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Processo n.º 254/2012
(Recurso cível)

Data : 12/Julho/2012


ASSUNTOS:
- Penhora de 1/6 do vencimento

   SUMÁRIO :
Não há margem para alargar a base penhorada em quantitativo superior a 1/6 do seu vencimentos se o executado fica com um rendimento mensal disponível de MOP11.548,40, através dos quais terá de pagar a renda de casa, no montante de MOP3.000,00, despesas várias de luz, água, telefones, na ordem das MOP3.000,00, um seguro de saúde de MOP1.350,00, um empréstimo bancário de MOP900,00 e tem de suportar a título de alimentos à sua mãe, cerca de MOP4000,00 mensais, sendo que o executado tem de satisfazer à prestação alimentar de uma filha e alimentar ainda uma outra criança

O Relator,
João Gil de Oliveira

Processo n.º 254/2012
(Recurso Cível)
Data: 12/Julho/2012

Recorrente: A

Objecto do Recurso: Despacho que decidiu penhorar
1/6 do vencimento do executado

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
A recorrente, A, mais bem identificada nos autos, vem interpor recurso da decisão que fixou em 1/6 a parte a penhorar do vencimento da executado B, em sede de oposição à penhora, tendo alegado este, em síntese, que o seu vencimento não poderá continuar a ser penhorado em 1/3, dado que a quantia que lhe resta, após essa penhora, não é suficiente para fazer face às suas necessidades mais básicas.
Para tanto, alega, em síntese conclusiva:
    1. A sentença do Tribunal Judicial de Base, de fls. 295v a 297 dos autos à margem referenciados, indica que "ponderadas as condições económicas do executado, fixa-se em 1/6 a parte a ser penhorada, dos seus vencimentos ou salários."
    2. Parece que o Tribunal Judicial de Base ao fixar a referida razão não teve em consideração as seguintes condições económicas do executado.
    Primeiro, apesar de serem impenhoráveis, ao abrigo do estipulado no ETAPM, os subsídios de férias e de Natal. Mas não se pode negar que a poupança do executado pode ser aumentada devido aos respectivos subsídios.
    Segundo, o Governo da RAEM nos últimos anos tem atribuído para os residentes de Macau a comparticipação pecuniária
    Terceiro, os funcionários públicos têm direito a um subsídio mensal de residência, enquanto o âmbito de aplicação desta nova lei é mais ampla do que o regime antigo, e, o valor de subsídio é mais elevado.
    3. Pelo exposto, na realidade são suficientes os rendimentos gozados pelo executado, a penhora de um terço de seus vencimentos ou salários não influencia nenhum a sua vida pessoal.
    4. Por outro lado, a recorrente também põe em dúvida a importância dos alimentos que o executado alegou para prover à mãe dele, não sabe se o pagamento é constante nem a importância dos alegados alimentos (fls. 265 a 266). Embora a recorrente tenha apresentado os recibos de varais despesas quotidianas e alegado ter de prover a sua família própria, isto não constitui razão para ignorar a existência do crédito da recorrente. Ainda mais, a recorrente põe em dúvida também as dívidas que o executado alegou, em particular, a necessidade das suas existências. Sendo insusceptível de aceitar que, o executado no relatório social alegou apenas se encontrar em situação de "a receita não cobrir as despesas" (fls. 262, 267 a 269).
    5. Temos que reconhecer que, após a dedução das respectivas dívidas e da parte penhorada, de um terço dos vencimentos ou salários do executado, o executado tem ainda uma receita líquida de MOP$11.548,40 à sua disposição, porque, a dedução de um terço (MOP$8.987,30) não é efectuada no valor de MOP$11.548,40. Razão pela qual a vida do executado não está sujeita a qualquer influência negativa (fls. 264 dos autos).
    6. É certo que, para a recorrente, a execução plena pode satisfazer o seu crédito, bem como, e, sendo um factor mais importante que deve ser considerado, as despesas quotidianas da recorrente, nomeadamente, aquelas despendidas na sua filha biológica da recorrente e do executado podem ser concretizadas (fls. 2 a 13). Porque a dívida que o executado tem acumulado à recorrente causou-lhe estar com encargos pesados familiares.
    7. Razão pela qual, a fixação de um sexto da parte dos vencimentos ou salários do executado à penhora vai prejudicar a recorrente extremamente. Aliás, para o executado, torna-se uma dívida longa. Nestes termos, a razão aplicada pelo Tribunal Judicial de Base, de 1/6 dos vencimentos ou salários violou o artigo 707.º n.º 2 do CPCM.
    8. A recorrente entende adequada a fixação pelo Tribunal de Segunda Instância de um terço da parte dos vencimentos e salários do executado à penhora, ao abrigo do artigo 707.º n.º 2 do CPCM. Se o Tribunal de Segunda Instância entende ser impossível proceder à penhora de um terço dos vencimentos ou salários do executado, deve ser fixada uma nova razão, a qual deve ser aproximada a um terço dos vencimentos ou salários, ou neste caso, também é adequada a fixação em um quarto.
    9. À recorrente foi concedido o apoio judiciário no processo à margem referenciado. Assim ao abrigo do artigo 2.º n.º 5 do Decreto-lei n.º 41/94/M, o seu âmbito mantém-se para efeitos de recurso, o Tribunal de Segunda Instância deve manter o deferimento da dispensa de pagamento total de custas e preparos da recorrente, bem como, de todos os custos decorrentes do presente processo e da eventual execução da respectiva decisão, incluindo} os custos com o requerimento de certidão, o imposto de selo, os honorários e os preparos.
    10. Face ao exposto, requer ao tribunal superior que se julgue procedente o presente recurso.
    Este recurso não foi contra alegado.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “1 - O executado tem dois filhos, B, nascido em 31 de Agosto de 1998 e C, nascida em 25.06.2001, sendo esta última filha da exequente.
    2 - Em 10 de Janeiro de 2005 o executado assinou um documento intitulado de "declaração" onde promete que 1) a partir de Janeiro de 2005, vou pagar durante dia de 15 a 18 de cada mês cinco mil doláres de Hong Kong à conta bancária n.º 06-11-10-051860 do Banco da China, Sucursal de Macau da Sr. a A, até Dezembro de 2020. 2) caso não cumprisse o prometo conforme o teor da presente declaração, a Sr. a A pode intentar acção contra mim nos termos da lei.
    3 - A exequente, no requerimento executivo, afirma que a quantia aludida em 2. se destina ao pagamento de alimentos à filha menor, que tem em comum com o executado.
    4 - Por despacho constante dos autos a fls. 201 foi ordenada a penhora de 1/3 do vencimento do executado até perfazer a quantia exequenda de MOP247.040,00 e demais acréscimos legais.
    5 - Depois de feito o desconto correspondente à penhora aludida em 4., na quantia de MOP$5.987.30, o executado aufere um vencimento líquido de MOP11.548,40.
    6 - O executado paga de renda de casa o montante de MOP3.000,00 mensais e cerca de MOP 3.000,00 de despesas com electricidade, água e telefones fixo e móveis.
    7 - O executado paga um seguro mensal de saúde no montante de MOP 1.350,00 e, num empréstimo contraído junto do BCM, a quantia mensal de MOP900,00.
    8 - O executado contribui, mensalmente, com cerca de MOP4.000,00, a título de alimentos para a sua mãe D.
    9 - No âmbito da acção de regulação do poder paternal que correu termos sob o n.º CV1-08-0053-MPS, do 1.º juízo, o executado foi condenado a pagar, a título de alimentos à filha C, a quantia mensal de MOP3.000,00.”

    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se deve ser penhorado 1/3 do vencimento ou quanto muito 1/4 tal como pretende a recorrente.
    E sobre isso pouco mais há a dizer que não seja sufragar a decisão e fundamentação vertida no despacho recorrido que fixou a penhora em 1/6 do vencimento líquido do executado, vindo a ser até excluídos os subsídios de férias e Natal.
    
    2. Atentemos na fundamentação vertida no despacho recorrido:
    “Segundo decorre do artigo 707.°, n.º l , alínea a) do Código de Processo Civil dois terços dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado são impenhoráveis. A parte penhorável será fixada pelo juiz entre um terço e um sexto, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado.
    Ponderando a natureza da dívida exequenda - satisfação do direito a alimentos da filha menor - não podemos deixar de afirmar que os interesses do credor se sobrepõem, naturalmente, aos do próprio executado, havendo mesmo quem defenda que, perante uma execução por alimentos, a impenhorabilidade dos dois terços seria de afastar. Ainda assim, é consensual que o executado deve ter disponibilidade de rendimentos que lhe permita sobreviver de forma básica.
    Ora, no vertente caso, depois de realizada a penhora ordenada nos autos, o executado fica com um rendimento mensal disponível de MOP MOP11.548,40, através dos quais terá de pagar a renda de casa, no montante de MOP3.000,00, despesas várias de luz, água, telefones, na ordem das MOP3.000,00, um seguro de saúde de MOP1.350,00, um empréstimo bancário de MOP900,00, e suportar a título de alimentos à sua mãe, cerca de MOP4000,00 mensais. Deduzidas tais despesas obrigatórias, o executado fica sem disponibilidade de rendimentos para prover à sua alimentação, vestuário, saúde, bem como a todas as necessidades do seu outro filho menor, B, a quem o executado deve os mesmos cuidados.
    Assim sendo, uma vez que o executado demonstra que as suas condições económicas não permitem que se continue a efectuar um desconto de 1/3 do seu vencimento, sob pena de o mesmo e o respectivo agregado familiar, sobretudo o seu outro filho menor, não terem capacidade para fazer face às mais elementares despesas do dia a dia, decide-se, nos termos dos artigos 754.°, n.º 4 e 707.°, n.º 2 ambos do Código de Processo Civil, julgar procedente a presente oposição e, em consequência, fixa-se em 1/6 a parte a penhorar, do vencimento do executado, à ordem destes autos.”
    
    3. O artigo 707º do CPC estipula:
“1. Não podem ser penhorados:
a) Dois terços dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado;
   b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, e de outras pensões de natureza semelhante.
2. A parte penhorável dos rendimentos referidos no número anterior é fixada pelo juiz entre um terço e um sexto, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado.
3. Pode o juiz excepcionalmente isentar de penhora a totalidade dos rendimentos a que alude o nº 1, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar.”

    4. Analisando a matéria de facto acima transcrita e vistos todos os encargos do executado, não se vê que haja margem para alargar a base penhorada em quantitativo superior a 1/6 do seu vencimento, o que implica, mesmo assim, o corte noutros encargos que comprovados vêm, em particular no que respeita à rubrica de MOP$3000,00 mensais com electricidade, água e telefones, o que se afigura, à partida algo exagerado.
    Compreende-se que estamos perante uma execução de quantias devidas no passado por pensão alimentar devida a uma criança. Mas importa não esquecer que subsistem outros encargos igualmente vitais, como sejam os alimentos que continuam a ser regularmente devidos a essa criança, os devidos a outra criança, a subsistência mínima do próprio executado, para já não falar nos encargos alimentares com a mãe do executado que porventura, com este desconto, não deixará de ter de ser reduzida.
    E a exclusão dos subsídios do objecto de penhora não terá deixado de tido em conta exactamente o remanescente que decorre dos encargos que o executado tem de suportar regularmente.
    Tudo isto, assinale-se, não sem que se observe, que muito se estranha que dos rendimentos de um vencimento de um agente policial (cfr. Nota de Abonos e Descontos de fls. 71 dos autos) a parte disponível não chegue para suportar uma prestação alimentícia de MOP$3.000,00 a uma criança, mesmo a duas, situação que decorre de uma série de encargos que o recorrido terá voluntariamente assumido, parte deles em seu próprio benefício (referimo-nos aos três adiantamentos de vencimentos no montante global de MOP$7.476,00), criando uma situação de liquidez (visto o montante de descontos para prestações alimentares que vem fazendo de MOP$5.987,30) que não deixa margem, nesta sede e visto o objecto do recurso, a outra solução, mas que não deixa de fazer reflectir na necessidade de quem com legitimidade direccionar a penhora em relação a outros bens, direitos ou rendimentos, logo que encontrados ou disponíveis.
    Donde, tudo visto e ponderado, não merecer censura a decisão recorrida.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 12 de Julho de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
254/2012 1/10