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Processo n.º 579/2011
(Reclamação para a Conferência)

Data : 5 de Julho de 2012

Recorrente: A (A)

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, órgão recorrido nos autos do recurso contencioso interposto por A, tendo sido notificado da decisão que julgou improcedente a excepção da caducidade do recurso contencioso, e com ela não concordando, vem apresentar reclamação para a conferência, nos termos previstos no artigo 15°, n.º 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerendo que sobre a referida questão recaia acórdão, o que faz com os seguintes fundamentos:
    Entendeu o senhor Juiz Relator que o terminus ad quem do prazo para a interposição de recurso contencioso, quando recaia durante as férias judiciais, se transfere para o primeiro dia útil seguinte a essas férias, por força do art. 272°, e), II parte, do Código Civil, art. 93° do Código de Processo Civil e art. 13° da Lei 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária).
    Entendemos nós, no entanto, acompanhando o parecer do senhor Magistrado do Ministério Público, que essa não será a melhor interpretação, e que ao caso não é aplicável a norma, constante da al. e) do art. 272° do CC, que equipara as férias judiciais aos domingos e feriados.
    O ponto de partida de nosso raciocínio é, obviamente, o n° 3 do art. 25° do CPAC, que manda aplicar à contagem dos prazos para a interposição do recurso contencioso (i.e. prazos de natureza substantiva) o disposto no CPA.
    A remissão em causa não é feita para uma norma determinada, mas sim, globalmente, para o regime sobre contagem de prazos previsto no CPA. Tal regime, de natureza especial em relação ao que dispõe o art. 272° do CC, e que evidencia preocupações de celeridade, consta do respectivo art. 74°. Dispõe a sua al. c) que "O termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte".
    Ora as secretarias dos tribunais são um serviço público, embora integrado no Poder Judicial, e durante as férias judiciais estão abertas ao público e funcionam durante o seu período normal, pelo que não se vê porque razão não é ajustado aplicar aqui a al. c) do art. 74° do CPA.
    Efectivamente, as férias judiciais não determinam um encerramento total e absoluto dos tribunais, sendo simplesmente um período durante o qual, por força da lei, os tribunais não podem praticar actos processuais, excepto em casos urgentes. Todavia, se a entrega da petição inicial constitui um acto do autor, já a sua mera recepção pela secretaria judicial não parece poder configurar-se como um acto do Tribunal. Isto é, cremos que durante as férias judiciais a secretaria do Tribunal pode (legalmente) receber petições iniciais.
    Neste sentido, algum apoio resulta precisamente do art. 93° do CPC: primeiramente, diz o artigo que, em regra, os actos processuais se praticam fora das férias judiciais (n.º 1), excepcionando dessa regra as citações, notificações e outros verdadeiros actos processuais dos tribunais que, quando urgentes, terão de ser praticados mesmo durante as férias (n.° 2); mas depois especifica que a mera entrega de articulados, requerimentos e outros documentos se faz durante "as horas de expediente", já não importando aqui se se está ou não em férias judiciais. Isto é, o referido artigo separa os actos processuais a praticar pelo Tribunal dos actos de mera recepção de documentos, e parece inculcar a ideia de que apenas os primeiros não podem ocorrer durante as férias judiciais.
    Conclusões:
    a) Os prazos substantivos previstos no art. 25°, n.º 2, do CPCA estão sujeitos ao regime especial do art. 70° do CPA, o qual afasta o disposto no art. 272°, al. e), do CC;
    b) Durante as férias judiciais as secretarias dos tribunais estão abertas ao público durante o seu horário normal de funcionamento, não estando legalmente (nem fisicamente) impedidas de receber documentos;
    c) Durante as férias judiciais os tribunais estão apenas impedidos de praticar actos processuais (excepto se forem urgentes);
    d) Ao receber uma petição inicial o Tribunal não está a praticar um acto processual.
    Por tudo isto, entende que sobre a questão em causa deve recair acórdão no sentido de que o termo do prazo para o recurso contencioso que caia durante as férias judiciais não se transfere para o primeiro dia útil seguinte a essas férias.

    
    A (A), recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado da reclamação (do douto despacho de fls. 137 e ss.) para a conferência apresentada pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida, contrapõe:
    1. Por douto despacho de fls. 137 e ss., o Mmo. Juiz Relator decidiu, e bem, julgar improcedente a excepção de caducidade do presente recurso contencioso que tinha sido suscitada , nela entidade recorrida, na esteira, aliás, do entendimento que tem vindo a ser perfilhado pelo TSI sobre esta problemática.
    2. Vem agora a entidade recorrida reclamar do mesmo despacho para a conferência, nos termos previstos no artigo 15°, n.º 2, do CPAC, apresentando uma argumentação claramente insuficiente e contraditória.
    3. Secundando-se ainda no parecer do ilustre magistrado do Ministério Público que, para surpresa do recorrente, vem pugnar igualmente pela procedência da referida excepção, ao contrário da posição que vinha defendendo até ao presente momento a este respeito, tal como aquele acaba por reconhecer a fls. 135 dos autos.
    4. Efectivamente, a argumentação da entidade recorrida é perfeitamente contraditória porquanto, a um dado passo, vem realçar que, por motivos de celeridade processual, o prazo para a interposição de recurso contencioso que termine em férias não se transfere para o primeiro dia útil seguinte após férias.
    5. Para vir afirmar logo a seguir que, afinal de contas, os Tribunais não podem praticar quaisquer actos processuais a não ser em casos urgentes.
    6. Ora, se os Tribunais não podem praticar, em regra, quaisquer actos processuais durante as férias judiciais, designadamente no âmbito do processo judicial ora em apreço, perguntar-se-á então o que se pode ganhar em termos de celeridade (processual) no caso da petição de recurso ser interposta durante o período de férias, in casu, em Agosto de 2011, em lugar de ser apresentada no primeiro dia útil seguinte após o termo dessas férias?'!
    7. Quanto à argumentação jurídica no que concerne ao "acto de entrega" e "acto de recepção" de articulados ou documentos, não merece a mesma qualquer relevância no que à questão em apreço diz respeito.
    8. A questão encontra-se plenamente explicitada no despacho em causa cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
    9. O Tribunal não pratica actos processuais durante as férias judiciais e, como tal, deve ser considerado como encerrado e como não estando a funcionar durante o período normal no que concerne à generalidade dos processos judiciais, com excepção naturalmente dos processos urgentes.
    10. Aplicando-se assim ao caso sub judice o regime prescrito na alínea c) do artigo 74° do CPA (ex vi do n.º 3 do artigo 25° do CPAC): "O termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte".
    11. Como já foi sublinhado pelo ora expoente, esse entendimento é, obviamente, perfilhado pelos Tribunais de Macau, particularmente pelo Tribunal de Segunda Instância, tal como se verificou, entre outros, no Acórdão de 17 de Maio de 2001 (Processo n.º 26/2001) em que é dito, de forma expressa e clara, que o termo do prazo de interposição de recurso contencioso transfere-se "para o primeiro dia útil seguinte no caso de ser domingo, feriado ou, tratando-se de acto a praticar em Tribunal, recair em férias ou em dia de encerramento das secretarias" (sublinhado nosso) - vide ainda Proc. n.º 212/2005 em que foi admitido o recurso contencioso nas mesmas circunstâncias, i.e., em que o termo do respectivo prazo de interposição foi transferido para o 1º dia útil seguinte ao encerramento das férias judiciais.
    12. Interpretação essa que, como realça igualmente o Mmo. Juiz Relator, é a mais consentânea não só com a experiência do direito comparado (particularmente com a doutrina e jurisprudência em Portugal) mas igualmente com uma interpretação sistemática porquanto, revestindo o prazo em causa natureza substantiva, se aproxima de forma mais profunda com o regime de contagem previsto no artigo 272° do CC, o qual, como se sabe, permite que, em caso do prazo terminar em período de férias judiciais, a prática do acto pode ser transferida para o primeiro dia útil após o termo destas.
    13. Em conclusão, o prazo de interposição do recurso contencioso ora em análise (que terminaria em 3 de Agosto de 2011, i.e., em pleno período de férias judiciais) transferiu-se, em bom rigor, para o primeiro dia útil após essas férias, ou seja, para o dia 1 de Setembro de 2011.
    14. Ora, o recurso contencioso foi interposto em 16 de Agosto de 2011 pelo que se conclui facilmente que o mesmo é tempestivo, não se verificando, in casu, a excepção de caducidade do direito de recurso a que faz referência o artigo 46°, n.º 2, al. h) do CPAC.
    15. Pelo que nenhuma censura merece o despacho em causa que julgou improcedente a alegada excepção de caducidade do recurso contencioso.
    16. Termos em que se retiram as seguintes CONCLUSÕES:

    O prazo do recurso contencioso é de natureza substantiva, correndo de forma contínua e em férias judiciais.

    No entanto, aplica-se a regra de que se esse mesmo prazo terminar em período de férias judiciais, a prática do acto transfere-se para o primeiro dia útil após o termo destas.

    Com efeito, o Tribunal não pratica actos processuais durante as férias judiciais e, como tal, deve ser considerado como encerrado e como não estando a funcionar durante o período normal no que concerne à generalidade dos processos judiciais, com excepção naturalmente dos processos urgentes.

    Aplicando-se assim ao caso sub judice o regime prescrito na alínea c) do artigo 74° do CPA (ex vi do n.º 3 do artigo 25° do CPAC): "O termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte".

    Esse entendimento é, obviamente, perfilhado pelos Tribunais de Macau, particularmente pelo Tribunal de Segunda Instância (vide, Acórdão de 17 de Maio de 2001, Proc. n.º 26/2001).

    Interpretação essa que é a mais consentânea não só com a experiência do direito comparado mas igualmente com uma interpretação sistemática porquanto, revestindo o prazo em causa natureza substantiva, se aproxima de forma mais profunda com o regime de contagem previsto no artigo 272° do CC.

    O prazo de interposição do recurso contencioso ora em análise (que terminaria em 3 de Agosto de 2011, i.e., em pleno período de férias judiciais) transferiu-se, em bom rigor, para o primeiro dia útil após essas férias, ou seja, para o dia 1 de Setembro de 2011.

    Ora, o recurso contencioso foi interposto em 16 de Agosto de 2011 pelo que se conclui facilmente que o mesmo é tempestivo, não se verificando, in casu, a excepção de caducidade do direito de recurso a que faz referência o artigo 46°, n.º 2, al. h) do CPAC.

    Pelo que nenhuma censura merece o despacho em causa que julgou improcedente a alegada excepção de caducidade do recurso contencioso.
    
    Nestes termos, entende, deve a reclamação apresentada pela entidade recorrida ser julgada totalmente improcedente, com todas as consequências legais daí decorrentes.
    
    
    II - FUNDAMENTOS
    1. O particular interessado A veio, ao abrigo do disposto nos artigos 36° da Lei Básica da R.A.E.M. e 2° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 30 de Maio de 2011, que lhe indeferiu o pedido de renovação de residência temporária na R.A.E.M..
    A entidade recorrida suscita a extemporaneidade do recurso por o prazo do recurso de anulação se tratar de um prazo de caducidade, de natureza substantiva, sendo de 30 dias a contar da notificação nos termos do art. 25º, n.º 2, al. a) do CPAC.
    E porque terminou em férias mostra-se extemporâneo.

2. Não vindo colocadas questões novas ou nova argumentação a que cumpra responder, dá-se aqui por reproduzida a argumentação expendida no despacho ora reclamado.

    3. É verdade que se trata de um prazo de caducidade e é verdade que corre em férias. Nisso não há divergência, pelo que não importa aqui desenvolver a questão da natureza de um prazo adjectivo e de um prazo substantivo. Este destina-se a montante da lide e destina-se a determinar o período dentro do qual pode exercer-se o direito concreto da acção sob pena de caducidade.
    É certo que tal prazo deve correr de forma contínua, nos termos da al. b) do art. 74°, CPA, "ex vi" do n.º 3 do art. 25°, CPAC.1
    Mas terminando em férias passa para o primeiro dia útil seguinte após férias.
    Nem se diga que o artigo 74º a tal obsta. Aí se prevê:
À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo é contínuo e começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;
c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte
    Durante as férias judiciais os Tribunais estão abertos mas com as restrições que constam do artigo 93º do CPC, não se praticando actos processuais, com as excepções relativas das citações, notificações e actos que se destinem a evitar dano irreparável.
    O que é reforçado com o artigo 13º da LBOJ.
    Daqui decorre que, ainda de porta aberta, durante as férias, o tribunal não pratica actos processuais normais e, portanto, não relevantes em relação a quem quer que ali se desloque. E este é que deve ser o sentido útil da alínea c) do artigo 74º, pensado para os órgãos da Administração, com aquele sentido se devendo projectar nos órgãos judiciais.
    Esta interpretação, no sentido do funcionamento normal, já a expressavam Lino Ribeiro e Cândido de Pinho na anotação ao artigo 71º do CPA anterior, com a mesma previsão normativa, ainda que estando em vigor o regime decorrente do art. 28º da LPTA que remetia expressamente para o artigo 279 do CPC.2
    Esta interpretação, aliás a mais consentânea com uma interpretação sistémica, na medida em que sendo um prazo substantivo assim se aproxima da contagem nos termos do artigo 272º do CC, onde se preceitua, na alínea e) que O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias de feriados são equiparadas as férias judiciais, bem como os dias em que as secretarias dos tribunais se encontrem fechadas, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
    Esta, aliás, a prática adoptada e a interpretação que tem sido seguida nos nossos Tribunais.3
    Nem se invoquem os processos 70/2000, de 24/10/2002 22/2003, de 14/12/03, porquanto aí não estava em causa a prática do acto no primeiro dia após férias, mas tão somente a contagem contínua do prazo , vista a sua natureza substantiva.
    E a experiência do direito comparado, ainda que com normas diferentes que remetem, dentro dos bons princípios, para a norma do artigo 279º do CC português, v.g. art. 20º do CPPT e antigo 28º da LPTA e o novo Regime do Processo Administrativo rege apenas para os prazos processuais, não deixa de inculcar no sentido da interpretação acima desenhada.
    Pelas razões expostas julgar-se-á improcedente a reclamação apresentada, mantendo o despacho proferido e ora reclamado.
     DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente a presente reclamação, mantendo o despacho ora reclamado que julgou improcedente a excepção de caducidade do recurso contencioso.
    Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
    Notifique.
                    Macau, 5 de Julho de 2012

Estive presente (Relator)
Mai Man Ieng João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
1 - A. TSI 88/2003, de 11/12/03; 222/03, de 4/12/03; 26/2001, de 17/5/01; 70/2000, de 24/10/02
2 - cfr. CPA de Macau, Anotado e Comentado, 430.
3 - Ac. TSI, proc. 26/2001, de 17/5/2001
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