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Processo nº 508/2010
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 20 de Setembro de 2012

ASSUNTO:
- Princípio da proporcionalidade
SUMÁRIO:
- Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
- Viola o princípio da proporcionalidade a decisão de interdição da entrada por um prazo de 10 anos para um indivíduo apontado como membro da seita com antecedentes criminais apenas em Hong Kong, com fundamento na necessidade da protecção da segurança e ordem pública interna em termos genéricos sem outros elementos adicionais relevantes e que na prática se traduz numa renovação do primeiro acto inibidor através do qual já tinha sido aplicada ao mesmo indivíduo uma medida de interdição de entrada de 10 anos.
- Se se permitisse esta forma de actuação da Administração (prolonga-se o prazo de interdição através dos sucessivos actos de revogação e substituição dos actos inibidores anteriores), isto significaria admitir a possibilidade de converter uma interdição de entrada com prazo limitado em ilimitado, o que é ilegal caso não haja fundamentos suficientes que o justifiquem.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 508/2010
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 20 de Setembro de 2012
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

  I – Relatório
  A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 20/04/2010, que negou provimento ao seu recurso hierárquico necessário, mantendo a decisão da interdição de entrada, concluíndo que:
I. O objecto do presente recurso centra-se assim no acto nulo perpetuado em 10/1/1997, o qual veio sendo continuado ao longo dos anos, através de sucessivos actos consequentes, levados a cabo para corrigir o acto inicial, culminando em 20/4/2010 com a parte em falta desde o princípio, ou seja, a fixação do período de interdição de entrada de 10 anos, procurando-se assim suprir uma deficiência com 13 anos de atraso...
II. Uma vez que o despacho de concordância, exarado em 10/1/1997, determinava algo inconclusivo, ou seja, não decidia o período temporal de interdição, pelo que padecia de inintelegibilidade e de falta parcial de objecto, em claro desrespeito do estabelecido no nº 1 e no nº 2 , al. c), do art° 122° do CPA;
III. Nulidade que é invocável a todo o tempo pelo Recorrente, o que determina a tempestividade do presente recurso, bem como a declaração da respectiva invalidade a todo o tempo por esse Meretíssimo Tribunal, nos termos do n° 2 do artigo 123° do CPA, a qual se reitera;
IV. Invalidades que têm sido mantidas ao longo dos últimos anos por quem de direito, mormente a partir de 9/7/2008, quando o Recorrente tentou reentar em Macau, tendo então sido notificado da recusa de entrada nos termos do art° 12°, nº 1 da Lei n° 64/2004, de 23 de Agosto;
V. Notificação essa que mencionava a existência de um Despacho de 10/1/2007 e de uma Informação de 7/1/2007, os quais não constavam do respectivo processo administrativo;
VI. Em 8/8/2008 o Recorrente interpôs o primeiro Recurso Hierárquico Necessário para o Exmo Sr. Secretário para a Segurança, apontando as múltiplas ilegalidades constantes do referido processo, como seja a inexistência de um despacho datado de 7/1/2007, em clara violação do preceituado no art° 70°, al. a) e art° 139°,no 2, todos do CPA, pelo que a notificação de 9/7/2008 era inválida e configurava também um caso de falsidade;
VII. Inexistindo assim um despacho de interdição ou de expulsão, não pode essa medida produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica do Recorrente;
VIII. Inexistência que determina assim a nulidade da ordem de recusa de entrada de 9/7/2008, nos termos consentidos pelo art° 122° nº 1, 1ª parte do CPA ou anulável, de acordo como art° 124° do CPA;
IX. A não existência do acto decisório constitui uma clara violação do art° 138°, nº 1, pelo que é também causa de invalidade, seja por vício de nulidade, seja por anulabilidade;
X. Como o que nasce torto tarde ou nunca se endireita, como ressalta de todo este processo, a referida notificação de 9/7/2008 foi levada a cabo sem que tivesse ocorrido uma delegação de competência por parte de Sua Excelência o Chefe do Executivo, conforme determinam os artigos 8° e 9° da Lei nº 6/2004, de 23 de Agosto e o art° 4°, nº 3, da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, pelo que ao rol de ilegalidades acima enunciadas, se junta agora o vício de incompetência;
XI. Notificação que, na linha do que vem defendendo o Recorrente, confessa, mais de uma vez, que este já se encontrava interditado de entrar na RAEM por tempo ilimitado;
XII. Ora, como a nossa lei não permite a interdição vitalícia, antes exige que esta seja efectivada por um determinado período temporal, conforme decorre do art° 2, nº 1, al. 3), do art° 10°, nº 1 e do art° 12°, nº 1 da Lei nº 6/2004, de 23 de Agosto, o que, mais uma vez, fere de invalidade a mencionada notificação, na linha do que caracteriza todo este processo administrativo;
XIII. Assentando assim a referida notificação num acto administrativo inexistente, in casu, um despacho do Chefe do Executivo delegando poderes;
XIV. Representando o presente processo um excelente exemplo da prática sucessiva de actos consequentes, ou seja, de "actos que foram produzidos ou dotados de certo conteúdo, por se suporem válidos actos anteriores que lhes servem de causa, base ou pressuposto", como vem ensinando o Prof. Freitas do Amaral;
XV. Actos consequentes consubstanciados em várias tentativas, num total de 8 (oito) tentativas de conversão do acto inicial todas votadas ao fracasso...
XVI. Desde logo a notificação de 8/8/2008 que reconhece ter a notificação de interdição feita em 9/7/2008 resultado de erro administrativo, pelo que se dá a mesma sem efeito;
XVII. Não tendo a entidade recorrida tido coragem de, em face da sua explícita revogação da decisão de recusa de entrada vitalícia, uma vez que a fixação do período limitado de 10 anos resultara de erro administrativo, proceder à devida declaração de nulidade de todo o processado e, em conformidade, actualizado os ficheiros do Serviço de Migração, passando a permitir a entrada do Recorrente em Macau;
XVIII. Voltando a entidade responsável à carga, mediante novo despacho de interdição por dez anos, exarado em 21/8/2008, naquilo que poderíamos catalogar como a segunda tentativa para "endireitar" o presente processo;
XIX. Notíticação que foi repetida em 23/9/2008, dando corpo à terceira tentiva para "endireitar" este processo;
XX. Sem que o Recorrente tivesse sido notificado pessoalmente desse despacho de interdição, a sua mandatário, por cautela, interpôs em 22/10/2008, o segundo Recurso Hierárquico Necessário;
XXI. Em face da falta de resposta do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, seis meses depois (em 22/5/2009), a mandatária do Recorrente requereu ser informada sobre o estado do processo;
XXII. Em 1/6/2009, a mandatária do Recorrente é notificada do despacho de 7/11/2008 e informada que se abriu um novo prazo, ou que se estava perante a quarta tentativa para se "endireitar" este malfadado processo....
XXIII. Em face desse desenvolvimento, o Requerente, por intermédio da sua mandatária pede a consulta do processo em 22/6/2009, deferida em 23/6/2009, que lhe permite em 1/7/2009 apresentar o terceiro Recurso Hierárquico Necessário;
XXIV. Esforço debalde, porquanto em 5/10/2009 teve necessidade de requerer para ser informada sobre o andamento do processo em face do silêncio, por quem de direito, o qual se compreende, face às sucessivas e qritantes falhas administrativas...
XXV. Confome decorre de reconhecimento por parte do Corpo de Polícia do Segurança Pública que, em 12/10/2009, notificava novamente o Recorrente, admitindo que tinha preterido mais uma formalidade legal, in casu, a realização da audiência escrita, na linha do que vinha fazendo desde 10/1/1997...
XXVI. O que representará a quinta tentativa desse entidade para "endireitar" tão torto processo....
XXVII. Em 27/10/2009, o Recorrente apresenta as suas alegações por escrito, mas a novela não tinha ainda terminado, porquanto o referido Corpo de Polícia de Segurança Pública em 5/1/2009, constatou que não havia mostrado a informação actualizada sobre o Recorrente, dando assim lugar à sexta tentativa para "endireitar" o presente caso...
XXVIII. O que leva a que o Recorrente em 24/11/2009 apresentasse novas alegações por escrito;
XXIX. O festival de actos consequentes continua com a notificação de 12/1/2010, que remete o despacho de 21/12/2009, o qual determina a aplicação da medida de interdição por 10 anos, a qual chega com 12 anos de atraso;
XXX. Notificação original que refere um despacho de interdição exarado em 21/12/2009, mas cujo ofício começa a contar a interdição de 10 anos em 21/8/2008 até 20/8/2018, ou seja, a medida ter-se-á iniciado quatro meses antes do referido despacho ter sido exarado...
XXXI. Originalidade que ilustra bem a sétima tentiva de "endireitar" o que teimava em não encarreirar, demonstrativo da desorientação dessa entidade...
XXXII. Decisão que se fundamentaria na manutenção da ligação do Recorrente a uma associação do tipo criminosa, assente em informações actualizadas;
XXXIII. Em 24/2/2010 o Recorrente interpôs, mais uma vez, pela quarta vez, um Recurso Hierárquico Necessário, o qual, por uma questão de economia processual se considera, para os devidos efeitos, reproduzido na íntegra;
XXXIV. FÊ-LO NA CONVICÇÃO QUE O EXMO. SENHOR SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA NÃO PERDERIA A OPORTUNIDADE DE TOMAR EM MÃOS A TAREFA DE "ENDIREITAR" ESTE MALFADADO PROCESSO!!!
XXXV. Surpreendentemente o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM deciciu-se pela manutenção da medida de interdição, confessando igualmente que esta era vitalícia ou ilimitada, limitando-se a converter a mesma para 10 anos, não ignorando que a mesma já se havia iniciado em 18/2/1997 e se prciongaría até 20/8/2018, o que a acontecer perfaz cerca de 21 anos de interdição injusa de entrada em Macau!
XXXVI. Dando assim continuidade a uma tragédia administrativa, que já dura há mais de 13 anos e 5 meses, com manifesto e óbvio prejuízo para o Recorrente...
XXXVII. Com a consumação do acto consequente de fixação da medida de interdição o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança da RAEM, fez tábua rasa do princípio da igualdade consagrado no artº 25º da Lei Básica da RAEM, aplicável nos termos do art° 43° da nossa lei fundamental e do artº 5° do CPA, bem como do princípio da legalidade plasmado no nº 1 do artº 3° do CPA;
XXXVIII. O seu contributo, perdoe-se-nos a honestidade intelectual, consubstancia a oitava tentativa para "endireitar" este processo, culminando assim uma série de actos consequentes levados a cabo desde os idos de 1997...
XXXIX. Pois o seu despacho de concordância com o despacho e a Informação do Comandante do CPSP, exardo em 20/4/2010, reconhece mais uma vez que em 1997 não se "..estipulave o período de interdição", confissão de qual esse Merestíssimo Tribunal terá de extrair todas as consequências legais, cujo pedido que se reitera;
XL. Porquanto a prática ou sentido deste último acto é determinado pelo acto de 1997, pelo que não pode deixar de comungar do destino do primeiro e, por isso, deve desaparecer com esse!
XLI. Ou seja, consubstancia uma conversão do período ilegal ilimitado paro o limite máximo de 10 anos, mantendo todos os vícios denunciados no Recurso Hierárquico Necessario apresentado tempestivamente, como seja:
• dever de fundamentação, por não nomear a associação criminosa a que o Recorente pertence;
• indicação de orgão e termos subdelegantes;
• violação do princípio da proporcionalidade;
• revogação do despacho de interdição vitalício exarado em 10/1/1997 que é nulo por falta de fixação desse período, em claro desrespeito das regras de revogação dos actos administrativos;
• a proceder consuma uma interdição de entrada em Macau de mais de 20 anos;
• o que legitima o pedido de revogação do dito despacho, bem substancia como a nulidade do despacho de idos de 1997.
XLII. A posição do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM é insustentavel a vários níveis;
XLIII. Desde logo porque a informação constante dos autos é muito fraca e vem na linha da que já se encontrava registado em 1997, ou seja, a polícia congénere de Hong Kong indiciava o Recorrente como membro de associação secreta, mas essa suspeita não é equivalente a ser membro desta, uma vez que este nunca foi condenado nesse contexto;
XLIV. Está impedido de entrar em Macau há mais de 13 anos por causa desse anátema de suspeição, sem se indicar qual a associação criminosa a que pertence no último despacho;
XLV. A al. d) do nº 1 do art° 113º do CPA determina que o autor do acto administrativo enuncie sempre os factos ou actos que lhe deram origem, porque estes devem ser à partida relevantes, o que não ocorreu no presente caso, porque tudo assenta numa mera suspeição, numa menção genérica, sem nada de concreto...
XLVI. Nessa linha o legislador aprovou também a al. a) do nº 1 do art° 114° do mesmo código;
XLVII. O que coloca o ultimo despacho na alçada do nº 2 do art° 115° do CPA dada a sua falta de fundamentação decorrente da manifesta insuficiência dos fundamentos do Exmo. Sr. Secretario para a Segurança da RAEM;
XLVIII. Persiste a falta de delegação de poderes conforme determina o art° 113º do CPA, na linha do consagrado nos art°s 8° e 9° da Lei nº 6/2009 e art° 4°, nº 3 da Lei nº 4/2003, padecendo por isso do vício de violação de lei, por incumprimento da al b) do nº 1 do art° 113° do CPA, devendo por isso ser anulado de acordo com o preceituado no art° 124° do CPA.
XLIX. A pretensa "renovação" do despacho de interdição por 10 anos, confirma mais uma vez a confissão da existência prévia de uma interdição vitalícia e representa uma demonstração do excesso decisório na fixação da referida medida de íntercnção e.n clara violação do principio da proporcionalidade, plasmado no art° 18° e 33° da Lei nº 6/97/M e no artº 12° nº 4 da Lei nº 6/2004;
L. Não podendo deixar de se fazer o paralelismo entre a actuação dos Magistrados Judiciais e a da entidade recorrida, uma vez que ambos habitam o mesmo sistema legal e, por isso, devem pautar a sua actuação no respeito pelos mesmos princípios de legalidade e de igualdade, consagrados na Lei Básica e em múltiplos diplomas legais da RAEM!
LI. Não pode a decisão do presente caso escudar-se no subterfúgio de "decisão nova e autónoma", pois volta a referir o despacho de 10/1/1997, mas é como se este não existisse na esfera jurídica do Recorrente, para depois se apegar no argumento de se estar perante uma decisão nova, fundamentada em actos actualizados;
LII. Mas a velha questão permanece, por muito que custe ao Exmo. Senhor Secretário para a Segurança - a falta de determinação da medida de interdição de entrada, que aguardava fixação desde 10/1/1997!
LIII. Não há forma desta entidade olvidar o despacho vitalício de 10/1/1997, como se este nunca tivesse existido!
LIV. Todos os intrumentos legais aplicáveis a esta situação de interdição são unânimes em determinar a fixação de um período temporal de interdição!
LV. Com a salvaguarda de ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam ... o que foi ignorado por completo no presente caso!
LVI. Não pode a entidade administrativa, com o último despacho, descartar a anterior medida vitalícia, a qual continua a padecer de ininteligibilidade e de falta parcial de objecto e, por isso é nula e invocável a todo o tempo!
LVII. Se assim não fosse, por certo o Corpo de Polícia de Segurança Pública não teria perdido tanto tempo em busca do acto administrativo perfeito, que lhe permitisse "emendar" a mão, de modo a apagar o seu lapso de 1997, o que, refira-se a propósito, não logrou atingir;
LVIII. O último despacho de 20/4/2010, mais não é do que um acto consequente do acto de 1997, cuja prática ou sentido decorre do referido acto de 10/1/1997 e, representa assim mais uma tentativa desesperada de revogação encapotada de um acto nulo, expressamente proibida pela al. a) do n° 1 do art° 128° do CPA, ou melhor, da sua conversão, também expressamente proibida pelo nº 1 do art° 126° do CPA;
LIX. Ao invés do conveniente argumento de se tratar de uma "decisão nova" o qual não procede em face da comprovada existência de actos consequentes, praticados ou dotados de certo conteúdo, in casu, de período temporal de interdição, em virtude da pratica de acto anterior que havia determinado uma interdição vitalícia ou ilimitada!
LX. Quando o normal seria a entidade recorrida ter reconhecido o seu erro, fruto da inépcia dos seus serviços, nos idos de 1997 e ter tido a coragem de proferir a declaração de nulidade do despacho de 10/1/1997 como se impunha,
LXI. em vez de procurar através da prática de uma multiplicidade de actos consequentes, todos norteados pelo propósito de continuar a negar os mais elementares direitos ao Recorrente, o qual sofre há mais de 13 anos os efeitos de tão gritante ilegadidade ...
LXII. Não estamos perante uma "decisão nova e autónoma", porquanto a definição legal e doutrinária de acto administrativo, assenta numa medida ou prescrição, uma decisão assente em determinação ou resolução de um assunto, que no caso concreto todos sabemos desde o princípio se tratar da fixação da medida de interdição por um período temporal, uma vez que em Macau nunca foi consagrada a medida de interdição vitalícia ou ilimitada.
LXIII. Decisão em falta que apenas foi proferida ao fim de 13 anos, completando-se assim o acto iniciado em 10/1/1997, que aguardava pela fixação da medida de interdição como fora então proposto superiormente, o que se relembra "Face ao exposto, proponho que o mesmo seja proibido de entrada a este Território por um periodo a determinar superiomente" - cfr. doc. 2.
LXIV. Caso assim não se entenda, o que se refere por mera cautela de patrocínio, a decisão do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança da RAEM assenta em pretensas "informações actualizadas" que não passam de meros indícios, tal como já sucedia em 1997;
LXV. Despacho exarado em 20/4/2010 que constituirá o objecto do presente recurso, o qual é tempestivo porque apresentado dentro do prazo fixado pela al. a) do nº 2 do art° 25° do CPA;
LXVI. Ora, esses indicos deveriam assentar em provas inequívocas!
LXVII. Sucede que o despacho recorrido não apresenta nenhum facto que confirme que o Recorrente esteja ligado ou pertença a uma associação desse tipo;
LXVIII. Inexistem assim fundamentos para a tomada dessa decisão de interdição de entrada;
LXIX. A invocação do art° 33° nº 1 al. b) da Lei nº 6/97/M, de 30 de Julho é matéria sindicável dos Tribunais e não da Polícia;
LXX. Sem a indicação de factos devidamente comprovados nem mesmo um Tribunal poderá avaliar da alegada existência de indícios comprometedores;
LXXI. Ou seja, no presente caso inexistem factos, logo inexistem indícios sob o ponto de vista processual;
LXXII. Pelo que o despacho recorrido não cumpre o requisito estabelecido no referido art° 33° n° 1 al. b) da Lei nº 6/97/M, padecendo assim do vício de violação de lei, sendo por isso anulável, de acordo com o art° 124° do CPA;
LXXIII. Concorre para este entendimento o facto de o Corpo de Polícia de Segurança Pública não ter prendido preventivamente o Recorrente, não ter dado conhecimento do facto ao Ministério Público para agir penalmente contra este, com a abertura do devido Inquérito Crime, não ter sido este presente a um JIC, ou mesmo, entregue o suspeito à RAEHK para ser julgado por esse crime;
LXXIV. Omissões que nos permitem concluir que o mesmo não é suspeito de crime nenhum, muito menos de pertença ou de ligação a uma associação criminosa do tipo secreto, no que resulta a revogação da referida decisão, por padecer de erro nos pressupostos de facto;
LXXV. Actuação por parta ce quem de direito que culmina numa decisão desproporcionada em claro desrespeito pelo preceituado no nº 4 do artº 12° da Lei nº 6/2004;
LXXVI. Como o Recorrente nunca foi condenado por pertencer a uma associação desse tipo acaba por ser "condenado" em 10 anos, como se de um verdadeiro arguido se tratasse, o que determina a anulação desse despacho nos termos do artº 124º do CPA;
LXXVII. Sujeitando-se assim o Recorrente a uma medida de interdição que já vai em 23 anos, numa clara violação do disposto na al. l) do nº 1 do artº 18º do mencionada Lei nº 6/97/M o que conduz também à inevitável anulação desse acto da entidade recorrida por aplicação do artº 124º do CPA.
*
Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 149 a 158 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Não foram apresentadas alegações facultativas.
*
O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso.
*
Por acórdão de 01/12/2011, este Tribunal julgou o recurso procedente e anulou o acto recorrido.
Dessa decisão veio recorrer a entidade recorrida para o Tribunal de Última Instância e este, por acórdão de 04/07/2012, julgou procedente o recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido e determinando a baixa dos autos para conhecer das restantes questões suscitadas pelo recorrente em sede do recurso contencioso, cujo conhecimento foi considerado prejudicado no acórdão recorrido/revogado.
*
II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., fica assente a seguinte factualidade:
- Por despacho do Comandante da PSP, de 10/01/1997, foi determinada a interdição da entrada do recorrente por tempo indeterminado, com fundamento de que o recorrente “tem registo criminal em Hong Kong desde 1987 e é Lanterna Azul (soldado) da seita XXX” (fls. 171 do P.A.).
- Na altura, o recorrente tinha o seguinte registo criminal em Hong Kong (fls. 185 do P.A.):
* 1987, dois crimes de furto, regime educativo de 2 anos;
* 1992, furto de veículo, regime educativo de 1 ano; e
* 1993, furto, pena de multa de HKD$2.000,00 e pena de prisão de 3 meses, com suspensão de 18 meses.
- Além disso, era considerado como membro da seita XXX de Hong Kong.
- Em 18/02/1997, o recorrente foi notificado do despacho supra.
- Em 21/08/2008, o Comandante da PSP decidiu interditar a entrada do recorrente na RAEM por um período de 10 anos, a contar a partir da notificação da decisão (fls. 117 e 118 do P.A.).
- Em 23/09/2008, o recorrente foi notificado da decisão supra.
- Inconformado com a decisão da interdição da entrada, em 22/10/2008, o recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário junto ao Sr. Secretário para a Segurança.
- Em 07/11/2008, o Comandante da PSP proferiu a nova decisão de interdição, que substituiu a de 21/08/2008 (fls. 93 e 94 do P.A.).
- Por ofício datado de 17/11/2008, dirigido ao endereço de Hong Kong declarado pelo recorrente, a PSP procedeu-se à notificação pessoal da decisão supra ao mesmo (fls. 92 do P.A.).
- Em 01/06/2009, na sequência do pedido de informação do andamento do recurso hierárquico necessário acima referido pela mandatária do recorrente, a PSP informou à mesma a existência da nova decisão de interdição que substituiu da anterior, inutilizando assim o recurso hierárquico necessário em referência, bem como concedeu o novo prazo para efeitos de impugnação (fls. 73 do P.A.).
- Em 01/07/2009, o recorrente interpôs o novo recurso hierárquico necessário contra a decisão de interdição de 07/11/2008.
- Em 24/09/2009, o Sr. Secretário para a Segurança, no âmbito do recurso hierárquico necessário interposto, determinou a remessa do processo à PSP para completar a fundamentação.
- Em 21/12/2009, o Comandante da PSP proferiu a nova decisão de interdição da entrada por um período de 10 anos, a contar desde 20/08/2008, com o fundamento de que o recorrente é membro da associação criminosa, facto esse confirmado e demonstrado por informações actualizadas (fls. 42 do P.A.).
- As informações actualizadas relativos aos antecedentes criminais do recorrente são as seguintes (fls. 95 e 96 do P.A.):
* 16/02/1987, dois crimes de furto, regime educativo de 2 anos;
* 12/10/1992, furto de veículo, regime educativo de 1 ano;
* 05/11/1993, furto, pena de multa de HKD$2.000,00 e pena de prisão de 3 meses, com suspensão de 18 meses; e
* 29/07/1998, furto, pena de prisão de 3 meses.
- Além disso, é considerado como membro da seita XXX de Hong Kong.
- Por oficíos datados de 12/01/2010, a PSP procedeu-se à notificação da nova decisão de interdição ao recorrente e à sua mandatária (fls. 27 e 28 do P.A.).
- Em 24/02/2010, o recorrente interpôs novo recurso hierárquico necessário contra a referida decisão de interdição.
- Em 07/04/2010, o Comandante da PSP elaborou informação constante a fls. 32 a 35 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Por despacho de 20/04/2010, cujo teor consta a fls. 31 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Sr. Secretário para a Segurança negou provimento ao recurso hierárquico interposto, confirmando a decisão recorrida.
*
III – Fundamentos
Imputa o recorrente ao acto recorrido os seguinte vícios:
- falta de fundamentação;
- falta de menção expressa da delegação de poderes;
- violação da lei
- erro no pressuposto de facto; e
- violação do princípio da proporcionalidade.
Os três primeiros já foram apreciados no acórdão recorrido/revogado, pelo que resta apenas apreciar os dois últimos.
Em relação ao alegado erro no pressuposto de facto, o Acórdão do TUI determinou, de forma expressa e clara, que a informação oferecida pela entidade policial de Hong Kong em 5/11/2008 que aponta o ora recorrente como membro da seita é “uma informação actualizada” e “credível para o efeito de determinar a interdição da entrada”.
Nesta conformidade e sem necessidade de mais delongas, é de concluir pela improcedência deste argumento do recurso, ou seja, não se verifica o alegado vício de erro no pressuposto de facto.
   No que respeita à alegada violação do princípio da proporcionalidade da medida de interdição no prazo máximo de 10 anos, cumpre dizer que nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
   É este o chamado princípio da proporcionalidade.
   A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.1
Não temos qualquer dúvida de que a interdição da entrada do recorrente visa salvaguardar a segurança e ordem interna da RAEM, já que sendo o recorrente membro da seita, a sua presença na RAEM pode pôr em causa a segurança e ordem interna.
Nesta conformidade, não se verifica algum desvio do poder.
Será que o prazo de 10 anos, que é o prazo máximo de interdição (a existência do prazo máximo da interdição é aceite pelo TUI – cfr. pág. 17 do Acórdão, quer versão chinesa quer portuguesa, fls. 250 versão chinesa e fls. 259 portuguesa), uma medida necessária, adequada e equilibrada?
Como é sabido, a Administração goza de poderes discricionários na determinação do prazo concreto da interdição, cujo exercício só está sujeito ao controlo judicial nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade, ou desvio do poder.
No caso em apreço, sabemos que:
1- Segundo a informação policial de Hong Kong de 1997 e 2008, o recorrente é membro da seita;
2- Tem os seguintes registos criminais em Hong Kong:
* 1987, dois crimes de furto, regime educativo de 2 anos;
* 1992, furto de veículo, regime educativo de 1 ano; e
* 1993, furto, pena de multa de HKD$2.000,00 e pena de prisão de 3 meses, com suspensão de 18 meses.
3- Na informação de 1997, apontava o recorrente como Lanterna Azul (soldado) da seita, ao passo que na informação de 2008, deixou de mencionar a função desempenhada pelo recorrente na seita; e
4- O recorrente ficou interdito de entrar Macau desde 18/02/1997 e com o acto ora recorrido, o prazo de interdição prolonga-se até 20/08/2018.
À data do acto recorrido, isto é em 20/04/2010, o recorrente encontra-se interdito de entrar para Macau há mais de 13 anos.
Com o acto ora recorrido, o prazo da interdição só termina em 20/08/2018, ou seja, o recorrente, na prática, fica interdito de entrar na RAEM por um período total de 21 anos e 6 meses, que é mais de dobro do prazo máximo legalmente fixado.
É justamente este quadro fáctico que nos leva a entender que a decisão de um prazo de 10 anos de interdição à data do acto recorrido, sem considerar e ponderar o tempo de interdição de entrada já sofrido pelo recorrente, violou o princípio da proporcionalidade.
A título comparativo, citamos dois casos julgados pelo TUI.
No âmbito do Recurso nº 6/2000, o TUI,por Acórdão de 27/04/2000, decidiu que a medida de interdição de entrada por um período de 3 anos é excessivo e desproporcional para um indivíduo residente de Hong Kong que tinha sido condenado por posse de drogas perigosas em Hong Kong em 1984 e 1997, respectivamente, nas multas de HKD$1.000,00, HK$2.000,00, por entender que “proibir a entrada em Macau a um cidadão de Hong Kong pelo período de três anos, que tinha cometido apenas pequenos delitos criminais, com fundamento na ameaça para a ordem pública e segurança de Macau, está a contrariar manifestamente o equilíbrio entre os interesses prejudicados e o fim a prosseguir e a adequação entre o meio e o fim, exigidos pelo princípio da proporcionalidade. A interdição da entrada em Macau de um não residente implica a limitação da sua liberdade de entrada. De acordo com os factos provados, as situações do recorrido não são de tal medida que constitui ameaça para a ordem pública e segurança de Macau. No âmbito do presente caso concreto, é evidente que os direitos do recorrido foram limitados inadequadamente em comparação com o fim de proteger a segurança pública de Macau quando foi interditada a entrada em Macau com esses fundamentos”.
No âmbito do Recurso nº 21/2004, por Acórdão de 14/07/2004, julgou que não é excessivo nem desproporcional a medida de interdição de entrada por um período de 3 anos para um indivíduo residente em Hong Kong, apontado pela autoridade policial de Hong Kong como membro da seita, e que em 1996, chegou a ser condenado por "common assault" e "possession of dangerous drugs", em 12 (doze) meses de "on probation", em função da necessidade de assegurar a segurança e ordem pública interna.
Repare-se neste último caso citado, a situação é algo semelhante ao do ora recorrente, pois, ambos são residentes em Hong Kong, onde têm antecedentes criminais e são apontados como membros da seita.
Naquele caso, o prazo da interdição foi apenas de 3 anos ao passo que no caso sub justice é de 10 anos; se somar ao tempo decorrido desde o primeiro acto inibidor, o prazo real da interdição de entrada do ora recorrente é superior a 21 anos e 6 meses, que, como acima já referimos, corresponde a mais do dobro do prazo máximo legalmente fixado.
Os elementos constantes da fundamentação do acto ora recorrido – ser o recorrente membro da seita com antecedentes criminais apenas em Hong Kong e a necessidade da protecção da segurança e ordem pública interna em termos genéricos sem outros elementos adicionais relevantes – não justificam uma opção de interdição de entrada por um prazo tão longo e que na prática se traduz numa renovação do primeiro acto inibidor através do qual já tinha sido aplicada ao recorrente uma medida de interdição de entrada de 10 anos.
Se se permitisse esta forma de actuação da Administração (prolonga-se o prazo de interdição através dos sucessivos actos de revogação e substituição dos actos inibidores anteriores), isto significaria admitir a possibilidade de converter uma interdição de entrada com prazo limitado em ilimitado, o que é ilegal caso não haja fundamentos suficientes que o justifiquem.
Pelo exposto, é de concluir pela procedência do presente recurso contencioso por o acto recorrido violar o princípio da proporcionalidade.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido por violar o princípio da proporcionalidade.
*
Sem custas, por a entidade recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 20 de Setembro de 2012.

Ho Wai Neng Presente
José Cândido de Pinho Vitor Coelho
Lai Kin Hong (Vencido nos termos da declaração que se junta)

Processo nº 508/2010
Declaração de voto

Ao contrário do que defende o Acórdão antecedente, entendo que a qualidade de ser membro superior de uma seita e os antecedentes criminais do recorrente em Hong Kong são suficientes para justificar a interdição da sua entrada na RAEM por 10 anos, pois essa medida tem sempre por fundamento o previsível perigo que a presença de um não residente na RAEM poderá causar à segurança e ordem públicas da RAEM e justifica-se enquanto permanece o tal perigo, não se sujeitando a qualquer limite temporal, por não se tratar de uma pena, mas sim uma medida a tomar face ao perigo, existente ou previsível, cuja duração igualmente não está sujeita a qualquer limite temporal.

Eis as razões que me levaram a não subscrever o decidido no Acórdão antecedente.

RAEM, 20SET 2012

O juiz adjunto,

Lai Kin Hong

1 Cfr. David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996, 319 a 325.
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508/2010