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Processo nº 654/2011
Data do Acórdão: 05JUL2012


Assuntos:

interdição de entrada
discricionariedade



SUMÁRIO

1. Constitui o vício da falta da fundamentação quando o acto carece de motivação, impedindo a apreensão dos pressupostos de facto e de direito que determina a adopção da decisão nele contida.

2. Na matéria da discricionariedade, o papel do Tribunal limita-se a sindicar as situações do desvio de poder, da total desrazoabilidade no seu exercício e da violação grosseira do princípio da proporcionalidade.


O relator



Lai Kin Hong

Processo nº 654/2011

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que lhe determinou, no âmbito de recurso hierárquico interposto do acto do Senhor Comandante da PSP, a interdição de entrada na RAEM por um período de 5 anos, concluindo e pedindo:

1. A condenação do Recorrente, em 2005, a uma pena de prisão de 2 anos é a causa invocada pelo Acto Recorrido para a sua interdição de entrada na RAEM.
2. O Recorrente foi condenado pela prática do crime de jogo ilícito, designadamente, a exploração de apostas feitas pela internet.
3. De acordo com a legislação vigente, tal actividade é permitida em Macau, ainda que sujeita a licenciamento pelas autoridades próprias.
4. Pelo que, não se possa entender que o crime pelo qual o Recorrente foi condenado cause alarme ou repulsa social.
5. No Acto Recorrido não é mencionado qual o razoável receio ou fundada suspeita que fundamentam a conclusão da Entidade Recorrida, de que o Recorrente possa praticar em Macau o mesmo crime ou outras actividades ilícitas a ele ligadas, uma vez que, não constam quaisquer outros elementos que a sustentem, aparte a condenação deste em 2005.
6. Por outro lado, houvessem sido aqui praticados, os actos pelos quais o Recorrente foi condenado estão sujeitos a punição com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e, por tal, já teriam prescrito em 2009, factos estes que, no entender deste, aduzem à desrazoabilidade da decisão de interditar a sua entrada.
7. Pois é assim violada uma das traves mestras do sistema penal de Macau, que assenta na possibilidade de reabilitar o criminoso para uma vida proveitosa em sociedade.
8. Após ter cumprido a sua pena de prisão, foi autorizada ao Recorrente, por várias vezes, a sua permanência na RAEM, situação de que a Entidade Recorrida tem conhecimento.
9. Nesse período, o ora Recorrente não praticou aqui ou em qualquer outro país e/ou região, qualquer outra infracção - penal ou não.
10. Pelo que, no nosso entender, não existe um perigo efectivo de que, autorizando a sua permanência em Macau, o Recorrente se proponha disponibilizar ou facilitar a actividade de jogo na "rede informática" global ou assistir outros nesse fito, quando pode ele, assim como podem todas as outras pessoas, entreter-se em qualquer dos vários casinos em funcionamento na Região.
11. Pelo que, o Acto Recorrido deve ser integralmente anulado, uma vez que a decisão nele constante constitui vício de violação de lei, derivada da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
12. Por tudo o supra exposto, o Acto Recorrido violou os artigos 3.° (Princípio da legalidade), 4.º (Princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes), 5.º (Princípio da igualdade e da proporcionalidade), 114.º (Dever de fundamentação) e o n.o 2, do artigo 115.° (Requisitos da fundamentação), todos do CPA.
TERMOS EM QUE, por todas as razões acima expostas e em face da violação dos normativos invocados, nomeadamente, os referidos no ponto 12. das conclusões, requer a V. Exa. se digne anular o Acto Recorrido, com base na sua ilegalidade, nos termos das alíneas c) e d), do n.º 1, do artigo 21.º do CPAC e dos artigos 124.° e 130.°, do CPA, por:
(i) vício de forma, dada a falta de fundamentação do Acto Recorrido;
(ii) vício de violação de lei, por se demonstrar uma total desrazoabilidade no exercício de um poder discricionário por parte da Entidade Recorrida; e,
(iii) vício de violação de lei, por o período de interdição fixado no Acto Recorrido não ser proporcional, em face dos factos aqui descritos, dos bens jurídicos a proteger e atento a lesão para a vida do Recorrente.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestando pugnando pela improcedência do recurso.

Tanto o recorrente como a entidade recorrida apresentaram alegações facultativas, reiterando grosso modu as suas posições já assumidas na petição do recurso e na contestação, respectivamente.

O Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* Com base nas informações policiais obtidas pela PSP, nomeadamente junto das autoridades competentes da RPC, veio ao conhecimento da PSP que o cidadão chinês A, ora recorrente, está envolvido nas actividades de jogos ilicitos por via de internet e em 13ABR2005 foi condenado na Cidade de Xanghai pela prática de um crime de jogo ilícito nas penas de prisão de 2 anos e de multa de RMB300.000,00;

* Em 20MAR2011, o recorrente foi interceptado no aeroporto de Macau e notificado para se pronunciar sobre a possível ordem de interdição da sua entrada na RAEM;

* Mediante a peça escrita ora constante das fls. 68 e s.s. do processo instrutor, o ora recorrente pronunciou-se sobre a eventual interdição;

* Por despacho datado de 16MAIO2011 do Senhor Comandante da PSP, foi determinado que ao ora recorrente se aplica a medida de interdição de entrada por um período de 10 anos – vide as fls. 57 e s.s. do processo instrutor;

* Notificado e inconformado com o decidido nesse despacho, veio o recorrente dele interpor recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança; e

* Por despacho datado de 15JUL2011 do Senhor Secretário para a Segurança, foi mantida a medida de interdição mas reduzido o período de interdição para cinco anos.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143), é, de acordo com o alegado no petitório do recurso, de conhecer apenas das seguintes questões postas na presente lide recursória:

1. da falta de fundamentação;
2. da violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da igualdade, da proporcionalidade; e
3. da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários

1. da falta de fundamentação

Imputou o recorrente no artº 19º do petitório do recurso ao despacho ora recorrido a falta de fundamentação “no que diz respeito a decisão de manter a interdição do recorrente, senão mesmo contradição, uma vez que não são concretizadas, nunca, quaisquer razoáveis receios ou fundadas suspeitas a pudessem alicerçar”.

Como se sabe, constitui o vício da falta da fundamentação quando o acto carece de motivação, impedindo a apreensão dos pressupostos de facto e de direito que determina a adopção da decisão nele contida.

Tendo em conta o teor do despacho ora recorrido, não entendemos que o despacho ora recorrido carece da tal motivação.

Pois como se vê no despacho recorrido ora junto aos autos do processo instrutor, o Senhor Secretário concordou com a informação datada de 06JUL2011 elaborada pelo Senhor Comandante da PSP que explicou clara e detalhadamente as circunstâncias que o levaram propor a improcedência do recurso hierárquico, nomeadamente a natureza, a gravidade e as circunstâncias do crime pelo qual foi condenado o recorrente na RPC, que indiciam o perigo da sua presença na RAEM para a ordem e segurança pública, fundamentos esses que foram dados integralmente reproduzidos no seu despacho.

Além disso, concordando embora a necessidade da interdição da entrada, o Senhor Secretário para a Segurança acabou por reduzir o período de suspensão de 10 anos para 5 anos por entender que a interdição por 10 anos é claramente excessiva em face das circunstâncias concretas e dos fins que se pretende alcançar.

Assim, o despacho ora recorrido consiste numa declaração de concordância com a informação elaborada pelo Comandante da PSP no que diz respeito a necessidade da interdição e alterou e fundamentou a redução do período de interdição.

Cremos que um destinatário normal, colocado em face de um despacho de tal teor, se pode aperceber perfeitamente as razões da decisão por forma a ficar habilitado a decidir se se conformar com o decidido por considerar justa e legal ou reagir contra o decidido no caso contrário.

Portanto, obviamente in casu não estamos perante a falta de fundamentação, muito menos a falta “evidente” como assim alegou o recorrente.

2. da desrazoabilidade no exercício de poder discricionário e da desproporcionalidade

O recorrente imputa ao despacho recorrido a desrazoabilidade no exercício de poder discricionário e a desproporcionalidade do quantum da medida.

Atento ao preceituado no artº 4º da Lei nº 4/2003 e no artº 12º/3 da Lei nº 6/2004, a Administração tem o poder discricionário de recusar a entrada de não residentes já anteriormente condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM e no exterior, se no caso concreto concluir pela existência do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.

Assim, ao conferir à Administração essa ampla discricionariedade, a intenção do legislador é evidentemente procurar proteger a ordem e segurança interna da RAEM e para esse fim deixar à Administração o poder de valorar em cada um dos casos concretos se a presença de um não residente com antecedentes criminais de certa gravidade é ou não susceptível de perturbar a ordem e segurança interna.

Como se sabe, na matéria da discricionariedade, o papel do Tribunal limita-se a sindicar as situações do desvio de poder, da total desrazoabilidade no seu exercício e da violação grosseira do princípio da proporcionalidade.

In casu, tal como vimos supra, a entidade recorrida justificou a necessidade da interdição de entrada do ora recorrente com fundamento na condenação criminal na RPC e no envolvimento, fortemente indiciado por informações policiais, do recorrente nas actividades de jogos ilícitos por via de internet e concluiu que a presença do recorrente na RAEM é susceptível de perturbar a ordem e segurança interna da RAEM.

Atento ao grau da necessidade de assegurar a ordem e segurança interna da RAEM tendo em conta a natureza e a gravidade das actividades de jogos ilícitos em que se encontra indiciariamente envolvido o recorrente, não cremos que seja exagerada a interdição de entrada do recorrente.

Não se vê portanto em que medida pode ser desrazoável o uso desse poder discricionário pela entidade recorrida.

E atendendo às razões de facto invocados no despacho recorrido, nomeadamente as informações policiais que indiciam a continuação do envolvimento do recorrente nas actividades de jogos ilícitos por via internet, não nos parece grosseiramente excessivo o período de interdição fixado em cinco anos.

Improcede o recurso nesta parte.

2. da violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da igualdade

Da leitura quer da motivação quer da conclusão do recurso resulta que o recorrente se limitou a alegar vagamente a violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes e da igualdade, sem qualquer alegação pertinente consubstanciadora e caracterizadora de forma como estes princípios foram violados, o que torna tal alegação inócua.

De facto, a medida de interdição em causa foi tomada com base nas informações policiais, nomeadamente a condenação do recorrente na RPC e o seu envolvimento nas actividades de jogos ilícitos por via de internet e com fundamento legal no artº 4º/2-2) da Lei nº 4/2003 e no artº 12º/2-1), 3 e 4 da Lei nº 6/2004.

Reza o artº 4º da Lei nº 4/2003 que:
Recusa de entrada
1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Terem sido expulsos, nos termos legais;
2) A sua entrada, permanência ou trânsito estar proibida por virtude de instrumento de direito internacional aplicável na RAEM;
3) Estarem interditos de entrar na RAEM, nos termos legais.
2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
3. A competência para a recusa de entrada é do Chefe do Executivo, sendo delegável.
Por sua vez o artº 12ºda Lei nº 6/2004 preceitua que:
Interdição de entrada
1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei nº 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo;
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam
Estando a situação concreta perfeitamente enquadrável naquelas normas expressamente citadas no despacho recorrido, não se percebe em que poderá consiste a alegada violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos residentes e da igualdade.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa de justiça fixada em 10UC.

Registe e notifique.

RAEM, 05JUL2012
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan Estive presentes
João A. G. Gil de Oliveira Mai Man Ieng

654/2011-1