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Processo nº 464/2012 Data: 05.07.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crimes de “burla” e de “emissão de cheque sem provisão”.
Despacho de pronúncia.
Indícios suficientes.



SUMÁRIO

1. A construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).
Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro.

2. São elementos constitutivos do crime de emissão de cheque sem provisão:
- a emissão de um cheque;
- a falta ou insuficiência de provisão; e
- o dolo genérico.
Por sua vez, são condições de punibilidade do crime de emissão de cheque sem provisão:
- a apresentação do cheque a pagamento no prazo legal de 8 dias – a contar do dia que figura no cheque como de emissão; e,
- a verificação do não pagamento por falta ou insuficiência de provisão.

3. Para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado.

4. Suficientemente indiciada não estando a intenção do arguido em obter enriquecimento ilegítimo através de erro ou engano do ofendido, inviável é a sua pronúncia como autor de 1 crime de “burla”.

5. Por sua vez, deve ser pronunciado como autor de 1 crime de “emissão de cheque sem cobertura” se dos autos resultar que emitiu e assinou um cheque, que após preenchimento da data e montante em conformidade com o acordado, não foi pago quando tempestivamente apresentado ao banco.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 464/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A, S.A.”, assistente no Processo Comum de Instrução n.° PCI-095-11-2, vem recorrer do despacho de não pronúncia (do arguido B) pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal proferido.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“1. O despacho recorrido fundamenta a não pronúncia do Arguido com o facto de na opinião da Meritíssima Juiz de Instrução Criminal não existem indícios suficientes de se terem verificado todos os pressupostos ou elementos constitutivos da prática do crime de burla pelo Arguido, mais concretamente, que não existem indícios de que a determinação da Recorrente em conceder crédito ao Arguido resultou de erro ou engano sobre factos que este tenha provocado astuciosamente e por sua vez, em relação ao crime de emissão de cheque sem provisão que, in casu, o cheque emitido pelo Arguido não foi apresentado atempadamente a pagamento, isto é, no prazo de 8 dias a partir da sua emissão e, por essa razão, não merece
tutela penal;
2. Ora, salvo o devido respeito, é outro o entendimento da Recorrente que considera existirem nos autos indícios e provas suficientes para determinarem a pronúncia do Arguido pela prática ou do crime de burla, previsto e punido pelo artigo 211.º, n.º 1, ou do crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 214.º, n.º 1, ambos do Código Penal, pelo que o despacho recorrido incorre num erro de apreciação de prova e num erro de interpretação e aplicação do direito;
3. Ora, a tese perfilhada pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal parece sugerir que para existir burla o requerente do crédito teria de ter qualquer tipo de intervenção na determinação das condições para a concessão do crédito e que quando este se limita a requerer o crédito conforme os procedimentos estabelecidos pela entidade que concede esse crédito, em princípio, não haverá burla, mas, se assim fosse, então sempre que fosse uma instituição bancária ou por uma concessionária ou sub-concessionária de jogo a conceder o crédito nunca poderia haver burla, pois, geralmente, estas entidades determinam unilateralmente as condições para a concessão de crédito, sem qualquer intervenção do requerente;
4. Sucede que, não há nenhum elemento fáctico constante dos autos que seja susceptível de sustentar a convicção da Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, isto é, de indiciariamente provar que o Arguido alguma vez teve a intenção de pagar a dívida:
5. Pelo contrário, o que se pode concluir em face da factualidade indiciariamente provada nos autos é que o Arguido teve a intenção de obter fraudulentamente um crédito da Recorrente, que não pretendia pagar e que não teria obtido sem a entrega do cheque objecto dos presentes autos; Senão vejamos
6. A Recorrente apenas concedeu uma linha de crédito ao Arguido, porque foi por este sacado um cheque em garantia do pagamento de qualquer montante que se viesse a achar em dívida em virtude do incumprimento dos termos da referida linha de crédito;
7. Sendo certo que o Arguido estava ciente das exigências da Recorrente no que toca à concessão de crédito, bem sabendo que esta não lhe concederia o crédito sem ter uma garantia de pagamento, nomeadamente um cheque emitido nos termos solicitados;
8. Por outro lado, ao assinar, emitir e entregar à Recorrente o cheque, o Arguido bem sabia que o cheque não seria honrado caso viesse a emergir alguma dívida em resultado da linha de crédito;
9. E que, consequentemente, a garantia que prestou à Recorrente não teria qualquer efeito útil;
10. Assim, é por demais evidente que o comportamento descrito do Arguido é um comportamento ardiloso, com o qual o Arguido visou enganar e enganou a Recorrente quanto à autenticidade, validade e eficácia da garantia prestada, a qual foi determinante para a convencer a conceder-lhe o mencionado crédito;
11. Com tal comportamento, o Arguido astuciosamente enganou a Recorrente com o fito de obter para si um enriquecimento ilegítimo;
12. Bem sabendo que dessa forma estava a provocar uma diminuição no património da ora Recorrente e a causar-lhe um efectivo prejuízo patrimonial, sério e grave, que, de resto, ficou demonstrado supra;
13. Pelo exposto conclui-se que o Arguido agiu no sentido de enganar astuciosamente a Recorrente, com intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo, determinando a Recorrente à prática de actos (a concessão de crédito) que lhe causaram prejuízo patrimonial sério e grave, tendo assim este cometido um crime de burla que atendendo ao valor elevado envolvido deverá ser agravado nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 21l.º do Código Penal de Macau; Por outro lado,
14. Para sustentar a decisão de não pronúncia do Arguido pelo crime de emissão de cheque sem provisão, a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal afirma que o cheque entregue pelo Arguido à Recorrente, não foi apresentado atempada mente a pagamento, isto é, no prazo de 8 dias a partir da sua emissão e, por essa razão, não merece tutela penal;
15. Isto porque considerou, erradamente, como data de emissão do cheque a data em que o Arguido o entregou assinado mas em branco à Recorrente;
16. Sucede que a convicção da Meritíssima Juiz de Instrução melhor desenvolvida no despacho ora recorrido não tem qualquer base legal que a sustente;
17. O artigo 1212° do Código Comercial estabelece os elementos que devem constar do cheque, a saber: i) a palavra cheque; ii) o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada; iii) o nome de quem deve pagar (o sacado); iv) a indicação do lugar em que o pagamento se deve efectuar; v) a indicação da data em que e do lugar onde o cheque é passado; e vi) a assinatura de quem passa o cheque (sacador);
18. Porém, os supra aludidos elementos obrigatórios do cheque não têm necessariamente de constar do mesmo no momento em que este é passado, conforme decorre do disposto no artigo 1224.° do Código Comercial, que prescreve que “Se um cheque incompleto no momento de ser passado tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má fé, ou, adquirindo-o, tenha cometido uma falta grave”;
19. Ora do disposto no referido normativo, podemos retirar, a contrario, que um cheque incompleto no momento de ser passado, como é o caso do cheque dos autos, se tiver sido completado em estrito cumprimento dos acordos realizados (“pacto de preenchimento”), como ainda é o caso do cheque dos autos, goza de plena validade e eficácia e consequentemente, de toda a protecção jurídica concedida ao cheque, incluindo protecção jurídico-criminal;
20. No caso concreto não há dúvidas de que o cheque foi emitido pelo Arguido e posteriormente completado pela Recorrente nos termos expressamente acordados entre as partes no documento designado em inglês por “Liability Statement” (cfr. doc. n.° 3 junto com a Denúncia);
21. Logo, facilmente se conclui que o Arguido sacou um cheque no momento em que assinou e o entregou à ora Recorrente, e que a ora Recorrente exercendo um direito conferido por Lei e nos termos acordados, o completou e apresentou a pagamento junto do Bank of China Limited, sucursal de Macau;
22. Sendo irrelevante para efeitos criminais que tenha sido a ora Recorrente quem preencheu a data e valor do cheque;
23. Estamos perante um cheque dado em garantia, cuja função é a de garantir o pagamento de um crédito do tomador, em que o emitente e o tomador acordam que o cheque não seria apresentado a pagamento imediatamente e daí não se datar o cheque;
24. Atendendo à sua natureza garantística, o cheque apenas será usado e apresentado a pagamento caso o sacador ou o garantido incumpra alguma das obrigações subjacentes à emissão do cheque, isto é, caso incumpra a relação material que originou a relação formal.
25. A lei permite que sejam sacados cheques incompletos, isto é, cheques em branco, desde que para tal haja um pacto de preenchimento celebrado entre o sacador e o tomador de um cheque. Colmatando-se, com o referido pacto de preenchimento, uma falta que poderia ser fatal à plena eficácia do cheque;
26. Com efeito, nos termos do artigo 1224.° do Código Comercial de Macau, se um cheque incompleto no momento de ser passado tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode o inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má fé, ou adquirindo-o, tenho cometido uma falta grave. Ora, do disposto no referido normativo, podemos retirar; a contrario, que um cheque incompleto no momento de ser passado se tiver sido completado em estrito cumprimento dos acordos realizados (“pacto de preenchimento”) goza de plena validade e eficácia e consequentemente, de toda a protecção jurídica concedida ao cheque, incluindo protecção jurídico-criminal;
27. Conforme claramente se nota no Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Julho de 1971: O chamado cheque de garantia de pagamento futuro não lhe tira a validade como cheque, não gozando por isso de isenção penal. E também não altero a validade do cheque como tal quando emitido sem data, como decorre do artigo 13.° da Lei Uniforme do Cheque, pois aí se permite o cheque em branco, só entrando em crise a sua validade quando o portador o preenche contrariamente ao acordado, a doto do emissão fica na dependência exclusiva do tomador, não cometendo este qualquer preenchimento abusivo ao dotá-lo;
28. Foi este, de resto, o entendimento sufragado pelo Tribunal Superior de Justiça de Macau, no Acórdão proferido em 11 de Junho de 1997, em que se cita o preceito equivalente ao actual artigo 1224.° do Código Comercial: “A possibilidade de um cheque ser entregue incompleto, designadamente quanto à data em que foi passado, é admitida pela citada LUC, no seu art.° 13.º. que permite e pressupõe sempre a existência de um acordo com vista ao seu preenchimento”. E mais adiante segue o mesmo aresto afirmando que “a entrega de um cheque, sem data, não contende, em princípio, com a sua validade” e que “Se o cheque a que faltar a data for posteriormente completado, conforme os acordos realizados, adquire, a partir dessa altura, toda a sua eficácia e toda a protecção jurídico-criminal concedida nos termos dos citados art.° 23 e 24 do Decreto n.º 13.004.”;
29. O supra exposto não apenas é corroborado pela Jurisprudência, mas também pela doutrina, veja-se por todos: Do referido normativo resulta claramente que o cheque a que falte um dos seus elementos essenciais vale como documento com certa força probatória da obrigação em que se constituiu o sacador. Faltando-lhe esse requisito da data, o cheque é nulo. (Prof. Ferrer Correia, «Letra de câmbio», Lições, t. III, pp. 123 e segs.). Assim, se não contiver todos os requisitos, não é eficaz e, se tiver sido emitido com omissão de alguns, mas completado posteriormente conforme os acordos realizados, já ganha total eficácia. (in Acórdão do STJ n. º 0429888, Pinto Bastos, Cheque não datado, Fixação de Jurisprudência, 2 de Dezembro de 1992, DR IS 1993/01/09, PÁG. 76 A 77 - BMJ Nº 422, PÁG. 15);
30. Conforme ensina C em Crimes de Emissão de Cheque sem Provisão, Universidade Católica Editores, o preenchimento não significa que tem que ser preenchido pelo sacador, basta que seja por sua ordem e contenha a sua assinatura;
31. Acresce que para que um cheque valha como tal, é essencial que o cheque esteja datado aquando da sua apresentação a pagamento e não no momento do seu desapossamento. E tanto assim é, uma vez que a data de emissão de cheque é a data aposta no cheque, embora a entrega se faça antes dessa data (in Acórdão da Relação do Porto, de 20 de Julho de 1956);
32. Pelo que, para efeitos de prescrição da criminalização da emissão de um cheque sem provisão o momento relevante é o da data constante no cheque e não a data em que o cheque foi assinado;
33. Ou por outras palavras, a apresentação atempada de um cheque a pagamento para efeitos criminais, é aquela que é realizada no prazo de 8 dias a partir da emissão do cheque, sendo que o cheque apenas se considera emitido quando é aposta uma data de pagamento, sem a qual o cheque nunca produzirá efeitos enquanto título de crédito;
34. Por outro lado, é elemento do tipo de crime em análise apresentação tempestiva do cheque a pagamento;
35. Nos termos do n.° 1 do artigo 1240.° do Código Comercial o cheque emitido e pagável em Macau deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias;
36. Ora e atento a tudo o que foi exposto supra, dúvidas não restam que o cheque foi emitido em 17 de Fevereiro de 2011. Tendo sido apresentado a pagamento dentro do prazo de oito dias após essa data, é inquestionável que tal apresentação a pagamento foi tempestiva.
37. É também elemento do tipo de crime em análise a falta ou insuficiência de provisão do Cheque;
38. No caso concreto, o Banco não indicou expressamente a razão da recusa de pagamento, mas segundo as regras da experiência comum a expressão “refer to drawer” tem o mesmo significado de “falta de provisão”, “conta bancária fechada” ou “instrução cancelada”;
39. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que também este elemento constitutivo do crime de emissão de cheque sem provisão se encontra verificado;
40. Por fim, é elemento do crime de emissão de cheque sem provisão o dolo;
41. É entendimento incontestado que o dolo relevante no âmbito deste tipo de crime é o dolo genérico, ou seja, basta que esteja presente a intenção do agente de praticar o facto, tendo consciência da falta de provisão e da ilicitude dessa conduta;
42. Assim, há dolo não apenas quando o sacador sabe que no momento da passagem do cheque a conta bancária em causa não tem provisão, mas também quando o sacador, sabendo-se devedor de uma quantia já vencida, e sabendo que emitiu um cheque em garantia do cumprimento de tal obrigação, que o respectivo credor pode apresentar a pagamento a qualquer momento, não mantém na mesma conta fundos suficientes para o pagamento do cheque que emitiu;
No que concerne às condições de punibilidade deste crime não restam quaisquer dúvidas de que nos termos do documento designado em inglês por “Liability Statement”, junto com a Denúncia como Doc. n.° 3, o Arguido autorizou expressamente a Recorrente a preencher o montante em dívida, bem como a data de emissão do cheque quando esta pretendesse liquidar quaisquer montantes em dívida, o que esta fez após ter efectuado várias interpelações para o pagamento da quantia em dívida, todas elas sem resultado;
44. Com efeito, em 17 de Junho de 2010, a Recorrente apresentou o cheque a pagamento junto do Bank of China Limited, sucursal de Macau;
45. De onde se pode concluir que o cheque foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal;
46. Também não restam dúvidas que o cheque foi devolvido com a indicação “refer to drawer” o que traduzido em língua portuguesa corresponde a “fazer referência” ao sacador, tudo conforme Doc.s n.° 11 e 12 juntos com a Denúncia;
47. No caso concreto - conforme acima se referiu - o Banco não indicou expressamente a razão da recusa de pagamento, mas segundo as regras da experiência comum a expressão “refer to drawer” tem o mesmo significado de “falta de provisão”, “conta bancária fechada” ou “instrução cancelada”;
48. Ora, a Recorrente não sabe, nem tem a obrigação de saber, se a conta bancária do Arguido tinha fundos suficientes, se foi encerrada em data anterior ou posterior à emissão do respectivo cheque, ou qual o motivo pelo que o cheque não foi honrado;
49. Mas o certo é que, o banco sacado, i.e., o DBS Bank Ltd. se recusou a pagar o cheque emitido pelo Arguido, o qual tinha consciência que tinha assinado e sacado o referido cheque e como tal, deveria ter instruído o respectivo banco a processar o pagamento do cheque;
50. Facto que, não obstante os inúmeros contactos feitos pela Recorrente junto do Arguido, nunca aconteceu;
51. Não restam, pois, quaisquer dúvidas que os elementos constitutivos e as condições de punibilidade do crime de emissão de cheque sem provisão se encontram verificados, devendo o Arguido ser pronunciado e submetido a julgamento pela prática do referido crime.
52. O despacho recorrido é ilegal e deverá ser revogado porque viola o disposto nos artigos artigos 211.° e 214.° do Código Penal, 289.° e 265.° do Código de Processo Penal e 1212.°, 1224.° e 1240.° do Código Comercial de Macau, vícios que se lhe imputam no presente recurs”.
Pede a procedência do recurso, “ordenando-se, em consequência, a revogação do despacho que decidiu a não pronúncia do Arguido e determinou o consequente arquivamento dos autos, substituindo-se a referida decisão por outra que pronuncie o Arguido pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 211.°, n.° 4 do Código Penal, ou pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 214.°, n.°1 do mesmo diploma…”; (cfr., fls. 196 a 210-v).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 218 a 226-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parece:

“Na 52ª Conclusão da Motivação (fls. 196 a 210 v. dos autos), a recorrente A S.A. assacou ao douto despacho recorrido o vício de violação do disposto nos arts. 211° e 214° do CP, 289° e 265° do CPP e 1212°, 1224° e 1240° do Código Comercial.
Antes de mais, subscrevemos as judiciosas explanações do nosso Exmo. Colega na Resposta (fls. 218 a 226 verso dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Nos termos do n.°2 do art. 289° do CPP, o despacho de pronúncia tem como conditio sine qua non a existência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança.
Por sua vez, o n.° 2 do art. 265° deste Código consagra: Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
Inculca descansadamente o TSI (Acórdãos no Processos n.° 44/2003, n.° 125/2005, n.° 287/2005): Para a pronuncia, não é preciso uma certeza de existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado.
Importa ainda recordar que a expressão “indícios suficientes” significam o conjunto de elementos factuais que relacionados e conjugados, façam acreditar que são idóneos e bastantes para se imputar ao arguido a prática de um determinado ilícito criminal assim como para se concluir ser muito provável a sua condenação, e tal conclusão implica uma rigorosa avaliação e valorização dos elementos de prova recolhidos de forma a permitir uma convicção que o arguido cometeu o crime investigado e que pela sua prática virá a ser condenado. (Acórdão do TSI no Processo n.° 31/2004).
No caso vertido, a própria recorrente reconheceu, na sua denúncia contra o recorrido B, que a razão do Banco para recusar o pagamento consistia em «Refer do Drawer», sem militar indício do não pagamento integral por provisão.
E, de outra banda, não se verifica indício suficiente de o recorrido B aproveitar erro ou engano da recorrente sobre os factos que ele astuciosamente provocara, nem indício que possa revelar a intenção de o recorrido obter enriquecimento ilegítimo.
Como bem observou e mencionou o nosso Exmo. Colega na Resposta, tudo aponta para um incumprimento pelo recorrido B do contrato de empréstimo civil.
Sendo assim, não se vislumbra a invocada violação do preceito nos arts. 211° e 214° do CP, 289° e 265° do CPP e 1212°, 1224° e 1240° do Código Comercial.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 234 a 235).

*

Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem a “A, S.A.”, assistente no Processo Comum de Instrução n.° PCI-095-11-2, recorrer do despacho de não pronúncia (do arguido B) pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal proferido.

E, como se colhe do que fez constar na sua motivação de recurso e respectivas conclusões (que atrás se deixaram transcritas), importa ver se outra devia ser a decisão do Mmo Juiz de Instrução Criminal, ou seja, se devia ser o dito arguido pronunciado nos termos pretendidos pela ora recorrente, ou seja, como autor da prática de 1 crime de “burla, (qualificada)” p. e p. pelo art. 211°, n.° 4 do C.P.M., ou de 1 crime de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214° do mesmo código.

Vejamos.

Nos termos do art. 289° do C.P.P.M.:

“1. Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não-pronúncia.

2. Se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não-pronúncia.

3. É correspondentemente aplicável ao despacho referido nos números anteriores o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 265.º

4. No despacho referido nos números anteriores o juiz começa por decidir todas as questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.

5. A circunstância de ter sido requerida apenas por um dos arguidos não prejudica o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas para todos os arguidos”.

Face a estatuído no n.° 2, há que atentar também no preceituado no art. 265°, n.° 2, do mesmo Código, onde se estatui que: “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”.

E, como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, entendeu já este T.S.I. que “para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado”; (cfr., Acs. de 25.09.2003, 13.10.2005 e de 22.06.2006, Proc. n.° 44/2003, 125/2005 e 287/2005).

Aqui chegados, e sendo de manter o assim entendido, vejamos o que é que se pode considerar “suficientemente indiciado”.

Pois bem, analisados os autos, cremos poder-se dar como tal que:

- a “A, S.A.”, ora recorrente, é uma sociedade que se dedica à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino;
- no exercício da sua actividade, a mesma recorrente concede crédito para jogo ou para aposta em jogos de fortuna ou azar em casinos da R.A.E.M.;
- em 17 de Julho de 2010, o arguido celebrou com a ora recorrente um “contrato de concessão de crédito” (designado em inglês por “Application for a cheque cashing or credit facility”);
- ao abrigo do referido contrato, a recorrente obrigou-se a disponibilizar ao arguido um montante máximo de HKD$10.000.000.00;
- e em garantia das obrigações por si assumidas, o arguido emitiu e assinou a favor da recorrente o cheque em branco com o n.° 189 sobre o DBS Bank Ltd.;
- por documento escrito, (designado em inglês “Liability Statement”), o arguido autorizou a ora recorrente a preencher o montante e data do referido cheque em caso de incumprimento das suas obrigações contratuais perante a recorrente;
- em cumprimento do contratualmente estipulado, entre 22.08.2010 e 26.08.2010, a recorrente desembolsou a favor do arguido a quantia total de HKD$10.000.000.00;
- esta quantia foi utilizada para adquirir fichas de jogo no montante de HKD$10.000.000.00 para serem utilizadas no casino designado por “City of Dreams”;
- no final da sua visita ao casino “City of Dreams”, o arguido ficou com uma dívida junto da recorrente na quantia de HKD$10.000.000.00;
- para se fazer pagar da quantia em dívida (HKD$10.000.000.00), em 17 de Fevereiro de 2011, a ora recorrente preencheu a data e montante do cheque emitido e assinado pelo arguido;
- neste mesmo dia 17 de Fevereiro de 2011, a recorrente apresentou o dito cheque a pagamento junto do banco “Bank of China Limited”, sucursal de Macau, tendo o mesmo sido devolvido com a indicação de “Fazer referência ao sacador”;
- não obstante os inúmeros contactos junto do arguido feitos pela recorrente, o cheque ainda não foi pago, mantendo-se a dívida deste para com a recorrente.

Elencada que assim cremos ficar a factualidade “suficientemente indiciada”, vejamos do seu enquadramento jurídico-penal.

–– Quanto ao crime de “burla”.
Prescreve o art. 211° do C.P.M. que prevê o crime em questão que:

“1. Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2. A tentativa é punível.

3. Se o prejuízo patrimonial resultante da burla for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

4. A pena é a de prisão de 2 a 10 anos se:

a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;

b) O agente fizer da burla modo de vida; ou
c) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica”.

E, face ao assim estatuído, não nos parece que presentes estejam todos os “elementos típicos” do crime em questão.

Como já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar:

“A construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).
Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro”; (cfr., v.g., o Ac. de 15.03.2011, Proc. n.° 683/2011).

E, sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, cremos que se impõe reconhecer que suficientemente indiciado não está o “uso de erro ou engano sobre os factos astuciosamente provocado”, ou seja, que tenha o arguido agido de forma intencional, no sentido de induzir a ora recorrente em erro ou engano, a fim de obter enriquecimento ilegítimo, e causar, à mesma, prejuízo patrimonial.

Dir-se-á, (eventualmente), que assim não deve ser, pois que, o arguido, emitindo o cheque, como emitiu, para garantia do empréstimo que lhe foi concedido, e que como se viu, acabou por não ser pago, criou a errada aparência de que honraria o dito empréstimo, levando assim esta a concede-lo, na errada convicção de que estava o seu pagamento assegurado (pelo cheque).

Todavia, importa atentar que dos autos, (e pelo menos, por ora), nada – mas mesmo nada, note-se que o arguido ainda não prestou declarações – permite afirmar que aquando da negociação do empréstimo tenha o arguido agido com tal “intenção”, não sendo de olvidar também que é a própria recorrente que afirma “desconhecer se a conta bancária tinha fundos ou se foi encerrada em data anterior ou posterior à emissão do cheque”.

Por sua vez, é público e notório que no âmbito da actividade de “promoção do jogo”, são, (vulgarmente) concedidos empréstimos de montantes vários para jogo, líquido não estando se estes são “oferecidos” ou “solicitados”.

Nesta conformidade, e na ausência de outros elementos que permitam clarificar tais aspectos – quanto à “intenção do arguido” e “circunstancialismos” em que ocorreu o empréstimo – razoável e adequada nos parece a decisão recorrida, (já que a pretendida pronúncia se nos afigura também contrária ao “princípio da presunção da inocência”).

Nesta conformidade, e na parte em questão, improcede o recurso.

–– Quanto ao crime de “emissão de cheque sem provisão”.

Nos termos do art. 214° do C.P.M.:

“1. Quem emitir um cheque que, apresentado a pagamento nos termos e no prazo legalmente fixados, não for integralmente pago por falta de provisão é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2. A pena é a de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias se:

a) O quantitativo sacado for de valor consideravelmente elevado;

b) A vítima ficar em difícil situação económica; ou

c) O agente se entregar habitualmente à emissão de cheque sem provisão.

3. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 198.°”.

E, como em anotação a este preceito legal afirmam L. Henriques e S. Santos:

“São elementos constitutivos do crime de emissão de cheque sem provisão os seguintes:
a) emissão de um cheque;
b) falta ou insuficiência de provisão – o que caracteriza o crime é a falta de provisão, quando apresentado o cheque a pagamento dentro de 8 dias. O facto de o portador saber, na altura em que recebeu o cheque, que o mesmo não tinha provisão, não é elemento que exclua a criminalidade do acto, uma vez que a incriminação não se destina apenas a proteger os interesses patrimoniais do portador, mas visa sobretudo a protecção do interesse social, a segurança das relações jurídico-económicas em relação ao perigo resultante da passagem irregular de títulos de crédito (cfr., art.°29.° da Lei Uniforme);
c) dolo genérico – basta que esteja presente a intenção do agente de praticar o facto, tendo consciência da falta de provisão e da ilicitude dessa conduta.

Por sua vez são as seguintes as condições de punibilidade do crime de emissão de cheque sem provisão:
1- apresentação a pagamento no prazo legal de 8 dias – a contar do dia que figura no cheque como de emissão (art.° 29.° da Lei Uniforme);
2- verificação do não pagamento por falta ou insuficiência de provisão – não basta que o cheque seja apresentado a pagamento no prazo legal, sendo ainda necessário que a verificação da falta de provisão tenha lugar no mesmo prazo. De acordo com o disposto no art.° 41.° da Lei Uniforme, a declaração deve ser feita antes de expirar o prazo para a apresentação, podendo, no entanto, se o cheque for apresentado no último dia do prazo, ser a mesma declaração feita no primeiro dia útil seguinte.
Ainda que a lei não proclame uma forma sacramental para a expressão da recusa de pagamento, exige-se, todavia, que essa declaração tenha um mínimo de correspondência com os ditames da lei, isto é, que manifeste inequivocamente que o cheque não tem cobertura”; (cfr., “C.P.M. Anot.”, pág. 613 e 614).

E, atento o que se deixou atrás relatado, aqui, cremos que tem a recorrente razão.

Vejamos.

Estabelece o art. 3° da Lei Uniforme Relativa ao Cheque que “o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com convenção expressa ou tácita, segundo o qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque…”.
Perante esta norma, vem sendo entendido – cfr., entre outros, Correia Gomes in “Responsabilidade Civil dos Bancos pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados”; Sofia Galvão in “Contrato de Cheque”, pág. 35; José Maria Pires in “O Cheque”, pág. 29; e as referências a outros autores feitas por Pinto Furtado in “Títulos de Crédito”, págs. 232 e 233 – que na base da emissão de um cheque, ocorrem duas distintas relações jurídicas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque. A emissão de cheques pressupõe a existência no banco sacado de fundos (provisão) de que o sacador ou emitente aí disponha. Para além da existência de fundos no banco sacado, a possibilidade de emissão de cheque, depende ainda da realização do acordo de contrato ou convenção de cheque, mediante a qual é concedido ao titular da provisão, pelo banco, o direito de dispor de numerário através da emissão de cheques. Mediante este contrato (ou convenção), o banco assume a obrigação de efectuar o pagamento do numerário inscrito no cheque, desde que, evidentemente, o sacador possua na sua conta bancária, os necessários fundos.
A conta bancária estabelece-se, como diz Pinto Furtado – in ob. cit. – em “sistema contabilístico de conta corrente, com créditos dos depósitos realizados que, como tal, poderão depois ser levantados pelo depositante, levando-se-lhes a débito…”.

No caso, visto está que o arguido emitiu e assinou um cheque, que após preenchimento da data e montante em conformidade com o acordado, e em prazo apresentado ao banco, não foi pago.

Reconhece-se que a expressão “fazer referência ao sacador”, pode ser interpretada noutro sentido, que não de “falta de provisão”.

Todavia, cabe notar que também em recente acórdão deste T.S.I. se consignou que “a “falta de provisão” é um conceito normativo e pode ser integrado por quaisquer expressões com o mesmo significado, designadamente “falta ou insuficiência de fundos”, “falta de quantia disponível”, “falta de depósito disponível”, “falta de cobertura”, “conta encerrada, saldada, liquidada ou cancelada””; (cfr., Ac. de 27.04.2012, Proc. n.° 825/2011).

E como se escreveu no Ac. da Relação de Lisboa de 21.05.1997, (in C.J., Ano XXII, T III, pág. 144 e segs.), “não estando o juiz vinculado a qualquer fórmula utilizada pela Banca e, desde que ao cheque (ainda que conjugado com outros elementos de prova) resulte à evidência que o seu não pagamento dentro do prazo legal se deveu à falta ou insuficiência de fundos, falta essa da responsabilidade do emitente do cheque, deve considerar-se verificada a questionada condição objectiva de punibilidade”.

De facto, (e ao que parece, ao contrário do que acontece com outros sistemas, nomeadamente, o francês), o instituto da “provisão” não está entre nós regulamentado.

É conceito típico da área das contabilidades, significando, grosso modo, a constituição e retenção de fundos, (v.g., no passivo de uma empresa), para prevenir e garantir o pagamento de certas perdas e outras despesas futuras, mas certas.
E é com este sentido de garantia e manutenção de fundos na conta bancária suficientes para o pagamento dos cheques que se vão emitindo, que o termo “provisão” foi recebido e é usado na norma incriminadora.
Não se impõe por isso – e não conhecemos norma alguma destinada à Banca nesse sentido – que aquela qualidade (falta ou insuficiência de fundos) tenha de ser certificada apenas com a fórmula sacramental «falta de provisão».

Porém, e inversamente, afigura-se-nos de considerar igualmente que a expressão “fazer referência ao sacador”, (de legalidade duvidosa, pois que o banco ou paga o cheque ou recusa o pagamento, informando do seu motivo), é também muitas vezes pelos bancos empregue para proteger o seu emitente em casos de “falta ou insuficiência de fundos”.

Por sua vez, e face à redacção do preceito aqui em questão, art. 214° do C.P.M., (sem referência ao “prejuízo patrimonial”), afigura-se-nos que se mantém válido o entendimento assumido no Assento de 20.11.1998 do S.T.J., (in B.J.M. 301°-263, aqui citado como mera referência), no sentido de ser o crime de “emissão de cheque sem provisão” um “crime de perigo”.

Assim, sendo também de sufragar o ensinamento de C no sentido de que “se o cheque regularmente emitido e posto a circular nos termos da Lei, não for pago, há responsabilidade daquele que impediu o banqueiro de o fazer (ou porque não o habilitou com fundos necessários – (não os mantendo na instituição sacada à ordem do sacador) ou porque proibiu o banqueiro de pagar o cheque”, (in “Crimes de emissão de cheque sem provisão” ), e sendo que a questão se coloca em sede de (mero) despacho de pronúncia, cremos pois que, na parte em questão, deve o recurso proceder.

Decisão

3. Em face do que se deixou exposto, acordam conceder parcial provimento ao recurso, devendo os autos ser devolvidos ao T.J.B., (Juízo de Instrução Criminal), para outro motivo não obstando, ser proferido despacho de pronúncia em conformidade.

Pelo decaimento, pagará a recorrente, a taxa de justiça de 3 UCs.

Macau, aos 05 de Julho de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 464/2012 Pág. 32

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