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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
    
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 26 de Setembro de 2012, condenou o arguido A pela prática de um crime previsto e punível pelo artigo 211.º, n.º 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
Interposto recurso jurisdicional pelo Ministério Público, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 14 de Março de 2013, revogando o Acórdão de 1.ª Instância, condenou o arguido, pela prática:
- Em autoria material e na forma consumada de treze crimes (sendo dois em co-autoria), de burla qualificada, previstos e puníveis pelo artigo 211.º, n.º 4, alínea b) do Código Penal, nas penas de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, por cada um;
- Em co-autoria material e na forma tentada de um crime, de burla qualificada, previsto e punível pelo artigo 211.º, n.º 4, alínea b), 22.º e 67.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
- Em autoria material e na forma consumada de dez crimes de uso de documento alheio, previstos e puníveis pelo artigo 20.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, nas penas de 6 (seis) meses de prisão, por cada um;
- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Inconformado, interpõe o arguido recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
- Entende o recorrente que o Acórdão recorrido, ao fazer o respectivo enquadramento jurídico-penal, violou substancialmente os artigos 1.º e 211.º, n.º 4, alínea b) do Código Penal, e o artigo 20.º da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto.
- O recorrente, ao empenhar os relógios falsificados nas respectivas casas de penhores, intitulou-se dono dos mesmos, e em dez de todas estas vezes, usou documento alheio para demonstrar a sua identidade.
- Ora, como a exibição de documentos de identificação é meio necessário para a prática do crime de burla, o crime de uso de documento alheio cuja punição é mais leve é absolvido pelo crime de burla, cuja punição é relativamente mais severa, razão pela qual, os dez crimes de uso de documento alheio pelos quais o recorrente vem acusado não são autonomamente puníveis.
- No caso dos autos, para além dos factos de que o recorrente vem acusado, não há quaisquer factos reveladores de que o mesmo tenha praticado, antes disso e repetidamente, vários crimes da mesma espécie, preenchendo assim a circunstância agravante de “fazer da burla modo de vida”, tal como foi acusado. Portanto, os actos criminosos praticados pelo recorrente no presente processo preenchem o requisito de repetibilidade exigida pela circunstância agravante, não podendo, porém, os mesmos ser considerados simultaneamente como elemento constitutivo de um dos crimes, e, uma circunstância agravante.
- Portanto, os vários crimes consumados e tentados de burla como modo de vida de que o recorrente vem acusado devem ser convolados para um único crime de burla como modo de vida, tal como se decidiu no acórdão do TJB.
- No caso de improcedência dos fundamentos acima expostos, entende o recorrente que o Tribunal a quo, ao determinar a medida da pena, violou substancialmente o disposto nos artigos 40.º e 65.º do Código Penal e o artigo 71.º do mesmo diploma ao fixar a pena do cúmulo jurídico.
- Todas as penas, incluindo a do cúmulo jurídico se mostram manifestamente excessivas, devendo ser reduzidas.
Na sua resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta pronunciou-se pela irrecorribilidade parcial da decisão e, na parte restante, pela improcedência do recurso.
Em parecer, neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição tomada pelo Ministério Público na resposta ao recurso.
   
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
Factos provados:
Os três arguidos A, B e C são todos residentes do Interior da China. O 1.º arguido A e o 2.º arguido B conheceram-se em meados do anos 2010 por apresentação de amigos, após o qual, eles iam frequentemente juntos a Macau para jogarem nos casinos. Aproximadamente em Julho de 2010, por apresentação do 2.º arguido B, o 1.º arguido A conheceu o 3.º arguido C, após o qual, os três arguidos de vez em quando iam juntos a Macau para jogarem nos casinos.
Aproximadamente em Julho de 2010, na convicção de que as casas de penhor de Macau não realizam um exame muito rigoroso às coisas dadas em penhor, os três arguidos, após deliberações, decidiram enganar documentos turísticos dos seus conterrâneos sob o pretexto de tratar por eles vistos para Macau, e utilizar estes documentos para empenhar relógios falsificados de marcas famosas nas casas de penhor de Macau, porque assim é que se pode fugir da perseguição policial.
Os três arguidos por vezes agiram em conjugação de esforços, e, por vezes, separadamente.
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Entre 8 de Julho de 2010 e 20 de Abril de 2011, o 1.º arguido A levou sozinho uns relógios comprados por baixo preço no Interior da China às seguintes casas de penhor para os empenhar:

1. Em 8 de Julho de 2010, cerca das 7h00 da noite, na [Casa de Penhor (1)], sita na Loja X do [Hotel (1)], que por sua vez fica localizado no n.º XXX da Avenida Padre Tomás Pereira da Taipa, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “CARTIER”, de n.º XXXXXXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 20.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, J, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, E;
2. Em 21 de Janeiro de 2011, cerca das 3h35 da tarde, na [Casa de Penhor (2)], sita na Loja X do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XX da Avenida do Infante D. Henrique, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “IWC”, de n.º XXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 15.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, F, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, G;
3. Em 27 de Fevereiro de 2011, cerca das 1h05 da tarde, na [Casa de Penhor (3)], sita na Loja XX do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XXX da Rua da Malaca da NAPE, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 20.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, H, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, G;
4. Em 28 de Fevereiro de 2011, cerca das 1h30 da madrugada, na [Casa de Penhor (4)], sita no rés-do-chão do n.º XXX da Rua de Luís Gonzaga Gomes, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 15.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, I, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, J;
5. Em 28 de Fevereiro de 2011, cerca das 2h00 da tarde, na [Casa de Penhor (5)], sita na Loja A do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado na Estrada Governador Nobre de Carvalho da Taipa, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 20.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, K, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, J, sendo que naquela altura, o dono desta casa de penhor L também se encontrava na loja;
6. Em 28 de Fevereiro de 2011, pelas 9h45 da noite, na [Casa de Penhor (6)], sita na Loja n.º X do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XXX do Largo de Monte Carlo, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 20.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, M, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, G;
7. Em 2 de Março de 2011, na [Casa de Penhor (7)], sita na Loja X do rés-do-chão do Complexo Habitacional I Keng Fa Un, que por sua vez fica localizado na Rua de Cantão da NAPE, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 13.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao dono desta casa de penhor N, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, G;
8. Em 22 de Março de 2011, pelas 0h20 da madrugada, na [Casa de Penhor (8)], sita na Loja J do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XX da Rua do Terminal Marítimo, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 15.000,00. Na altura, estavam presentes nesta casa de penhor dois empregados O e P, e o 1.º arguido exibiu àquele, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, G;
9. Em 27 de Março de 2011, pelas 9h05 da noite, na [Casa de Penhor (9)], sita na Loja n.º E do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XX-XXXX da Rua de Luís Gonzaga Gomes, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “PATEK PHILIPPE”, de n.º XXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 30.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, Q, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, J;
10. Em 4 de Abril de 2011, pelas 1h30 da madrugada, na [Casa de Penhor (10)], sita na Loja X do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado na Rua de Foshan, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “CARTIER”, de n.º XXXXXXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 8.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, R, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do próprio arguido;
11. Em 20 de Abril de 2011, pelas 2h08 da madrugada, na [Casa de Penhor (11)], sita na Loja X do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XX da Rua de Luís Gonzaga Gomes, o 1.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 15.000,00. Na altura, o 1.º arguido exibiu ao empregado que o atendeu, S, para efeitos do registo, um passaporte da RPC de n.º XXXXXXXXX, onde consta o nome do seu titular, G.
Depois de examinado pelo dono da T (Loja de venda da marca CARTIER), U, verificou-se que o referido relógio de marca “CARTIER”, de n.º XXXXXXXXXXXX, é falsificado.
Depois de examinado pelo penhorista da [Casa de Penhor (2)], F, verificou-se que o referido relógio de marca “IWC”, de n.º XXXXXXX, é falsificado.
Depois de examinado pelo reparador de relógios da Loja Própria da OMEGA, V, verificou-se que os referidos relógios de marca “OMEGA”, de respectivos n.ºs XXXXXXXX, XXXXXXXX e XXXXXXXX, são falsificados.
Depois de examinado pelo reparador de relógios da Loja Própria da OMEGA, V, verificou-se que os referidos relógios de marca “OMEGA”, de respectivos n.ºs XXXXXXXX e XXXXXXXX, são falsificados.
Depois de examinado pelo reparador de relógios da Loja Própria da OMEGA, V, verificou-se que o referido relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, é falsificado.
Depois de examinado pelo director de operações da Loja de PATEK PHILIPPE, W, verificou-se que o referido relógio de marca “PATEK PHILIPPE”, de n.º XXXXXXX, é falsificado.
Depois de examinado pelo dono da T (Loja de venda da marca CARTIER), U, verificou-se que o referido relógio de marca “CARTIER”, de n.º XXXXXXXXXXXX, é falsificado.
Depois de examinado pelo reparador de relógios da Loja Própria da OMEGA, V, verificou-se que o referido relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, é falsificado.
Realizado o reconhecimento de pessoas, J reconheceu o 1.º arguido como sendo a pessoa que empenhou relógio na [Casa de Penhor (1)] no dia 8 de Julho de 2010.
Realizado o reconhecimento de pessoas, H reconheceu o 1.º arguido como sendo a pessoa que empenhou relógio na [Casa de Penhor (3)] no dia 27 de Fevereiro de 2011.
Realizado o reconhecimento de pessoas, O reconheceu o 1.º arguido como sendo a pessoa que empenhou relógio na [Casa de Penhor (8)] no dia 22 de Março de 2011.
Realizado o reconhecimento de pessoas, Q reconheceu o 1.º arguido como sendo a pessoa que empenhou relógio na [Casa de Penhor (9)] no dia 27 de Março de 2011.
Realizado o reconhecimento de pessoas, S reconheceu o 1.º arguido como sendo a pessoa que empenhou relógio na [Casa de Penhor (11)] no dia 20 de Abril de 2011.
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Entre 19 de Março de 2011 e 20 de Abril de 2011, o 2.º arguido B levou sozinho uns relógios comprados por baixo preço no Interior da China às seguintes casas de penhor para os empenhar, tendo exibido, por todas as vezes, para efeitos de registo, o Salvo-Conduto da RPC para Deslocações a HK e Macau dele próprio de n.º XXXXXXXXX:
1. Em 19 de Março de 2011, pelas 7h15 da noite, na [Casa de Penhor (12)], sita na Loja XX do rés-do-chão do N.º XXX da Avenida da Praia Grande, o 2.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 15.000,00. Na altura, o empregado responsável pelo atendimento era Y;
2. Em 27 de Março de 2011, pelas 10h50 da noite, na [Casa de Penhor (13)], sita na Loja X do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XX da Rua de Cantão, o 2.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 18.000,00. Na altura, o empregado responsável pelo atendimento era Z;
3. Em 28 de Março de 2011, pelas 4h08 da madrugada, na [Casa de Penhor (14)], sita na Loja X do rés-do-chão do n.º XXXX, que por sua vez fica localizado no n.º X da Avenida da Amizade, o 2.º arguido empenhou um relógio de marca “OMEGA”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 15.000,00. Na altura, o empregado responsável pelo atendimento era AA;
4. Em 20 de Abril de 2011, pelas 5h09 da madrugada, na [Casa de Penhor (11)], sita na Loja X do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XX da Rua de Luís Gonzaga Gomes, o 2.º arguido empenhou um relógio de marca “CARTIER”, de n.º XXXXXXXX, em troca de uma verba de HKD 15.000,00. Na altura, o empregado responsável pelo atendimento era S.
Depois de examinados os registos de entrada e saída pelos Postos Fronteiriços, verificou-se que durante o período em que o 2.º arguido se deslocava às referidas casas de penhor, o mesmo se encontrava dentro do território de Macau.
Depois de examinado pelo reparador de relógios da Loja Própria da OMEGA, V, verificou-se que os referidos relógios de marca “OMEGA”, de respectivos n.ºs XXXXXXXX, XXXXXXX e XXXXXXXX, são falsificados.
Depois de examinado pelo dono da T (Loja de venda da marca CARTIER), U, verificou-se que o referido relógio de marca “CARTIER”, de n.º XXXXXXXX, é falsificado.
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Em 1 de Janeiro de 2011, pelas 5h16 da tarde, o 1.º arguido A entrou, juntamente com o 2.º arguido B, na [Casa de Penhor (15)], que fica localizada dentro do [Hotel (2)]. Na altura, o 1.º arguido A tirou do seu bolso um relógio para homens de Marca “PIAGET”, de cor prateada, de n.º XXXXXX, e entregou-o ao empregado desta loja AB, dizendo que este relógio é do 2.º arguido, e quer empenhá-lo. Por outro lado, mentindo que conhece o dono desta casa de penhor, o Sr. AC, 1.º arguido exigiu falar directamente com ele. Portanto, AB ligou para o dono AC, e entregou o telemóvel ao 1.º arguido para este falar directamente como o dono da loja.
Uns momentos mais tarde, AC ligou para AB, mandando-o entregar o referido relógio à [Casa de Penhor (16)], a fim de o submeter ao exame do penhorista AD. Portanto, seguindo a orientação do seu padrão, AB entregou o referido relógio a outra empregada AE, para esta o levar para a [Casa de Penhor (16)]. Depois de examinado pelo Sr. AD, este entendeu que o relógio pode ser empenhado em troca de HKD 25.000,00. Depois de falado com AC, AB transmitiu a ideia do seu padrão no sentido de aceitar o relógio pagando um preço de HKD 25.000,00, ao qual o 1.º arguido não aceitou e pediu uma outra conversa directa com AC. Depois de falado directamente com o Sr. AC, este aceitou, finalmente, o preço de HKD 30.000,00. No entanto, ao serem exigidos, aos 1.º e 2.º arguidos, os seus documentos de identificação para realizar o registo, o 1.º arguido lembrou-se, de repente, de que antes ele ia frequentemente a esta [Casa de Penhor (15)] para levantar dinheiro em numerário através de cartão de crédito, utilizando, para o efeito, o documento dele próprio, pelo que, provavelmente o empregado desta loja conhecia a sua verdadeira identidade. Para evitar o fracasso do planeado, os dois arguidos, pretextando que não levavam consigo documentos de identificação, pediram de volta o referido relógio e abandonaram a loja.
Mais tarde, o 2.º arguido B levou o 1.º arguido A para o casino do Hotel, onde encontraram um conterrâneo daquele, o Sr. AF. O 2.º arguido B pediu ao Sr. AF para ajudá-los a empenhar o relógio, prometendo pagar-lhe HKD 2.000,00 como retribuição, o que o Sr. AF aceitou.
No mesmo dia (isto é, dia 1 de Janeiro de 2011), pelas 6h13 da tarde, AF, na companhia do 1.º arguido A e do 2.º arguido B, dirigiu-se à [Casa de Penhor (15)], e empenhou o referido relógio de marca “PIAGET”, de n.º XXXXXX, em troca de uma verba de HKD 30.000,00. Na altura, o 1.º arguido A entregou ao empregado da loja AB, o Salvo-Conduto da RPC para Deslocações a HK e Macau de n.º XXXXXXXXX, que AF lhe entregara, para realizar o registo.
Depois disto, 1.º arguido A e AF entregaram o dinheiro obtido e o respectivo talão de penhor ao 2.º arguido B, que lhes entregou, por sua vez, HKD 3.000,00 e HKD 2.000,00 respectivamente, como retribuição.
Realizado o exame na Loja Própria de relógios de PIAGET, verificou-se que o referido relógio de marca “PIAGET” é falsificado.
Realizado o reconhecimento de pessoas, AB reconheceu o 1.º arguido como sendo a pessoa que empenhou relógio na [Casa de Penhor (15)] no dia 1 de Janeiro de 2011.
Realizado o reconhecimento de pessoas por fotografia, o 1.º arguido A reconheceu o 2.º arguido B e AF como sendo as pessoas que o acompanharam sucessivamente para empenhar o referido relógio na [Casa de Penhor (15)].
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Em finais de Junho de 2011, o 3.º arguido C telefonou ao 1.º arguido A, tendo combinado com este para ir juntos a Macau, para fazer o mesmo truque, isto é, empenhar relógios de marca famosa nas casas de penhor de Macau, a fim de ganhar dinheiro. Para tal, o 1.º arguido A manifestou que já tinha comprado um lote de relógios.
Em 2 de Julho de 2011, o 1.º arguido e o 3.º arguido entraram juntos em Macau através do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, tendo o 3.º arguido arrendado, imediatamente, um quarto no [Hotel (3)].
Em 3 de Julho de 2011, AG e AH, a convite do seu amigo C (isto é, o 3.º arguido), vieram a Macau do Interior da China, ficando hospedadas no quatro acima referenciado. Depois, o 3.º arguido, AG e AH iam sempre juntos aos casinos de Macau.
Em 5 de Julho de 2011, cerca das 7h20 de manhã, a convite do 3.º arguido, AG dirigiu-se, na companhia do 1.º arguido A, à [Casa de Penhor (17)] sita na Loja AE do rés-do-chão, que por sua vez fica localizado no n.º XXX da Avenida 24 de Junho, e empenhou um relógio de marca “IWC”, de n.º XXXXXXX, em troca de uma verba de 10.000,00. Na altura, o 1.º arguido entregou ao empregado da loja AI, um passaporte da RPC de n.ºXXXXXXXXX, que AG lhe entregara, para realizar o registo.
Depois de examinado pelo penhorista L (dono da [Casa de Penhor (5)]), verificou-se que o referido relógio de marca IWC é falsificado.
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Em 5 de Julho de 2011, pelas 2h00 da tarde, o 3.º arguido C telefonou ao 1.º arguido A, dizendo que tinha uns assuntos urgentes para tratar, e por isso tinha que voltar ao Interior da China. E disse que, se o 1.º arguido A conseguisse empenhar com sucesso, por ele, os relógios que lhe entregara, o 3.º arguido apenas cobrava do 1.º arguido HKD 6.000,00 por cada relógio empenhado, preço este que é preço de custo, podendo o 1.º arguido A ficar com o dinheiro remanescente, mas com a obrigação de devolver os relógios não empenhados, o que o 1.º arguido A aceitou.
No mesmo dia (isto é, 5 de Julho de 2011), pelas 4h30 da tarde, 1.º arguido A conheceu, no Casino do [Hotel (4)], a Sr.ª AJ, que estava a jogar. Na altura, o 1.º arguido A, com o pretexto de ter pedido todo o dinheiro em numerário que trouxera, e de não levar consigo documento de identificação, pediu a AJ para ir a uma casa de penhor, e empenhar por ele um relógio. E disse que, se a Sr.ª AJ conseguisse empenhar o relógio com sucesso, ele pagar-lhe-ia um valor de MOP 1.000,00 como retribuição, o que AJ aceitou.
Portanto, o 1.º arguido levou a Sr.ª AJ à [Casa de Penhor (5)], sita na Loja A do rés-do-chão localizado na Estrada Governador Nobre de Carvalho da Taipa, onde ele chegou a empenhar um relógio, para esta empenhar um relógio de marca PATEK PHILIPPE. Porém, como os empregados que na altura se encontravam na loja AK e AL não sabiam avaliar os relógios, foram chamar o dono da loja L, que estava a conversar na loja vizinha, para fazer a avaliação.
Depois de voltar à loja, L descobriu que 1.º arguido era muito parecido, quer em termos da aparência, quer em termos do corpo físico, com a pessoa que noutra vez empenhara ali um relógio falsificado de marca OMEGA. E fazendo uma avaliação ao relógio que a Sr.ª AJ entregou e que quis empenhar, L descobriu que este relógio também era falsificado. Por isso, L perguntou ao 1.º arguido se ele era a pessoa que empenhara ali outro relógio falsificado, J. O 1.º arguido admitiu que chegou a empenhar na [Casa de Penhor (5)] um relógio de marca OMEGA, mas disse que o mesmo era do seu amigo, e que não sabia que o relógio era falsificado. Dito isto, o 1.º arguido quis abandonar a loja. Vendo esta cena, AJ avançou imediatamente para apanhar o 1.º arguido, puxando-o da rua para a frente da loja. E na altura, AK e L também avançaram para prestar ajuda, e participaram o assunto à Polícia.
Depois de examinado pelo penhorista L (dono da [Casa de Penhor (5)]), verificou-se que o referido relógio de marca PATEK PHILIPPE é falsificado.
Realizado o reconhecimento de pessoas, L e AK reconheceram o 1.º arguido como sendo a pessoa que pretendeu empenhar o relógio na [Casa de Penhor (5)] no dia 5 de Julho de 2011.
Realizado o reconhecimento de pessoas, AJ reconheceu o 1.º arguido como sendo a pessoa que lhe pedira ajuda para empenhar o relógio.
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Depois, os agentes da PJ encontraram no bolso interior da mala que o 1.º arguido levava, os seguintes objectos:
- um talão de penhor da [Casa de Penhor (17)], de n.º XXXXX;
- um relógio de cor preta, onde constam os dizeres impressos PATEK PHILIPEE;
- um relógio de cor branca, onde constam os dizeres impressos VACHERON CONSTANTIN;
- um relógio de cor branca, onde constam os dizeres impressos CARTIER;
- um cartão-chave do [Hotel (3)].
Depois de examinado pelo penhorista L (dono da [Casa de Penhor (5)]), verificou-se que os três relógios acima referidos encontrados na posse do 1.º arguido eram falsificados.
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Os 1.º e o 2.º arguidos, com intenção de obter para si enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocaram, causaram prejuízo patrimonial a outrem, e fazendo dele modo de vida, com o objectivo de violar o direito patrimonial de outrem.
Por outro lado, os três arguidos, na tentativa de obter para si enriquecimento ilegítimo, com conjugação de esforços de distribuição de tarefas, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocaram, causaram prejuízo patrimonial a outrem, e fazendo dele modo de vida, com o objectivo de violar o direito patrimonial de outrem. Apenas numa das vezes os 1.º e 3.º arguidos não conseguiram atingir o objectivo por motivo alheio à sua vontade, pelo que constitui uma tentativa.
Os três arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas eram proibidas e punidas por lei.
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Mais se provou:
Em audiência, o 1.º arguido fez confissão dos factos relevantes constantes da acusação.
De acordo com o CRC, todos os três arguidos são primários.
O 1.º arguido declarou já estar aposentado, e que está agora a tratar das formalidades de aposentação. Mais declarou não ter ninguém a seu cargo, possuindo o curso profissional do ensino secundário como habilitações literárias.
Desconhece-se a situação pessoal, familiar, económica e de ensino dos 2.º e 3.º arguidos.
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Factos não provados:
Não há outros factos relevantes a provar.

III - O Direito
1. Recorribilidade da decisão
Face ao disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 390.º do Código de Processo Penal, na interpretação pacífica deste Tribunal, não se conhecem das questões relativas ao crime na forma tentada de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 211.º, n.º 4, alínea b), 22.º e 67.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a que cabe, em abstracto, o limite máximo da penalidade de 6 anos e 8 meses de prisão, e aos dez crimes consumados de uso de documento alheio, previstos e puníveis pelo artigo 20.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, a que cabe, em abstracto, o limite máximo da penalidade de 3 anos de prisão.

2. As questões a resolver
São duas as questões suscitadas, a primeira a de saber se os crimes de burla praticados pelo arguido são 13, como entendeu o Acórdão recorrido ou apenas um, como pretende o arguido; a segunda a atinente à medida concreta das penas.
   
   3. O crime previsto e punível pela alínea b) do n.º 4 do art. 211.º do Código Penal.
   A tese do recorrente é a de que é requisito da condenação pela prática do crime previsto e punível pela alínea b) do n.º 4 do art. 211.º do Código Penal, a prova de que o agente praticou, por várias vezes, a mesma espécie de crimes, utilizando métodos semelhantes. E que não se prova que tenha praticado outros crimes, para além daqueles pelos quais foi condenado, pelo que os actos a que se referem o processo não podem ser elemento simultaneamente constitutivo de um dos crimes e uma circunstância agravante dos mesmos.
Pois bem, sobre o crime em questão, dissemos o seguinte no nosso Acórdão de 10 de Outubro de 2007, no Processo n.º 38/2007:
“Sem deixar de reconhecer que o conceito referido pode ser alcançado mediante a prova de um conjunto de factos que levem o Tribunal a concluir que o agente «faz da burla modo de vida» - tanto pela quantidade dos crimes de burla praticados, como da regularidade da sua prática, e do facto de o agente não exercer qualquer actividade, por conta própria ou alheia -, também se afigura que o conceito contém factos puros e simples que, como tal, podem ser alegados e provados, o que aconteceu, já que o Tribunal Colectivo considerou provado que o arguido fez da burla modo de vida.
É o mesmo que dizer que o senhor A tem como profissão a de burlão. Tal como nunca suscitou dúvidas o Tribunal considerar que determinado indivíduo tem como profissão a de operário da construção civil ou comerciante”.
Outrossim, no Acórdão de 26 de Outubro de 2011, no Processo n.º 40/2011, entendemos que a prática do crime de burla, previsto e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 211.º do Código Penal (o agente fazer da burla modo de vida) não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não, remunerada ou não.
Por outro lado, como explica MAIA GONÇALVES1, para integração do requisito “o agente fizer da burla modo de vida” não se exige qualquer condenação anterior.
Ora, no caso dos autos, o Tribunal Colectivo considerou provado que o arguido ao actuar, como actuou nos autos, fazia modo de vida do engano que astuciosamente provocava nas vítimas, para delas obter meios patrimoniais a que não tinha direito.
Ou seja, não se considerou que o arguido fazia da burla modo de vida por causa dos treze crimes praticados nos autos.
Assim, não se pode dizer que esta mesma circunstância foi valorada duas vezes, como agravante de cada um dos crimes e como elemento de cada um dos mesmos crimes.
Improcede a questão suscitada.

4. Medida concreta das penas.
Aos 13 crimes agora em apreciação era aplicável a penalidade de 2 a 10 anos de prisão.
O arguido foi condenado nas penas de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, por cada um.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
No que concerne às penas parcelares, quase todas as penas estão próximas do mínimo da penalidade aplicável.
No que respeita à pena do cúmulo de todas as penas parcelares, incluindo as não objecto de recurso, não foi violado o disposto no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, segundo o qual a pena do concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. O limite mínimo aplicável era de 2 anos e 3 meses de prisão e o máximo de 30 anos de prisão.
De resto, não tendo sido violadas vinculações legais ou regras da experiência, nem se revelando a medida das penas concretas completamente desproporcionada, não há que censurar o decidido.
   
IV – Decisão
Face ao expendido, não conhecem do recurso relativo ao crime na forma tentada de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 211.º, n.º 4, alínea b), 22.º e 67.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal e aos dez crimes consumados de uso de documento alheio, previstos e puníveis pelo artigo 20.º da Lei n.º 6/2004, e quanto ao restante, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC e honorários à ilustre Defensora Oficiosa, em duas mil patacas.
Macau, 22 de Maio de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

     1 MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 17.ª edição, 2005, p. 758.
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Processo n.º 26/2013