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Reclamação nº 10/2012

B – DESIGN, DECORAÇÃO E ENGENHARIA (MACAU), LDA., 1ª Ré nos autos da acção ordinária nº CV2-11-0003-CAO, no âmbito desses autos interpôs recurso subordinado, na sequência do recurso principal interposto pelo Autor, pedindo que fosse julgada absolvida do pedido e pretendendo o reconhecimento de que a excepção decorrente da violação do pacto privativo de jurisdição, que foi julgada procedente pelo Tribunal a quo apenas relativamente à 2ª Ré, também quanto a ela se verifica.

Por douto despacho da Mmª Juiz a quo, não foi admitido esse recurso subordinado com fundamento na inverificação da sucumbência recíproca a que se refere o artº 587º/1 do CPC.

E porque não lhe foi admitido o recurso subordinado, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:

  A ora Reclamante interpôs, em 30 de Maio de 2012, recurso subordinado do despacho-saneador sentença, proferido nos autos supra de fls. 540 a 546, o qual veio a absolver a lª Ré da instância, com fundamento na sua ilegitimidade para ser parte na presente acção.
  O referido requerimento de interposição de recurso subordinado veio a ser indeferido por despacho de fls. 573, uma vez que entendeu o Tribunal a quo que a 1ª Ré não teria legitimidade para recorrer daquela decisão, não só porque alegadamente não teria ficado vencida na acção (e, consequentemente, não estaria verificado o requisito processual plasmado no artigo 587° do CPC), como também não poderia beneficiar da excepção de incompetência do Tribunal por violação do pacto privativo de jurisdição, por tal não ter sido por esta Ré alegado na sua contestação (mas sim e apenas pela 2a Ré).
  Ora, a Reclamante não se conformando com o despacho que não admitiu o recurso subordinado por si interposto, vem por este meio apresentar a sua reclamação.
  1. Da falta de decaimento da 1ª Ré
  A lª Ré foi chamada à lide pelo Autor, que fundamentou a sua pretensão apenas e só no eventual incumprimento de um contrato de subempreitada.
  No entanto, tal como claramente alegado pela lª Ré na sua contestação (bem como no seu requerimento de resposta à réplica do Autor), a 1ª Ré - na versão apresentada pelo Autor - não era parte desse contrato de subempreitada que serviu de fundamento à acção, pelo que forçoso seria concluir que, do mero exame da petição inicial e dos elementos oferecidos pelo Autor, a lª Ré deveria ter sido absolvida dos pedidos formulados por aquele imediatamente no despacho saneador (artigo 429°, n. 1, alínea b) do Código de Processo Civil).
  Assim, resulta evidente que o pedido da 1ª Ré foi no sentido de obter a absolvição dos pedidos formulados pelo Autor, e não uma absolvição da instância com fundamento na sua ilegitimidade para ser parte - como veio a ser entendido pelo Tribunal.
  É jurisprudência pacífica e entendimento profusamente partilhado pelo melhor doutrina que, quando uma qualquer ré requer a absolvição do pedido e vem somente a obter a absolvição da instância, não poderá entender-se que obteve total vencimento na lide, pois que a absolvição não impede que uma nova acção venha ser intentada contra ela (ao invés do que acontece com a absolvição do pedido).
  Com efeito, tal como escrevia o Prof. Alberto dos Reis: "o beneficio a ponderar para saber se a parte ficou vencida ou vencedora terá que ser encontrado na decisão em si e não nos fundamentos" .
  Aliás, a este propósito, assevera o Conselheiro Manuel Leal-Henriques: "(...) há hipótese em que só aparentemente há um vencedor ( ... ) por exemplo, aos casos em que o réu, contestando a acção que lhe é movida com base na absolvição do pedido vem apenas a obter a absolvição da instancia."
  E continua este ínsigne jurisconsulto: "Ora, como a absolvição da instancia é um menos em relação à absolvição do pedido (pois que não impede a propositura de uma nova acção), temos que considerar que aí há dois vencidos - o autor e o réu - podendo, pois, recorrer qualquer um deles." [in Leal-Henriques, Manuel, Recursos em Processo Civil, Rei dos Livros, Lisboa, páginas 44 e 45]
  Assim, e mesmo que o Tribunal a quo entendesse que a 1ª Ré não teria legitimidade para recorrer com base na fundamento da preterição do pacto privativo de jurisdição - o que não se concede, como se explicará detalhadamente infra-, a constatação de que a lª Ré foi somente absolvida da instância e não do pedido (como efectivamente requerido), importaria concluir que a lª Ré era igualmente parte vencida na acção e, consequentemente, estaria verificado o requisito processual plasmado no artigo 587º do CPC, o que só por si seria razão suficiente para que a interposição do recurso subordinado pela lª Ré tivesse sido deferido pelo Tribunal a quo.
  2. Da absolvição da instância com fundamento na ilegitimidade da lª Ré
  Na seu requerimento de interposição de recurso subordinado, a ora Reclamante manifestou ainda a intenção de vir a beneficiar da excepção de incompetência do Tribunal por violação do pacto privativo de jurisdição - que, aliás, fundou a absolvição da instância da 2a Ré.
  O Tribunal a quo entendeu que tal pretensão deveria ser indeferida, pois tratando-se de uma excepção de incompetência relativa, cujo conhecimento depende da arguição das partes(sic), não lhe caberia ex officio conhecer a mesma.
  A ora Reclamante reconhece que tal excepção não foi por ela alegada nos articulados. Aliás, nem tal arguição lhe caberia primariamente, uma vez que a lª Ré não era parte do contrato onde o pacto privativo de jurisdição havia sido acordado (celebrado entre o Autor e a 2a Ré), daí, aliás, ter sido pela lª Ré requerida a absolvição do pedido!
  Acontece, contudo, que o Tribunal a quo labora em erro, uma vez que, ao contrário do que é alegado no despacho de indeferimento da interposição do recurso subordinado, tal excepção foi efectivamente arguida por uma das Rés la 2ª!) e foi, aliás, o fundamento que levou à absolvição da instância da 2a Ré.
  Como tal, estando em causa uma situação de litisconsórcio facultativo, bastaria a alegação da dita excepção por parte de uma das rés para que tal aproveitasse às restantes.
  Efectivamente, da concatenação do artigo 405º com a alínea a) do artigo 406º, é claro que basta um dos réus apresentar a sua contestação para que os factos por si alegados aproveitem ao litisconsorte reve1.
  Por conseguinte, por argumento a fortiori, é evidente que igual entendimento deverá ser sufragado quando em causa não está a revelia de nenhum dos réus litisconsortes - como é o caso.
  Na verdade, tendo a pretensão do Autor somente por fundamento o incumprimento de um contrato de subempreitada, e existindo aí uma cláusula expressa de atribuição exclusiva de competência ao Tribunal de Shenzhen, lógico seria que o Tribunal a quo se julgasse incompetente para dirimir qualquer pretensão fundada na violação do referido contrato relativamente a todas as partes litisconsortes chamadas à demanda - e não apenas quanto à 2a Ré, independentemente de só esta ter arguido tal excepção!
  Com efeito, não se trata aqui de pretender recorrer de uma decisão com base em factos novos ou não alegados pelas partes, mas tão-só de fazer valer uma excepção oportunamente alegada por um dos litisconsortes."
  Tal, aliás, antolha-se fundamental para garantir uma decisão jurisdicional coerente. Senão, vejamos: ao não estender tal excepção de incompetência a todos os Réus (e ao somente absolver a 1ª Ré da instância e não do pedido, ao contrário do que foi por esta requerido), o Tribunal a quo coloca-se na ingrata posição de poder criar uma situação de litispendência, caso o Autor decida demandar a lª e 3a Rés em Macau e a 2a ré no Tribunal de Shenzhen!- com inevitáveis consequências para o princípio da certeza jurídica e economia processual.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve a presente Reclamação ser recebida e deferida, revogando-se o despacho do Tribunal a quo de 19 de Junho de 2012, devendo em consequência admitir-se o recurso subordinado apresentado pela ora Reclamante, que deverá subir imediatamente e nos próprios autos.

Passemos então a apreciar a reclamação.

Como vimos supra nas razões expostas na presente reclamação, a ora reclamante invoca, para sustentar a verificação do alegado “decaimento”, no seu ponto de vista justificativo da admissibilidade do recurso subordinado por ela interposto, que ela devia ter sido absolvida dos pedidos e não apenas absolvida da instância e que merece o reconhecimento de que a excepção decorrente da violação do pacto privativo de jurisdição, que foi julgada procedente pelo Tribunal a quo apenas relativamente à 2ª Ré, também quanto a ela se verifica.

Antes de mais, é de frisar ao Tribunal não cabe apreciar concordando ou discordando todas as razões e pontos de vista invocados na petição pelas partes ou por outros interessados, mas sim apenas resolver a questão ou o pedido nela consubstanciado, que no caso em apreço é justamente a questão da admissibilidade do recurso.

In casu, interessa saber se a ora reclamante tem legitimidade para interpor recurso subordinado.

Ora, para que haja lugar ao recurso subordinado, a lei exige que se verifique a sucumbência recíproca de ambas as partes, pois o artº 587º/1 do CPC reza que “se ambas as partes ficarem vencidas, cabe a cada uma delas recorrer se quiser obter a reforma da decisão na parte que lhe seja desfavorável; mas o recurso por qualquer delas interposto pode, nesse caso, ser independente ou subordinado”.

Tanto no recurso independente como no subordinado, para que tenha legitimidade para a interposição do recurso, é preciso que a decisão recorrida represente para o recorrente um gravame ou um prejuízo real.

In casu, na acção intentada pelo Autor, a 1ª Ré ora reclamante foi absolvida da instância por ilegitimidade passiva.

Pretendeu todavia a ora reclamante ver ela própria absolvida dos pedidos.

Pois na óptica da reclamante, absolvição do pedido é mais do que a absolvição da instância.

É verdade, há absolvição da instância quando o juiz não chegou a pronunciar-se sobre o pedido e nada decidiu sobre o mérito da causa.

Pelo contrário, há absolvição do pedido quando a sentença se pronuncia sobre o mérito da causa, rejeitando o pedido do autor.

Apesar disso, tendo sido absolvida da instância, a ora reclamante não poderá vir a ser condenada no âmbito da presente acção, pois com o trânsito em julgado do saneador que a absolveu da instância, ela já deixou de ser parte do processo, naturalmente não será afectada qualquer que seja o sentido da decisão final a proferir no âmbito desse mesmo processo.

Não se vê portanto que gravame ou prejuízo real que a ora reclamante poderia sofrer com a absolvição da instância, inexistindo naturalmente para ela, enquanto ré absolvida da instância, interesse que merece a tutela mediante a impugnação por via recursória, para além da eventualidade de voltar a ser demandado pelo Autor.

Então neste última aspecto vejamos.

Se é certo que a absolvição da instância por ilegitimidade passiva não obsta a que seja proposta outra acção pelo mesmo autor contra o réu absolvido da instância, desde que aquele configure diferentemente a relação controvertida, não é menos verdade que o gravame ou prejuízo que o réu poderá vir a sofrer na hipótese de ser de novo demandado é um prejuízo eventual, longínquo e incerto.

O tal prejuízo não tem a virtualidade de justificar a legitimidade do assim absolvido para recorrer, por ser meramente hipotético e remoto.

Ademais, mesmo que a ora reclamante venha a ser de novo demandada pelo mesmo Autor, ela não ficará desemparada uma vez que naqueloutra acção a ela é sempre assegurado todo o mecanismo de defesa.

Improcede assim essa primeira parte da reclamação.

Passemos então a debruçarmo-nos sobre o pretendido reconhecimento de que a excepção decorrente da violação do pacto privativo de jurisdição, que foi julgada procedente pelo Tribunal a quo apenas relativamente à 2ª Ré, também quanto à reclamante se verifica.

A preocupação consiste no seguinte:
……ao não estender tal excepção de incompetência a todos os Réus (e ao somente absolver a 1ª Ré da instância e não do pedido, ao contrário do que foi por esta requerido), o Tribunal a quo coloca-se na ingrata posição de poder criar uma situação de litispendência, caso o Autor decida demandar a lª e 3a Rés em Macau e a 2a ré no Tribunal de Shenzhen! - com inevitáveis consequências para o princípio da certeza jurídica e economia processual.

Ora, mutatis mutandis, as considerações que tecemos supra valem para indeferir a pretensão da ora reclamante.

É verdade que o Autor pode decidir demandar a 1ª Ré, ora reclamante em Macau e a 2ª Ré na RPC.

Todavia, pergunta-se que interesse imediato a ora reclamante tem para se prevenir no âmbito da presenta acção contra um prejuízo eventual, longínquo e incerto que lhe poderá causar numa outra hipotética acção cuja propositura é ainda uma mera possibilidade teórica.

Se isso vier a acontecer, a nova acção será sede própria para o ora reclamante defender o que ela entende de justiça.

Dado que com a prolação do saneador que a absolveu da instância, não sofre a ora reclamante qualquer gravame ou prejuízo real, e que portanto não se verifica a sucumbência recíproca a que se refere o artº 587º/1 do CPC, não é de admitir o recurso subordinado.

Tudo visto, resta decidir.

Nestes termos expostos e sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação, mantendo a decisão da não admissão do recurso subordinado interposto pela 3ª Ré B – DESIGN, DECORAÇÃO E ENGENHARIA (MACAU), LDA., mediante o requerimento datado de 30MAIO2012.

Custas pela reclamante.

Fixo a taxa de justiça em 1/8.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC:

RAEM, 06OUT2012


O presidente do TSI


Lai Kin Hong

Recl. 10/2012-1