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Processo nº 815/2011
Data do Acórdão: 05JUL2012


Assuntos:

Renovação da autorização de residência temporária



SUMÁRIO

À luz do disposto nos artºs 4º/2-3) e 9º/2-1) da Lei 4/2003, aplicável ex vi do artº 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, não é de censurar a decisão administrativa que indeferiu a renovação da autorização de residência temporária, com fundamento na comprovada falsidade das declarações, no que diz respeito à composição do seu agregado familiar, prestadas pelo requerente, no requerimento por ele formulado para pedir a autorização de residência temporária na modalidade de investimento imobiliário.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 815/2011

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que lhe indeferiu o pedido da renovação da autorização temporária dele próprio e do seu agregado familiar, alegando e pedindo:

DOS FACTOS
1.º
O recorrente, foi autorizado, na sequência de um processo de fixação de residência temporária relativa a projetos de investimento, por despacho do Chefe do Executivo de 18 de Setembro de 2007, a residir com o seu agregado familiar temporariamente em Macau até 18 de Setembro de 2010 (doc.1).
2.º
Em Julho de 2008, o primeiro recorrente recebeu um ofício informando-o que o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau tinha sido informado pelo Serviço de Migração da Direção de Segurança Pública da Província de Fujian sobre problemas com a certidão de nascimento de um dos familiares do requerente, B (2006CHUN3559). Nesse mesmo ofício solicitava-se diversas informações e comunicava-se que a autorização de residência temporária de B tinha sido cancelada (doc.2);
3.º
Em resposta ao pedido do IPIM, o requerente e chefe do agregado familiar informou o Instituto que o intermediário que processou os documentos no Interior da China tinha referido B como filho, mas que de facto era seu sobrinho e que nunca foi sua intenção esconder o que quer que fosse às autoridades de Macau, pois nessa altura desconhecia as leis e os regulamentos vigentes em Macau, nomeadamente no âmbito das relações familiares (doc.3);
4.º
Em 24 de Junho de 2010 requereu a renovação de autorização de residência temporária de todo o restante agregado familiar (doc.4);
5.º
Em 7/11/11 o agora recorrente foi notificado, por ofício datado de 28/10/2011, de que a referida renovação de autorização não tinha sido autorizada, por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Outubro 2011, e que os respectivos elementos do processo sido remetidos ao Ministério Público de Macau (doc nº 5);
DO DIREITO
6.º
O fundamento do Despacho em crise são as normas do artigo 23º do R.A. nº3/2005 conjugado com a alínea 1ª do nº.2 do artº 9º e alínea 3ª do nº.2 do artº4º da Lei 4/2003;
7.º
Ora diz o artº 23º que: É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau;
8.º
A alínea lª do nº 2 do artº 9º. diz que Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
9.º
E a alínea 3a do nº.2 do actº. 4º da mesma Lei diz que Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
10.º
O recorrente não tem antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou foi constituído arguido ou acusado, pois segundo as informações que o IPIM transmitiu, o processo relativo à certidão de nascimento de B encontra-se em investigação;
11.º
O agora recorrente e seus familiares têm a sua vida normal em Macau, estão integrados na vida de Macau e desenvolvem atividades de investimento e comerciais, estando dois dos autorizados a residir temporariamente em Macau – C e D - a frequentar a Universisade em Macau (docs.6 e 7);
12.º
O ato administrativo constituído pelo Despacho agora em crise foi praticado no âmbito da competência do Secretário para a Economia e Finanças do Governo de Macau;
13.º
O regime geral da fundamentação dos atos administrativos consta dos arts. 113º a 115º do Código do Procedimento administrativo (C.P.A);
14.º
Refere o Prof. Esteves de Oliveira no seu "Direito Administrativo", pag. 470, que "Fundamentar um acto administrativo consiste em indicar os motivos, as razões por que se pratica um acto e - como sublinha Marcello Caetano - em deduzir das premissas indicadas a decisão tomada ou o juízo formulado, como se de um silogismo se tratasse".
15.º
O processo referido no âmbito criminal mantém-se em investigação, tanto quanto é do conhecimento do recorrente, e nenhum dos membros do agregado familiar está constituído arguido ou acusado de qualquer crime e têm a profunda convicção de que não há nem haverá motivo para tal;
16.º
Com efeito, a eventual falsificação da certidão de nascimento de B foi feita no Interior da China, sendo este anteriormente punido em Macau com a negação de autorização de residência temporária;
17.º
A informou o IPIM, logo que teve consciência de tudo o que se passava, que de facto B tinha sido indicado erradamente ou por lapso como filho quando devia ter sido indicado como sobrinho, sem que o recorrente tivesse qualquer intenção de violar qualquer lei ou regulamento, pois tudo foi processado pelo intermediário que tratou do processo no Interior da China e todos eles desconheciam exatamente as leis e os regulamentos de Macau, especialmente no âmbito das relações familiares;
18.º
Em relação à recusa da renovação de residência temporária dos seus familiares, não nos foi referido qualquer fundamento;
19.º
Por outro lado, no processo inicial de autorização de residência temporária dos residentes com base, nomeadamente, no art°.3° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que prevê o regime de fixação de residência temporária de investidores em imóveis, nada consta sobre o não preenchimento de todos os requisitos próprios ali previstos;
20.º
Assim, nenhum dos pressupostos próprios, em que se baseou a autorização de residência do recorrente e que lhe foi concedida em 18/9/2007, foi alterado;
21.º
Por outro lado, o recorrente acredita que, dadas as circunstâncias, não há fundamento para qualquer dos elementos do agregado familiar vir a ser constituído arguido ou acusado, pois não encontram fundamento para isso;
22.º
Assim, o recorrente não concorda com o referido despacho, uma vez que fere o princípio da igualdade e da proporcionalidade e o da justiça e da imparcialidade previstos no art° 5° e 7° do CPA em vigor em Macau;
23.º
Segundo o princípio da igualdade e da proporcionalidade, a decisão a tomar deve ser idónea e adequada, existindo um nexo de causalidade e adequação, como consta nas anotações de Lino Ribeiro e Cândido Pinho ao C.P.A de Macau, referindo, na pag. 93, que se deve "verificar se os sacrifícios de certos bens ou interesses é adequado, necessário ou tolerável, na relação com os bens ou interesses que se pretende promover";
24.º
Assim, de acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem ser apenas as necessárias para atingir os fins visados pelos atos dos poderes públicos;
25.º
Também o princípio da necessidade ou exigibilidade, que é um desdobramento do princípio da proporcionalidade, exige que quando os fins previstos na lei possam ser obtidos por meios menos onerosos não devem ser usados outros mais onerosos.
26.º
Assim, o IPIM, ao solicitar que o Ministério Público esclareça o caso do não cumprimento das leis da RAEM por parte do recorrente, devia manter temporariamente a residência temporária de A e seus familiares e aguardar a decisão final do eventual processo do MP, pois isso favorecia, na opinião do recorrente, o andamento do processo, pois haveria um normal e mais fácil acesso ao recorrente próprio de um residente;
27.º
Igualmente o mesmo princípio proibe o arbítrio e a discriminação implicando também que os meios utilizados devem situar-se numa ''justa medida" em relação aos fins obtidos e impedindo a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas;
28.º
Ora o recorrente, tanto quanto sabe, não foi constituído ou acusado de qualquer crime, pois apenas transmitiu um lapso ou erro de informação, por desconhecimento das leis de Macau no âmbito das relações familiares, lapso esse que, já depois de conhecer as leis de Macau, imediatamente declarou corretamente ao IPIM, não havendo nunca intenção de não cumprir as leis de Macau - o que pretende demonstrar, se necessário, em sede própria, ou seja, no eventual processo no âmbito do MP;
29.º
Também, no mesmo sentido, impõe o princípio da justiça e da imparcialidade previsto no artº 7º do mesmo CPA que refere que "no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação". Isso significa, como diz Freitas do Amaral, que a Administração deve, na sua atuação, harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afetados. Assim, tratando-se de um ato discricionário e não vinculado, como é o caso, a decisão administrativa será injusta se impuser ao particular um sacrifício de direitos desnecessário, como estamos a pretender provar. Com efeito, o sacrificio imposto ao recorrente torna-se desnecessário, uma vez que a continuação do recorrente como residente possibilita que os órgãos da RAEM tenham melhores condições, na medida em que estão mais próximas do recorrente, e tenham mais tempo para esclarecer tudo o que parece não claro para as autoridades sobre a atuação do recorrente - que mais uma vez considera que, na sua opinião, não incumpriu qualquer lei da RAEM, tratando-se apenas da consequência do não conhecimento das leis da RAEM antes de ser residente nesta. Assim, nada aponta para a necessidade de cancelar a autorização temporária ao recorrente e seus familiares anteriormente autorizados.
30.º
Assim, verifica-se a violação do princípio da proporcionalidade e o da justiça previstos nos art°s 5° e 7°, uma vez que a decisão é, nestes termos, desproporcional, excessiva, desequilibrada e injusta;

31.º
Esta violação constitui uma ilegalidade por vício de violação de lei e, por conseguinte, é anulável, como previsto no art. 116° do CPA.
Assim, apresenta as seguintes conclusões:
A) - Os recorrentes têm legitimidade, estão representados e em prazo;
B) - O ato proferido pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças violou os princípios da porporcionalidade, da justiça e da imparcialidade impostos pelos arts. 5° e 7° do CPA em vigor;
C) - Assim, o referido ato é ilegal por vício de violação de lei e, por conseguinte, deve ser anulado, como previsto no art. 116° do CPA.
PEDIDO: Termos em que, e contando com o indispensável suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso e anulado o despacho recorrido.

Assim, farão Vossas Excelências a habitual e sã JUSTIÇA.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestando pugnando pela improcedência do recurso.

O recorrente apresentou alegações facultativas, imputando ao acto recorrido o vício de usurpação de poder por a entidade recorrida decidir uma questão da matéria penal, às quais respondeu a entidade recorrida dizendo, face ao disposto no artº 68º/3 do CPAC, não ser admissível a invocação do novo fundamento, e mesmo que se não entenda assim, ser de sempre repudiar a tese da usurpação de poder.

O Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* Por despacho do Senhor Chefe do Executivo datado de 18SET2007, foi conferida ao ora recorrente e estendida ao seu agregado familiar a autorização da residência temporária na RAEM por investimento imobiliário, com validade até a 18SET2010;

* Posteriormente foi detectado que um dos beneficiários da autorização, declarado pelo requerente como membro do agregado familiar, de nome B, não é descendente do requerente ora recorrente;

* Com fundamento na circunstância de B não ser comprovadamente descendente do requerente, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças decidiu por despacho datado de 01JUL2009 a revogação da autorização da residência temporária já concedida a B;

* Em 24JUN2010, o ora recorrente requereu a renovação da autorização temporária concedida a ele próprio e estendida ao seu agregado familiar;

* Por despacho datado de 11OUT2011 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, foi indeferida a requerida renovação, com fundamento legal no disposto nos artºs 4º/2-3) e 9º/2-1) da Lei 4/2003, ex vi do artº 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143), é, de acordo com o alegado no petitório do recurso, de conhecer apenas das seguintes questões postas na presente lide recursória:

1. da violação da lei;
2. da violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade; e
3. da usurpação de poder;


1. da violação da lei

O recorrente imputou ao acto recorrido o vício da violação, por ter entendido que in casu não se verificam os pressupostos de que depende a aplicação do artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003, por remissão expressa do artº 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.

Tal como vimos supra na matéria de facto assente, foi com base na falsidade das declarações prestadas pelo recorrente, no requerimento por ele formulado em 2007 para pedir a autorização de residência temporária na modalidade de investimento imobiliário, no que diz respeito a B, alegadamente filho do recorrente integrado no seu agregado familiar.

No próprio impresso fornecido pelo IPIM para o efeito, os requerentes da autorização de residência temporária têm de declarar que todo o conteúdo preenchido por eles no impresso corresponde à verdade, e que caso contrário os fará incorrer na responsabilidade criminal (cf. o Bloco 10 do impresso fornecido pelo IPIM, na versão actualizada em 20DEZ2006.)

O recorrente argumentou que foi por não conhecimento da lei de Macau que preencheu erradamente o impresso-requerimento.

Ora, a tal tese é totalmente repudiável, pois, por mais ignorante que seja, uma pessoa não pode declarar uma outra pessoa ser o seu filho quando efectivamente não é.

Aliás, foi o próprio recorrente que confessou expressamente, na declaração por ele subscrita ora constante das fls. 59 do processo instrutor, que B é filho de outrem.

Há portanto pelo menos fortes indícios de que se verificam os factos para o preenchimento do tipo legal do crime de falsificação de documentos, previsto e punido no artº 18º/2 da Lei nº 6/2004.

E à luz do disposto nos artºs 4º/2-3) e 9º/2-1) da Lei 4/2003, aplicável ex vi do artº 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, para efeitos da concessão da autorização de residência, deve atender-se, inter alia, a existência de fortes indícios de terem praticado quaisquer crimes.

Perante isto, obviamente não é de censurar a decisão da entidade recorrida que se apoiou na matéria de facto acima descrita e perfeitamente enquadrável no âmbito da aplicação das normas citadas.

Improcede assim essa parte do recurso.

2. da violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade

Da leitura quer da motivação quer da conclusão do recurso resulta que o recorrente se limitou a alegar vagamente a violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, sem qualquer alegação pertinente consubstanciadora e caracterizadora de forma como estes princípios foram violados, o que torna tal alegação inócua.

No que diz respeito à proporcionalidade, não se percebe como é que a Administração pode violar este princípio, pois face à lei, a Administração pode autorizar ou não autorizar a renovação, sem que haja lugar à quantificação da medida da sua decisão.

Em relação aos princípios da justiça e da imparcialidade, o recorrente não logrou provar qualquer facto demonstrativo da alegada injustiça e da parcialidade da actuação da Administração.

3. da usurpação de poder

Trata-se de uma questão que nos foi trazida pelo recorrente nas alegações facultativas.

A entidade recorrida defende a não admissiblidade da sua invocação por não se tratar de um fundamento de conhecimento superveniente – artº 68º/3 do CPAC.

Entende o recorrente que nem o IPIM nem o Senhor Secretário para a Economia e Finanças tem competência para conhecer e decidir sobre a matéria penal (a prática de um crime) que está reservada ao poder judicial.

E adiantou que, “com o arguemento de que o MP ainda nada decidiu, resolveu então decidir, substituindo-se àquela autoridade judicial e propondo superiormente que fossem canceldos os BIR temporários concedidos ao requerente e aos membros do seu agregado familiar e o Senhor Secretário para a Economia e Finanças concordou com tal proposta e com os fundamentos nela mencionados, proferindo o Despacho ora recorrido”.

Ora, independentemente de ser manifestamente improcedente a tal tese, dificilmente podemos aceitar esse fundamento ser de conhecimento superveniente, uma vez que o recorrente está a tecer a sua tese justamente com base naquilo que já estava escrito na informação elaborada pelo IPIM e sobre qual lançou o Senhor Secretário o despacho ora recorrido.

Tendo sido notificado do despacho recorrido, o recorrente não pode deixar de invocar o não conhecimento do seu teor.

Não é de conhecer portanto esse novo fundamento por ter sido deduzido com a inobservância do disposto no artº 68º/3 do CPAC.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 05JUL2012
Lai Kin Hong Estive presente
Choi Mou Pan Macau, d.s.
João A. G. Gil de Oliveira Mai Man Ieng


815/2011-1