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Processo nº 850/2011
(Recurso Cível)

Data: 5/Julho/2012

   
   Assuntos:
    
    - Junção de documentos;
    - Parecer
    - Confundibilidade/imitação
    - Marca notória; marca de prestígio
    - Concorrência desleal

    
    SUMÁRIO :
 1. A junção com as alegações de recurso de documentos nos aludidos casos excepcionais envolve aqueles cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja junção se tenha tomado necessária em virtude de ocorrência posterior e quando a junção apenas se tomou necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância, ou seja, quando a sentença ou o objecto da decisão implicarem a necessidade de prova de factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela.
    
 2. Parecer é a designação dada ao resultado de consulta feita a qualquer pessoa ou entidade sobre matéria em que seja especialista
    
 3. Entre a marca e as marcas SXXXXX, e , não obstante a semelhança fonética, assinalam-se as diferenças que permitem a convivência entre elas de forma a salvaguardar o perigo de confusão para o público consumidor, tanto mais que as respectivas empresas chegaram a acordo de coexistência entre essas marcas, válido para todo o Mundo, acordo esse que não deixou de abranger a valência em que pode haver uma maior semelhança.
    
O Relator,


(João Gil de Oliveira)









Processo n.º 850/2011
(Recurso cível)
Data: 5/Julho/2012

Recorrente: SXXXXX AG (SXXXXX SA) (SXXXXX Ltd.)

Recorrida: XXX, S.A.

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    SXXXXX AG (SXXXXX SA) (SXXXXX LTD), sociedade comercial suíça, com sede em ……-……-…… 94, 2502 ……/……, Suíça, ora recorrente, em que é recorrida XXX, S.A., sociedade comercial belga, com sede em 37, ……, 6600, ……, …… e entidade administrativa recorrida, o Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, tendo sido notificada da admissão do recurso que oportunamente interpôs da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base,
    - nos termos da qual se entendeu que as marcas da recorrente beneficiam da prioridade do registo e, portanto, que se encontra preenchido o requisito da alínea a) do n° 1 do artigo 215° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial;
    também concluiu existir afinidade de produtos e, portanto encontrar-se igualmente preenchido o requisito da alínea b) do n° 1 do citado artigo;
    mas concluiu existirem diferenças gráficas e fonéticas suficientes para que o cidadão delas se possa aperceber e que, por conseguinte, decidiu não se verificar in casu o requisito previsto na alínea c), do n° 1 do art° 215°,
    donde ter negado provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida que concedeu a marca N/50*** - ,
    
    vem interpor recurso, alegando em sede conclusiva:
    A. A sentença recorrida entendeu verificarem-se dois dos três requisitos previstos na lei para que se possa falar em imitação de marca; com efeito entendeu que as marcas da recorrente são prioritárias face à marca em confronto, bem assim como entendeu existir identidade dos produtos que visa assinalar.
    B. Todavia, considerou não existir semelhança gráfica, nominativa, figurativa, fonética ou outra capazes de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão com a marca anteriormente registada; ora é desta parte da, ainda assim douta, sentença que a recorrente discorda.
    C. Com efeito, apesar de a douta sentença recorrida concordar com o facto de as marcas em confronto serem foneticamente análogas - o que por si só bastaria que a conclusão do tribunal recorrido tivesse sido outra ainda assim concluiu que sendo análogas não são homófonas e a diferença entre elas existente é suficiente para que o cidadão médio a possa apreender.
    D. Se é verdade que a sentença recorrida admite que a letra inicial "s" nas marcas da recorrente lê-se da mesma forma que as letras "ce" na marca recorrida; porém entende que o facto de existir um "i" na marca recorrida que em inglês se lê "ai" é a diferença bastante para que as marcas em confronto não possam ser confundíveis.
    E. Inversamente do exposto entende a recorrente que essa ligeiríssima diferença fonética não é suficiente para afastar a possibilidade de confusão entre marcas que deve ser apreciada pela impressão do conjunto deixada pelas marcas quando examinadas sucessivamente e não pelas concretas dissemelhanças que possam existir - entendimento este sufragado pacificamente pela doutrina e jurisprudência, conforme supra na parte da fundamentação se referiu.
    F. Por outro lado, a sentença recorrida entendeu ainda que as marcas têm um elemento gráfico e que esse elemento também seria bastante para afastar qualquer confusão entre as mesmas; sucede que tal elemento consubstancia-se na sua essência no tipo de lettering usado no elemento nominativo das marcas, pelo que manifestamente não é suficiente para afastar a força da impressão do conjunto, que é a da evidente semelhança entre as marcas em confronto.
    G. Aliás, a jurisprudência é pacífica no que se refere a uma marca mista que possui elementos figurativos e verbais, considerando que o elemento dominante e que irá atrair o consumidor, é o elemento verbal, uma vez que é a forma mais importante de identificação de uma marca. Por outro lado, mesmo que o consumidor médio seja capaz de apreender determinadas diferenças visuais entre os sinais em conflito o risco de estabelecer um nexo entre os sinais é real (cfr. Decisão do TPICE, no processo T-10/03, Jean-Pierre Koubi v. OHIM).
    H. Aliás o elemento verbal / nominativo do sinal tem um impacto mais forte no consumidor do que o elemento figurativo. Isto porque o público não tende a analisar os sinais e mais rapidamente fará referência a um sinal pelo seu elemento verbal.
    I. Deste modo, conforme tem vindo a ser sobejamente sufragado pela doutrina (Cfr. Carlos Olavo, in "Propriedade Industrial", Volume I. 2ª Edição Actualizada Revista e Aumentada, p. 102) e pela jurisprudência (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.07.1976, in RM.J. n° 259, p. 239), o consumidor geralmente tende a fixar-se mais no elemento nominativo constitutivo da marca.
    J. Os elementos da marca que revelam maior aptidão para se fixarem na memória do consumidor são os fonéticos, devido à importância maior que, socialmente, se atribui ao «nome», sobre a «imagem», na identificação das pessoas ou das coisas: a apresentação varia, enquanto o nome fica.
    K. Deve, pois, atender-se ao elemento determinante das marcas em questão que, in casu, é o elemento nominativo aliado ao elemento fonético: SXXXXX vs (I)CE XXXXX.
    L. As marcas em confronto são foneticamente iguais, são pronunciadas do mesmo modo, e logo são apreendidas e memorizadas pelo consumidor médio como iguais, sendo a marca Recorrida entendida como uma mera variante das marcas prioritárias notórias da Recorrente.
    M. O consumidor médio será levado a crer que as marcas em confronto têm a mesma origem empresarial e que a marca ICE-XXXXX mais não é do que uma sub-marca ou modelo das marcas da recorrente - disto mesmo dão conta vários testemunhos de funcionários e gerentes de lojas SXXXXX, as conclusões do estudo levado a capo pela empresa A, bem como inúmeros sites e blogues existentes na internet, sendo certo que a lei apenas exige a mera probabilidade de tal confusão vir a suceder.
    N. Acresce que as marcas da ora Recorrente são marcas notórias e de prestígio mundial; notoriedade e prestígio sobre os quais a sentença recorrida nem sequer se pronunciou mas que são factos públicos e notórios e, portanto, de conhecimento oficioso por este Tribunal o que desde já se invoca para os legais efeitos.
    O. Decorre da comparação entre as marcas em oposição, que existe inegável imitação das marcas prioritárias, de cuja notoriedade a Recorrida tenta claramente obter ilícita vantagem para si nomeadamente através do fenómeno da diluição.
    P. Pelo exposto, encontram-se preenchidos os requisitos legais do conceito de imitação a que se referem os artigos 214.°, n.º 1, alíneas b) e c) e n° 2, alínea b) e 215.°, n.º 1 do RJPI.
    Q. Encontram-se preenchidos os requisitos legais do conceito de concorrência desleal por acto de confusão previsto no art. 159° do Código Comercial da RAEM
    R. À luz da al. c) do n.º 1 do art. 9° e da alínea b), n.º 1 do art. 214° ambos do RJPI deveria ter sido recusada o registo à marca Recorrida, pelo que a sentença recorrida interpretou e aplicou mal a lei ao caso.
    Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e assim revogada a sentença proferida pelo tribunal judicial de base e substituída por outra que anule o despacho proferido pela Direcção dos Serviços de Economia que concedeu o pedido de registo de marca n.º N/50*** "ICE XXXXX", , consequentemente determinando-se a sua recusa.

    
   XXX, S.A., ora recorrida, requerente da marca registanda, vem contra alegar, dizendo, fundamentalmente e em síntese:
    Os documentos juntos com as alegações e posteriormente a estas não devem ser admitidos.
    A única questão que importa apreciar é saber se entre as marcas prioritárias da recorrente e a marca da recorrida existe um semelhança nominativa, gráfica, fonética ou outra, tal, que determine que o consumidor médio as confunda.
    Conforme bem decidiu o douto Tribunal a quo, embora haja uma ligeira semelhança fonética entre as marcas em confronto, ambas são compostas por elementos nominativos diferentes, acrescendo que a marca registanda contém um elemento figurativo muito impressivo, o que, por si só, seria bastante para afastar a confusão entre as mesmas.
    Ao contrário do que afirma a Recorrente, os consumidores/clientes da Recorrente não podem considerar a marca registanda como sendo um variante da marca SXXXXX (ou uma sub-marca desta).
    Não vai a Alegante deixar de reconhecer que a(s) marca(s) SXXXXX da Recorrente é(são) marca(s) notória(s) em Macau, para além de se encontrar (em), aqui, registada(s); o mesmo não dirá no que se refere a eventual prestígio da marca SXXXXX, não podendo dar-se por provado esse prestígio, por se tratar de um facto notório, como pretende a Recorrente.
    Seria, pois, possível que se considerassem verificados os fundamentos de recusa previstos no n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea b), do já citado art. 214.º do RJPI, por se tratar de marca(s) notória(s) e já registada(s) em Macau, falhando, contudo, o requisito da "semelhança gráfica, nominativa, figurativa e fonética que induza o consumidor em erro ou confusão".
    Dúvidas não existem de que, também, não existe o alegado fundamento de recusa da marca com fundamento na possibilidade de virem a ocorrer actos de concorrência desleal.
    Embora o Tribunal a quo não se tenha pronunciado, expressamente, sobre o acordo de co-existência das marcas aqui em confronto - do qual a Recorrida fez prova ao juntá-lo com a resposta ao recurso judicial de marca -, fez verter na sua douta sentença - ora em impugnação "que a convicção do Tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou dos documentos indicados relativamente a cada um deles, os quais não foram impugnados.
    Nestas circunstâncias, o acordo celebrado entre as respectivas titulares pode ser apreciado na perspectiva de que a recorrente já admitiu que seria possível as marcas (em confronto no presente processo) co-existirem no mercado internacional.
    Nestes termos, requer seja considerado improcedente o presente recurso jurisdicional e, consequentemente, porque não existem quaisquer outras razões legais que o impeçam, ser mantida a douta Sentença recorrida que, por sua vez, manteve o despacho da DSE de 5 de Maio de 2009, que concedeu o registo da marca mista que consiste em , que tomou o n.º N/50***, para assinalar produtos incluídos na classe 14ª.
    Requer, também que os documentos, juntos com a Alegação do recurso jurisdicional, não sejam tomados em consideração, quer porque foram apresentados ilegalmente, quer por não terem qualquer força probatória; relativamente às declarações ajuramentadas, pede-se, respeitosamente, que não sejam, de qualquer forma, tomadas como sendo depoimentos de parte e de testemunhas, pois o nosso sistema jurídico e jurisdicional não reconhece como validamente prestados, depoimentos por escrito, com excepção dos feitos pelas pessoas indicadas no art. 525º do Código de Processo Civil, nem, tão pouco, os prestados fora da audiência de julgamento, sem que se verifiquem as excepções previstas no art. 522º do mesmo diploma.
    
    A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, veio apresentar as suas Contra - Alegações de Recurso, dizendo, em síntese:
    Da formulação legal resulta desde logo que existe imitação quando, postas em confronto, as marcas se confundem. Há também imitação quando, tendo-se à vista apenas uma das marcas, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra que se tenha conhecimento, pelo que se não se encontram preenchidos os três requisitos de imitação: a marca registanda tem eficácia distintiva.
    No caso da legislação de Macau no que concerne à marca notória não se exige o princípio da especialidade, ou seja, a marca tanto se pode destinar a produtos idênticos ou afins, como a outros que não aqueles desde que se possa estabelecer uma ligação com o proprietário da marca notória. A notoriedade também não se exige que ocorra quanto à generalidade do público, mas, apenas quanto ao público alvo quando se trate de um produto ou serviço específico. A distinção para a marca de prestigio é que para além de ser notória goze de excepcional atracção e ou satisfação junto dos consumidores.
    As marcas em apreço são distintas assim como a sua origem empresarial; na RAEM ambas são comercializadas e o consumidor médio não as confunde, precisamente pela notoriedade que lhes assiste. Não as consideramos, no entanto, como marcas de prestígio.
    Não se concluindo pela existência de qualquer imitação em termos nominativos ou gráficos, não há elementos objectivos que nos permitam concluir pela existência de risco de concorrência desleal, sendo certo que, tal como se referiu não há qualquer semelhança gráfica entre as marcas em causa susceptíveis de induzir em erro.
    Pelo exposto não existem as apontadas violações na sentença recorrida, deverá pois, ser negado provimento ao recurso e manter-se a Douta Sentença do Tribunal a quo.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    
    Na sentença recorrida foram fixados os factos seguintes:
    
    
    a) Em 25.06.2010 XXX s.a. requereu o registo da marca N/050*** para a classe de produtos nº 14 “Metais preciosos e suas ligas e produtos em metais preciosos ou plaqué, não incluídos noutras classes; joalharia, pedras preciosas; relojoaria e instrumentos cronométricos”, a qual consiste no seguinte:
    
    - cf. fls. 1 do proc. adm. apenso -;
    b) O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial nº 31 de 04.08.2010 – cf. fls. 14 do proc. adm. apenso -;
    c) Em 04.10.2010 a ora Recorrente veio apresentar reclamação – cf. fls. 16 a 26 do proc. adm. apenso -;
    d) A oposição à marca foi publicada no Boletim Oficial de Macau nº 44 em 03.11.2010 – cf. fls. 42 do proc. adm. apenso -;
    e) Por despacho de 24.01.2011 proferido a fls. 78 dos autos de Processo Administrativo apensos, foi concedido o registo da marca N/50*** com base nos fundamentos constantes da informação de folhas 78 a 82 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
    f) O Despacho referido na alínea anterior foi publicado no Boletim Oficial de Macau, nº 7, II Série, de 16.02.2011 – cf. fls. 84 do proc. adm. apenso -.
    g) Em 16.03.2011 foi apresentado neste tribunal o presente recurso – cf. fls. 2 -.
    h) A recorrente é titular das seguintes marcas:
    - P/9***, concedida em 29.09.1988
    
    - P/7***, concedida em 10.09.1991
    
    - cf. fls. 30 a 33 e 13 do proc. adm. apenso -.
    i) As marcas referidas no item anterior foram todas concedidas para a classe 14 – cf. fls. 30 a 33 e 13 do proc. adm. apenso -.

    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Junção de documentos;
    - Confundibilidade/imitação
    - Marca notória; marca de prestígio
    - Concorrência desleal
    
    2. A recorrente, com alguma indisciplina processual, diga-se, veio juntar por diversas ocasiões diferentes conjuntos de documentos.
    Com as alegações juntou 10 documentos, junção essa a que se opõe a recorrida XXX, S.A.
    Tais documentos materializam informação de vendas em Macau, despesas com a publicidade feita em Hong Kong relativas aos anos de 2007 a 2011, tradução de uma página da revista "Time N'Style"; notícia sobre a inauguração do Centro de Arte da SXXXXX, no Hotel da paz (Xangai), Outubro de 2010; extracto de uma informação contida na página electrónica da recorrente; declarações ajuramentadas sobre confusão da Ice XXXXX efectuada pelos consumidores em Hong Kong (datadas de Janeiro de 2010 e Maio de 2010, respectivamente e cópias em inglês de tais declarações; declarações de funcionários de lojas SXXXXX (nomeadamente das lojas de New Jersey e New York); 2 imagens de um vídeo postado no Youtube pelo utilizador banagnag, o qual tem como título "ICE SXXXXX MOV 1"; traduções de conversas em fora da internet; locais de venda online onde alguém colocou "SXXXXX ICE XXXXX"; extractos de mais sítios da internet com pontos de venda que não pertendem à recorrida; conclusões de um estudo levado a cabo pela empresa A (inquérito sobre a confundibilidade das marcas aqui em confronto).
    
    3. Dispõe o artigo 450º do CPC:
    “1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em primeira instância, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”
    O encerramento da discussão dá-se com o termo dos debates orais sobre a matéria de facto - art. 553º, al. e) do CPC.1
    Exceptuando as situações de factos supervenientes ou de documentos impossíveis de obter até um determinado momento - cfr. art. 451º do CPC - é até ao encerramento da discussão da causa que os documentos devem ser apresentados. E em princípio devem eles ser apresentados com os articulados; depois disso, só se a parte provar que os não pôde oferecer com os articulados os poderá apresentar, até àquele momento, sem multa.
    A junção dos referidos documentos não é admissível face ao disposto no artigo 451.° do Código de Processo Civil:
    1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Por outro lado o artigo 616º do CPC prescreve:
    1. As partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
2. Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, jurisconsultos ou técnicos.
3. É aplicável à junção de documentos e pareceres, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 467º e 468º

    Assim, a junção com as alegações de recurso de documentos nos aludidos casos excepcionais envolve aqueles cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja junção se tenha tomado necessária em virtude de ocorrência posterior e quando a junção apenas se tomou necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância, ou seja, quando a sentença ou o objecto da decisão implicarem a necessidade de prova de factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela.
    Ora no caso em apreço não se verifica nenhuma destas situações, estando perante documentos que visam demonstrar factos que já eram do conhecimento da recorrente ou que se mostram completamente irrelevantes para a questão da dilucidação da questão em apreço e que passa, no essencial, por saber da confundibilidade entre as marcas em questão, SXXXXX e ICE-XXXXX.
     A junção de documentos aos autos está sujeita ao interesse que os mesmos tenham ou possam vir a ter para o esclarecimento da verdade e para a boa decisão da causa e tal interesse tem de ser aferido em função dos factos alegados pelas partes como fundamento da acção ou da defesa e da faculdade de fazer prova ou contraprova dos mesmos.
    É certo que é a parte que, em primeira linha avalia desse interesse, não devendo o Tribunal coarctar essa liberdade, desde que os documentos de alguma forma se relacionem ou coadjuvem na formação de uma convicção. Só que, se não apresentados nos tempo regular, a intervenção do Tribunal deva ser mais rigorosa, em vista da disciplina processual.
    É nesta perspectiva que não se vislumbra em que medida os dez documentos podem relevar, na medida em que nenhum deles encerra qualquer tipo de prova vinculada. Em todo o caso, trata-se de documentos que poderiam ter sido apresentados anteriormente, ou pelo menos, recolhidos anteriormente, - se se invoca alguma confusão de certos clientes nalgumas das lojas da recorrente por esse mundo fora, com certeza que tal não ocorreu somente depois do momento em que os documentos deviam ser juntos -, mostrando-se intempestiva a sua junção, não sendo ainda de relevar o depoimento escrito ajuramentado por falta de cabimento processual - cfr. respectivo regime da prova documental decorrente dos artigos 517º e segs do CPC, só excepcionalmente se prevendo o depoimento por escrito, v. g. 522º e 525º do mesmo código.

    4. Já depois de apresentadas as suas alegações de recurso, a recorrente veio juntar aos autos 2 documentos, alegando que, entretanto foram recolhidas declarações noutras partes do Mundo justificativas da confundibilidade das marcas.
    Damos aqui por reproduzido quanto acima se disse para se terem por não admitidos tais documentos, não se deixando de anotar a indisciplina processual que não resultaria se a cada momento, hoje, amanhã e depois viessem surgindo outras tantas declarações ajuramentadas e como tal devessem ser admitidas nos autos.
Tem-se, pois, tal junção por extemporânea.

5. Insiste ainda a recorrente com a junção de um documento que diz ser superveniente e que se não for admitido como documento que o seja como parecer, relativo a uma decisão do Instituto de Harmonização no Mercado Interno no âmbito da União Europeia.
Parecer é a designação dada ao resultado de consulta feita a qualquer pessoa ou entidade sobre matéria em que seja especialista.2
Como está bem de ver, não se trata de parecer algum, mas sim de uma decisão - que nem se sabe ser definitiva ou passível de impugnação - proferida pela autoridade competente num ordenamento diferente e onde o elemento decisivo parece ser a ponderação do destinatário consumidor francófono, onde a fonética destrinçadora dos vocábulos em comparação fica mais esbatida ( a palavra ice-XXXXX ler-se-á “isse-XXXXX” contra “ais-XXXXX” na fonética anglófona).
Essa decisão não vincula dentro do ordenamento da RAEM, nem se configura que tenha valor acrescido em relação às decisões que tenham ocorrido noutros países sobre esta questão.
Trata-se de um facto que não foi alegado e desse documento não decorre necessariamente a comprovação do pressuposto em que se baseia a impugnação do registo da marca pretendido, qual seja a pretensa confundibilidade.
Valem ainda aqui todas as razões acima aduzidas quanto à extemporaneidade desta junção, o que se decide, com consequente não atendibilidade dos documentos que foram juntos e que só não se desentranham, visto o estado do processo.
    
    
    6. Posto isto, vamos então analisar as questões concernentes ao recurso jurisdicional.
    Pretende a Recorrente que, através do presente recurso jurisdicional, seja revogada a douta sentença de 20 de Julho de 2011, que manteve o despacho da DSE, que concedeu a marca mista, para assinalar produtos integrados na classe 14ª, que consiste em e que tomou o n.º N/50***.
O ponto está em saber se tal marca é confundível com aqueloutras
SXXXXX
     (marca registada)
    
     (marca registada)
    Ou por outras palavras se estamos perante uma imitação de marca previamente registada.
    A recorrente coloca ainda a questão de concorrência desleal a partir da afirmação de que as marcas ora registadas pretendem concorrer com aquelas que, para além de previamente registadas são ainda marcas notórias.
    
    7. A posição da recorrente
    Em síntese, a recorrente defende que deve ser recusada a marca registanda, por estarem preenchidos os requisitos de quatro fundamentos legais de recusa, quais sejam (i) o previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 214.° (protecção de marca registada); (ii) os previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 214.° (protecção de marca notória e de marca de prestígio) e (iii) o previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 9.°, ex-vi, 214.°, n.º 1, alínea a) (obstar a que se pratiquem actos de concorrência desleal), todos eles tendo em conta o conceito legal de imitação e reprodução de marca consignado no n.° 1 do art. 215.°, todas as disposições indicadas do RJPI.
    Ao invocar os fundamentos de recusa, a Recorrente defende que se encontram preenchidos os requisitos do art. 215°, n.° 1, nomeadamente, "a semelhança nominativa, fonética e gráfica que determina a associação e/ou confusão entre as marcas aqui em confronto".
    
    8. A posição vertida na sentença recorrida
    O Mmo Juiz recorrido desenvolveu a seguinte douta argumentação:
    
    “A questão que se discute no presente recurso, é a de saber se a marca em causa havia de ter sido recusada com o fundamento previsto nas alíneas c) do nº 1 do artº 9º, b) do nº 1 do artº 214º e b) do nº 1 do artº 215º todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
    Vejamos então.
    O artº 215º do RJPI consagra que se considera reproduzida ou imitada a marca quando cumulativamente se verificarem os seguintes requisitos:
    a) A marca registada tiver prioridade;
    b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
    c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.»
    
    Da prioridade de registo.
    Aquando do pedido de registo da marca ora sob recurso já se encontravam registadas as marcas P/7*** e P/9*** a favor da ora Recorrente.
    Sobre a prioridade de registo estabelece o artº 15º do RJPI o seguinte:
    
    «Artº 15º
    1. Salvo os casos previstos no presente diploma, o direito de propriedade industrial é concedido àquele que primeiro apresentar regularmente o pedido acompanhado de todos os documentos exigíveis para o efeito.
    2. Se os pedidos forem remetidos pelo correio, a remessa deve ser efectuada sob a forma de correio registado ou equivalente, aferindo-se a precedência pela data de registo.
    3. No caso de dois pedidos relativos ao mesmo direito serem simultâneos ou de terem idêntica prioridade, não lhes é dado seguimento sem que os interessados resolvam previamente a questão da prioridade por acordo ou no tribunal cível competente.
    4. Se o pedido não for desde logo acompanhado de todos os documentos exigíveis para o efeito, a prioridade conta-se do dia e hora em que for apresentado o último documento em falta.
    5. Se o objecto do pedido for alterado em relação à publicação inicial do aviso no Boletim Oficial, esse facto implica a publicação de novo aviso e a prioridade da alteração é contada da data em que esta foi requerida.
    Destarte, beneficia a ora Recorrente de prioridade de registo.
    Relativamente ao segundo requisito enunciado, quer as marcas da recorrente quer a marca objecto do recurso se destinam â mesma classe de produtos, pelo que, também este está verificado.
    Quanto à semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética.
    Entendeu o despacho recorrido que no caso em apreço não havia imitação de marca nem a marca sob recurso era susceptível de gerar confusão no consumidor médio com as marcas da ora Recorrente.
    As marcas em causa da recorrente são constituídas por:
    
    E
    
    A marca objecto deste recurso é constituída por:
    
    As marcas em causa são mistas, ou seja, constituídas por elementos nominativos e gráficos.
    Quanto à invocada semelhança fonética.
    Alega a Recorrente que foneticamente as palavras em causa são análogas, recorrendo para o efeito – e muito bem – ao alfabeto fonético.
    E conclui bem a Recorrente ao invocar que as palavras em causa são “análogas”.
    Mas não são homófonas e a diferença fonética entre ambas é suficiente para que o cidadão médio possa apreender a diferença sem qualquer esforço..
    Se é certo que a leitura das letras “ce” se confunde com a letra”s”, não o é menos que a existência do “I” inglês – pronunciando-se em português “ai” - no inicio da palavra faz toda a diferença.
    Contrariamente ao que a Recorrente sustenta a diferença fonética entre “I-SXXXXX” e “SXXXXX” é suficiente para que o cidadão médio dela se possa aperceber.
    Mas a marca não é só constituída pelo elemento fonético.
    É aceite que as marcas têm também para além do caracter distintivo um efeito apelativo e publicitário.
    Ora, resulta das regras da experiência que a escolha dos produtos é feita através do elemento visual, sendo que, o cidadão comum ao pronunciar a marca se reporta em termos de memória ao elemento gráfico.
    Ora no caso em apreço é evidente que não existe semelhança alguma entre as marcas da Recorrente e a marca objecto deste recurso.
    A circunstância de ambas terem o vocábulo XXXXX, não é suficiente para entre ambas se gerar qualquer confusão, uma vez que a composição gráfica do elemento nominativo, em todas elas, é de tal modo predominante, que por si só lhes imprime caracter autónomo afastando a possibilidade de qualquer semelhança mesmo para o consumidor mais distraído. Para tanto atente-se nas fotografias juntas pela Recorrente de folhas 34 a 51 das quais resulta que quer nos relógios quer nas embalagens o elemento que realça é a expressão “ICE” como aliás é evidenciada no logotipo da marca dada a dimensão das letras “ICE” e das “XXXXX”.
    Destarte, no caso em apreço não se pode concluir pela semelhança gráfica nem nominativa entre as marcas em causa, pelo que, não estão preenchidos os requisitos das alínea c) do artº 215º do RJPI.”
    
    9. Analisando...
    Enquadramento abstracto
    A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.3
É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, no seu artigo 197º, ao prescrever que “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno sócio-económico, retirar-se-ão as sua funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.4
Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
Pode até constituir uma garantia5, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
    Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
    Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
    Para haver imitação, a marca deve ter tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.6
Como nota o Dr. Carlos Olavo, “a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter doutro. É que o consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é assim simultânea, mas sucessiva”. 7Na imitação à luz do critério subjectivo, a jurisprudência vem entendendo que ela deve ser apreciada pela semelhança que resulte do conjunto de elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolada ou separadamente. 8
    Realçam-se ainda outros critérios que se recortam da Doutrina e Jurisprudência Comparada.
    Desde logo, o que se traduz em relevar no juízo comparativo a semelhança que ressalta do conjunto de todos os elementos constitutivos da marca. É da globalidade da sua composição que se há-de aferir dessa semelhança ou dissemelhança.
Depois, o da irrelevância, no conjunto da apreciação das marcas, das suas componentes genérica ou descritiva. O facto de se assemelharem, unicamente, com relação aos sinais genéricos ou descritivos não é determinante.
    Deve-se privilegiar, sempre que possível, o elemento dominante.
    Ainda, quanto maior a notoriedade da marca anterior, maior o risco de confusão com uma marca posterior.9
    No exame comparativo das marcas deve prevalecer o juízo do consumidor ou utilizador médio, o juízo que um consumidor medianamente atento e esclarecido emitiria.10
E ainda que "por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação entre marcas" 11
    É evidente que o juízo sobre a confundibilidade não deixa de encarar algum subjectivismo, dependendo a análise em muito dos olhos que observam esses sinais.
    É, perante esta subjectividade que se observa que Jurisprudência tem dado relevância sempre aos aspectos fonéticos, gráfico, figurativo e conceptual, dando, todavia, preponderância ao primeiro.12
    E coexistindo elementos nominativos e gráficos, na indagação de qual o elemento prevalecente, embora o critério correcto pareça ser o de, a priori, não privilegiar nenhum dos elementos, por regra, o elemento nominativo deve ser considerado o predominante.13
    
   
   10. Descendo ao caso concreto, podendo ter alguma relevância a notoriedade da marca, como acima se viu, não nos vamos alargar muito nesta questão, a partir do momento em que é a própria recorrida que reconhece as marcas da recorrente como notórias, já o mesmo não acontecendo em relação ao prestígio das mesmas.
   Vamos, pois, na análise a empreender, partir do pressuposto de que estamos perante uma marca notória da recorrente - não só face ao reconhecimento , mas ainda perante os demais elemento resultante dos autos -, tornando-se desnecessário enveredar pela questão do prestígio, a partir do momento em que a protecção da marca da recorrente advém do registo prévio já efectuado no nosso ordenamento.
   
   11. O que desde logo salta à vista é que as referidas marcas (SXXXXX e Ice-XXXXX) não sendo iguais, são muito parecidas e, avança-se já, em relação à fonética, a tónica chave que emerge dos sons proferidos é a mesma, mudando apenas a sua fonética e grafia linguística.
Não obstante as diferenças evidenciadas sob as diversas perspectivas sensoriais, seja ao nível do visual, seja ao nível do auditivo, o que releva, como se viu é a percepção global, aquela que fica.
    A inclusão de uma palavra foneticamente parecida em duas marcas destinadas ao mesmo serviço presta-se a confusão.

    Está-se, pois, perante marcas nominativas da recorrente e uma marca mista da recorrida, que integram os seguintes sinais:
SXXXXX
     (marca previamente registada)
    
     (marca previamente registada)
    E
(marca posteriormente registada)
    As primeiras marcas (registadas em Macau e da titularidade da recorrente) integram como expressão, que lhe imprime carácter distintivo, a palavra SXXXXX, sem qualquer significado, e a terceira marca - a registanda - integra duas expressões com significado próprio: ICE e XXXXX.
    SXXXXX não tem qualquer significado por si só, enquanto vocábulo.
    A marca registanda, por sua vez, é composta, por duas palavras ICE e XXXXX -, isto é, duas palavras de origem inglesa, com um significado concreto.
    Reconhece-se uma diferença manifesta entre as marcas em confronto na perspectiva visual, figurativa, gráfica, vocabular, mas indesmentível é o facto de existir uma aproximação fonética muito grande entre as marcas em confronto,
    a marca registanda
    e a marca registada ou SXXXXX.
    Visando acautelar os riscos de confusão que aquelas podem criar, importa ponderar a zona geográfica onde nos encontramos, considerando que a maioria esmagadora da população local e visitante não lê nem escreve o inglês, sendo natural que retenha em primeira linha a sonoridade da marca e lhe possa passar mais despercebida a diferença figurativa e nominativa.
    Mas, por outro lado, no que se refere às marcas dos relógios, elas são apostas nos mostradores e, portanto, não poderá o consumidor médio deixar de se confrontar com as diferenças figurativas e gráficas se estiver perante um relógio da marca ICE-XXXXX e com um outro relógio da marca SXXXXX.
    O problema está em saber se nesse acto de escolha e decisão tem em presença os dois elementos comparativos. Só que aí, nesse momento, ainda que o elemento comparativo não esteja presente, perante o consumidor sobrelevará a imagem visual retida e, nessa perspectiva, a diferença evidenciar-se-á.
    Perante esta anulação recíproca dos argumentos pró e contra confundibilidade, vamos explorar outros caminhos.
    
    12. O que foi decidido ou não noutros ordenamentos jurídicos não se mostra determinante, mais não servindo de mera referência, vista a autonomia de que se reveste a jurisdição da RAEM.
    Debrucemo-nos sobre o acordo celebrado entre as partes, recorrente e recorrida, relativo à admissibilidade e coexistência dos registos, conforme resulta de fls 155 e 156 e que a carta da recorrida de fls 157 e 158 confirma.
    Resulta assim dos autos, tal como alegado vem, que em 15 e 20 de Maio de 2008, as partes assinaram um acordo de co-existência de marcas, segundo o qual, a XXX, S.A., aqui Recorrida, aceitou não utilizar a marca ICE-XXXXX senão na forma mista, isto é, ; trata-se do documento apresentado junto com a resposta ao recurso judicial de marca sob o n.° 10 e, portanto, está incorporado nos autos.
    Sobre tal alegação da recorrida, sobre esse acordo, a recorrente nada diz.
    Como se pode constatar de tal documento, ficou acordado entre as partes que sempre que a requerente, aqui recorrida, pedisse um registo da marca deveria usar essa apresentação, com excepção dos documentos, nomeadamente, em cartas comerciais, nas quais a XXX, S.A., pode usar as palavras ICE e XXXXX separadas pelo hífen (ICE-XXXXX), bem como, na página electrónica da XXX, S.A, cujo domínio é www.ice-XXXXX.com.
    Mas lembramos que a marca consentida registar é indicada na cláusula n.º 5 onde a marca se desenvolve sobre um fundo escuro.
    Em conformidade com o ponto 11 do acordo "O presente acordo tem validade para todo o mundo".
    Este acordo, que resulta de um documento que não se mostra infirmado, contraditado ou impugnado, oportunamente apresentado com o articulado respectivo e servindo de suporte a matéria alegada, não deixará de ser um elemento a sobrepesar nos argumentos que apontam para a possibilidade de uma coexistência e diferenciação consentida entre as marcas e que as partes directamente interessadas não deixaram de admitir, acordo que o nosso RJPI consente, visto o artigo 221º a fortiori.
    Não em termos decisivos, até vista a diferença entre a marca consentida registar, considerada no seu todo, e a que é objecto de deissídio nos presentes autos, mas em termos coadjuvantes à decisão, na medida em que se realça o factor nominativo e vocabular e sob esse ponto de vista a diferença resultante do fundo escuro da marca da aludida cláusula 5ª perde alguma relevância. Retira-se desse acordo um consentimento na coexistência de marcas, que na sua vertente nominativa e vocabular, não difere dos elementos que interessa ponderar no caso sub judice.
    Concluindo, no confronto entre as semelhanças e dissemelhanças vamos privilegiar as segundas, à luz do enquadramento supra exposto, dos argumentos que evidenciam as diferenças apontadas, tal como vertido nas anteriores decisões, na instância administrativa e judicial, e indo ao encontro do acordo que não se mostra infirmado nos autos.
    
    13. Razões por que se manterá a sentença recorrida que, por sua vez, manteve o despacho da DSE de 5 de Maio de 2009, que concedeu o registo da marca mista que consiste em , que tomou o n.º N/50***, para assinalar produtos incluídos na classe 14ª.
    Assim se têm por inverificados os requisitos do artigo 215º, n.º 1, do RJPI, sendo que para verificar a reprodução ou imitação de marca é necessário que sejam cumulativos os requisitos do artigo 215º do CPC.
    
    E perante esta conclusão a que aqui se chega, concluindo-se pela não imitação da marca anteriormente registada, prejudicada fica a análise da pretensa concorrência desleal.
    Tudo visto e ponderado, resta decidir.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 5 de Julho de 2012,

(Relator) João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - cfr. Viriato Lima, Manual de DPC, CFJJ, 438 e 324
2 - Ana Prata, Dicionário Jurídico, Almedina, 4ª ed., 847
3 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37

4 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
5 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
6 - Ac. Relação de Coimbra, proc. n.º 849/04. de 4/5/2004
7 - in Propriedade Industrial, pág.51

8 - Cfr. Ac.R.L de 2.5.80 (CJ3/80-153), STJ de 31.11.81 (BMJ311-411) STJ de 24.5.90 (BMJ397-506) e de 16.5.00 (CJstj II/00-69)
9 - Couto Gonçalves, Man. Dto Ind., Almedina, 2005, 233
10 - Ac. STJ de 10/5/07, proc. 07B974, www.dgsi.pt

11 - Ac. STJ de 3.11.1981, in BMJ 311°- 401, disponível em www.dgsi.pt/
12 - Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra editora, 2004, 299
13 - Couto Gonçalves, Dto de Marcas, Almedina, 2003, 140
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