pagar a referida quantia (alínea C) dos factos assentes).
- Nos termos do acordo referido em b) a A. concordou em devolver ao R. a Livrança (recibo de empréstimo do governo) indicada no artigo 5º do “Contrato de Empreitada das Obras de Construções da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X, lote X”, aquando da assinatura do acordo de conciliação e recebida a 1ª prestação (alínea D) dos factos assentes).
- Nos termos do acordo referido em b) foi ainda estabelecido que a A. e a “C” e “D” concordaram em entregar incondicionalmente ao R. todas as chaves da fracção, os certificados de garantias e instruções dos equipamentos electrónicos, e o direito de posse do edifício da Zona dos novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X, depois da assinatura do acordo de conciliação e recebida a 1ª prestação, declarando ainda a A. que após assinarem o acordo de conciliação e recebida a 1ª prestação irá concluir todas as obras do “Contrato de Empreitada das Obras de Construções da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X, Lote X” e tratar junto do governo da aprovação final dentro de 14 dias, caso contrário irá indemnizar o R. nos termos do artigo 5º e o n.º 3 do artigo 13º do mesmo contrato. Além disso, declara que após a fase de aprovação final, irá concluir as infra-estruturas do resort dentro de 90 dias (indicadas no artigo 5º “Esclarecimento do uso de materiais da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X”), caso contrário irá indemnizar o R. nos termos do artigo 5º e o n.º 3 do artigo 13º do mesmo contrato (alínea E) dos factos assentes).
- No acordo referido em b) a A. e o R. acordaram a forma de pagamento das obras nos seguintes termos. A) 1ª prestação no montante de HKD10.330.471,79, a passagem de três cheques, respectivamente, um cheque n.º XXXXXXXX do [Banco (1)] no montante de HKD5.330.471,79, um cheque n.º XXXXXXXX do [Banco (1)] no montante de HKD1.421.393,00 e um cheque n.º XXXXXXXXdo [Banco (2)] no montante de HKD3.578.607,00 depositado no escritório do advogado E, bem como delegou ao advogado E para entregar os dois cheques ao autor, 2 dias depois da conclusão da aprovação final na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X. B) a 2ª prestação no montante de HKD2.925.000,00 será pago dentro de 30 dias, aquando da obtenção da licença de utilização. C) a 3ª prestação no montante de HKD2.925.000,00 como depósito e garantia das obras, será pago um ano depois da atribuição da licença de utilização (alínea F) dos factos assentes).
- O R. cumpriu o disposto nas alíneas a) e b) do art.º 8º do contrato referido em b) (alínea G) dos factos assentes).
- A licença de utilização do edifício da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X, Lote X, foi emitida pela DSSOPT em 10 de Agosto de 2006 (alínea H) dos factos assentes).
- O Réu não pagou ao autor a quantia referida na alínea C) do art.º 8º do acordo mencionado em b) no montante de HKD2.925.000,00 até 11 de Agosto de 2007 (alínea I) dos factos assentes).
- No dia 19 de Dezembro de 2002, a A. e o R. celebraram o Contrato de Empreitada do Projecto de Construção do Lote XX no Novo Aterro de Macau, o Contrato Suplementar de Empreitada do Projecto de Construção do Lote XX no Novo Aterro de Macau, e a Declaração sobre os Materiais do Lote XX no Novo Aterro de Macau. Na 8ª cláusula do Contrato Suplementar de Empreitada do Projecto de Construção do Lote XX no Novo Aterro de Macau e nas Observações (3) da Declaração sobre os Materiais do lote XX no Novo Aterro de Macau, é referido que o Contrato Suplementar de Empreitada do Projecto de Construção do Lote XX no Novo Aterro de Macau e a Declaração sobre os Materiais do lote XX no Novo Aterro de Macau são documentos inseparáveis do Contrato de empreitada do projecto de construção do lote XX no Novo Aterro de Macau tudo conforme documento de folhas 130 a 142 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea J) dos factos assentes).
- A Autora entregou ao Réu todas as chaves das fracções, os certificados de garantias e instruções dos equipamentos electrónicos e o direito de posse do edifício da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- A Autora enviou uma notificação ao Réu em Fevereiro de 2008, pedindo o pagamento de HKD2.925.000,00 referida na alínea C) do art.º 8º do acordo mencionado na alínea b) dos factos assentes (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- Em Março de 2008, a Autora através do seu advogado enviou uma carta ao Réu, pedindo o pagamento da quantia acima referida (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Não provado sem prejuízo do que consta na alínea e) dos factos assentes (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- No ponto 19 da Declaração sobre os Materiais do lote XX no Novo Aterro de Macau, as obras empreitadas pela Autora incluem o sistema de abastecimento de gás de petróleo liquefeito (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- Segundo a 12ª cláusula do Contrato de Empreitada do Projecto de Construção do Lote XX no Novo Aterro de Macau, sem a autorização do Réu, a Autora não pode subempreitar integralmente as obras empreitadas a terceiro apenas o podendo fazer parcialmente (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- Caso a Autora subempreitasse integralmente as obras a terceiro e surgisse acidente de qualidade ou impossibilidade de aprovar a recepção a prazo, a Autora devia assumir a indemnização por todos os danos causados ao Réu (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- No dia 6 de Março de 2007, os serviços de administração do Edf. informaram a Autora que já expirou o prazo de reparação relativo a (resposta ao quesito 9º da base instrutória):
1. Items 1, 3, 4 da fracção do XXº andar X (nota de 8 de Fevereiro).
2. Deformação do armário de cozinha da fracção do XXº andar X (nota de 5 de Fevereiro).
3. Queda de rodapés de baixo do lava loiça da cozinha do Xº andar X (nota de 8 de Fevereiro).
4. Infiltração de água na base de chuveiro das fracções do Xº andar X, Xº andar X, XXº andar X (nota de Dezembro, Janeiro, Fevereiro).
5. Problemas do aparelho de ar condicionado das fracções do Xº andar X (10 de Janeiro).
6. Candeeiro quadrado do corredor (provavelmente por causa do transformador) das fracções do Xº andar X, Xº andar X, X, X, XXº andar X, XXº andar X e XXº andar X.
7. Sinalização luminosa de saída dos XXº, XXº andar.
8. Candeeiro dos Xº, Xº, Xº, Xº, Xº, Xº, Xº, XXº, XXº, XXº andar.
9. Nota de reparação 1, 2, 3 de 1 de Março (incluindo antena, electricidade e máquina de lavar roupa).
10. Notas de reparação de 2 e 3 de Março (incluindo infiltração de água, candeeiro, porta, máquina de lavar roupa, fechadura, etc.).
11. Nota de reparação de 5 de Março (infiltração de água, máquina de lavar roupa e aparelho de ar condicionado).
- No dia 8 de Março de 2007 o Réu através da F notificou a Autora e a G referindo que, em vez que a reparação não havia sido feita em duas semanas e o contrato estipulava que o Réu tinha o direito de procurar terceiro para realizar a reparação após este prazo, as despesas com as reparações seriam descontadas no valor da garantia caso a Autora não as realizasse no prazo de uma semana (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- No dia 25 de Abril de 2007, o Réu através da F notificou a Autora e a G referindo que, uma vez que a reparação não tinha sido efectuada no prazo de uma semana, a Autora deveria realizar a reparação no prazo de 3 dias sob pena do Réu procurar terceiro para a realizar (reposta ao quesito 11º da base instrutória).
- No dia 26 de Abril de 2007, os serviços de administração do Edf. emitiram à Autora uma nota de reparação, com o seguinte teor (reposta ao quesito 12º da base instrutória):
1. Local público:
1. A porta de vidro da portaria não se fecha bem.
2. A fechadura da porta da casa de banho da portaria está estragado (sic).
3. As pedras no chão abaixo da colona redonda da varanda do edifício (em frente à loja X) estão soltas.
4. Há infiltração de água em 2 sítios do ginásio, na cozinha, no restaurante e no hall do clube.
5. A boca da canalização do jardim do clube não é suficientemente grande e o clube fica inundado quando chove.
6. Há infiltração de água através da fissuras das canalizações da parede exterior do clube.
2. Local público (iluminação):
1. Candeeiros quadrados dos corredores: 1 do 16º andar, 3 do 15º andar, 1 do 14º andar, 1 do 12º andar, 2 do 11º andar, 2 do 7º andar, 3 do 4º andar, 1 do 3º andar.
2. Candeeiros do 16º andar, 1 do 15º andar, 1 do 14º andar, 1 do 10º andar, 1 do 7º andar, 1 do 5º andar (o quebra-luz do 11º andar estragado).
3. Candeeiros na saída: 1 do 16º andar, 1 do 15º andar, 1 do 14º andar, 2 do 13º andar, 2 do 12º andar, 2 do 11º andar, 1 do 10º andar, 1 do 9º andar, 1 do 8º andar, 1 do 6º andar, 1 do 5º andar, 2 do 3º andar, 1 do clube, 3 do 1º andar da cave, 4 do 2º andar da cave.
4. Candeeiros do hall do rés-do-chão estragados: 22 ao todo. Candeeiros estragados nos pisos: candeeiros na entrada dos elevadores do 6º andar a 16º andar não funcionam.
3. Outros no interior:
1. O armário em cima do frigorífico da fracção do XXº andar X precisa de reparação.
2. Há fendas na bancada da fracção do XXº andar X.
3. A porta principal da fracção do XXº andar X está riscada, o proprietário pede para trocar uma nova ou repará-la.
4. A fracção do XXº andar X precisa das seguintes reparações: a fechadura da porta principal está variada, os armários da cozinha faltam parafusos, a porta está danificada.
5. A fracção do XXº andar X precisa das seguintes reparações: a porta de madeira está deformada, a parede tem fissuras, os armários da cozinha estão deformados, o rodapé é mais alto que o pavimento.
6. A fracção do XXº andar X precisa de reparações: a porta do suite, a porta da cozinha, gás e vidro.
7. A fracção do XXº andar X precisa das seguintes reparações: o aparelho de micro-ondas está mal colocado, todas as janelas e portas são difíceis de abrir e a porta deslizante da varanda está avariada.
8. A fracção do XXº andar X precisa das seguintes reparações: o aparelho de micro-ondas está mal colocado, todas as janelas e portas são difíceis de abrir e a porta deslizante da varanda está avariada.
9. O pavimento da fracção do Xº andar X não está bem nivelado, nova pavimentação solicitada.
4. Ar condicionado:
1. O aparelho do ar condicionado do suite da fracção do Xº andar X pinga água.
2. Os 2 aparelhos do ar condicionado da sala do Xº andar X pingam água.
3. O da fracção do Xº andar X não há electricidade.
4. O da fracção do Xº andar X não funciona.
5. O da fracção do Xº andar X não funciona.
5. Água:
1. Infiltração na base de chuveiro da fracção do Xº andar X.
6. Electricidade:
1. A tomada da cozinha da fracção do XXº andar X não há electricidade.
2. No suite da fracção do Xº andar X não há electricidade.
3. Não há electricidade para a máquina de lavar roupa da fracção do Xº andar X.
- No dia 2 de Maio de 2007, o Réu através da F notificou a Autora referindo que, uma vez que as reparações não foram feitas em uma semana e o contrato estipulava que o Réu tinha o direito de procurar terceiro para realizar a reparação após este prazo, as despesas com as reparações seriam descontadas no valor da garantia caso a Autora não a realizasse no prazo de 3 dias (reposta ao quesito 13º da base instrutória).
- No dia 17 de Agosto de 2007, o Réu através da F notificou a Autora referindo que, após a reparação dos defeitos do clube do 2º andar e depois de terem inspeccionado o local, o Réu e a F verificaram que parte dos defeitos subsistiam pelo que pediram que a Autora acompanhasse o trabalho de reparação e acabasse dentro de 7 dias (reposta ao quesito 14º da base instrutória).
- No dia 6 de Setembro de 2007, o Réu através da F notificou a Autora referindo que, mesmo após a reparação dos defeitos do clube do 2º andar, o Réu e a F descobriram que parte dos mesmos subsistiam pedindo à Autora que acompanhasse o trabalho de reparação e acabasse dentro de 7 dais (reposta ao quesito 15º da base instrutória).
- Na correspondência acima referida foram apresentados os seguintes defeitos (reposta ao quesito 16º da base instrutória):
1. A boca de drenagem está bloqueada pela grade de aço inoxidável nova instalada na área de diversões infantis ao ar livre e é demasiado estreita, não é adequada à quantidade de água a escoar. Deve ser melhorada.
2. O remate entre a grade de aço inoxidável nova instalada na área de diversões infantis ao ar livre e a plataforma não está feito.
3. A vedação contra água deve ser construída até à porta de vidro e deve melhorar a inclinação para evitar tropeçamento.
4. A boca do tubo de drenagem na plataforma da área de diversões infantis é pequeno de mais, a drenagem deve ser melhorada.
5. A vedação contra água dos dois lados da área de diversões infantis devem ser demolida.
6. A boca de drenagem em frente à janela de vidro do clube é pequena de mais e a capacidade de drenagem insuficiente. Deve ser retirada a tampa e substituí-la por uma grade de ratos móvel.
7. A tomada impermeável fora do clube é baixa de mais, deve ser alterada.
- No dia 5 de Novembro de 2007, os serviços de administração notificou a Autora sobre a necessidade de proceder, entre outras, às seguintes reparações (reposta ao quesito 17º da base instrutória):
1. O aparelho de ar condicionado do XXº andar X que pinga água ainda não está reparado.
2. O problema da drenagem do clube não está completamente resolvido.
3. Há 5 fracções onde a máquina esterilizadora ainda não está instalada (XXº andar X, XXº andar X, XXº andar X, XXº andar X, XXº andar X).
4. O problema das manchas de água do 8º andar e do hall do rés-do-chão não está resolvido.
5. Iluminação da saída do parque de estacionamento não está reparada.
Estas 5 questões já existiam antes de 23 de Agosto.
- No dia 8 de Outubro de 2007, a DSSOPT notificou o Réu que, uma vez a qualificação do engenheiro que se responsabiliza pelo planeamento do gás ainda não estava confirmada, o plano de revisão do sistema de abastecimento de gás de petróleo liquefeito do registo n.º X-XXXX ainda não possuía condição para ser provado (reposta ao quesito 19º da base instrutória).
- A Autora apresentou ao Réu projectos para resolver os problemas do clube no 2º andar (reposta ao quesito 23º da base instrutória).

III – O Direito
  1. As questões a resolver
Quanto ao recurso da autora, trata-se de saber se o Acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia, ao decidir o desconto (na condenação do réu a pagar à autora a quantia de HK$2,925,000.00) com as obras de reparação, a liquidar em execução de sentença e a suportar pela autora, alegadamente por o réu não ter recorrido dessa parte da sentença de 1.ª instância.
Quanto ao recurso do réu está em causa apurar se o Acórdão recorrido violou as normas legais atinentes à interpretação dos negócios jurídicos no que concerne à interpretação do acordo entre as partes celebrado em Abril/Maio de 2006, no tocante à absolvição da autora do pagamento ao réu da quantia de HK$9.676.864,79, relativo a um dos pedidos reconvencionais.

2. Recurso da autora.
A parte do Acórdão recorrido que determina que na condenação do réu a pagar à autora a quantia de HK$2,925,000.00, se efectue o desconto com as obras de reparação, a liquidar em execução de sentença e a suportar pela autora.
Imputa a autora excesso de pronúncia, na parte mencionada da decisão do Acórdão recorrido. Isto porque, tendo a sentença de 1.ª instância absolvido a autora dessa parte do pedido reconvencional, o réu não impugnou o decidido, pelo que formou caso julgado nessa parte.
A autora tem razão.
A sentença de 1.ª instância absolveu a autora dessa parte do pedido reconvencional.
O único vencido nessa parte do julgado foi o réu. Só ele podia recorrer da sentença, nessa parte (artigo 585.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Não o fez, não tendo levado às extensas conclusões da sua alegação de recurso para o TSI qualquer questão relacionada com essa vertente do pedido reconvencional, sendo que são as conclusões da alegação que definem o objecto do recurso (artigo 598.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Logo, o acórdão recorrido não se poderia ocupar da questão, por não se tratar de matéria de conhecimento oficioso, nos termos do n.º 3 do artigo 563.º do Código de Processo Civil.
Tendo-o feito incorreu em excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 571.º, n.º 1, alínea d), parte final e 633.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que provoca nulidade do acórdão.
Procede, pois, na totalidade o recurso da autora.

3. Recurso do réu. Interpretação dos negócios jurídicos. Matéria de facto e matéria de direito. Poder de cognição do TUI.
Quanto ao recurso do réu está em causa apurar se o Acórdão recorrido violou as normas legais atinentes à interpretação dos negócios jurídicos no que concerne à interpretação do acordo entre as partes celebrado em Abril/Maio de 2006, no tocante à absolvição da autora do pagamento ao réu da quantia de HKP$9.676.864,79, relativo a um dos pedidos reconvencionais.
O ponto fundamental da discórdia reside na interpretação da expressão “aprovação final” constante das cláusulas 7 e 8 do acordo mencionado, onde as partes ajustaram que:
7. Declarando ainda a Autora que após assinarem o presente acordo de conciliação e recebida a 1ª prestação do preço irá concluir todas as obras do “Contrato de Empreitada das Obras de Construções da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X, Lote X” e tratar junto do governo da aprovação final dentro de 14 dias, caso contrário irá indemnizar o 1º Réu, B, nos termos do artigo 5º e o n.º 3 do artigo 13º do mesmo contrato. Além disso, declara que após a fase de aprovação final, irá concluir as infra-estruturas do resort dentro de 90 dias, indicadas no artigo 5º do “Esclarecimento do uso de materiais da Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X”, caso contrário irá indemnizar o Réu como acima mencionado.
8. A forma de pagamento das obras:
A. A 1ª prestação, no montante de HKD10.330.471,79, será paga por meio de três cheques, respectivamente, um cheque n.º XXXXXXXX do [Banco (1)] no montante de HKD5.330.471,79, um cheque n.º XXXXXXXX do [Banco (1)] no montante de HKD1.421.393,00 e um cheque n.º XXXXXXXXdo [Banco (2)] no montante de HKD3.578.607,00 depositado no escritório do advogado E, bem como delegou ao advogado E para entregar os dois cheques à Autora, 2 dias depois da conclusão da aprovação final na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, quarteirão X, Lote X.
B. A 2ª prestação, no montante de HKD2.925.000,00, será paga dentro de 30 dias, aquando da obtenção da licença de utilização.
C. A 3ª prestação, no montante de HKD2.925.000,00, como depósito e garantia das obras, será paga em um ano depois da atribuição da licença de utilização.

A sentença de 1.ª instância concluiu que tal expressão significava a obtenção da licença de utilização das instalações de gás.
Já o Acórdão recorrido considera que tal expressão não significava a emissão de licença de utilização.
Mais entende o Acórdão recorrido que a autora não tinha a obrigação de conseguir a emissão de licença de utilização das instalações de gás dentro de 14 dias após o recebimento da 1.ª prestação do preço.
A primeira questão que cumpre decidir é a de saber se o TUI tem poder de cognição de interpretação da vontade contratual.
Este Tribunal não teve ainda a oportunidade se pronunciar expressamente sobre a questão.
Como se sabe, em recurso jurisdicional cível atinente a 3.º grau de jurisdição, ao TUI apenas compete conhecer de matéria de direito, embora com as seguintes duas excepções - mais aparentes que reais, porque mesmo elas apenas envolvem a aplicação da lei e não a censura das instâncias quanto à prova:
- Quando o tribunal recorrido tenha dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência;
- Quando se tenham desrespeitado normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos na lei.2
Isto resulta basicamente do disposto nos artigos 639.º e 649.º do Código de Processo Civil. Sobre estas questões já nos pronunciámos várias vezes neste sentido.
Tem-se posto a questão de saber se a interpretação da vontade contratual é questão de facto ou questão de direito.
Recorda ALBERTO DOS REIS3que na vigência do Código de Processo Civil de 1876 estava fixada a jurisprudência no sentido de que era matéria de direito, da competência do Supremo, determinar a intenção ou vontade das partes nos contratos. Bem como que, nas primeiras décadas da vigência do Código de 1939, o Supremo tomou posição oposta, decidindo que a questão era de facto.
Nesta matéria ALBERTO DOS REIS4entende que “… a questão é essencialmente de facto, e portanto da competência exclusiva dos tribunais de instância, a não ser que, na determinação da vontade das partes ou na enunciação das consequências jurídicas, esses tribunais tenham violado a lei”.
Posteriormente, foi-se firmando a orientação jurisprudencial de que o apuramento da vontade das partes e a interpretação em geral dos negócios jurídicos é uma questão de facto. Mas saber se os tribunais de 1.ª e 2.ª instâncias fizeram uma aplicação correcta dos critérios interpretativos fixados na lei (artigos 228.º e 230.º do Código Civil de Macau, entre outros) já constitui questão de direito. 5 6
  LEBRE DE FREITAS7 dá conta que “Embora tenda hoje a ser aceite entre nós, esta última orientação está longe de ser pacífica.
  Quer na doutrina alemã, quer na doutrina italiana, dominantemente se entende como pertencendo à esfera dos factos, não só a existência da declaração em si, mas também o seu teor e interpretação, pertencendo, ao invés, à esfera do direito as questões de qualificação e de eficácia jurídicas do que se prove ter sido declarado. A violação das normas de interpretação pode, tal como o erro de qualificação ou o erro sobre os efeitos, fundar o recurso de revista (ou o ricorso in cassazione); mas o tribunal de revista (ou de cassação) não pode substituir a interpretação do tribunal de instância por outra mais exacta quando o resultado a que se tenha chegado, embora não seja o que melhor corresponde à vontade contratual, não tenha derivado da violação la lei”.
Não inteiramente coincidente com a actual posição maioritária da doutrina portuguesa e mais próximos das posições das doutrinas alemã e italiana, acima referidas, estão OLIVEIRA ASCENSÃO e CARVALHO FERNANDES.
  Explica OLIVEIRA ASCENSÃO8 que “Há que distinguir. Quando está em causa o entendimento do caso singular, a questão é de facto. Não pode ser objecto de recurso para o Supremo.
  Porém, quando está em causa o entendimento das regras sobre interpretação, ou a própria escolha destas, o problema é de direito. É então admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
  Também CARVALHO FERNANDES9 chega ao mesmo resultado quando afirma: “A questão é de direito quando esteja em causa a selecção, interpretação ou aplicação de normas sobre a interpretação. Consequentemente, só quanto a essa matéria é admissível, em sede de interpretação, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça10. O apuramento da vontade das partes, em si mesmo, envolve, em geral, uma questão de facto”.
Que dizer?
Sem dúvida que o apuramento da vontade real das partes constitui questão de facto. Nisto há concordância geral.
Quanto à interpretação do negócio, afigura-se ser questão de direito averiguar se os tribunais inferiores “fizeram correcta aplicação dos critérios interpretativos fixados na lei”11. Já se tratará de matéria de facto quando na interpretação da vontade negocial não estiverem em causa os critérios legais de interpretação do negócio jurídico.
É o que mostra PAULO MOTA PINTO12, quando, referindo-se à interpretação dos negócios jurídicos, afirma:
“A determinação, por interpretação, do sentido do acto, precede, portanto, a fixação dos seus efeitos. Contudo, aquela determinação não consiste numa actividade hermenêutica meramente cognitiva, ou reconstrutiva de uma intenção. Antes há que afirmar a sua natureza de descoberta de um significado para fins normativos. Trata-se, na conhecida distinção funcional de Betti, de interpretação em função normativa, e não meramente recognitiva, como na leitura, reprodutiva ou representativa (por exemplo, de uma fonte histórica ou de um comportamento passado). A interpretação jurídica em geral, incluindo a dos negócios jurídicos, visa apreensão de um sentido pelo qual se vai pautar a conduta de certas pessoas, aspecto que a distingue de outras formas de interpretação não jurídica. Aliás, sabe-se que toda a interpretação jurídica tem uma função constitutiva de juridicidade e uma índole normativa incompatíveis com a sua caracterização como uma pura hermenêutica (diferente, portanto, da dimensão concretizadora da applicatio hermenêutica), razão este que, como salienta Castanheira Neves, exclui também a procedência de uma caracterização da racionalidade jurídica como fundamentalmente hermenêutica”.
Em suma, nada obsta ao conhecimento de todas as questões atinentes à interpretação do acordo dos autos.

4. Interpretação dos negócios jurídicos. Os artigos 228.º e 230.º do Código Civil.
Vejamos o que dizem os artigos 228.º e 230.º do Código Civil. Estes artigos correspondem, ponto por ponto, respectivamente, aos artigos 236.º e 238.º do Código Civil português de 1966.
Convém conhecê-los:
“Artigo 228.º
(Sentido normal da declaração)

1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
“Artigo 230.º
(Negócios formais)

1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.

  PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, referindo-se ao artigo 236.º, n. os 1 e 2 do Código Civil português - que corresponde exactamente ao artigo 228.º do Código Civil de Macau -13ensinam que “A regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2).
  A primeira restrição é directamente importada da fórmula proposta por Larenz (Allegemeiner Teil, ed. Cit., §19, II) e que Ferrer Correia também subscrevia (Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico, 2ª. Ed., Coimbra, 1968, pág. 200), antes mesmo da vigência do Código actual.
  O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
  2. Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista”.
As primeira (primeira parte do n.º 1) e terceira (n.º 2) regras não suscitam grandes dúvidas.
A maior dúvida deste conjunto de comandos refere-se à restrição da segunda parte do n.º 1.
Sobre a matéria pronunciou-se CARLOS MOTA PINTO14, nos seguintes termos:
  “Num livro clássico sobre a matéria da autoria de Ferrer Correia – Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico, Coimbra, 1939 -, escreve-se a este respeito: «o declarante responde pelo sentido que a outra parte quer atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o sentido que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela» (cfr. pág. 200). Esta posição de Ferrer Correia era a adopção da doutrina de Larenz, exposta, p. ex., no livro Methode der Auslegung des Rechtsgeschafts, pág. 72 e segs.: «Compreende-se que só seja justificado fazer responder o declarante por um sentido que não deu à declaração, se este sentido lhe era imputável.» Esta limitação subjectivista do critério objectivista consagrado no artigo 236.º é, no entanto, de alcance muito escasso, como o próprio Larenz (Allegemeiner Teil (...), §19, a)) esclarece. O significado que o receptor da declaração atribui a esta, procedendo com a diligência adequada, é praticamente sempre imputável ao declarante, se este tinha a consciência de estar a emitir uma declaração negocial. Na verdade ele tinha, nesse caso, o ónus indeclinável de se exprimir de uma forma compreensível para outrem; se se exprimiu de tal modo que a outra parte deva compreender algo diverso do pretendido, o declarante tem de suportar esse risco, pois não cumpriu aquele ónus. Só «excepcionalmente, em casos raríssimos», como Flume (ob. cit., §16. 3c)) também aponta, a compreensão do receptor, terá sido decisivamente determinada através de uma circunstância só por ele reconhecível e insusceptível de ser tomada em consideração pelo declarante. Por isso, como escreve Larenz, pode prescindir-se, se houve consciência da declaração, de um exame caso a caso sobre se o declarante podia razoavelmente contar com o significado que, segundo o critério legal, deve ser entendido pelo declaratário. Quando houver um desses casos excepcionais, assim o terá de provar quem o considere tal”.
Também A. MENEZES CORDEIRO15 se pronuncia pela excepcionalidade da restrição, dizendo que “Mantemos, pois, que o final do artigo 236.º/1 só não é contraditório com o seu início se for entendido como uma ressalva destinada a resolver, por via interpretativa, o erro evidente ou as incapacidade acidental ou falta de consciência da declaração patentes; de outro modo, apenas o regime dessas figuras poderá valer ao declarante”.

5. O negócio dos autos
Como se disse, o ponto fundamental da discórdia reside na interpretação da expressão “aprovação final” constante das cláusulas 7 e 8 do acordo entre as partes celebrado em Abril/Maio de 2006.
Para o Acórdão recorrido o termo aprovação final não significa emissão de licença de utilização.
Pois, a não ser assim, não faria sentido empregar o termo aprovação final na cláusula 7 e, na cláusula 8, a expressão licença de utilização, quando se referiram ao pagamento da 2.ª prestação. Ou seja, não faria sentido empregarem-se duas expressões para designar a mesma realidade.
Por outro lado, o Acórdão recorrido considera que, face ao procedimento administrativo, não seria possível a emissão de licença em 14 dias, já que seria sempre necessário realizar primeiro a vistoria, seguidamente a elaboração do respectivo relatório para ser submetido ao superior hierárquico e só depois teria lugar a emissão da licença.
Entendeu ainda o mesmo Acórdão que a autora, na qualidade de construtora civil, conhecia estes procedimentos, pelo que não seria possível celebrar um acordo a garantir a emissão da licença em 14 dias. Interpretou o acordo no sentido de que a autora se comprometeu a tratar de todas as formalidades respeitantes à aprovação mas sem garantir a emissão da licença de utilização.
Pois bem.
No caso dos autos não se provou a vontade real dos declarantes, pelo que não se pode aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 228.º do Código Civil.
Relativamente à interpretação feita pelo Acórdão recorrido, afigura-se-nos estar a mesma de acordo com o disposto no artigo 228.º do Código Civil.
Na verdade, a interpretação feita é compatível com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante, visto não se ter provado nada que pudesse constituir a restrição da parte final do n.º 1 do artigo 228.º do Código Civil.
Improcede, portanto, a imputação de violação do disposto no mencionado preceito legal.

6. Violação dos princípios dispositivo e do ónus da prova
Na tese do réu o Acórdão recorrido violou os princípios dispositivo e do ónus da prova, na medida em que a autora, nos articulados, nunca sustentou que a expressão “aprovação final” do Acordo não incluísse a emissão de licença, pelo que tal facto não foi levado à base instrutória.
Mas há aqui um equívoco. A questão é mera interpretação de negócio pelo que não deveria ter sido levada à base instrutória.
Tratando-se de uma questão de direito e tendo a sentença de 1.º instância interpretado de certa maneira a mencionada expressão, e que a autora estava obrigada a conseguir determinado resultado em 14 dias, veio a autora nas conclusões da alegação do seu recurso para o TSI, defender que tal obrigação de conseguir a licença de utilização era de meios e não de resultado, o que o Acórdão recorrido sufragou. No entanto, este Acórdão ainda acrescentou – adentro da impugnação da sentença no que toca ao incumprimento contratual imputado à autora – que a expressão aprovação final não significava emissão de licença de utilização. Estava nos seus poderes de interpretação do negócio.
Improcede a mencionada violação.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso da autora, declarando nulo o Acórdão recorrido na parte em que determina que na condenação do réu a pagar à autora a quantia de HK$2,925,000.00, se efectue o desconto com as obras de reparação, a liquidar em execução de sentença e a suportar pela autora e negam provimento ao recurso do réu.
Custas dos recursos pelo réu.
Macau, 14 de Junho de 2013.
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
     1 Cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, pág. 389, ac. Rel. Coimbra, de 10.12.96, RLJ, ano 131°, pág. 113, com anotação concordante de Henrique Mesquita, e ac. Rel. Évora, de 1.10.98, BMJ 480, pág. 566).
     2 RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 2001, 3.ª edição, Volume III, p. 277 e 278.
     3 ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, reimpressão, Volume VI, p. 56 a 58.
     4 ALBERTO DOS REIS, Código.., Volume VI, p. 58.
     5 RODRIGUES BASTOS, Notas…, Volume III, p. 285, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 3.ª edição, 2010, p. 426 e segs., M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 2.ª edição, 1997, p. 437 e 438 e F. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 2009, p. 268 e segs.
     6 Sobre a evolução histórica da jurisprudência portuguesa, cfr. A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte geral, Tomo I, Coimbra, Almedina, 1999, p. 469 e segs.
     7 LEBRE DE FREITAS, O Ónus de Denunciar o Defeito da Empreitada no Artigo 1225.º do Código Civil: O Facto e o Direito na Interpretação dos Documentos, parecer publicado em O Direito, 1999, I-II, p. 231 a 281 e republicado em Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, Volume I, 2.ª edição, 2009, p. 458 a 461. Suprimiram-se as notas de rodapé.
     8 OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil Teoria Geral, Coimbra Editora, Volume II, 1999, p. 160.
     9 CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, II volume, 2001, p. 411.
     10 Cfr., a este respeito, Oliveira Ascensão, Teoria Geral, Vol. II, Pág. 160; para maior desenvolvimento, vd. Menezes Cordeiro, Tratado, I, T. I, págs. 537 e segs.
     11 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4.ª ed., volume I,1987, p. 224.
     12 PAULO MOTA PINTO, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Coimbra, Almedina, 1995, p. 198 a 200. Suprimiram-se as notas de rodapé.
     13 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código…, volume I, p. 223.
     14 CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, reimpressão de 1993, p. 448, nota (1)
     15 A. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, I, Parte geral, Tomo I, p. 485.
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1
Processo n.º 7/2013