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Processo nº 200/2012
Data do Acórdão: 05JUL2012


Assuntos:

contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº200/2012


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou, invocando excepção da prescrição, impugnando a acção contra ela intentada e deduzindo pedido reconvencional com fundamento no enriquecimento sem causa da Autora.

Proferido o despacho saneador, pelo qual foi decidida pela parcial procedência da invocada excepção de prescrição, julgando prescritos os créditos reclamados anteriores a 25NOV1990, assim como pela admissão do pedido reconvencional.

Continuou a marcha processual na sua tramitação normal e vieram a final ser a acção julgada parcialmente procedente e condenada a a Ré a pagar à Autora a quantia de MOP$1.645,00 e julgado improcedente o pedido reconvencional.

Inconformada com a decisão final, recorreu a Autora alegando e concluindo:

1. 被上訴的澳門初級法院第三民事法庭的決定,在已經證明之事實上之事宜,錯誤認定小費屬性的法律問題,認為在澳門由賭場員工所收取之“小費”不構成工資部份;
2. 錯誤認定上訴人的工資為日薪而非月薪;
3. 錯誤計算周假及強制性假日的補償系數。
  綜上所述,請求敬仰的法官 閣下裁定上訴人之上訴請求成立,並廢止原審判決,裁定小費為工資部份、工資為月薪計算及定出計算周假及強制性假日的補償系數,從而重新計算被告須向上訴人支付的金額,作為周假、年假及強制性假日的補償;遲延利息按照終審法院於2011年03月02日在卷宗編號第69/2010作出的統一司法見解計算。
  為使法律更為完美無瑕,請求敬仰的中級法院法官 閣下依據上述理由對本平常上訴作出審判及判處上訴人的請求成立,實現一如既往的公正!

Ao que não respondeu a Ré, mas interpôs recurso da sentença na parte que julgou improcedente o pedido reconvencional, concluindo e pedindo:

A. O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária mas pode ser aplicado in casu na medida em que "o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação. " (cfr. art. 468.° e n.º 1 do art. 470.° do cód. civ.).
B. As gorjetas ou gratificações prestadas pelos Clientes da Recorrente não eram uma obrigação legal desta, podendo a mesma pode repetir a obrigação, que não existia, assim se requerendo a devolução das quantias monetárias que prestou à Recorrida com as quais esta procura na presente acção laboral, enriquecer-se, nova e injustificadamente.
C. Notificada para responder à Reconvenção, a Recorrida nada veio dizer aos autos, acarretando tal silêncio, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 32.º do cód. proc. trab., o reconhecimento dos factos articulados pela Recorrente.
D. Em virtude de tal circunstância, conjugada com o que foi dito pelas testemunhas em audiência de discussão e julgamento, deviam ter sido considerados provados os quesitos 16°, 18° e 19° da Base Instrutória.
E. Só por a Recorrida ter aceitado não ser remunerada durante a relação laboral, é que a Recorrente lhe permitiu participar no esquema das gorjetas entregues pelos clientes daquela.
F. Ao receber parte das «gorjetas», cuja causa para o seu recebimento era o facto de não ser remunerada ou retribuída nos seus dias de descanso, a Recorrida enriqueceu à custa do empobrecimento da aqui Recorrente.
G. Resulta claramente dos autos o conteúdo do contrato que foi oferecido à Recorrida e por esta livremente aceite, nomeadamente que:
i. O salário seria pago à razão diária, mas apenas pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho; e
ii. Caso pretendesse gozar de descansos semanal, anual e feriados obrigatórios, tal não lhe era negado, simplesmente esses dias não seriam remunerados.
H. Acresce que da matéria de facto provada em audiência de discussão e julgamento se retira que a forma como era executado o contrato de trabalho, em concreto, cumpria o acordado entre as partes.
I. Logo, errou o Tribunal a quo ao entender não se ter provado o conteúdo do contrato celebrado o qual é, aliás, totalmente válido à luz das normas em vigor e até por força do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.
J. Nem a Lei Básica nem o cód. civ. consagram a irrenunciabilidade de qualquer direito, excepto o direito à vida.
K. O RJRTCT não refere a irrenunciabilidade do gozo de dias de descanso, permitindo até ao trabalhador que, voluntariamente, abdique do gozo desses dias para neles trabalhar e o art. 69.º do cód. civ. dispõe que é válida e eficaz a limitação voluntária de direitos de personalidade se não disser respeito a interesses indisponíveis.
L. Permitindo a lei a prestação voluntária de trabalho durante os dias de descanso, é manifesto que o direito ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios é um direito de que o trabalhador pode livremente renunciar e dispor.
M. Não tendo o legislador voluntaria e propositadamente consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos.
N. Assim é válida a renúncia da ora Recorrida ao gozo e compensação de dias de descanso, tendo andado mal o Tribunal a quo ao aplicar incorrectamente a lei.
O. Acresce que a Recorrida, ao celebrar o contrato de trabalho com a ora Recorrente, nunca renunciou ao pagamento de qualquer remuneração ou salário, mas tão só a uma eventual compensação devida pelo não gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
P. Não constituindo a "compensação especial" pelo não gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios um crédito salarial - por não constituir salário nos termos da lei - o direito ao seu eventual recebimento é passível de renúncia.
Q. Logo, a ora Recorrida validamente renunciou à remuneração devida pelos dias de descanso gozados e, bem assim, à compensação adicional devida pelo seu não gozo, tendo andado mal o Tribunal a quo ao aplicar incorrectamente a lei.
Termos em que se requer a procedência da Reconvenção deduzida na Contestação, revogando-se a douta Sentença recorrida, que declarou improcedente a mesma Reconvenção, prosseguindo-se, deste modo, os autos com o conhecimento do mérito da mesma, fazendo V. Exas, a habitual e costumada JUSTIÇA!

Não respondeu a Autora ao recurso apresentado pela Ré.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

  A Autora começou a trabalhar para a Ré em 21 de Janeiro de 1982. (A)
  A relação laboral entre Autora e Ré cessou em 9 de Março de 1993. (B)
  A Autora foi admitida como empregada de casino (服務員、庄荷), recebia de dez em dez dias da entidade patronal, como contrapartida da sua actividade laboral, duas quantias, uma fixa, e outra variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por "gorjetas". (C)
  As gorjetas eram distribuídas pela entidade patronal segundo um critério por esta fixado. (D)
  As gorjetas eram distribuídas para todos os trabalhadores dos casinos da Ré, e não apenas aos que têm "contacto directo" com os clientes nas salas de Jogo. (E)
  Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com os clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas. (F)
  Tanto a parte fixa como a parte variável (as gorjetas) relevavam para efeitos de imposto profissional. (G)
  As gorjetas eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos. (H)
  Dependentes do espírito de generosidade desses mesmos clientes. (I)
  A Autora prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horário dos turnos o seguinte:
  1) 1° e 6° turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
  2) 3° e 5° turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
  3) 2° e 4° turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00. (J)
  A Autora tinha direito de pedir licença, mas na duração da licença era sem remuneração, quer o rendimento fixo, quer as gorjetas correspondentes. (K)
  Em 27 de Junho de 1985, a Autora deu à luz uma filha. (L)
  Em 4 de Julho de 1987, a Autora deu à luz uma filha. (M)
  Desde o início da relação laboral até 30 de Junho de 1989, a quantia fixa que a Autora auferia era no valor de MOP4.10 por dia; e MOP10.00 por dia, desde 1 de Julho de 1989 até à data da cessação da relação laboral. (1º)
  Os rendimentos efectivamente recebidos pela Autora entre os anos de 1984 a 1993 foram de:
a) 1984=75,620.00
b) 1985=42,439.00
c) 1986= 93,196.00
d) 1987=61,009.00
e) 1988=108,945.00
f) 1989= 150,905.00
g) 1990=142,704.00
h) 1991=126,285.00
i) 1992= 134,103.00
j) 1993=22,671.00. (6º)
  A Autora sempre prestou serviços nos seus descansos semanais. (7º)
  A Autora nunca recebe qualquer compensação salarial pelos serviços prestados. (8º)
  Nem compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado. (9º)
  A Autora prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990, 1991 e 1992, bem como 1 de Janeiro e 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 1993. (10º)
  A Autora nunca recebe qualquer compensação salarial pelos serviços prestados nos feriados obrigatórios. (11 º)
  A Autora prestou serviços nos descansos anuais, respeitantes ao período da duração da relação laboral. (12º)
  A Autora nunca recebe qualquer compensação salarial pelos serviços prestados à Ré nos seus descansos anuais. (13º)
  Durante todo o período de licença por ocasião do 1º parto, ou seja, no período entre princípio do mês de Abril de 1985 a princípio do mês de Setembro de 1985, a Ré não pagou qualquer salário à Autora. (l4º)
  Durante todo o período de licença por ocasião do 2º parto, ou seja, no período entre 1 de Abril de 1987 a meados do mês de Setembro de 1987, a Ré não pagou qualquer salário à Autora. (15º)

II

Recurso da Autora

De acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória.

1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

1. da existência de contrato de trabalho

A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.

São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.

De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções no âmbito das actividades de exploração dos casinos) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.

Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.

Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra).

Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador.

Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação dos diplomas reguladores das relações de trabalho então vigentes, que são o Decreto-Lei nº 101/84/M e o Decreto-Lei Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto da presente lide recursória.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

E no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).

Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador o direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.

3. da nartureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa, no valor de MOP$4,10 e MOP$10,00 por dia, desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, pagar-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (no valor de MOP$4,10 e MOP$10,00 por dia) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhador auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

4. do salário diário ou mensal

A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.

Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.

Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.

Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.

Ora, para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é a única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.

Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.

5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.

Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).

Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:

1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.

Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M.

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Verificando-se que os factores de multiplicação aplicados na sentença ora recorrida não são totalmente iguais aos aqui enunciados por nós.

Há que portanto alterar a sentença recorrida de acordo com o acima decidido em relação às gorjetas e aos multiplicadores para o cálculo das compensações pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriados obrigatórios remunerados.

É de manter o multiplicador X 1 para o cálculo das compensações pelo trabalho prestado nos dias de descanso anual, pura e simples por ter sido objecto da impugnação.

Assim sendo, as compensações passam a ser alteradas nos termos especificados nos mapas seguintes:

Trabalho em descanso semanal


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
26/11/1990 - 31/12/1990
MOP396,40
5
396,40 x 5 x 2
MOP3.964,00
1991
MOP350,79
52
350,79 x 52 x 2
MOP36.482,16
1992
MOP372,51
52
372,51 x 52 x 2
MOP38.741,04
01/01/1993 - 09/03/1993
MOP333,40
10
333,40 x 10 x 2
MOP6.668,00



TOTAL:
MOP85.855,20






Trabalho em descanso anual


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
26/11/1990 - 31/12/1990
MOP396,40
0,5
396,40 x 0,5 x 1
MOP198,20
1991
MOP350,79
6
350,79 x 6 x 1
MOP2.104,74
1992
MOP372,51
6
372,51 x 6 x 1
MOP2.235,06
01/01/1993 - 09/03/1993
MOP333,40
1
333,40 x 1 x 1
MOP333,40



TOTAL:
MOP4.871,40





Trabalho em feriado obrigatório


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
26/11/1990 - 31/12/1990
MOP396,40
0
396,40 x 0 x 3
MOP0,00
1991
MOP350,79
6
350,79 x 6 x 3
MOP6.314,22
1992
MOP372,51
6
372,51 x 6 x 3
MOP6.705,18
01/01/1993 - 09/03/1993
MOP333,40
4
333,40 x 4 x 3
MOP4.000,80



TOTAL:
MOP17.020,20

III

Recurso da Ré

Tendo em conta o decidido supra em relação à natureza das chamadas “gorjetas”, isto é, como parte integrante do salário, não pode deixar de improceder o recurso apresentado pela Ré com fundamento no enriquecimento sem causa, uma vez que a Autora não se enriqueceu com o recebimento das “gorjetas”, nem à custa da Ré.

Pelo exposto, acordam em:

* julgar procedente o recurso da Autora revogando parcialmente a sentença recorrida, passando a condenar a Ré no pagamento à Autora o somatório das quantias acima apuradas e especificadas nos mapas supra, acrescido de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.
* julgar improcedente o recurso da Ré.

Custas pela Ré nesta instância.

Custas pela Autora e pela Ré, na proporção, em ambas as instâncias.

RAEM, 05JUL2012


Relator
Lai Kin Hong


Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira


Primeiro Juiz-Adjunto
Choi Mou Pan
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em desconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)