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Proc. nº 202/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Julho de 2012
Descritores:
-Art. 1734º e 1847º do Código Civil
-Divórcio
-Alimentos a filho menor
-Encargos familiares


SUMÁRIO:

I - O dever de contribuir para os encargos da vida familiar plasmado no art. 1537º do Código Civil deriva directa e imediatamente da relação matrimonial, enquanto o dever de prestar alimentos ao filho menor fundado no art. 1734º e 1847º do mesmo Código decorre da mera relação de filiação e dos efeitos decorrentes do exercício do poder paternal.

II – Os alimentos pelo progenitor ao menor são devidos apenas desde a data da propositura da respectiva acção alimentar.









Proc. nº 202/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, com os demais sinais dos autos, no Tribunal Judicial de Base intentou contra o seu marido B, acção com processo ordinário pedindo a condenação deste no pagamento de Mop$ 113.213,20 a título de alimentos à filha.
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Foi na oportunidade proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a excepção de caso julgado, mas julgou procedente uma outra excepção peremptória também deduzida pelo réu da acção.
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É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso interposto pela autora da acção, que nas conclusões das suas alegações diz o seguinte:
a) O objecto deste recurso é o despacho saneador - sentença proferido pelo Tribunal a quo (fl. 419) que admitiu a excepção peremptória deduzida pelo réu e indeferiu o pedido da autora/recorrente - “... Em suma, absolve o Réu do total pedido, quanto à fixação de alimentos entre o período de Agosto de 2008 a Fevereiro de 2010, nos termos do art.º 412, n.º 3 do CPCM” (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Vd. o despacho saneador sentença em fl. 419 dos autos).
b) A autora/recorrente intentou em 25 de Novembro de 2010 uma acção de alimentos de forma ordinária junto do Tribunal Judicial de Base (Tribunal a quo), em que pediu ao seu ex-cônjuge para restituir 2/3 dos alimentos devidos à filha menor entre o período de Agosto de 2008 a Fevereiro de 2010 (MOP113.213,20) e que foi adiantado pela mesma, ou restituir a metade daquele montante (MOP84.909,90) caso o MMº Juiz não se conformasse com o valor.
c) A autora/recorrente intentou a acção baseando-se na sentença proferida, em 22 de Fevereiro de 2010, pelo MMº Juiz do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM no processo de regulação de exercício do poder paternal (processo nº CV1-09-0048-MPS), que determinou que o poder paternal relativo à menor C é exercido pela mãe A, ou seja, a autora/recorrente deste processo.
d) Segundo a mesma sentença, a pensão de alimentos deve ser prestada desde Março de 2010 (data do trânsito em julgado da sentença e da sua execução) até que a menor complete 18 anos de idade.
e) Tal como diz a autora/recorrente no nº 5 da petição inicial deste processo: “... porque, em 24 de Julho de 2008, o pai da menor B (réu) retirou todos os objectos pessoais da autora e da menor de casa para um lugar que foi alugado previamente por ele sem lhes dizer nada e impediu as duas de voltarem para a residência da família, no sentido de constituir uma situação de separação de facto.”
f) “A partir daquele dia, o réu deixou de cumprir os deveres legais para com as sua mulher e filha, nomeadamente os deveres de coabitação, cooperação e assistência, nem cumpriu a obrigação alimentar quanto à menor.” (nº 6 da petição inicial)
Por isso, para além da acção de regulação de exercício do poder paternal, a autora/recorrente precisa de intentar este acção com processo ordinário a fim de exigir ao ex-cônjuge a restituição dos alimentos devidos à menor que foram adiantados por ela (desde o dia em que foi obrigada a separar-se de facto do ex-cônjuge até à prolação da sentença que determinou a prestação dos alimentos).
g) Neste processo ordinário de declaração, a autora requer os encargos da vida (alimentos) para a menor entre o período de Agosto de 2008 a Fevereiro de 2010 e que foram adiantados por ela. Esta quantia, para a autora/recorrente e o seu ex-cônjuge (o réu), é como crédito comum, por isso, o seu ex-cônjuge tem assumir responsabilidade legal sobre o crédito.
h) O pedido nesta causa é diverso do da acção de regulação de exercício do poder paternal (processo nº CV1-09-0048-MPS), as causas de pedir também não são idênticas. Talvez haja mal-entendimento por causa do termo “acção de alimentos de forma ordinária” usado aquando da instauração da acção.
i) A autora/recorrente já se esclareceu na sua réplica e o MMº Juiz a quo já considerou oficialmente a acção como um processo ordinário (vd. o número deste processo).
j) O fundamento invocado para a instauração desta acção com processo ordinário é o seguinte: Depois de ser mandada embora da residência familiar pelo ex-cônjuge em Agosto de 2008, a autora/recorrente separou-se de facto do seu cônjuge. Durante este tempo, o seu ex-cônjuge recusou-se a cumprir a obrigação alimentar à filha menor. (Vd. o processo de regulação de exercício do poder paternal nº CV1-09-0048-MPS e o processo de divórcio litigioso nº CV1-10-0061-CDL)
k) Pelo acima exposto, a causa de pedir deste processo ordinário não é acção de alimentos.
l) A autora/recorrente entende que o MMº Juiz a quo devia proferir despacho de aperfeiçoamento conforme dispõem os artigos 396º e 397º do CPC para a autora/recorrente complementar, esclarecer ou corrigir a petição no prazo fixado caso tivesse dúvidas e não devia proferir já o despacho saneador - sentença em 31 de Outubro de 2011 para indeferir o pedido total da autora/recorrente antes de fazer uma apreciação formal e profunda do caso. Assim tal decisão viola o princípio da legalidade, como por exemplo, a garantia de acesso aos tribunais prevista no artigo 1 º do CPC, o princípio dispositivo previsto no artigo 5º, o poder de direcção do processo e princípio do inquisitório previsto no artigo 6º e o princípio da adequação formal indicado no artigo 7º do mesmo diploma legal.
m) Além de padecer dos vícios insanáveis referidos, o despacho saneador - sentença viola também as disposições de direito material.
n) O artigo 1729º do CC, que regula filiação, expressa explicitamente que os pais têm obrigação de prestar alimentos aos filhos.
o) A autora/recorrente separou-se de facto (obrigatoriamente) do ex-cônjuge (o réu) deste Agosto de 2008 a Fevereiro de 2010.
p) Neste período, a autora/recorrente arcou sozinha com o sustento da filha menor (dever legal), além disso, assumiu sozinha os deveres legais de vigiar, acompanhar e educar a filha menor. O seu ex-cônjuge (o réu) nunca vigiou/visitou/educou a filha menor. Mesmo que fosse exigido muitas vezes pela autora/recorrente, o réu recusou-se a arcar com quaisquer despesas da filha, violando assim a sua obrigação legal de alimentos.
q) Estabelece o artigo 1734º do CC que as obrigações dos pais em relação aos filhos são regulamentadas por lei desde o nascimento dos filhos, pelo que a autora/recorrente e o ex-cônjuge (o réu) têm a obrigação legal de prestar alimentos à menor desde o nascimento desta.
r) Segundo a norma mencionada, presume-se que a autora/recorrente e o ex-cônjuge (o réu) devem prestar em conjunto alimentos à filha deles. Tal como se disse anteriormente, o seu ex-cônjuge (o réu) deve responsabilizar-se, pelo menos, pela metade dos alimentos.
s) Nesta conformidade, a autora/recorrente pode tomar-se credora do seu ex-cônjuge (o réu) em virtude dos alimentos que deviam ser prestados pelo réu mas foram adiantados por ela. A mesma goza do direito de regresso contra o seu ex-cônjuge pela quantia mencionada.
t) Caso a referida quantia não fosse paga pela autora/recorrente (o cônjuge do réu) mas por um terceiro (amigo/parente), será que este não pode pedir a restituição desta quantia que é um crédito decorrente da pensão alimentícia?
u) De acordo com a respectiva legislação, o prazo ordinário da prescrição é de 15 anos. (vd. art.º 302º do CC) e é de 5 anos para as pensões alimentícias vencidas (vd. art.º 303º do CC). Por que razão os alimentos adiantados pelo cônjuge (reparem que os cônjuges já estão separados de facto) deve considerado como renúncia ao direito e ser irrecuperável? Por que é que não pode ser considerado um crédito?
v) O MMº Juiz a quo incorreu em erros na aplicação e interpretação da lei na prolação do despacho saneador - sentença. Segundo o artigo 1537º, nº 2, do CC, o legislador presume a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia só quando haja boa relação conjugal, auxílios mútuos e comunhão de vida entre os cônjuges.
w) O nº 2 do artigo 1537º do CC tem como pressuposto de uma boa relação conjugal, auxílios mútuos e comunhão de vida entre os cônjuges e, com base neste pressuposto, o legislador presume “a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia”.
x) A autora/recorrente e o seu ex-cônjuge (o réu) tinham má relação conjugal naquela altura e estavam a viver numa situação de separação de facto, por isso, tal artigo não é aplicável ao caso deles e ao processo ordinário instaurado.
y) O objecto do pedido é a parte dos alimentos fixada por lei (encargos da vida da filha menor) pertencente ao seu ex-cônjuge (o réu) mas foi adiantada pela autora/recorrente no período em que o casal estava separado de facto.
z) O MMº Juiz interpretou e aplicou erradamente o nº 2 do artigo 1537º do CC na tomada da decisão, sendo o erro nos pressupostos de facto.
aa) Dispõe o artigo 1536º do CC que o dever de assistência mantém-se durante a separação de fato. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar.
bb) De acordo com o princípio principal do direito de família, a obrigação acima mencionada abrange prover ao sustento dos filhos, bem como educar e vigiá-los.
cc) Daí verifica-se o fundamento jurídico do pedido da autora/recorrente deduzido no processo para pedir ao seu ex-cônjuge a restituição da quantia correspondente à parte dos alimentos que lhe pertence.
dd) Por fim, a autora/recorrente entende que o MMº Juiz devia focar na quantia imputada no processo ordinário aquando da apreciação do caso. A quantia, que foi originada da parte dos alimentos pertencente ao réu mas foram adiantados pela autora/recorrente, é a questão principal do processo, não é o direito da autora/recorrente de intentar esta acção, porquanto este processo ordinário satisfaz todas as disposições de direito processual e material.
ee) Assim sendo, pelos fundamentos invocados no despacho saneador sentença, o MMº Juiz viola gravemente o princípio da legalidade, as respectivas disposições de direito material, tais como os artigos 1537º, 1734º e 1729º do CC, e de direito processual, tais como o artigo 1º (a garantia de acesso aos tribunais), artigo 5º (Princípio dispositivo), artigo 6º (poder de direcção do processo e princípio do inquisitório) e o artigo 7º (princípio da adequação formal) do CPC, existindo erros na interpretação e aplicação da lei, bem como nos pressupostos de facto.
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O réu, por seu turno, apresentou alegações de resposta, que concluiu da seguinte maneira:
1. Para que um crédito seja exigível é necessário, em primeiro lugar, que ele exista e, em segundo lugar, que o mesmo esteja vencido;
2. O crédito que a RECORRENTE alega ter sobre o RECORRIDO não existe;
3. Os alimentos devidos pelo RECORRIDO à menor apenas eram devidos desde a data da propositura da acção (1 de Agosto de 2009);
4. Estando requerente e requerido separados de facto (não tendo ainda cessado o vínculo conjugal), a obrigação de alimentos integra-se no dever de assistência conjugal;
5. Assim, quanto ao período anterior à propositura da acção, presume-se a renúncia do autor ao direito de exigir do réu a correspondente compensação;
6. A circunstância de a prestação de alimentos pelo RECORRIDO à menor, no período compreendido entre Agosto de 2009 e Fevereiro de 2010, ter sido alvo de decisão do MMº. Juiz do TJB, no âmbito do processo nº CV1-09-0048-MPS, constitui facto impeditivo do efeito jurídico dos factos articulados pela RECORRENTE;
7. Um facto impeditivo do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor constitui excepção peremptória, o que dá lugar à absolvição do réu do pedido;
8. Não poderia o MMº. Juiz do TJB ter proferido, nesse momento, qualquer despacho liminar, pois que já o havia proferido e foi de citação;
9. O juiz profere despacho destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial do pedido ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória - é o que a doutrina apelida de saneador-sentença.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
Dos elementos dos autos e das posições das partes, resulta assente a seguinte factualidade
No TJB foi proferida sentença em 22 de Fevereiro de 2010, no processo de regulação de exercício do poder paternal (processo nº CV1-09-0048-MPS) instaurado em 31/07/2009, que determinou que o poder paternal relativo à menor C seria exercido pela mãe A, ou seja, a autora/recorrente deste processo.
Segundo a mesma sentença, a pensão de alimentos de Mop$ 4 000 por mês à filha imposta ao réu deveria ser prestada desde então (data do trânsito em julgado da sentença e da sua execução) até que a menor completasse 18 anos de idade.
A autora/recorrente intentou a presente acção de alimentos em 25 de Novembro de 2010 junto do Tribunal Judicial de Base (Tribunal a quo), em que pediu ao seu ex-cônjuge para restituir 2/3 dos alimentos devidos à filha menor entre o período de Agosto de 2008, data do início da separação de facto do casal, e Fevereiro de 2010 (MOP113.213,20) e que foi adiantado pela mesma, ou restituir a metade daquele montante (MOP84.909,90) caso o MMº Juiz não se conformasse com o valor.
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III- O Direito
Como se viu, a sentença do TJB datada de 22/02/2010, proferida no Proc. nº CV1-09-0048-MPS instaurado em 31/07/2009, impôs ao réu o pagamento dos alimentos à filha. E embora ela não tenha fixado o o dies a quo (fls. 7 a 10 dos autos), é de lei que a obrigação se reporte à data da propositura dessa acção (31/07/2009), segundo o art. 1847º do C.C..
Com a presente (nova) acção, a autora pretendia que o mesmo réu, seu marido, de quem está separada de facto desde Agosto de 2008, fosse condenado a pagar alimentos desde a separação (8/2008) até final de Fevereiro de 2010.
Mas, no que a estes autos concerne, considerou o saneador-sentença, com base no art. 1847º do CC, que os alimentos seriam devidos desde a propositura da acção, ou seja, desde 31/07/2009, data da instauração da acção nº CV1-09-0048-MPS) e desde 26/11/2010, data da instauração da presente acção. E como o período decorrente desde essa altura (31/07/2009) até final de Fevereiro de 2010 estaria já coberto pela anterior sentença, julgou nessa parte procedente a excepção peremptória (a que não foi dado nome) e, por conseguinte, considerou que não era possível condenar o recorrido no mesmo pagamento, sob pena de duplicação de obrigação.
Quanto ao período anterior – entre Agosto/2008 e Julho de 2009 – a sentença seguiu a opinião de Pires de Lima e Antunes Varela (C.C. anotado, V, pag. 586) segundo a qual só existe obrigação alimentar desde a propositura da acção, mesmo que a situação de carência se reporte a período anterior. Todo o valor a esse título que estivesse reportado a data anterior a esse marco temporal funcionaria como renúncia do credor, o qual não poderia voltar a exigir alimentos. E foi com este fundamento que julgou improcedente o pedido.
No recurso, a recorrente acha que o pedido decorre de um crédito comum e que a acção não é de alimentos. Ao ter decidido no saneador com tal fundamento, o tribunal “a quo” teria violado os princípios da legalidade, o princípio do dispositivo e do inquisitório e o da adequação formal (neste caso por não ter concedido à autora o benefício do aperfeiçoamento conforme o prevê o art. 396º e seguinte do CPC).
Para além disso, ainda entende a recorrente que a decisão impugnada viola disposições de carácter substantivo, como os arts. 1729º e 1734º do CC. Entende por fim que a decisão fez errada interpretação do art. 1537º do CC, além de ignorar o dever de assistência inscrito no art. 1536º do CC.
Apreciando.
No que se refere ao “aperfeiçoamento” – que teria em vista corrigir a causa de pedir, de modo a que acção deixasse de ser uma acção alimentar – ele só se justificaria acaso a alteração do sentido da causa de pedir não surgisse apenas na réplica, como aconteceu em concreto. Ora, o aperfeiçoamento permitido pelo art. 397º do CPC tem por pressuposto que o tribunal tenha dado conta de algum vício suprível pela correcção numa fase incipiente do processo: na fase liminar. Só no caso de não haver motivo para o indeferimento é que nessa ocasião seria possível ao juiz permitir o aperfeiçoamento. Mas, se a recorrente apenas na réplica veio ao processo dar conta do seu erro, parece evidente que na fase do saneamento já não podia o juiz fazê-lo. O que deveria, isso sim, seria proceder como manda o art. 429º do CPC: conhecer imediatamente do mérito da causa se o estado do processo o permitisse.
Somos, portanto, a concluir que nenhum dos princípios da legalidade, do dispositivo e do inquisitório ou da adequação formal se mostra aqui por violado. O tribunal agiu dentro dos seus limites e no quadro dos seus poderes legais, não os ultrapassando, nem ficando aquém dos seus deveres, nada havendo que lhe impusesse outro comportamento processual.
No que respeita aos artigos substantivos invocados, também cremos que eles não poderiam conduzir a diferente resultado.
O dever de assistência contido no art. 1729º, nº2, do CC, não foi posto em causa neste processo. Quer dizer, a decisão não afirmou a inexistência da obrigação de assistência por parte do réu. O que disse é que a assistência tinha um marco temporal definido no art. 1847º do CC. E isso é coisa bem diferente.
A verdade é que a acção tinha por objectivo a condenação a alimentos por parte do pai da menor. Mas, nesse sentido, a obrigação fundada no art. 1729º e prolongada pelo art. 1734º do mesmo Código continua a não ser desrespeitada pelo saneador/sentença em apreço, porque esta decisão assentou em pressupostos legais vinculativos. Ou seja, a improcedência não decorreu de nenhuma consideração substantiva relacionada com a ausência do dever de prestar assistência à filha, mas sim em virtude de uma restrição legal que limita o dever a um certo dies a quo, face ao art. 1847º do CC(Ac. RC de 27/03/2010, Proc. nº 1330/07.6TBPBL.C1).
No que respeita ao art. 1537º do CC invocado no recurso – mas não convocado na petição inicial – ele não contribui minimamente para a resolução do caso dos alimentos devidos à menor, porque a sua marca é traçada por direitos e deveres recíprocos dos cônjuges, pressupondo uma causa de pedir bem distinta da inicial. Este dever de contribuir para os encargos da vida familiar deriva directa e imediatamente da relação matrimonial, enquanto aquele que subjaz à pretensão dos presentes autos decorre da mera relação de filiação e dos efeitos próprios do exercício do poder paternal. Coisas distintas.
No fundo o que pretendia a autora era uma alteração da regulação do poder paternal, no que concerne a alimentos. Mas, se a regra do “dies a quo” é imperativa para a acção, igualmente o é para a alteração, ficando ele determinado logo na 1ª sentença (no direito comparado, entre muitos Ac. R.L,17/06/2004, Proc. nº 3306/2004-2).
Assim sendo:
a) Tendo a presente acção sido proposta em 25/11/2010, parece claro que o início da obrigação alimentar peticionada não poderia deixar de corresponder a essa data. Obrigação que, porém, está já sob a protecção da anterior sentença de 22/2/2010.
b) No que respeita aos alimentos anteriores a essa data (25/11/2010) devemos considerar abrangidos pela anterior sentença aqueles que seriam devidos a partir da propositura dessa acção, ou seja de 31/07/2009.
c) E quanto ao período anterior, que também a presente acção visava envolver – isto é, entre Agosto de 2008 e 31/07/2009 – impede o êxito da pretensão a circunstância legal de os alimentos não poderem retroagir a data anterior à da anterior propositura da acção.
Este foi o sentido do saneador/sentença aqui impugnado e que, pelas razões expostas, tem que sufragar-se.
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IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 05 / 07 / 2012

José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan