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Proc. nº 433/2012
Suspensão de eficácia
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 31 de Maio de 2012
Descritores:
-Suspensão de eficácia
-Acto de execução
-Acto suspensível


SUMÁRIO:

I- Os actos de execução ou de aplicação de actos administrativos não são, em regra, recorríveis (art. 30º, nº1, do CPAC). Sê-lo-ão, porém, e apenas, aqueles que:
a) - Utilizem meios que envolvam prejuízos para os direitos e interesses dos particulares de forma desproporcionada; isto é, que se se revelem desadequados, irrazoáveis e dispensáveis para atingir a “realização integral dos seus objectivos” (art. 138º, nº2, do CPA);
b) - Excedam os limites do acto exequendo, ou seja, aqueles que se não contêm dentro dos limites substantivos do acto administrativo precedente, mas pelo contrário, são parcialmente inovadores, contendo definições e resoluções não abrangidos pelo acto precedente (art. 138º, nº3, do CPA);
c) - Contenham vícios de ilegalidade própria; por conseguinte, vícios que não derivem da mera execução do acto administrativo prévio, mas que apresentam ilegalidades que deles (actos de execução) são exclusivas (art. 138º, nº4, do CPA).

II- Quando não são recorríveis, suspensíveis também não podem ser.





Proc. nº 433/2012


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM


I - Relatório
A, com os demais sinais dos autos, veio requerer a suspensão de eficácia do acto do Ex.mo Chefe do Executivo de 20/05/2011, que ao requerente determinou, no prazo máximo de 30 dias, a desocupação de terreno sito junto aos postes de iluminação nº 907B09, da Estrada Nossa Senhora de B, em Coloane, e a demolição da construção ali existente, com remoção dos objectos, materiais e equipamentos nela existentes e posterior entrega do terreno ao Governo da RAEM.

Invoca, para o efeito, além da iminência da execução daquele acto e a sua ilegalidade, a reunião dos requisitos do art. 121º do CPAC.
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A entidade requerida contestou, defendendo a improcedência da providência, invocando ainda, em defesa da sua tese, o acórdão do TSI de 464/2011, que sobre o mesmo acto já se debruçou definitivamente contra a pretensão do requerente.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido da rejeição do pedido nos termos do seu parecer de fls. 50 e 51.
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Cumpre decidir.

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II - Pressupostos processuais

O tribunal é absolutamente competente.

O processo é o próprio e não há nulidades.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.

Não há outras excepções que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

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III - Os Factos
1 - Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 20/05/2011, foi determinada a desocupação, no prazo máximo de 30 dias, do terreno situado junto ao poste de iluminação nº 907B9 da Estrada de Nossa Senhora de B, em Coloane, com demolição da construção aí edificada e remoção dos objectos, materiais e equipamentos nela existentes, bem como a entrega do terreno ao Governo da RAEM, sem direito de indemnização.

2- O requerente é, desde o seu nascimento (6/03/1045)até ao momento, residente em B, em Coloane.

3- O requerente não possui licença para ocupação e utilização do terreno em causa, nomeadamente para a construção da obra nova ali existente e por si mandada edificar.

4- Em 11/07/2011 o requerente solicitou ao Ex.mo Director da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes de Macau a legalização da obra levada a cabo nesse terreno.

5- Não chegou a ser dada resposta a esta pretensão.

6- O requerente, relativamente ao mesmo acto, intentou a providência cautelar de suspensão de eficácia neste TSI, a que coube o nº 464/2011/A, vinda a ser proferida decisão de improcedência do pedido por acórdão de 21/07/2011, confirmada pelo TUI, no processo a que coube o nº 43/2011, por acórdão de 21/09/2011.

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IV - O Direito

Vem a presente providência requerida partindo do pressuposto de que, na sequência do despacho de 20/05/2011 do Ex.mo Chefe do Executivo, se iria dar-lhe execução com a demolição da construção existente no identificado terreno em B, em Colocane.

Ora, como se sabe, os actos de execução ou de aplicação de actos administrativos em regra não são recorríveis (art. 30º, nº1, do CPAC). Sê-lo-ão, porém, e apenas, aqueles que:

- Utilizem meios que envolvam prejuízos para os direitos e interesses dos particulares de forma desproporcionada; isto é, que se se revelem desadequados, irrazoáveis e dispensáveis para atingir a “realização integral dos seus objectivos” (art. 138º, nº2, do CPA);

- Excedam os limites do acto exequendo, ou seja, aqueles que se não contêm dentro dos limites substantivos do acto administrativo precedente, mas pelo contrário, são parcialmente inovadores, contendo definições e resoluções não abrangidos pelo acto precedente (art. 138º, nº3, do CPA);

- Contenham vícios de ilegalidade própria; por conseguinte, vícios que não derivem da mera execução do acto administrativo prévio, mas que apresentam ilegalidades que deles (actos de execução) são exclusivas (art. 138º, nº4, do CPA).

Desta afirmação de princípio sobressaem três importantes consequências:

1ª- Os actos irrecorríveis que possam enquadrar-se na regra acima apontada também não poderão ser objecto de suspensão de eficácia, pois assim o comina, por outras palavras, o art. 121º, nº1, al.c), do CPAC. Quer dizer, em caso nenhum a suspensão poderá almejar a obtenção do desiderato a que se tenha proposto o requerente, se o recurso contencioso for indiciariamente ilegal por razões adjectivas, nomeadamente por falta do pressuposto da recorribilidade (art. 46º, nº2, al. C), do CPAC).

2ª- Se houver actos de execução coerciva que sejam recorríveis, dir-se-á que, mesmo que não possam ser objecto de embargos administrativos ou judiciais, já podem, por outro lado, ser objecto de suspensão de eficácia (art. 140º, do CPA).

3º- Não fará sequer sentido falar em irrecorribilidade, nem por consequência, em eficácia suspensível, se não estivermos perante actos com aquela verdadeira matriz. Quer dizer, a discussão em volta da possibilidade de se obter a suspensão de eficácia carece sempre da existência de actos que possam cair na alçada da previsão dos arts. 120º e 121º do CPAC.

Ora, o que se passa nos presentes autos é que o requerente, com receio de que a Administração viesse a praticar imediatamente actos e operações coercivas do acto administrativo de 20/05/2011, cujo acatamento por si não foi observado – caso contrário não estaria a pedir ao tribunal a presente providência – apressou-se a pôr em marcha um mecanismo processual destinado a travar as intenções daquela.

Não está em causa, obviamente, o seu direito à tutela judicial efectiva. Mas, sim, perigado se mostra o sucesso do seu propósito, por duas ordens de razões:

Em 1º lugar, porque, afinal de contas, o objecto da providência é exactamente o mesmo que esteve no âmago do processo nº 464/2011/A, a que acima fizemos alusão. Foi um procedimento cautelar que não obteve definitivamente qualquer êxito, posto que confirmado com trânsito em julgado pelo acórdão do TUI também já referido atrás. Quer dizer, a pretensão em ambos parece ser a mesma, ainda que aqui encapotada sob outro prisma, que é o da execução coerciva, e que, por isso, bem pode caracterizar a excepção dilatória de caso julgado (arts. 413º, al. j) e 416º, nº1, do CPC).

Em 2º lugar, o requerente nem tão pouco prova que haja um acto administrativo que tenha dado início à execução à determinação contida naquele outro de 20/05/2011. Na verdade, se aquele era dirigido ao requerente, a quem era dada a oportunidade de, por si mesmo e voluntariamente, proceder à desocupação e demolição da obra, a demolição por banda da Administração haveria de carecer de outro acto posterior, de outra decisão em que ela resolveria finalmente proceder ela própria à demolição com o auxílio das forças públicas de segurança, se necessário, e a expensas do destinatário do acto. É isto o que normalmente sucede.

Ora, nada disto aqui se passou, pelo menos nada nesse sentido foi alegado e provado por quem tinha o respectivo ónus: o requerente. Limitou-se ele a um simples pranto, motivado por aquilo que disse saber ir acontecer: a demolição no dia 17 de Maio pelas 8.00 da manhã (ver art. 3º da p.i.). Circunstância que, como resulta da informação vertida na contestação – e que se supõe verdadeira, caso contrário o requerente já teria vindo ao processo desmenti-la -, não chegou a verificar-se.

Por tudo isto, porque não estamos perante nenhum acto suspensível – o que torna a pretensão sem objecto ou, noutra perspectiva, o que equivale a dizer que não há causa de pedir (ineptidão), circunstâncias exceptivas que obstam ao conhecimento do pedido - ou porque sobre o objecto concreto da suspensão já o tribunal se pronunciou definitivamente com trânsito em julgado, impossível se torna conhecer o mérito da pretensão. E porque ultrapassada se encontra já a fase inicial dos autos, de rejeição liminar deixamos de poder tratar, para unicamente se poder falar em absolvição da instância. O que faremos de seguida.

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V- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em absolver a entidade requerida da instância.
Custas pelo requerente.

TSI, 31 / 05 / 2012

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José Cândido de Pinho Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)