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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, entretanto substituída pela respectiva massa falida, após declaração de falência, interpôs recurso contencioso de anulação do acto administrativo oral imputado ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que determinou que a B, terminasse imediatamente o contrato de subconcessão com a A.
Por acórdão de 31 de Janeiro de 2013, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) absolveu da instância a entidade recorrida e as contra-interessadas particulares.
A massa falida da A, interpõe recurso jurisdicional para o TUI, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
I. O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a nulidade da deliberação do Conselho de Administração da B de 30 de Março de 2010, violando assim a lei substantiva, concretamente a norma do artigo 279.° do Código Civil, e também a lei adjectiva, a saber, o artigo 571.°, n.º 1, d), do Código de Processo Civil, neste caso por ter deixado de pronunciar-se sobre questão que integrava a causa de pedir e que devia apreciar.
II. É devida pronúncia sobre essa questão e também sobre a inexistência da "ré-ratificação", tentada pela deliberação de 30 de Abril de 2010, da suposta declaração rescisória da autoria do Presidente do Conselho de Administração da B, expressa na sua carta de 28 de Março de 2010.
III. O Tribunal de Última Instância pode, dando provimento ao presente recurso, substituir-se ao Tribunal de Segunda Instância, conhecendo de ambas as questões, posto o que, decidindo-as a favor da Recorrente, como se espera, deve o processo baixar para que o Tribunal de Segunda Instância, deixando de poder suportar na deliberação de 30 de Março de 2010 a análise dos factos pertinentes à prática do acto recorrido com as características apontadas pela Recorrente, reaprecie a prova respectiva e verifique a existência do mesmo e, acto contínuo, conheça de todos os vícios que foram identificados a esse acto no requerimento inicial.
IV. Se o Tribunal de Última Instância entender não dever substituir-se ao Tribunal de Segunda Instância, deve ainda assim, dando provimento ao presente recurso, fazer baixar o processo para que o Tribunal de Segunda Instância conheça das duas questões e, decidindo-as favoravelmente à Recorrente, reaprecie a prova referente à produção do acto que é objecto do recurso contencioso, com as características que a Recorrente apontou, estabeleça a sua existência e, acto contínuo, conheça de todos os vícios que foram identificados a esse acto no requerimento inicial.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.


II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
Foi enviada da B à A a seguinte carta:
  “28th March, 2010
  Mr. C
  Chairman, A Limited
  [Endereço (1)]
  Macau
  Dear Mr. Chairman C,
  We are sorry to inform you that with the official correspondence received from the Civil Aviation Authority this evening ref. no. XXXXXXXXXX/XX (kindly please refer to the attachment), with our deepest regret, we are instructed to terminate with immediate effect, the Sub-concession Contract being signed with your esteemed company on 31st March, 2006.
  Thanks and with our best regards,
  D
  Chairman, Board of Directors cum
  Chief Executive Officer
  28th March, 2010”
Tal como foi enviada da AAMC à B a carta seguinte:
  “Mr D
  Chairman ofthe Board of Directors
  B Company
  28 March 2010
  Assunto (Subject): A Sub-concession Termination
  Dear Mr. D,
  According to the decision of the Secretary for Public Works and Transports of today I hereby inform you that company B must terminate immediately the Sub-concession Contract with A according to Clause 14.4 and 4.1 of the Sub-concession Contract. This decision was based on the fact that A has been constantly violating its public service obligations stated on Clause 4.8 of the Sub-concession Contract, by canceling flights and refusing to provide support and information for passengers carrying valid tickets. These violations have caused irreparable damages to passengers, airport and the image of Macau SAR. As such, considering the seriousness and repetition of the violations and the refusal by A to provide the public service and the unjustified interruption of services and considering that in accordance with Clause 27.2, in case of sub-concession B maintains all its obligations under the Concession Contract, B must terminate the Sub-concession contract immediately.
  
  Yours Sincerely,
  E
  President”
  Em resultado da comunicação da B, a Autoridade de Aviação Civil de Macau enviou então à Recorrente a comunicação com a ref. XXXX/XXXX/XX, ainda no dia 28 de Março de 2010, notificando-a de que:
  - fora formalmente informada pela B de que o Contrato de Subconcessão com a A tinha sido rescindido (em inglês: «This authority has been formally informed by B Company Limited that the sub-concession contract with A has been terminated»);
  - assim, a A deixara alegadamente de preencher os requisitos exigíveis ao detentor dum Certificado de Operador de Transporte Aéreo (em inglês, "Air Operator Certificate", conhecido na indústria aeronáutica pelo seu acrónimo "AOC") para o serviço público de transporte aéreo comercial (em inglês, no original: «As a result, A can no longer fulfill the requirements as an AGC holder for commercial air transport of public service»);
  - pelo que a Autoridade de Aviação Civil de Macau revogava com efeitos imediatos o Certificado de Operador de Transporte Aéreo n.º XXX/XX/XX, da A (em inglês: «Therefore, this authority (...) hereby revokes A 's AGC n.º XXX/XX/XX with immediate effect»);
  - e, por conseguinte, a A deveria terminar imediatamente as suas operações de transporte aéreo e cessar todos os meios de venda de bilhetes, incluindo através do sistema on-line (em inglês, no original: «As such, A shall terminate immediately all commercial air transport operations and stop all means of ticket sale including on-line ticketing system»).
  Logo no dia 28 de Março, a recorrente deixou de voar e de vender bilhetes.
  A recorrente endereçou no dia 30 de Março de 2010 uma carta à B, na qual a informa, entre outras coisas, que a referida carta da B não era reconhecida como um aviso de extinção do contrato de sub-concessão válido.
  Em reacção à carta que lhe foi endereçada pela Recorrente, a B voltou a pôr fim ao contrato de sub-concessão, por carta datada de 31 de Março de 2010, com a ref. XXXXXXXXX.
  Aí se dizendo: "por este meio rescindimos, com justa causa, o Contrato de Sub-Concessão outorgado pelas nossas companhias em 31 de Março de 2006" (em inglês, no original: «we hereby rescind, with cause, the Sub-Concession Contract executed between our companies on 31 March 2006»), mais dizendo "Os efeitos da extinção produzem-se desde 28 de Março, data em que vos informámos da nossa decisão nesse sentido" (em inglês: «The termination effects started on March 28, the date when we informed about the termination decision»).
  A carta da B dá ainda conta do que terá sido deliberado acerca da rescisão da subconcessão da recorrente na reunião do Conselho de Administração da B que teve lugar naquele dia 30 de Março.
  Segundo a dita acta, a referida deliberação diz, no essencial: "All the Board Directors ... unanimous/y resolved to terminate the Sub-concession Contract with A and ratify the termination decided by the Chairman, as well as ratifying ali relative acts and execution of the relevant notifications / documents by the Chairman for aftaining such purpose since 28MAR10.", o que se traduz como segue: "Todos os Administradores ... deliberaram por unanimidade rescindir o Contrato de Sub-concessão com a A e ratificar a rescisão decidida pelo Presidente, assim como ratificar todos os actos respectivos e a execução das relevantes notificações / documentos pelo Presidente, desde 28 de Março de 2010, com vista a atingir esse propósito."
  Na sexta-feira, 26 de Março de 2010, dia em que começou no aeroporto de Macau a sucessão de eventos que culminou com a rescisão da subconcessão e revogação do Certificado de Operador de Transporte Aéreo da Recorrente, a tabela de voos da Recorrente compreendia os seguintes voos, com início em Macau: um voo Macau - Ho Chi Minh (Saigão), com partida às 7:05h, um voo Macau - Jacarta, com partida às 14:30h, e um voo Macau - Narita (Tóquio), com partida às 14:35h.
  O voo Macau - Ho Chi Minh realizou-se normalmente, assim como o voo de regresso Ho Chi Minh - Macau, naquele mesmo dia.
  O voo Macau - Jacarta saiu atrasado, às 21:00h, o que importou que o regresso Jacarta - Macau só pudesse realizar-se no dia seguinte, sábado, 27 de Março.
  O voo Macau - Narita foi cancelado no dia 26 e realizou-se no dia 27, às 8:00h, a hora que a recorrente informara aos passageiros no dia 26, quando teve que comunicar-lhes o cancelamento para aquele dia.
  O regresso Narita - Macau, que normalmente aconteceria na sexta-feira, 26 de Março, também só pôde realizar-se no sábado, 27 de Março.
  O atraso do voo Macau - Ho Chi Minh e o adiamento, para a manhã do dia seguinte, do voo Macau - Narita ficaram a dever-se ao insucesso das negociações da recorrente com uma sociedade do grupo, em vista da falta de pagamento de combustível por parte da comapnhia aérea.
  No sábado, 27 de Março, a tabela de voos, com saída de Macau era a seguinte: um voo Macau - Ho Chi Minh, às 7:00h, o voo Macau - Narita (que devia ter-se realizado na véspera), às 8:00h, e um voo Macau - Hanói, às 14:30h.
  O voo Macau - Ho Chi Minh efectuou-se normalmente e o regresso Ho Chi Minh - Macau também.
  O voo Macau - Hanói foi cancelado.
  Para domingo, 28 de Março, estavam tabelados um voo Macau - Ho Chi Minh, às 7:00h, um voo Macau - Jacarta, às 14:30h, e um voo Macau - Narita às 14:35h.
  Os atrasos e cancelamentos ficaram a dever-se ao problema resultante da falta de abastecimento, o que, por sua vez decorreu por falta de pagamento do combustível.
  Foram fornecidas refeições, alojamento em hotel e transporte de e para a cidade aos passageiros do voo - Narita, previsto para as 14:35h, de sexta-feira, 26 de Março, que foi cancelado e só veio a efectuar-se no dia seguinte, às 8:00h.
  Não obstante o acompanhamento e alguma assistência da recorrente em algumas situações pontuais, gerou-se uma situação caótica no aeroporto nesse fim-de-semana, com muitas pessoas que não foram instaladas e sem saberem quando podiam voar.
  Situação que obrigou à deslocação de técnicos dos Serviços de Turismo ao aeroporto de forma a acalmarem as pessoas e prestarem apoio e informação aos passageiros em terra.
  
III – O Direito
1. As questões a apreciar
A questão a apreciar é a de saber se o Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia relativamente à nulidade da deliberação do Conselho de administração da B, de 30 de Março de 2006, pela qual rescindiu o contrato de subconcessão outorgado com a A e quanto à inexistência de ratificação da declaração rescisória do Presidente do Conselho de Administração.

2. Os dados essenciais da questão.
A A, entretanto falida e substituída pela respectiva massa falida, interpôs recurso contencioso de um alegado acto administrativo oral imputado ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que teria determinado que a B, terminasse imediatamente o contrato de subconcessão com a A. E pediu a declaração de nulidade ou a anulação de tal acto.
Este foi o único pedido feito no recurso contencioso. Nem poderia ser de outra forma, já que o meio processual escolhido visa apena a anulação ou a declaração de nulidade de actos administrativos [artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC)].
A recorrente não pediu, nem podia ter pedido a declaração de nulidade da deliberação do Conselho de Administração da B, de 30 de Março de 2006, pela qual rescindiu o contrato de subconcessão outorgado com a A. Para este pedido, o Tribunal competente era o Cível de 1.ª instância e não o TSI, competente para apreciar o recurso contencioso de actos do Governo. E as formas de processo aplicáveis seriam diversas. A cumulação de pedidos teria sido, assim, impossível (artigos 391.º e 65.º do Código de Processo Civil).
Mas, repete-se, tal cumulação de pedidos não existiu. A recorrente apenas alegou a nulidade da deliberação do Conselho de Administração da B para justificar a sua intervenção no recurso contencioso como contra-interessada, a quem o provimento do recurso poderia directamente prejudicar (artigo 39.º do CPAC).
Tal como, no recurso contencioso, alegou a nulidade de acto da Autoridade de Aviação Civil que revogou o certificado de transporte aéreo da recorrente, para justificar a sua intervenção como contra-interessada apenas. Mas nunca pediu a declaração de nulidade deste acto, para o qual o TSI é igualmente incompetente [artigos 30.º, n.º 2, alínea II) e 36.º, alínea 8) da Lei de Bases da Organização Judiciária], o que impediria a cumulação de pedidos, se os houvesse.
Por isso, é totalmente incongruente alegar-se que tal deliberação integra a causa de pedir do recurso contencioso. Neste, a causa de pedir é apenas constituída pelos vícios do acto.
O Acórdão recorrido rejeitou o recurso contencioso (embora tenha optado pela absolvição da instância, que equivale, na jurisdição cível, àquele instituto próprio do contencioso administrativo) por não se ter feito prova da existência do alegado acto administrativo oral do Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Isto é, não conheceu do mérito do recurso contencioso, porque entendeu que a recorrente não fez prova de que o acto administrativo, que impugnou, existiu.
Esta é uma questão de facto para a qual o TUI não tem poder de cognição (artigos 47.º, n.º 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária e 152.º do CPAC). Aliás, a recorrente não sindica esta questão. Já seria questão de direito a qualificação como acto administrativo, ou não, de qualquer conduta voluntária da Adminstração.
O que a recorrente faz é isto: afirma que o Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a declaração de nulidade da deliberação do Conselho de Administração da B, de 30 de Março de 2006, pela qual rescindiu o contrato de subconcessão outorgado com a A. E que, por isso, enferma de nulidade, por omissão de pronúncia.
Ora, o Acórdão recorrido até abordou a questão. Embora não se perceba a que título é que o fez, tal como se pronunciou sobre vícios do acto, também sem razão de ser, depois de ter decidido que não se provava a existência do acto. O que parece ter havido é excesso de pronúncia e não omissão de pronúncia, questão de que não conhecemos formalmente, porque não de conhecimento oficioso.
É certo que a recorrente pretende que o Acórdão recorrido deveria ter conhecido da nulidade da deliberação, porque se apoiou na deliberação para concluir que o acto administrativo não existiu.
Mas não é assim. Por um lado, o Acórdão socorre-se de vários meios de prova para chegar aquela conclusão. E, por outro, nunca se socorre de tal deliberação para concluir que o acto (anterior) não existiu. Ainda que o tivesse feito isso era irrelevante para o tema em discussão. Uma coisa é a existência física da deliberação. E essa, a recorrente não põe em causa. Outra, é a existência jurídica da deliberação. Ora para a prova do acto administrativo é bem de ver que poderia relevar a primeira, mas não a segunda.
Em suma, tendo o Acórdão recorrido decidido rejeitar o recurso por falta de acto administrativo estava fora de causa conhecer de outras questões. Diga-se até que a pretensa nulidade da deliberação do Conselho de Administração da B nunca seria de conhecer, ainda que o Acórdão recorrido conhecesse dos vícios do acto. Pois, a que título, é que uma deliberação de uma sociedade comercial, posterior ao acto administrativo impugnado relevaria para os vícios do acto administrativo (que ocorrem por natureza, no momento do nascimento do acto)?
O presente recurso jurisdicional é manifestamente improcedente.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 6 UC.
Macau, 10 de Julho de 2013.

  Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
  
  
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho



1
Processo n.º 36/2013