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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, o arguido A foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 10 anos e 3 meses de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso.
Vem agora o arguido recorrer desse Acórdão para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
- O acórdão recorrido padece dos vícios da falta de ponderação da conduta do recorrente que é compatível com o disposto no n.º 1 do art.º 18º da Lei n.º 17/2009 – Atenuação especial de pena - e da falta de ponderação suficiente, no reconhecimento de “culpa”, do ambiente objectivo em que vive e cresce o recorrente, que influencia “a vontade subjectiva e os valores” do mesmo, pelo que, vem requerer aos Venerandos Juízes do TUI que:
1. Atenuem especialmente a pena aplicada ao recorrente, por este ter esforçado em colaborar com a Polícia, sendo compatível com o disposto no art.º 18º da Lei n.º 17/2009;
2. Procedam à nova medida de pena em conformidade com o cálculo disposto no n.º 1 do art.º 67º do Código Penal, respeitante ao crime praticado pelo recorrente, previsto no art.º 8º da Lei n.º 17/2009; e
3. Decretem que o acórdão recorrido padece de vício na medida de pena, por não ter efectuado suficientemente a análise e ponderação de “culpa”;
4. Enfim, condenem o recorrente numa pena de prisão efectiva não superior a 6 anos.

Respondeu a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério público, terminando a sua resposta à motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1. Nos termos do art.º 18º da Lei n.º 17/2009, no caso de prática dos factos descritos nos artigos 7º a 9º da mesma Lei, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena.
2. Sem dúvida, o recorrente, após ser preventivamente preso, pediu, por iniciativa própria, que contactasse com os agentes da PJ, fornecendo-lhes algumas informações que detinha, porém, tais informações não abrangiam os dados de identificação concretos de qualquer outro suspeito. Antes de o recorrente fornecer as respectivas informações, os suspeitos de tráfico de droga focalizados pela Polícia já foram descobertos, por meio da investigação rigorosa efectuada consoante as provas materiais encontradas na posse do recorrente, pelo que se verifica a inexistência da situação alegada pelo recorrente, no que respeita a informações fornecidas pelo mesmo terem apoiado a Polícia na focalização dos membros da respectiva associação de tráfico de droga. A par disso, nos autos também não se mostrou que as informações fornecidas pelo recorrente apoiassem a Polícia do Interior da China ou de Hong Kong na captura de qualquer um dos membros da referida associação de tráfico de droga, razão pela qual não se verifica o vício alegado pelo recorrente, no que respeita a falta de reconhecimento do referido facto pelo acórdão recorrido.
3. In casu, as informações fornecidas pelo recorrente não adjuvaram muito os agentes da PJ na interpretação e no inquérito da situação inicial da actividade de tráfico de droga, nem produziram efeito efectivo para a identificação ou captura de outros responsáveis pelo tráfico de droga ou para a destruição e dissolução da respectiva organização, pelo que a colaboração e as informações prestadas pelo recorrente a Polícia não auxiliaram na recolha de provas relevantes ou decisivas, não sendo consideradas como colaboração de principal valor, portanto, não se verifica o preenchimento dos requisitos da atenuação especial da pena consagrados no art.º 18º da Lei n.º 17/2009.
4. Nos termos dos artigos 40º e 65º do Código Penal, a determinação da pena concreta, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, além disso, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
5. Lido o acórdão recorrido, constata-se que o TJB e o TSI avaliaram e ponderaram suficientemente todas as circunstâncias e factores que deviam ser avaliadas e ponderadas na determinação da pena, incluindo o grau de culpa do recorrente, pois, não se verificam os vícios referidos pelo recorrente.
6. Tendo em conta os factos e circunstâncias provados nesta causa, mormente a natureza da actividade de tráfico de droga transfronteiriça praticada pelo recorrente, atendendo também ao grau de culpa do recorrente e à moldura penal abstracta do crime praticado pelo mesmo, entendemos que a pena aplicada pelo Tribunal a quo ao recorrente é idónea, conformando com o disposto nos artigos 40º e 65º do Código Penal.

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos
Nos autos foram considerados assentes os seguintes factos:
- Em 7 de Julho de 2012, às 14H30, os agentes da PJ conduziram o arguido A que tinha sido interceptado no átrio do Terminal Marítimo do Porto Exterior, para o posto da PJ no Terminal Marítimo do Porto Exterior para efectuarem a revista corporal.
- No referido posto, os agentes da PJ descobriram uma divisão secreta na camada interna da mochila do arguido A, onde foi escondido um saco de objecto embrulhado por papel de alumínio prateado e empacotado por esferovite branco. Dado que o aludido objecto foi suspeito de ser droga, os agentes da PJ conduziram logo o arguido A para a esquadra da PJ para procederem à respectiva investigação.
- Na esquadra da PJ, os agentes da PJ abriram o aludido objecto embrulhado por papel de alumínio com a tesoura e nele encontraram as substâncias brancas e algodão com substâncias brancas pegadas (vide auto de apreensão de fls. 16 dos autos).
- Após o exame, verificou-se que as referidas substâncias brancas continham “Cocaína” abrangida pela tabela I-B anexa à Lei n.º 17/2009, uma parte delas tinha o peso líquido de 602,3 gramas, cuja proporção da “Cocaína”, através da análise de métodos quantitativos, foi verificada em 54,97%, com o peso líquido de 331,1 gramas; e, a outra parte tinha o peso líquido de 495,3 gramas, cuja proporção da “Cocaína”, através da análise de métodos quantitativos, foi verificada em 63,6%, com o peso líquido de 315,0 gramas.
- Os referidos estupefacientes foram colocados por indivíduo de identidade desconhecida na divisão secreta na camada interna da mochila em causa e, depois, esta mochila foi entregue ao arguido A para ser trazida para Macau e entregue a indivíduo de identidade desconhecida.
- O arguido A sabia perfeitamente que a mochila supracitada continha droga, mas ainda a trazia para Macau, com a intenção de receber do indivíduo de identidade desconhecida a quantia de USD15.000,00 como retribuição pecuniária.
- A par disso, os agentes da PJ ainda encontraram na posse do arguido A USD520,00, HKD400,00, um telemóvel acompanhado da bateria e dum cartão telefónico, duas passagens aéreas da Companhia Aérea Lufthansa, um bilhete electrónico de avião, três cartões de embarque, uma passagem marítima da viagem do aeroporto de Hong Kong para Macau, uma passagem marítima da viagem de Macau para Hong Kong, um recibo do visto de entrada em Macau, uma factura para o hóspede de hotel e duas notas de papel com o número de contacto e indicações (vide auto de apreensão de fls. 22 dos autos).
- Os objectos supramencionados eram custos, instrumentos de comunicação e bilhetes de transporte usados pelo arguido A no decurso do transporte de droga.
- O arguido A agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao praticar o referido acto.
- O arguido tinha perfeito conhecimento da natureza dos referidos estupefacientes.
- A conduta do arguido não era permitida por qualquer lei.
- O arguido sabia perfeitamente que a conduta acima referida era proibida e punida por lei.

Mais se provou:
- O arguido é delinquente primário em Macau, conforme o certificado de registo criminal.
- Alegado o arguido que tinha como habilitações académicas o ensino secundário completo, era desempregado, bem como tinha a mãe e o irmão mais novo a seu cargo.
E não existe facto não provado que seja incompatível com os factos provados.

3. O direito
O recorrente suscitou a questão que se prende com a medida da pena, pretendendo que o Tribunal atenue especialmente a pena nos termos do art.º 18º da Lei n.º 17/2009 e pondere suficientemente a sua culpa, fixando uma pena não superior a 6 anos de prisão.

Quanto à atenuação especial da pena, dispõe o art.º 18º da Lei n.º 17/2009 o seguinte: “No caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena”.
Ora, com a redacção quase igual à do n.º 2 do art.º 18º do DL n.º 5/91/M, diploma anterior que estabelece o regime de combate ao tráfico e ao consumo de droga, a norma em causa consagra um mecanismo excepcional de atenuação especial ou dispensa da pena para os casos de produção ou tráfico ilícito de drogas, segundo o qual é possível a livre atenuação da pena até a isenção da pena se o agente praticar actos expressamente previstos no artigo, incluindo o de auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis de grupos, organizações ou associações.
A jurisprudência dos tribunais de Macau tem entendido que o benefício de atenuação especial previsto no n.º 2 do art.º 18º do DL n.º 5/91/M se aplica “sobretudo àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações que se dediquem ao tráfico de estupefacientes”.
E “não é o auxílio às autoridades na identificação ou captura de um qualquer traficante de drogas que pode justificar a redução ou isenção da pena, sem prejuízo de considerar a colaboração com as autoridades como uma circunstância atenuante simples na graduação da pena.”1
No que concerne concretamente à colaboração do agente com a Polícia e já na vigência da Lei n.º 17/2009, este Tribunal de Última Instância entende que, para efeito de atenuação especial da pena, só tem relevância “o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento”.2
Por outras palavras, entende-se que os elementos fornecidos pelo agente devem ser decisivos e relevantes, susceptíveis de levar à identificação ou à captura de responsáveis do grupo, não sendo bastante, evidentemente, a mera indicação de um número de telefone ou de um nome, por exemplo.

Voltando ao nosso caso concreto, alega o recorrente que na fase de investigação prestou colaboração à Polícia, fornecendo os dados com vista à identificação dos indivíduos que faziam parte do grupo que se dedicava ao tráfico de estupefacientes, o que conduziu à captura dos mesmos pelas entidades policiais da China e de Hong Kong, pelo que estão preenchidos os requisitos previstos art.º 18º da Lei n.º 17/2009, devendo a pena ser especialmente atenuada.
Quanto à alegada colaboração com a Polícia, consta dos autos alguns elementos neste sentido, tais como se refere na fundamentação do Acórdão do Tribunal Judicial de Base, em que se constata que na investigação do caso o recorrente teve uma postura de colaboração, conforme o depoimento prestado pelo agente policial em audiência de julgamento, sem que tenha sido mencionado em que se concretizou a sua colaboração.
E consultados os autos, detecta-se apenas que, aquando da sua detenção, o recorrente revelou à Polícia Judiciária o hotel que iria hospedar-se e o número de telefone ao qual iria ligar para contactar com um indivíduo conhecido por “JJ” e depois, já no interrogatório feito na Polícia Judiciária, indicou vários nomes (não completos) como sendo membros do grupo (incluindo “JJ”) que o tinha mandado para transportar a droga, conforme o auto de notícia e o auto de interrogatório elaborados pela Polícia (cfr. fls. 4 a 5 e 118 a 121 dos autos).
Será que a conduta acima transcrita assume a relevância para efeito pretendido pelo recorrente?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Ora, os dados de identificação oferecidos pelo recorrente não são concretos nem completos. E mesmo que a Polícia Judiciária consiga depois fixar alguns números de telefone e identificar alguns membros suspeitos do grupo de tráfico de droga, isto não resulta directamente das informações fornecidas pelo recorrente, mas sim da uma série de diligências desencadeadas pela entidade policial, sendo que a conduta de colaboração do recorrente está longe de produzir aquele resultado.
Por outro lado, não existe dos autos nenhum elemento que demonstre a captura de algum indivíduo membro do grupo, devida ao fornecimento dos dados pelo recorrente.
Concluindo, não se afiguram relevantes nem decisivos os elementos oferecidos pelo recorrente, pelo que não estão preenchidos os pressupostos para aplicação do disposto o art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, que permite a atenuação especial da pena.

Alega ainda o recorrente que, na determinação da medida da pena concreta e no que respeita à culpa, o Tribunal recorrido não ponderou suficientemente o ambiente objectivo em que ele vive e cresce, factor que influencia “a sua vontade subjectiva e os valores”.
Para o recorrente, sendo a região de sua origem, Colômbia, um país famoso do comércio de droga, o Tribunal devia ter ponderado a diferença verificada entre os critérios objectivos sobre a droga adoptados pela sociedade daquele País e de Macau, para avaliar a sua culpa.
Ora, nos termos do art.o 40. n. 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.. 2 do artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foi condenado o recorrente é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
A culpa, enquanto pressuposto da pena, tem de determinar-se, naturalmente, através de circunstâncias apuradas no caso concreto.
Sendo residente de Colômbia, um país famoso do comércio de droga em que é um dos flagelos mais graves o tráfico de estupefacientes e é uma das tarefas mais importantes do Governo o combate a este tipo do crime, o recorrente conhece bem a natureza e as características da droga que transportou para Macau e, mesmo assim, agiu de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de obter compensação pecuniária, o que revela sem dúvida o grau muito elevado da sua culpa.
É de salientar que o tráfico e consumo de estupefacientes causam, hoje em dia, problemas sociais muito graves não só para Colômbia, mas também para Macau e para todo o mundo.
E não resultam dos autos quaisquer circunstâncias que militem a favor do recorrente, com excepção da confissão e de ser delinquente primário, que não são bastantes para a redução da pena pretendida pelo recorrente.
A quantidade da cocaína apreendida nos autos totaliza-se em 646,1 grama, que se destinava a ser vendida a terceiro.
A factualidade assente revela que é muito intenso o dolo do recorrente e são muito graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal de Macau, não se nos afigura excessiva a pena de 10 anos e 3 meses de prisão aplicada ao recorrente, que foi encontrada dentro da moldura penal fixada para o crime em causa e em função da culpa do recorrente.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”3, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
É de concluir pela manifesta improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.º 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal de Macau, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 3 UC.
Fixam os honorários no montante de 4000 patacas para o Ilustre Defensor Oficioso do recorrente.

Macau, 11 de Setembro de 2013

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
   
1 Cfr. Ac. do TUI, de 15-10-2003, Proc. nº 16/2003; de 8-10-2003, Proc. nºs 21/2003 e 22/2003.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 21-7-2010, Proc. nº 34/2010.
3 Acórdãos do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos nºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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14
Processo n.º 48/2013