打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 14 de Novembro de 2012, condenou o 1.º arguido A, pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso, de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão;
   - um crime de consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 14.º da mesma Lei, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
  - um crime de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da mesma Lei, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
  - Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 21 de Março de 2013, julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido e, oficiosamente, absolveu-o da prática do crime de detenção indevida de utensílio para consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 15.º da Lei 17/2009, fixando a pena única do cúmulo jurídico relativa aos outros dois crimes, em 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
- Provou-se que o recorrente era consumidor de estupefacientes e que uma parte de estupefacientes comprados era destinada ao consumo pessoal, pois, para garantir uma decisão correcta, justa e credível nesta causa, o Tribunal necessita de ponderar a quantidade e a espécie dos estupefacientes consumidos pelo recorrente. Porém, assim não fez o Tribunal a quo, mas sim, na determinação da pena, apenas indicou, duma forma geral, que o recorrente destinava a grande parte (mais que metade) de estupefacientes à venda ou ao fornecimento a outrem, e a pequena parte dos mesmos ao consumo próprio.
- Portanto, tanto o acórdão a quo como o acórdão recorrido do T.S.I., inevitavelmente, enfermam do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pelo que, com base no princípio “in dubio pro reo”, deve revogar-se o acórdão recorrido, sendo o recorrente punível pelo “crime de tráfico de menor gravidade” previsto no art.º 11º, n.º 1 al. a) (sic) da Lei n.º 17/2009, ou, nos termos do art.º 418º, n.º 1 do Código de Processo Penal, decretar-se o reenvio do processo para novo julgamento, distinguindo-se, com excepção de 4,135 gramas de Ketamina que tinha sido cedida à 2ª arguida B, quais as quantidades das restantes 14,786 gramas de Ketamina para consumo pelo próprio recorrente e para cedência a outras pessoas, a fim de se proferir uma sentença mais razoável.
- Embora a 2ª arguida B confessasse que os estupefacientes encontrados na sua posse foram adquiridos do recorrente, provou-se que o peso líquido da Ketamina era apenas 4,135 gramas. Em comparação com a quantidade dos estupefacientes encontrados neste processo (incluindo as duas embalagens de Ketamina encontradas nas meias do recorrente, com o peso líquido de 10,369 gramas, a Ketamina encontrada na mochila, com o peso líquido de 4,417 gramas, bem como a Ketamina encontrada na posse da 2ª arguida, com o peso líquido de 4,135 gramas), com um total de 18,921 gramas, a quantidade supra mencionada corresponde meramente a cerca de 21% da quantidade global de estupefacientes.
- Todavia, na parte da “Convicção do tribunal: III. Motivos e determinação da pena”, o Tribunal a quo apontou que o recorrente: “destinava a grande parte (mais que metade) de estupefacientes à venda ou ao fornecimento a outrem, e a pequena parte dos mesmos ao consumo próprio”. (Vide último parágrafo da pág. 11 do acórdão, sublinhado nosso). Como neste processo apurou-se efectivamente que a quantidade de estupefacientes fornecida pelo recorrente a outras pessoas apenas corresponde a cerca de 21% da quantidade dos estupefacientes apreendidos aos autos, então, como é que podemos dizer que: “destinava a grande parte (mais que metade) de estupefacientes à venda ou ao fornecimento a outrem, e a pequena parte dos mesmos ao consumo próprio”?
- O acórdão a quo, por um lado, provou que o recorrente tinha fornecido a outrem 4,135 gramas de Ketemina, e, por outro lado, na parte da convicção do tribunal, apontou que o recorrente destinava a grande parte (mais que metade) de estupefacientes à venda ou ao fornecimento a outrem, e a pequena parte dos mesmos ao consumo próprio, portanto, verifica-se contradição entre essas duas redacções. A referida contradição é extremamente grave e apresenta-se insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
- Pelos factos provados do presente processo, vislumbra-se que, no dia 23 de Outubro de 2011, por volta das 11H00, o recorrente comprava dum indivíduo desconhecido no Interior da China, pelo preço de RMB2.000,00, a Ketamina, com o peso líquido de 18,921 gramas, trazendo-a para Macau, e, depois, fornecia 4,135 gramas de Ketamina à 2ª arguida, pelo preço de MOP800,00. Mais se apura que antes o recorrente tinha fornecido à 2ª e ao 3º arguidos a Ketamina de quantidade incerta.
- Conforme os aludidos factos, só se provou concretamente que, nesta causa, o recorrente tinha fornecido 4,135 gramas de Ketamina à 2ª arguida, e que o mesmo era consumidor de droga, mas não se apurou, de forma nenhuma, que o recorrente destinasse os restantes estupefacientes à venda ou ao fornecimento a outrem.
- Não se consegue dar como provado, de forma indubitável, o facto acusado de que “com excepção da pequena parte para ser consumida por ele próprio, foram também destinadas a serem vendidas a outrem, pelo preço de MOP500,00 a MOP800,00 por cada embalagem de Ketamina” (vide pág. 3 do acórdão), por isso, resolve-se por aplicar presunção abstracta à totalidade dos estupefacientes encontrados na posse do recorrente, ou seja, o recorrente “destinava a grande parte (mais que metade) de estupefacientes à venda ou ao fornecimento a outrem, e a pequena parte dos mesmos ao consumo próprio” (vide pág. 11 do acórdão). O acórdão a quo é ilógico e, simultaneamente, violou as regras da experiência comum, por se verificar expressamente a falta de prova para sustentar a “Convicção do tribunal” e os “Motivos e determinação da pena” do mesmo acórdão.
- O erro em causa é extremamente grave, pois, um Homem médio de imediato dá conta que existe discrepância entre o acórdão a quo e os factos provados, violando também as regras da experiência. O dito erro é ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
- É excessivamente pesada a pena de 7 anos e 9 meses de prisão efectiva que foi aplicada ao recorrente pelo acórdão a quo e mantida pelo acórdão recorrido do T.S.I., pela prática dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, violando, pois, o pensamento legislativo da lei nova e sendo incompatível com a culpabilidade do recorrente.
- A espécie dos estupefacientes apreendidos aos presentes autos é unitária; antes de ser preventivamente preso, o recorrente era guarda da Polícia, auferia mensalmente o salário de mais de MOP20.000,00, tinha a mãe a seu cargo, tinha como habilitações literárias o ensino superior completo e não tinha quaisquer antecedentes criminais, não padecendo de qualquer característica de traficante de drogas. No entanto, na determinação da pena, o acórdão a quo e o acórdão recorrido do T.S.I. não atenderam, de forma plena, ao disposto nos art.ºs 40º, n.º 1 e 65º do Código Penal.
- Neste caso, o mais importante é que se provou que o recorrente apenas tinha fornecido 4,135 gramas de Ketamina à 2ª arguida B. Tal quantidade de estupefacientes está muito aproximada a cinco vezes a quantidade de Ketamina constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009, ou seja 3 gramas (vide art.º 11º, n.º 2), por isso, dado que não existe facto concreto que prove o fornecimento dos estupefacientes a outrem pelo recorrente, segundo o princípio “in dubio pro reo”, deve punir-se o recorrente pelo “crime de tráfico de menor gravidade” previsto no art.º 11º, n.º 1 al. 1) da Lei n.º 17/2009.
- A par disso, no recurso interposto para o T.S.I., o recorrente fez uma comparação entre a pena que lhe foi imposta neste processo e várias penas aplicadas pelos tribunais de Macau para o crime de tráfico de drogas, e, enfim, chegou a conclusão de que embora em muitos casos de tráfico de drogas a quantidade de drogas apreendidas fosse muito superior à de drogas apreendidas neste processo, as penas aplicadas naqueles casos eram mais leve do que a pena imposta neste processo, questionando que haja excessividade da pena no acórdão a quo.
- O fundamento enumerado no artigo anterior constitui também o objecto da acção do recurso interposto para o T.S.I., entretanto, o T.S.I. não só não apreciou o objecto da acção acima referido, assim como não fundamentou sobre isso, pelo que o acórdão recorrido do T.S.I., inevitavelmente, violou a disposição da fundamentação, plasmada no art.º 355º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo nulo o acórdão ao abrigo do art.º 360º, al. a) do mesmo Código.
A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se pela manifesta improcedência do recurso.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.

II – Os factos
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
Desde Setembro de 2011, o arguido A começou a dedicar-se à actividade de tráfico de drogas em Macau.
Normalmente, o arguido A adquire drogas no Interior da China, incluindo a “Ketamina”, e transporta-as para Macau, destinando-as, com excepção da parte para o seu consumo próprio, principalmente ao fornecimento e à venda a outrem, incluindo os outros dois arguidos B e C.
Na prática do tráfico de drogas, o arguido A utilizou o telemóvel cujo número era de XXXXXXXX para contactar aqueles que pretendiam comprar ou adquirir drogas.
Em 23 de Outubro de 2011, pelas 11h, o arguido A foi ao Interior da China comprar CNY¥2000 de “Ketamina” junto dum indivíduo de identidade desconhecida, e depois, transportou-a para Macau.
Pelas 12h31 do mesmo dia, a arguida B ligou ao arguido A no uso do telemóvel cujo número era de XXXXXXXX, pretendendo comprar “Ketamina”. Combinaram os dois em efectuarem a transacção junto à porta do edifício onde residia o arguido A — [Endereço (1)].
Mais tarde, pelas 13h30, o arguido A subiu ao automóvel ligeiro de cor branca de matrícula ML-XX-XX estacionado pela arguida B à porta do Edf., e aí vendeu à arguida um pacote de “Ketamina” pelo preço de 800 patacas. Depois disso, o arguido saiu do automóvel e abandonou o local.
Ao reparar nisso, os agentes da Polícia Judiciária (PJ) interceptaram o arguido A e a arguida B para efeitos de investigação.
Na revista imediatamente feita ao arguido A, os agentes da PJ encontraram dois pacotes de cristais de cor amarela clara na meia usada no pé direito deste arguido, e um pacote de cristais de cor amarela clara na mala que este arguido trazia ao colo (vide o auto de apreensão a fls. 118 dos autos).
Após o exame laboratorial, foi confirmado que os referidos dois pacotes de cristais de cor amarela clara encontrados na meia, com o peso líquido de 14,047 gramas, continham “Ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C anexa à Lei n.º 17/2009, cuja proporção, através de análise quantitativa, foi verificada em 73,82%, com o peso líquido de 10,369 gramas, e que o pacote de cristais de cor amarela clara encontrado na mala, com o peso líquido de 5,857 gramas, também continha “Ketamina”, cuja proporção, após análise quantitativa, foi verificada em 75,14%, com o peso líquido de 4,417 gramas.
As supracitadas drogas foram adquiridas pelo arguido A, mais cedo no mesmo dia e no Interior da China, pelo preço de CNY¥2000 junto de um indivíduo de identidade desconhecida, e restaram da venda feita à arguida B. Tais drogas, com excepção duma pequena parte para consumo próprio, destinavam-se a ser vendidas a outrem pelo preço de 500 a 800 patacas por pacote.
Depois, os agentes da PJ dirigiram-se à residência do arguido, sita no [Endereço (1)], a fim de efectuar uma busca. Encontraram no armário no seu quarto de dormir um colete de cor preta em que estavam escondidos quatro saquinhos plásticos transparentes, uma palha, uma nota de 10 patacas e um lenço de papel branco.
Submetidos a exame laboratorial, os quatro saquinhos plásticos transparentes, a palha, a nota de 10 patacas e o lenço de papel supramencionados revelaram todos ter vestígios de “Ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C anexa à Lei n.º 17/2009.
Os referidos saquinhos foram utilizados pelo arguido A como embalagens das drogas destinadas à venda.
A palha supracitada foi utilizada pelo mesmo como instrumento de consumo de droga.
Após interceptada pelos agentes da PJ, a arguida B tomou a iniciativa de apresentar um pacote de cristais de cor amarela clara, guardado no bolso direito traseiro das suas calças.
Do exame laboratorial, resultou provado que esse pacote de cristais de cor amarela clara, com o peso líquido de 5,654 gramas, continha “Ketamina”, substância abrangida pela tabela II-C anexa à Lei n.º 17/2009, cuja proporção, através de análise quantitativa, foi verificada em 73,13%, com o peso líquido de 4,135 gramas.
A mencionada droga foi comprada pela arguida B junto do arguido A pelo preço de 800 patacas, destinando-se ao consumo próprio.
Depois disso, os agentes da PJ descolaram-se à residência da arguida, localizada no [Endereço (2)], Taipa, para efectuar uma busca. Encontraram em cima do armário de cabeceira no seu quarto de dormir dois sacos plásticos transparentes; na gaveta do armário de cabeceira, uma palha, uma nota de 10 patacas, um lenço de papel branco e um saco plástico transparente; e no contentor de lixo no mesmo quarto, quatro sacos plásticos transparentes (vide o auto de apreensão a fls. 146 dos autos).
Submetidos a exame laboratorial, os sete sacos plásticos transparentes, a palha, a nota de 10 patacas e o lenço de papel branco acima referidos foram todos identificados como contendo vestígios de “Ketamina”.
Os aludidos vestígios foram deixados pela arguida B ao consumir a droga previamente comprada junto do arguido A.
A referida palha foi utilizada pela arguida para consumir drogas.
Os agentes da PJ dirigiram-se, depois, à residência do arguido C (marido da arguida B, situada no [Endereço (3)], para realizar uma busca. Encontraram na gaveta da secretária no seu quarto de dormir um pacote de embalagem para lenço de papel contendo no interior uma nota de 10 patacas; numa caixa de cor dourada dentro duma caixa de cor preta, três sacos plásticos transparentes; e no bolsinho das calças de ganga penduradas nos ganchos na parte posterior da porta do quarto, uma nota de 20 patacas.
Depois do exame laboratorial, verificou-se que as caixas de papel, o saco para embalagem de lenço de papel, os sacos plásticos transparentes e as notas de 10 e de 20 patacas supracitados continham todos vestígios de “Ketamina”.
Os referidos vestígios foram deixados pelo arguido C ao consumir a droga que tinha comprado junto do arguido A.
No mesmo dia, os agentes da PJ ainda encontraram na posse do arguido A dois telemóveis, três cartões SIM (um destes era de número XXXXXXXX), um caderno de cor vermelha e 1000 patacas (das quais 800 patacas foram pagas pela arguida B pela droga que comprou desta vez); e na posse da arguida B, um telemóvel cujo número é de XXXXXXXX.
Os mencionados telemóveis, cartões SIM e dinheiro são instrumentos de comunicação e o ganho do arguido A na prática do tráfico de drogas. E o telemóvel encontrado na posse da arguida B é instrumento de contacto usado para obter drogas.
Os três arguidos A, B e C agiram de forma livre, voluntária e consciente ao praticarem com dolo as condutas supra referidas.
Os três arguidos conheciam perfeitamente a natureza e as características da droga acima mencionada.
O arguido A comprou, adquiriu, deteve e transportou a referida droga, destinando-a, com excepção duma pequena parte para o seu consumo próprio, principalmente ao fornecimento e à venda a outrem.
A arguida B deteve a palha supramencionada, com o propósito de a utilizar como instrumento de consumo de droga.
A arguida B e o arguido C adquiriram e detiveram a aludida droga para o seu consumo próprio.
Os três arguidos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Mais se provou:
De acordo com os CRCs, os três arguidos não têm antecedente criminal.
O 1º arguido declarou ser guarda policial antes de estar preso preventivamente, auferindo mensalmente mais de MOP$20.000,00 (com índice salarial de 190). Tem a seu cargo a mãe. Tem como habilitação académica o ensino superior.
A 2ª arguida declarou ser funcionária de relações públicas em casino, auferindo mensalmente cerca de MOP$30.000,00. Tem a seu cargo os pais. Tem como habilitação académica o 4º ano do ensino secundário.
O 3º arguido declarou ser operário de decoração e auferir mensalmente MOP$12.000,00. Tem a seu cargo a mãe e um filho. O filho tem como habilitação académica o 4º ano do ensino primário.
  
III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões a apreciar são as atinentes aos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, bem como às questões de direito que se referem à medida da pena e à nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

2. Omissão de pronúncia
Segundo o recorrente o Acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre a comparação entre a pena aplicada ao recorrente e várias penas aplicadas pelos tribunais de Macau para o crime de tráfico de drogas.
O recorrente não tem razão.
Os tribunais de recurso estão obrigados a conhecer das questões que a lei imponha o conhecimento oficioso e aquelas que o recorrente e o recorrido suscitarem, neste último caso, as que respeitem à irrecorribilidade da decisão ou outras atinentes ao não conhecimento do recurso.
Pois bem, a questão que o recorrente suscitou foi a da medida da pena que lhe foi aplicada. A comparação efectuada entre a pena aplicada ao recorrente e várias penas aplicadas pelos tribunais de Macau para o crime de tráfico de drogas foi apenas um dos argumentos utilizados pelo recorrente adentro da questão da medida da pena.
Ora, ainda que o tribunal não aprecie todos os argumentos utilizados pelo recorrente na sua alegação isso não constitui vício da decisão, designadamente por omissão de pronúncia. Porque o que o tribunal está obrigado a apreciar são as questões e não os argumentos para sustentar as questões.
Da mesma forma, este TUI não irá apreciar as penas aplicadas noutros processos, porque é matéria não relevante. Cada caso é um caso diferente, com matéria de facto diversa, com graus de culpa não semelhantes e também com condições pessoais, profissionais e económicas dos arguidos, diversas. Certo que a quantidade de estupefaciente detido ou transaccionado ilicitamente é um elemento relevante na escolha da medida da pena. Mas não é o único.
Para não ir mais longe, em nenhum caso as penas aplicadas noutro processos que o recorrente traz à comparação, se referem a um arguido que é polícia e é, ao mesmo tempo, traficante de droga, como é o caso do recorrente, segundo a matéria de facto apurada e sem prejuízo dos vícios suscitados pelo recorrente, que adiante serão conhecidos.
Logo daí se percebe que não faz nenhum sentido a comparação pretendida pelo recorrente.

3. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Objecto do processo. Recurso do 1.º arguido.
Nos acórdãos de 20 de Março de 2002, no Processo n.º 3/2002, de 9 de Outubro de 2002, no Processo n.º 10/2002, de 24 de Novembro de 2010, no Processo n.º 52/2010, entre muitos, este Tribunal entendeu que ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, “quando a matéria de facto provada, se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.” E que, portanto “não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente a factos não constantes da acusação ou da pronúncia, nem suscitados pela defesa, e de que não resultou fundada suspeita da sua verificação do decurso da audiência, nos termos do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal”.
A tese do recorrente é que o Tribunal não apurou qual a quantidade exacta que ele destinava a consumo e qual a parte que destinava a venda.
Mas, comparando os factos da acusação com os provados em julgamento eles coincidem no que respeita à venda e ao consumo de estupefacientes por parte do arguido. Ora, se o Tribunal investigou tudo quanto havia a investigar não pode haver insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Improcede o vício suscitado.
  
  4. Contradição insanável da fundamentação.
  O vício da contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada.
  A tese do recorrente é a de que há contradição ter-se dado como provado que apenas uma pequena parte do estupefaciente encontrado na sua posse era destinado ao seu consumo, sendo o resto para venda, com o facto de o estupefaciente vendido a Chui Lai Ieng Fernanda constituir apenas 21% da quantidade dos estupefacientes apreendidos nos autos.
  Não há nenhuma contradição. Aliás, já era tempo de os arguidos – representados pelos seus advogados - deixarem de pegar no catálogo dos vícios de sentença passíveis de serem suscitados em recurso e, à força, terem de os alegar sempre todos.
  Segundo a matéria de facto provada, o recorrente detinha 14,047 g e 5,857 g de Ketamina, que em análise quantitativa, correspondiam, respectivamente, a produto com os pesos líquidos de 10,369 g e 4,417 g.
  Destes dois valores, provou-se que o arguido destinava uma pequena parte ao consumo pessoal e o resto, a maior parte, à venda.
  Por outro lado, provou-se ainda que vendeu a B 5,654 g de Ketamina, que em análise quantitativa correspondia a produto com o peso líquido de 4,135 g.
  Ora, se da maior quantidade o arguido destinava a consumo pessoal uma pequena parte e o resto (a maior parte) à venda, e ainda vendeu outra quantidade, é evidente que, da quantidade total, ele ou vendeu ou destinava à venda a maior parte (mais do que metade da quantidade total de produto apreendido na sua posse e na de B). Basta saber um pouco de lógica para se perceber que é assim.
  Não se vislumbra nenhuma contradição.
  
  5. Erro notório na apreciação da prova
Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
  Relativamente a esta alegação, o recorrente ainda é mais confuso. No fundo, o que pretende significar é que só se provou que vendeu 5,654 g de Ketamina, que em análise quantitativa correspondia a produto com o peso líquido de 4,135 g. E que era consumidor.
  Mas não é assim, como já se viu a propósito do precedente vício.
  Não houve qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.
  Improcede a questão suscitada.
  
  6. Medida da pena.
Vem ainda a questão da medida da pena.
Relativamente à pretensão de redução das penas entre os seus limites mínimo e máximo, tem este Tribunal considerado que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 19 de Setembro de 2008 e 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008 e 57/2007).
Atendendo a que a penalidade varia entre 3 e 15 anos de prisão, que o recorrente era polícia ao tempo dos factos, as quantidades de estupefacientes detidas e vendidas ilicitamente e as demais circunstâncias provadas, não se afigura desproporcionada a pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
O recorrente, por outro lado, não alegou qualquer violação de vinculação legal na matéria.
Improcede a questão suscitada.
O recurso é, assim, manifestamente improcedente, impondo-se a sua rejeição.

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeita-se o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC, indo, ainda condenado no pagamento de MOP$2.000,00 a título de rejeição do recurso.
Comunique ao Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 10 de Julho de 2013.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai




1
Processo n.º 29/2013