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Proc. nº 396/2012
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Setembro de 2012
Descritores:
-Nulidade de sentença
-Contrato a favor de terceiro


SUMÁRIO:

I- A oposição a que se refere o nº1, al. c), do art. 571º do CPC implica que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto daquele que foi alcançado. Ou seja, a nulidade só se dá quando se detecta um vício de raciocínio que deveria ter conduzido a uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor.
II- A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.






Processo nº 396/2012
(Recurso Cível e Laboral)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório
A, de nacionalidade filipina, com os demais sinais dos autos, intentou no TJB contra Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, acção de processo comum laboral pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a importância de Mop$253.764,50, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
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Na contestação, a ré pediu a intervenção provocada de “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Ldª ”, empresa fornecedora de mão-de-obra não residente, mas o respectivo pedido foi indeferido por despacho de fls. 181/182 dos autos.
Deduzida havia sido ainda pela ré a excepção de preterição do tribunal arbitral, que do mesmo modo fora julgada improcedente no despacho saneador de fls. 186 e sgs.
Não houve recurso do despacho saneador.
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Em audiência de discussão e julgamento foi pedida pela ré a ampliação da base instrutória de modo que fossem nela incluído alguns factos. Da decisão que indeferiu a pretensão, foi interposto recurso, em cujas alegações a ré formulou as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de audiência de julgamento e que indeferiu o requerimento na mesma sede apresentado pela Ré para aditar à base instrutória novos quesitos.
II. Entendeu o douto Tribunal a quo que, a Ré pretendia trazer para a base instrutória o conteúdo de contratos de prestação de serviços, quando relativamente a eles nada alegou em sede de contestação e nem foram tais documentos juntos aos autos, pelo que, atento o disposto no número 3 do artigo 553.º do Código de Processo Civil seria de indeferir o requerimento supra referido.
III. A fundamentação avançada pelo douto Tribunal para indeferir o pedido da Ré, ora Recorrente, e a disposição legal para tanto invocada, são manifestamente contraditórias, uma vez que o n.º 3 do artigo 553.º do Código de Processo Civil estabelece os procedimentos a seguir no caso de ampliação da base instrutória no decurso da audiência.
IV. Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, existe uma manifesta contradição no despacho ora em recurso que o fere de nulidade nos termos previstos nos artigos 569.º, n.º3 e 571.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., aplicáveis ex vi do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho
V. Em face dos elementos probatórios juntos aos autos pelas partes, nomeadamente o documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial e os documentos juntos pela Ré através do requerimento datado de 07/09/2011 e cuja junção foi admitida (cfr. despacho de fls. 419) e dos quais se inferem os factos cujo aditamento à base instrutória se requereu, deveria o douto Tribunal deferir a pretensão da ora Recorrente e proceder à ampliação da base instrutória nos termos requeridos, ou noutros que considerasse mais apropriados.
VI. O principio do dispositivo não está rigidamente instituído no processo laboral atento o vertido no número 1 do artigo 41º do Código de Processo Trabalho, norma que o douto Tribunal a quo parece ter olvidado.
VII. O Tribunal a quo não se debruçou sobre a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi requerido pela ora Recorrente, tendo-se limitado, sem qualquer fundamentação adicional, a lançar mão de normas puramente processuais (civis) em detrimento do direito substantivo que se visa aplicar e alcançar.
VIII. Assim, o douto despacho de que ora se recorre é ainda nulo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 569.º, n.º3, e 571.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho por carecer em absoluto de fundamentação.
IX. Por outro lado, a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi solicitado pela ora Recorrente e o teor dos documentos em que tal requerimento se fundamentou, justificava que o douto Tribunal a quo lançasse mão da prerrogativa especial que lhe confere a lei processual laboral (artigo 41.º, n.º 1 do CPT).
X. As regras contidas nos artigos 41.º, nºs 1 e 2 e 42.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, permitem ao juiz da causa ampliar a base instrutória se no decurso da produção de prova surgirem factos que, não obstante não alegados pelas partes, sejam considerados relevantes para a boa decisão da causa, e ainda condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, possibilidades que não se colocam no processo civil comum.
XI. Ademais, toda a matéria cuja inclusão na base instrutória se requereu consta de documentos juntos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré.
XII. Se no decurso da produção da prova surgirem factos (instrumentais, circunstanciais ou essenciais) que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória.
XIII. O juiz deve ter sempre presente que as normas processuais cumprem uma função instrumental, que não devem sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, e que essa subordinação lhe impõe que faça uso deste poder-dever, até porque não existe qualquer obstáculo à ampliação da base instrutória, pois tenha ou não existido reclamação contra tal peça processual, não se forma caso julgado formal que impeça a sua alteração.
XIV. No processo laboral, o juiz só deve terminar o julgamento quando estiver esclarecido da verdade dos factos que se afigurem necessários à solução do litígio, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, ou quando se mostrarem esgotadas todas as diligências ao seu alcance na procura dessa verdade.
XV. A verdade material é um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados, desde que se mostrem relevantes para a decisão da causa e sobre eles tenha sido exercido o direito de contraditório, conforme resulta do artigo 41.º nº 1 do CPT.
XVI. Seria assim de extrema relevância saber-se ao abrigo de que contratos de prestação de serviços o Autor permaneceu ao serviço da Ré e quais as condições estabelecidas nesses mesmos contratos, matéria que seria passível de resposta após a ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela ora Recorrentes.
XVII. Constando dos autos a documentação referente aos vários contratos de prestação de serviços, tem todo o interesse processual a inclusão dos factos na base instrutória nos termos em que foi requerida, nomeadamente para efeitos de contabilização dos valores a atribuir, se os mesmos forem considerados devidos pelo Tribunal.
XVIII. O Tribunal ficará assim impedido de aplicar as condições estabelecidas num só contrato de prestação de serviços, de duração limitada, a todo o período que o Autor se manteve ao serviço da Ré.
XIX. O douto despacho sub judice incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o despacho sub judice ser revogado e substituído por outro que defira o requerimento de ampliação da base instrutória apresentado pela ora Recorrente.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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O autor da acção, apresentou alegações de resposta, as quais concluiu da seguinte maneira:
1. Ao contrário do alegado pela Recorrente, o Despacho proferido em sede de audiência de discussão e julgamento que indeferiu a ampliação da base instrutória procedeu a uma correcta aplicação das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação e não enferma de uma qualquer contradição, mais não seja porque a Recorrente entendeu bem as razões de facto e de direito pelas quais o seu requerimento com vista à ampliação da douta base instrut6ria foi manifestamente indeferido;
2. De onde, deverá improceder, por manifesta falta ou ausência de fundamento legal, o Recurso pela Ré apresentado;
3. Quanto à falta de fundamentação, dir-se-á que o douto Despacho apresenta pormenorizadamente as razões de facto e de direito pelas quais o Requerimento apresentado pela Recorrente deveria ser improcedente, sendo que as mesmas foram integralmente compreendidas pela mesma e, como tal, em caso algum o mesmo “carece em absoluto de fundamentação” como pretende fazer a Recorrente;
4. Se necessário, sempre se recorda que, em sede de audiência de discussão e julgamento, a questão da inclusão ou não de novos quesitos à base instrutória terá sido debatida entre as partes e o douto Tribunal a quo por mais de 20 minutos;
Por outro lado, sem prescindir,
5. A Recorrente não conseguiu sede de audiência de discussão e julgamento demonstrar quer a relevância dos documentos por si apresentados quer, em especial, um mínimo de conexão entre os mesmos e os factos em discussão nos presentes autos, razão pela qual o douto Tribunal a quo não terá procedido à ampliação da douta base instrutória;
6. Depois, os quesitos que a Recorrente pretende(ia) ver aditados à douta base instrutória não correspondem a “factos novos”, isto é, a factos que não tenham sido articulados pelas partes e que apenas terão surgido no decurso da produção da prova;
7. Nem em caso algum se poderá aceitar que os quesitos que a Recorrente pretende(ia) ver aditados à douta base instrutória correspondem a factos instrumentais, circunstanciais ou essenciais à boa decisão da causa;
8. Pelo contrário, o conjunto de quesitos que a Recorrente pretende (ia) incluir na base instrutória, tratam-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Autor e, como tal, desde há muito que os mesmos deveriam ter sido concretamente alegados pela Recorrente, maxime em sede de defesa por excepção;
9. E basta ver que tão-só e apenas a Recorrente estava em condições de mostrar ao Tribunal que para além do contrato de prestação de serviço que permitiu a contratação do Recorrido, quiçá existiam muitos outros contratos (outorgados pela própria Recorrente) que supostamente terão previsto condições diferentes daquelas que inicialmente terão sido estipuladas no suposto contrato de serviu de base à importação e contratação do Recorrido;
10. De onde, a ter alguma relevância para a boa resolução da causa - o que tão só por exposição de raciocínio se alega - caberia à Recorrente provar os factos modificativos ou extintivos dos direitos contra si invocados e, em concreto, o facto de o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente não ter sido o mesmo que terá fundamentado a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo;
11. Acontece, porém, que a Recorrente não só não o fez, como inclusivamente, em sede de Contestação, juntou aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 45/94 tendo afirmado expressamente tratar-se do contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor;
12. Mais determinantemente, na parte relativa à CONFISSÃO, a Ré afirma que: foi sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes; que celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, os contratos de prestação de serviço que haviam sido indicados pelo Autor; que foi ao abrigo de um destes contratos de prestação de serviço que o Autor foi recrutado e posteriormente iniciou trabalho para a Ré; que a Ré apresentou junto da entidade competente cópia dos contratos de prestação de serviços para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes; que entre a Ré e o Autor foi celebrado um contrato de trabalho e que assinou outros cinco contratos individuais de trabalho e que a relação de trabalho entre a Ré e o Autor durou 12 anos 7 meses e 14 dias;
13. Por outro lado, em matéria de salário e de remuneração por trabalho extraordinário, a Ré procede a uma comparação entre os montantes constantes do Contrato de prestação de serviços n.º 45/94 e os montantes constantes dos sucessivos contratos individuais de trabalho assinados pelo Autor e em vigor até 31 de Maio de 2008;
14. E nada referiu a propósito da existência de outros contratos de prestação de serviços que tivessem regulado a relação laboral do Autor;
15. Em suma, a Ré afirmou, aceitou e confessou que as cláusulas do Contrato de Prestação de Serviço n.º 45/94 eram válidas, eficazes e aplicáveis à relação laboral durante todo o seu período;
16. De onde, sabido que “as afirmações expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte (...) ”; e que “a confissão é irretractável” (cfr. art. 80.º e 489.º do CPC), não pode agora a Recorrente vir a “dar o dito por não dito”, e procurar retractar o que a Lei imperativamente consagra ser irretractável, por resultante da sua própria Confissão!
17. E, a ser assim, o único contrato de prestação de serviços sobre o qual o douto Tribunal se teria de pronunciar seria o contrato de prestação de serviços n.º 45/94, isto é, o concreto contrato que permitiu ao Recorrido ter sido contrato pela Recorrente e, com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com a mesma;
18. De onde, o conjunto de quesitos que a Recorrente pretende(ia) aditar à base instrutória e relativos ao contrato de prestação de serviços nºs 1/1 jamais estiveram em causa nos presentes autos e, como tal, a sua concreta análise mostra-se de todo em todo desnecessária tendo em conta o concreto pedido e a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor na sua Petição Inicial e aceite pela Ré na sua Contestação;
19. Ademais, do próprio teor do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 nada resulta a respeito de o mesmo ter por objecto ou finalidade a “revogação” e/ou “substituição” de qualquer um dos contratos prestação de serviços n.º 9/92, 6/93, 2/94, 29/94,45/94,40/94 e 45/94;
20. Isto é, em lado nenhum do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 se faz uma alusão, por mínima que seja, ao facto de o mesmo contrato se destinar a substituir (“fundir” ou “agrupar”) o conteúdo de qualquer um ou de todos os contratos de prestação de serviços nºs 9/92, 6/93, 2/94, 45/94 e 45/94... ou, que o mesmo contrato se destinasse efectivamente a regular a concreta situação jurídico-laboral do Recorrido, visto que a Recorrente não juntou aos autos qualquer documento comprovativo de tal conclusão;
21. Tratava-se, ademais, de uma prova de fácil demonstração: bastava que, em momento próprio, a Recorrente tivesse junto aos presentes autos a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar no âmbito do referido contrato, tal qual, aliás, o exigia a al. f) do ponto 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro;
22. De onde, sem a apresentação da referida lista e sem a demonstração de um mínimo de conexão entre o contrato n.º 1/1 e a contratação e/ ou manutenção da contratação do Recorrido, não se vê como o referido contrato pudesse ter uma qualquer relevância para o concreto thema decidenduum e, neste sentido, como devesse ter sido aditada matéria sobre o seu concreto conteúdo;
23. Ademais, ocupando-se os contratos de prestação de serviços n.º 1/1 e 14/1 tão-só das “vagas” dos contratos de prestação de serviços nºs 9/92, 6/93, 2/94, 45/94 e 45/94, seria até estranho que os mesmos se destinassem a regular a concreta situação profissional do Recorrido que, ao tempo, se encontrava a exercer a sua actividade laboral para a Recorrente, ao abrigo de um outro contrato de prestação de serviços plenamente válido e em plena execução... ;
24. De onde, ao contrário do alegado pela Recorrente, do concreto conteúdo do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 nada se extrai com um mínimo de conexão para a boa discussão da causa e para a descoberta da verdade material e, como tal, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a inclusão na base instrutória de um conjunto de quesitos respeitantes ao contrato de prestação de serviços n.º 1/1;
25. Por último, pedido de aditamento de “novos quesitos” tal qual formulado pela Recorrente conduziria necessariamente a uma nova causa de pedir e, bem assim, a uma alteração ou modificação da causa de pedir tal qual a mesma foi formulada pelo Autor na sua Petição Inicial e aceite pela Ré na sua Contestação e, como tal, em caso algum poderiam os mesmos quesitos ter sido aditados à douta base instrutória, tal qual, uma vez mais, bem concluiu o douto Tribunal a quo;
26. De onde, o douto Despacho não incorre em qualquer erro na aplicação do Direito, pelo que o mesmo se deve manter na íntegra.
Nestes termos, e nos demais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., pelas razões supra expostas, devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso pela Recorrente apresentado ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
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Foi, entretanto, proferida sentença, que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de Mop$ 240.701,55 e juros.
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É dessa sentença que ora vem interposto recurso pela ré da acção, em cujas alegações foram apresentadas as seguintes conclusões:
I) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$240.701.55 (duzentas e quarenta mil, setecentas e uma patacas e cinquenta e cinco avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II) Andou mal o douto tribunal a quo ao dar como provado o facto constante no quesito 4.º da base instrutória, porquanto não foi produzida qualquer prova documental, testemunhal ou outra, relativa à renovação dos contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes.
III) Por outro lado, a resposta positiva a tal quesito encontra-se em manifesta contradição com o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, a lista dos contratos de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau donde resulta claramente quantas vezes foram renovados e até quando vigoraram os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes, da mesmas resultando que nenhum desse contratos de prestação de serviços vigorou até 31 de Maio de 2008.
IV) Assim, deveria antes o douto Tribunal a quo ter considerado não provado o facto constante do quesito 4.º da Base Instrutória.
V) Nos presentes autos não se apurou ao abrigo de qual contrato de prestação de serviços foi o Autor contratado, se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado, por quantas vezes, em que condições, e até quanto vigorou.
VI) Cada um dos contratos de prestação de serviços referidos na alínea C) da matéria de facto assente, têm datas ou períodos de validade diferentes, bem como preveem uma série de formalidades para a sua renovação que, não se tendo apurado, não podem ser ultrapassadas nem sequer por via judicial, nos termos do princípio geral da liberdade contratual e da prova.
VII) Pelo que sem a prova de tais factos nunca poderia o Tribunal a quo ter aplicado um qualquer contrato de prestação de serviços - seja ele qual for - à relação laboral inicialmente estabelecida entre Autor e Ré, fazê-lo estender a todo o período de tempo em que o Autor esteve ao serviço da Ré ao abrigo de autorizações para contratação distintas e limitadas no tempo, e condenar a Ré nos moldes em que o fez.
VIII) Assim, e não obstante as tentativas nesse sentido realizadas pela ora Recorrente, nomeadamente, ao requerer a ampliação da base instrutória para se aferir ao abrigo de que contrato de prestação de serviços o Autor foi inicialmente contratado pela Recorrente, até quando permaneceu ao seu serviço ao abrigo desse mesmo contrato de prestação de serviços e se outros houve que sustentaram a sua permanência como trabalhador não residente ao serviço da Ré até Maio de 2008, a matéria de facto apurada em sede dos presentes autos, reputa-se manifestamente insuficiente para sustentar a decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo.
IX) Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
X) Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância: “ [...] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (...) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: “2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.” (...) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (...) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [...] ”
XI) À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
XII) Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
XIII) Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XIV) Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contra entes - ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
XV) De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XVI) Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
XVII) Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes são fonte dos direitos reclamados pelo Autor, por se tratarem de contratos a favor de terceiro, sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se ao abrigo de que o contrato de prestação de serviços o Autor foi contratado, e nem se tal contrato de prestação de serviços foi renovado e em que condições o terá sido até 31 de Maio de 2008.
XVIII) A interpretação dos factos que foi levada a cabo pelo douto Tribunal a quo de presumir a renovação até 31 de Março de 2008 dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) dos factos assentes, é feita totalmente ao arrepio de qualquer prova produzida nos presentes autos., sendo que era ao Autor a quem cabia o ónus de alegação e prova destes mesmos factos.
XIX) Pelo que, a conclusão de que foi sempre ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) que o Autor se manteve ao serviço da Ré até 31 de Maio de 2008 e que, como tal, durante todo o período que durou a relação laboral o Autor é titular do direito às diferenças salariais existentes entre um daqueles contratos de prestação de serviços e os vários contratos de trabalho que foi celebrando com a Recorrente, não tem suporte factual, e trata-se de uma mera presunção que, ao arrepio da lei, o douto Tribunal a quo lançou mão para “acomodar” a pretensão do Autor.
XX) A Ré, ora Recorrente, não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde 17 de Outubro de 1995 e 31 de Maio de 2008 e nem o Autor invoca tal facto.
XXI) Assim, não poderia o douto Tribunal a quo ter extrapolado o alegado pelas partes e nem os elementos probatórios existentes nos autos e condenado a ora Recorrente a pagar ao Autor um montante a título de diferenças salariais existentes entre um contrato de prestação de serviços, cuja identificação, duração e renovação não se apuraram, e os contratos de trabalho que foram sendo celebrados entre as partes.
XXII) Pelo que, não se tendo apurado a verdadeira extensão e condições da promessa (contida nos contratos que o douto Tribunal a quo qualificou como contratos a favor de terceiros), o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
XXIII) O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
XXIV) Entendeu o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor um valor correspondente ao subsídio de alimentação alegadamente devido pelo número total de dias de toda a relação laboral, o que, salvo devido respeito por melhor opinião, se reputa ilegal.
XXV) Para que: houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu.
XXVI) Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
   Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo e substituída por douto Acórdão que absolva a ora Recorrente do pedido.
   Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!
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O autor da acção respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
2. Partindo dos meios de prova existentes nos presentes autos, em concreto, do teor dos articulados, dos documentos juntos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência, discussão e julgamento, salta à vista que não existe um qualquer erro, contradição ou vício que possa “inquinar” o conteúdo do quesito n.º 4;
3. Basta ver que o referido quesito corresponde ao alegado pelo Recorrido na sua Petição Inicial, e que foi aceite pela Recorrente na sua Contestação, e que em pouco se afasta da matéria contida nos Factos Assentes, sobre o qual a Recorrente em momento nenhum se pronunciou como tendo sido incorrectamente seleccionada;
Por outro lado,
4. A mera referência constante do doc. 2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial à existência de outros contratos de prestação de serviços, em caso algum poderia afastar, por si só, o ónus de prova que recaía sobre a Recorrente, no sentido de trazer aos autos todos os elementos que pudessem demonstrar a existência ou não de outros contratos de prestação de serviços, tal qual, aliás, a seu tempo requerido pelo próprio Recorrido;
5. De onde, também por aqui, a Recorrente não pode pretender beneficiar das suas “próprias falhas” para, em sede de recurso, procurar atingir o que não consegui alcançar em sede de instrução e produção de prova;
6. Assim, em face do alegado e aceite por ambas as partes, em sede de articulados, em caso algum o Tribunal a quo poderia ter chegado a outra conclusão que não a constante da douta Sentença;
Ao que acresce que,
7. Não obstante, o Tribunal a quo não ter especificado o concreto número do contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor havia sido contratado pela Ré, o número de tal contrato vem expressamente identificado pela Recorrente na sua Contestação, nada tendo a mesma adiantando, ao tempo, quanto à existência de outro, ou de outros contratos de prestação de serviços;
8. De onde, tendo a Recorrente afirmado, aceite e confessado que o Autor foi contratado ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviço n.º 45/94, que as suas cláusulas eram válidas, eficazes e aplicáveis à relação laboral durante todo o seu período - o que em momento algum sofreu qualquer tipo de discordância ou controvérsia por parte do Autor - não se justifica que o douto' Tribunal de Base tivesse de ir ao “preciosismo” de indicar exactamente qual o contrato de prestação de serviços com base no qual o Autor exerceu as suas funções de guarda de segurança para a Ré;
9. Ademais, resultando da prova produzida que o teor dos contratos de prestação de serviço constantes da al. C) dos Factos Assentes eram efectivamente iguais, v.g., dispondo das mesmas condições de recrutamento e de remuneração, e que todos eles haviam sido apresentados e aprovados pela entidade competente (DSTE), nem se percebe em que medida a concreta indicação do contrato de prestação de serviço ao abrigo do qual o Autor havia sido recrutado pela Ré pudesse vir a ter qualquer influência ao nível da boa decisão para os presentes autos;
10. Ao que acresce que, se a única diferença existente nos referidos contratos assentava em os mesmos apresentarem diferentes datas ou períodos de validade (sendo certo que nenhum dos mesmos poderá ter vigorado para lá do termo da relação laboral entre as partes), apenas teria interesse a concreta identificação do contrato de prestação de serviços se a Recorrente tivesse feito prova que o mesmo não havia sido renovado ou que havia caducado antes do termo da relação laboral com o Autor, prova esta que apenas à Ré seria possível, visto ser a Ré e não o Autor a parte outorgante de tais contratos de prestação de serviço...
11. Certo é que, em momento nenhum a Recorrente questionou a validade temporal do contrato de prestação de serviços n.º 45/94, nem o facto do seu concreto conteúdo não ter sido de forma reiterada e sucessiva objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente, a pedido da própria Recorrente, enquanto única entidade interessada na sua renovação;
12. E somente a Recorrente poderia ter feito prova de que o contrato de prestação de serviços n.º 45/94, que esteve na base da contratação do Autor, decorrido o prazo inicial pelo qual foi celebrado, não teria sido renovado, ou que não teria sido revogado e/ ou substituído por outro;
13. Ou melhor, tão-só e apenas a Recorrente estava em condições de mostrar ao Tribunal que para além do contrato de prestação de serviço que permitiu a contratação do Recorrido, teriam existido outros contratos (outorgados pela própria Recorrente, não deixe de se sublinhar) quiçá terão existido outros destinados a regular a relação de trabalho com o Recorrido;
14. Ademais, se a Recorrente entendesse que a questão do prazo de validade do contrato de prestação de serviços n.º 45/94 (que a própria Recorrente juntou aos autos como estando ou tendo estado em vigor até ao termo da relação laboral com o Autor) configurava uma questão controvertida, já há muito que o haveria de ter suscitado, maxime em sede de matéria de excepção aquando da apresentação da sua Contestação em Maio de 2009;
15. Com efeito, sabido que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (art. 335.º, n.º 2 do Código Civil), caberia à Recorrente o ónus de impugnação especificada dos factos alegados pelo Autor com os quais não tenha concordado;
16. Não o tendo feito, tendo inclusivamente a Recorrente junto aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 45/94 afirmando expressamente tratar-se do contrato com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com o Recorrido, a consequência de tal incumprimento de tal ónus de prova é a decisão ter de ser desfavorável à parte onerada... ;
17. A não se entender assim, serão beliscados todos os mais elementares princípios que dão corpo ao nosso Processo Civil (Princípio do dispositivo, Princípio do contraditório, Princípio da cooperação e Princípio da preclusão);
Quanto à matéria de Direito,
18. Resulta do próprio conteúdo literal do contrato celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio, que o mesmo - na sua quase totalidade - não se destinava a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e posteriormente cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o Recorrido);
19. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º 1 do Código Civil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
20. A este respeito, veja-se, entre muitos outros, o entendimento sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 739/2009), em muito relacionado ao dos presentes autos, quando se sublinha que: as condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sendo que este toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes (trabalhadores este que estão excluídos do Regime Geral das Relações Laborais apenas aplicável aos trabalhadores residentes - DL 24/89/M, de 3 de Abril e LRT) obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
Por outro lado,
21. Resulta do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, que o despacho (leia-se, despacho da «entidade governamental competente» que autoriza a contratação de trabalhadores não residentes) condiciona a mesma à apresentação prévia de um «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a “entidade interessada” e uma “terceira entidade - fornecedora de mão-de-obra não residente” (cfr. n.º 3 e n.º 9 c) do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
22. In casu, quer o «despacho da autoridade governamental» quer o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, vincularam imperativamente a Recorrente a contratar os trabalhadores não residentes - e, em concreto, o Recorrido - em conformidade com as condições mínimas constantes do «contrato de prestação de serviços» celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
23. A fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
24. In extremis, nunca o Recorrido poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não respeitasse o disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador;
25. No demais, deve manter-se integralmente a douta decisão.
  Nestes termos, e nos de mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., pelas razões supra expostas, devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites, e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
A Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994. (alínea C) dos factos assentes)
Esses contratos de prestação de serviços dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da Ré; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dos factos assentes)
Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré. (alínea E) dos factos assentes)
A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação do Autor. (alínea F) dos factos assentes)
Entre 17 de Outubro de 1995 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alínea G) dos factos assentes) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea H) dos factos assentes)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea I) dos factos assentes)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea J) dos factos assentes)
O contrato de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da Ré. (alínea K) dos factos assentes)
O Autor foi convidado a assinar outros cinco contratos individuais de trabalho. (alínea L) dos factos assentes)
Os cinco contratos de trabalho assinados entre o Autor e a Ré correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a Ré. (alínea M) dos factos assentes) Entre 17 de Outubro de 1995 e Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.700,00 mensais. (alínea N) dos factos assentes)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais. (alínea O) dos factos assentes)
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais. (alínea P) dos factos assentes)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais. (alínea Q) dos factos assentes)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais. (alínea R) dos factos assentes)
Para o período de 17 de Outubro de 1995 a 30 de Junho de 1997, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8,00 por hora. (alínea S) dos factos assentes)
Para o período de Julho de 1997 a Junho de 1999, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea T) dos factos assentes)
Para o período de Julho de 1999 a Junho de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea U) dos factos assentes)
Para o período de Julho de 2002 a Dezembro de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora. (alínea V) dos factos assentes)
Para o período de Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2005, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (alínea W) dos factos assentes)
Para o período de Março de 2005 a Fevereiro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora. (alínea X) dos factos assentes)
Para o período de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora. (alínea Y) dos factos assentes)
A autorização para a contratação de trabalhadores não residentes está condicionada à apresentação prévia de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 1º da base instrutória)
O contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente é sempre remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho (hoje, DSAL) para efeitos de verificação e aprovação de certos requisitos tidos como mínimos exigíveis para o efeito. (resposta ao quesito da 2º da base instrutória)
A entidade interessada na contratação de trabalhadores não residentes tem que contratar os trabalhadores não residentes em conformidade com as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 3º da base instrutória)
Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. (resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
Aquando do início da prestação de trabalho do Autor para a Ré, esta apresentou àquele um contrato individual de trabalho cujo conteúdo foi integral e previamente preparado pela Ré e posteriormente assinado pelo Autor. (resposta ao quesito' da 5º da base instrutória)
Durante todo o tempo que durou a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré facultou ao Autor uma cópia dos contrato de prestação de serviço. (resposta ao quesito da 6º da base instrutória)
O Autor só teve conhecimento do conteúdo de um dos contratos de prestação de serviços assinados entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau já depois de cessada a relação a relação de trabalho com a Ré., mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, facultada a pedido do Autor em Julho de 2008. (resposta ao quesito da 7º da base instrutória)
Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviços da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2.700,00 por mês. (resposta ao quesito da 8º da base instrutória)
Nem sempre o montante do salário constante dos contratos individuais de trabalho assinados entre a Ré e o Autor correspondem aos valores efectivamente pagos ao Autor pela Ré a título de salário. (resposta ao quesito da 9º da base instrutória)
Entre 17 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 10º da base instrutória)
Entre Julho de 1997 e Junho de 1999, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 11º da base instrutória)
Entre Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002, o Autor fez 1.729 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 12º da base instrutória)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o Autor fez 720 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 13º da base instrutória)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o Autor fez 3.648 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 14º da base instrutória)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o Autor fez 775 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 15º da base instrutória)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o Autor fez 977,75 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 16º da base instrutória)
Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 17º da base instrutória)
Nunca a Ré entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 18º da base instrutória)
Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço. (resposta ao quesito da 19º da base instrutória)
Nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (resposta ao quesito da 20º da base instrutória)
Nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (resposta ao quesito da 21 º da base instrutória)
***
III- O Direito
1 - Do recurso interlocutório
Na audiência de julgamento a ré, reproduzindo os pedidos formulados no Proc. nº CV2-09-0015-LAC, pretendia a inclusão na Base Instrutória de mais alguns factos para além dos que nela já constavam.
Sobre esse requerimento, recaiu o seguinte despacho:
“O R. pediu para ampliar a base instrutória, que se baseia forçosamente nos articulados das partes. No entanto, o R. não fez referência aos factos respeitantes na contestação, nem entregou todos os documentos relacionados com o documento na altura, pelo que nos termos do nº3, do art. 553º do Código de Processo Civil, indefiro o pedido do R.”.
No recurso, entende a recorrente “Guardforce” que os factos pretendidos levar à Base Instrutória decorrem dos documentos juntos pelas partes e que, ao abrigo do art. 41º do CPT, por serem relevantes, deveriam ser considerados naquela peça a fim de sobre eles poder vir a ser feita prova, no âmbito do princípio da verdade material.
Assim não tendo sido feito, diz, e também por incorrer em contradição, teria o dito despacho cometido a nulidade dos arts. 569º, nº3 e 571º, nº1, al. b) e c), do CPC.
Apreciando.
Em nossa opinião, a imputação feita no recurso segundo a qual o despacho incorre em manifesta contradição, volta-se contra o próprio fundamento alegatório. Isto é, por não estar explicada devidamente a razão pela qual o despacho não é coerente, nem congruente e pelo contrário é contraditório, não deveria obrigar o tribunal de recurso a melhor e mais completa pronúncia do que esta.
Na realidade, não se percebe por que motivo o despacho em crise sofre de contradições, nem o art. 553º do CPC invocado dá cobertura a esta tese. Não é pelo facto de o juiz invocar um preceito que se não ajusta verdadeiramente à sua intenção que o caso se resolve imediatamente pela contradição invalidante. Bastará olhar para o conteúdo da decisão para facilmente se perceber que a norma que o juiz queria aplicar mais ajustadamente seria o nº1 do art. 553º, do CPC. E nesse caso, a indicação normativa por assentar em claro lapso não faz padecer o despacho da nulidade se este for facilmente entendível e o destinatário tiver mediana capacidade de apreensão acerca do seu conteúdo e dispositividade. De resto, como se sabe, a invocação errada do direito não vincula o tribunal.
Assim, não acolhemos a tese da recorrente acerca da contradição entre fundamentos e decisão. Aliás, esta causa de nulidade (art. 571º, nº1, al. c), do CPC) não se adequa à situação em concreto. Tem aquela disposição em vista antes aqueles casos em que o juiz desenvolve um raciocínio num sentido resolutório que não condiz com a decisão tomada. Ou seja, implica que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto daquele que foi alcançado (Acs. STJ 1/06/1993, Proc. nº 003146; STJ 31/03/1998, Proc. nº 98A265). Ou seja, ele só se dá por verificado quando se detecta um vício de raciocínio que deveria ter conduzido a uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor (TSI, de 16/02/2006, Proc. nº 156/2005).
Mas esse não é manifestamente o caso.
Improcede, pois, esta invocação de nulidade.
*
Entende, também, que o despacho continua a ser nulo, agora em razão da alínea b), do mesmo artigo 571º do CPC, basicamente face aos elementos dos autos e ao art. 41º do CPT, norma que segundo a recorrente teria sido ignorada pelo tribunal “a quo”, que nem sequer se debruçou sobre a relevância dos factos em causa.
É verdade que o art. 41º citado permite a ampliação da base instrutória. Mas o que certo é também é que a ampliação deve decorrer da invocação de factos invocados pelas partes. Quanto aos não articulados pelas partes poderão ser considerados na inclusão da base instrutória se forem relevantes. É o que dispõe o preceito.
Ora, se o art. 41º em apreço parte do pressuposto que tais factos surjam “no decurso da prova”, o que se constata é que os elementos de facto em causa não são supervenientes, nem decorreram da apreciação da prova. Eram elementos que já eram conhecidos pelas partes do processo desde o início, sem nunca terem sido invocados como matéria impugnativa ou exceptiva pela “Guardforce”.
Sendo isto assim, andou bem o despacho em crise, não o ferindo de qualquer invalidade a circunstância de ele nenhuma referência ter feito ao art. 41º citado. Na verdade, nem esse dispositivo legal foi sequer invocado pela requerente na sua pretensão, como a razão para o indeferimento foi bem explícita, até mesmo do ponto de vista da fundamentação legal. Pode a recorrente não concordar com o seu teor, mas a referida omissão daquela norma não faz dele um despacho nulo com fundamento no art. 571º, nº1, al. b), do CPC.
Por isso, quaisquer outras considerações trazidas pela recorrente a respeito do dever do juiz no âmbito do inquisitivo e do princípio da verdade material são inócuas ao êxito do recurso.
Acresce que a própria recorrente, enquanto contestante, nunca questionou que os sucessivos contratos individuais de trabalho celebrados com o trabalhador não teriam derivado do contrato de prestação de serviços nº 45/94 e, pelo contrário, até aceitou que esse fora o contrato único que perdurou em toda a relação laboral (leia-se o teor dos art.s 18º, 25º e 40º a 50º da contestação).
De resto, se a questão tinha que ver com outros contratos – v.g., nº 1/1 e 14/1 – como tem este tribunal dito noutras ocasiões e tal como deles resulta, esses contratos não têm na sua literalidade nenhuma expressão de que resulte que eles serviram para substituir quaisquer outros, mas sim para cobrir as vagas que não tivessem sido preenchidas por todos os outros contratos de prestação de serviços (9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94). Ora, não era de “vaga” a situação do trabalhador ora recorrido, pelo que até por essa circunstância se não mostrava útil ao desfecho da causa a inclusão da referida matéria de facto.
Por fim, se, como a recorrente reconheceu na sua contestação, o contrato ao abrigo do qual foi o autor contratado era o nº 45/94 (ver art. 39º da contestação) – e com isto fica afastada a razão da recorrente, o que desde já asseveramos, nas conclusões XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII - não haveria necessidade de qualquer outra adicional indagação, uma vez que os contratos 1/1 e 14/1 só eram aglutinadores dos outros na parte em que eles não tinham sido completamente esgotados no seu âmbito numérico de contratação.
Improcede, pois, o referido recurso.
*
2- Do mérito da sentença
2.1- Do erro de julgamento da matéria de facto
A sentença julgou parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência, condenou a “Guardforce” a pagar ao autor a quantia de Mop$ 240.701,55. A título de diferenças salariais, horas extraordinárias, subsídio de efectividade e subsídio de alimentação.
No recurso interposto pela ré “Guardforce”, é criticada a matéria de facto provada.
Começa por não aceitar a prova positiva ao art. 4º da B.I, onde se perguntava se “Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego”.
Mas a recorrente acha que tal facto não podia ser dado como provado, face aos elementos dos autos.
Ora bem. Aquela matéria constava do artigo 4º da B.I. exactamente com aquela redacção. Ora, o que pretende a recorrente impugnar? Que não é verdade que os contratos de prestação de serviços não eram objecto de apreciação, aprovação e fiscalização por parte da DSTE? Que efeito útil pretende a recorrente extrair daí? Ignoramos.
Em todo o caso, aquele art. 4º da BI não é mais do que uma minúcia daquilo que já resulta da alínea F) dos Factos Assentes. De resto, o Despacho nº 12/GM/88 (ver nº9, al. d) e o Despacho nº 49/GM/88 (ver nº2, al. b.4) conferem à DSTE a competência para a verificação da conformidade dos contratos de prestação de serviços celebrados respeitam os requisitos mínimos exigíveis.
Portanto, não obstante, em si mesmo, isto é, individualmente considerado, aquele art. 4º não ter repercussão directa na esfera da recorrente – e, por isso, pouco interesse haveria na sua apreciação neste âmbito impugnativo - a verdade é que a sua matéria de alguma maneira já decorre de outra constante da factualidade assente, como da ordem jurídica atinente ao caso. Quanto ao preciosismo da prova feita a esse facto, ele resultará do acervo de elementos disponíveis dos autos, sem excluir a prova testemunhal. Ora, não se vê que haja alguma flagrante ou ostensiva má apreciação da prova quanto a essa matéria, pelo que, a este respeito, não é possível destruir a livre convicção do julgador.
De resto, não se percebe em que medida é que tal resposta ofende o doc. nº2 junto com a petição, uma vez que o alcance daquela matéria em nada, absolutamente nada, colide com o alcance temporal dos contratos, ao contrário do que o afirma a recorrente.
Improcede, pois, o recurso no que concerne às conclusões I a VIII das respectivas alegações.
*
2.2 – Da natureza do contrato
Nas conclusões seguintes IX a XVI, insurge-se a recorrente contra a natureza do contrato. Em sua opinião, não é a favor de terceiro o contrato celebrado entre a recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, ao abrigo do qual o autor da acção foi posteriormente contratado.
Esta questão está decidida por este Tribunal em termos que vêm sendo consensuais e unânimes. Daí que nos sirvamos do conteúdo de um deles:
«“1ª Questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre Guardforce e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (Guardforce) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, lda).
Aquele despacho disse ainda que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a)-manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b)- garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante Guardforce) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (Guardforce e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e eventuais abusos. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E por isso mesmo é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre Guardforce e Sociedade de Apoio?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre Guardforce e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre Guardforce e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
(…)
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre Guardforce e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que Guardforce se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que vale por dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”» (Ac. TSI, de 2/06/2011, Proc. nº 780/2010)9.
*
2.3- Do subsídio de alimentação
Desta vez (conclusão XXIII a XXVI), a recorrente bate-se contra a condenação a título de subsídio de alimentação. Em sua opinião, este subsídio carece de uma efectividade de serviço, pelo que não estando provados os dias em que o trabalho foi efectivamente prestado, não podia a sentença ter condenado no pagamento de todos os dias por que durou a relação laboral.
Ora, acontece que o trabalhador chegou a dar faltas ao serviço, embora com conhecimento e autorização da ré/recorrente (resposta ao quesito 19º da BI).
Isto quer dizer que a sentença não pode manter-se quanto a este aspecto, ainda que este TSI não possa fixar a indemnização devida a título de subsídio de alimentação, por desconhecimento do número de dias de ausência ao serviço. Ou seja, reconhecemos que a ré deve ser condenada a pagar o subsídio ao autor, mas não podemos liquidar o seu valor neste momento.
Assim, o respectivo valor terá que ser relegado para liquidação de sentença (art. 564º, nº2, do CPC).
***
IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a ) Negar provimento ao recurso interlocutório;
b ) Conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença na parte em que condenou a recorrente a pagar ao autor a quantia de Mop$ 69.165,00 a título de subsídio de alimentação;
b.1) Condenar a recorrente a pagar ao autor, a título de subsídio de alimentação, o montante que vier a liquidar-se em execução de sentença;
c ) Confirmar a sentença na parte restante.
Custas:
a ) Do recurso interlocutório, pela ré;
b ) Do recurso final, por ambas as partes e em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 13 / 09 / 2012

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José Cândido de Pinho
(Relator)

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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410;
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
9 Neste sentido, ainda, Ac. TSI de 2/02/2012, Proc. nº 779/2011.
Também Ac. de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012.
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