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Processo n. 817/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Julho de 2012
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio


SUMÁRIO
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.









Proc. nº 817/2011

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
A de nacionalidade chinesa, residente em XXX, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º XXX, vem, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 1200.º e ss. do Código de Processo Civil (CPC), instaurar acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau,
contra
B, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na XXX.
*
Não houve contestação.
*
O digno Magistrado do MP não se opôs à confirmação da sentença.
*
Cumpre decidir.
***
II- Pressupostos processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
***
III – Os Factos
Damos por assentes os factos seguintes pertinentes:
1- Requerente e requerido celebraram casamento em Macau no dia 29/01/1983 (fls. 15).
2- No Tribunal Superior de Washington, Condado de King, em 19/02/1999, Proc. nº 98-3-08187-6 SEA, foi decretada a dissolução do casamento entre requerente e requerido (fls. (fls. 11 a 14, texto em inglês).
3- O teor da sentença é o seguinte (texto em português a fls. 7 a 10):
TRIBUNAL SUPERIOR DE WASHINGTON
CONDADO DE KING
Com referência ao Matrimónio de:
)
Nº. 98-3-08187-6 SEA
A
)
Decreto de dissolução
Requerente
)
(DCD)
e
)

B
)

Requerido
)

A VIOLAÇÃO DE UMA MEDIDA CAUTELAR NO PARÁGRAFO 3.8 INFRA COM CONHECIMENTO ACTUAL DOS SEUS TERMOS É UM CRIME AO ABRIGO DO CAPÍTULO 26.09 RCW, E SUJEITARÁ A VIOLAÇÃO A PRISÃO. RCW 26.09.060.
I. RESUMO DA SENTENÇA
O resumo da sentença não se aplica.
II. BASE
Avaliação dos Factos e Conclusões Legais foram apresentadas neste caso.
III. DECRETO
É DECRETADO QUE:
3.1 SITUAÇÃO DO MATRIMÓNIO
O matrimónio das partes está dissolvido.
3.2 BENS A SEREM CONCEDIDOS AO MARIDO:
O marido recebe como seus bens separados, os seguintes bens:
a) Todos os bens pessoais na sua posse ou sob o seu controlo.
b) Todos os direitos e benefícios em resultado do seu passado e/ou presente emprego, afiliação sindical, serviço militar e/ou cidadania dos Estados Unidos ou outra cidadania.
c) Todas as contas bancárias somente em seu nome.
d) Todos os bens adquiridos por ele após a data da separação das partes em 1-8-1997.
3.3 BENS A SEREM CONCEDIDOS À MULHER:
A mulher recebe como seus bens separados, os seguintes bens:
a) Todos os bens pessoais na sua posse ou sob o seu controlo.
b) Todos os direitos e benefícios em resultado do seu passado e/ou presente emprego, afiliação sindical, serviço militar e/ou cidadania dos Estados Unidos ou outra cidadania.
c) Todas as contas bancárias somente em seu nome.
d) Todos os bens adquiridos por ela após a data da separação das partes em 1-8-1997.
3.4 OBRIGAÇÕES A SEREM PAGAS PELO MARIDO:
O marido pagará as seguintes obrigações comuns ou separadas:
a) Todas as dívidas ou obrigações incorridas pelo marido ou qualquer conta após a data da separação das partes em 1-8-1997.
b) Todas as dívidas ou obrigações associadas com bens aqui lhe concedidos.
A menos que de outro modo estipulado, o marido pagará todas as obrigações incorridas por ele desde a data da separação.
3.5 OBRIGAÇÕES A SEREM PAGAS PELA MULHER:
A mulher pagará as seguintes obrigações comuns ou separadas:
a) Todas as dívidas ou obrigações incorridas pela mulher ou qualquer conta após a data da separação das partes em 1-8-1997.
b) Todas as dívidas ou obrigações associadas com bens aqui lhe concedidos.
A menos que de outro modo estipulado, a mulher pagará todas as obrigações incorridas por ela desde a data da separação.
3.6 PROVISÃO DE RESPONSABILIDADE MATERIAL
Não se aplica.
3.7 PENSÃO ALIMENTÍCIA
Não se aplica.
3.8 CONTINUAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR
Não se aplica.
3.9 PLANO DE CUSTÓDIA PATERNAL
As partes deverão cumprir o Plano de Custódia Paternal assinado pelo tribunal em 19-2-1999. O Plano de Custódia Paternal assinado pelo tribunal é aprovado e incorporado como parte deste decreto.
3.10 PENSÃO ALIMENTÍCIA AOS FILHOS
Nenhuma ordem de pensão alimentícia foi decretada porque este tribunal não tem jurisdição em relação ao requerido.
3.11 HONORÁRIOS DE ADVOGADOS, OUTROS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS E CUSTAS
Não se aplica.
3.12 MUDANÇA DE NOME
O nome da mulher será mudado para A.
3.13 OUTROS: Não se aplica.
Datado: 19 de Fevereiro de 1999 (assinatura ilegível)
                     Pelo Comissário
Apresentado por:
BELL FLEGENHEIMER LEONG & SOLOVY
(assinatura ilegível)
Valerie A. Bell
Advogada da Requerente
(assinado)
A, Requerente
4- Na sequência da referida sentença, foi decretado pelo mesmo tribunal um plano de custódia paternal em relação à filha única do casal (fls. 56 a 64 dos autos).
***
IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação verificada perante o Tribunal competente de County of King, Superior Court of Washington. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio requerido pela ora requerente com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão ocorreu no mesmo dia (ver documento). A decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na RAEM e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil. Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Superior de Washington, Condado de King, de 19 de Fevereiro de 1999 que decreta o divórcio entre A e B nos seus precisos termos, tal como acima transcritos.
Custas pela requerente.
TSI, 19 / 07 / 2012

José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan