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Processo nº 706/2012 Data: 27.09.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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Processo nº 706/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos, respondeu, à revelia, em julgamento realizado no T.J.B., vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão; (cfr., fls. 365 a 366-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Após (pessoalmente) notificado, e inconformado, o arguido recorreu.
Na sua motivação e conclusões que aí produziu, suscita, nuclearmente, as questões de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, considerando também excessiva a pena que lhe foi imposta pedindo a sua suspensão; (cfr., fls. 401 a 413).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela total improcedência do recurso e sua consequente rejeição; (cfr., fls. 420 a 422).

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Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (fls. 401 a 413 dos autos), o recorrente arguiu a insuficiência para a decisão da matéria de facto provado prevista na alínea a) do n.° 2 do art. 400° do CPP, com os argumentos enunciados nas, designadamente, conclusões 21 a 25 aí formuladas.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da Exma. Colega na Resposta (fls. 420 a 422 dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Concernente à «insuficiência para a decisão da mateira de facto provada», a doutrina frisa que “Deve notar-se que a al. a) do n.° 2 se refere à insuficiência da matéria de facto provada indispensável à decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova art.° 400.°, que é insindicável em reexame da matéria de direito”. (Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas-Santos: Código de Processo Penal e Macau – Notas, 1997, p. 820)
À nível d jurisprudência, inculca o Venerando TUI (Acórdão decretado no Processo n.° 17/2000): Para se verificar a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é necessário que a matéria de facto provada se apresenta insuficiente, incompleta para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito adequada. Aparece o vício quando os factos dados como provados pelo tribunal sejam incompletos para chegar correctamente à solução de direito constante da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, a Mema. Juiz a quo condenou, na douta sentença em causa, o recorrente na pena de 6 meses de prisão. Daí flui que se preenche in casu o pressuposto formal para suspender a execução da pena de prisão, previsto no art. 48° n.° 1 do CPM.
Contudo, o próprio art. 48° n.° 1 evidencia que a suspensão da pena de prisão depende, além do pressuposto formal e objectivo, ainda da verificação do material, consubstanciado na conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Em conformidade com este segmento legal, tal conclusão tem de basear-se em prévias apreciação e valorização, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Importa ter presente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não se decretará a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (Acórdãos do TSI nos Processos n.° 242/2002, n.° 190/2004 e n.° 192/2004)
Voltando mais uma vez ao caso vertente, salienta-se da vista que na fls. 8 dessa sentença, a Mema. Juiz a quo esclarece: 根據«刑法典»第48條的規定,經考慮第一嫌犯的人格、生活狀況、犯罪其後的行為及犯罪的情節,尤其嫌犯並非初犯及觀乎其人格、因此,本法院認為在本案中僅對事實作譴責并以監禁作威嚇明顯不可適當及足以實施處罰的目的,所以,決定實際執行上述被判處的徒刑。
De facto, os antecedentes criminais da recorrente elencados na sentença recorrida revela inquestionavelmente que lhe foram já concedidas várias suspensões da execução das penas de prisão, vendo todas afinal frustadas. Ou seja, nenhuma logrou o efeito reeducativo e pedagógico.
Tudo isto previsivelmente inviável a suspensão da execução daquela pena de 6 meses de prisão, e indiscutivelmente insubsistente os argumentos aduzidos na 21 a 24 conclusões. E, de qualquer modo, não se verifica in cau a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provado”; (cfr., fls. 455 a 456).

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Nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos elencados na sentença recorrida, a fls. 362 a 363, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M. na pena de 6 meses de prisão.

Entende que a decisão recorrida padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e que excessiva é a pena que devia ser suspensa na sua execução.

Ora, como se consignou em sede de exame preliminar, o recurso é manifestamente improcedente, impondo-se a sua rejeição; (cfr., art. 410°, n°. 1 do C.P.P.M.).

Passa-se a expor este nosso entendimento, ainda que de forma algo abreviada.

–– Da alegada “insuficiência”.

É sabido que o imputado vício de insuficiência apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 01.03.2012, Proc. 62/2012).

No caso dos autos, o ora recorrente contestou, limitando-se a oferecer o “merecimento dos autos”; (cfr., fls. 100).

E, em audiência de julgamento, investigou o Tribunal a quo toda a “matéria objecto do processo”, emitindo, seguidamente, na sentença proferida, cabal pronúncia sobre tal matéria, elencando a que resultou provada e não provada e fundamentando, adequadamente, tal decisão.

Diz porém o recorrente que houve “factos que não puderam ser atendidos pelo douto Tribunal a quo porquanto o julgamento decorreu na ausência do arguido, não tendo assim sido possível ao douto Colectivo ajuizar a personalidade do ora Recorrente”; (cfr., concl. 9°).

Ora, é verdade.

O recorrente foi julgado à revelia, e só posteriormente notificado da decisão proferida.

Todavia, tendo-se observado – escrupulosamente – todas as formalidades legais para que se procedesse ao julgamento à sua revelia, nomeadamente, a sua notificação edital, adequado não parece que pela sua “ausência” seja o Tribunal responsabilizado.

Importa salientar que o ora recorrente foi, regularmente, constituído arguido em sede de Inquérito, (cfr., fls. 20), e, por isso, teria que saber que contra si corria termos num processo.

Se se desinteressou, não comunicando, como lhe competia, a sua mudança de residência, alheando-se do desenvolvimento do processo e desfecho, não parece que possa, agora, invocar a sua “ausência” em seu favor.

Claro nos parecendo o que se deixou exposto, continuemos.

–– Da “pena”.

O crime em questão é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa; (cfr., art. 137°, n.° 1 do C.P.M.).

Tem este Tribunal afirmado que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., de 31.05.2012, Proc. n° 391/2012).

E, tendo-se fixado a pena em 6 meses de prisão, evidente é que nenhuma censura merece o Tribunal a quo.

De facto, o ora recorrente tem um (algo) notável passado criminal, tendo já sido condenado por crimes de “roubo”, “tráfico” e “consumo ilícito de estupefacientes”, por várias vezes, tendo pelos mesmos cumprido penas, (cfr., matéria de facto provada), demonstrando, assim, uma personalidade com tendência para a delinquência.

Aliás, o próprio recorrente reconhece tal facto, afirmando mesmo que “certo é que o registo criminal do ora Recorrente é extenso o que desabona a seu favor”; (cfr., concl. 12°).

Diz, porém, que “todos os factos pelos quais foi até à data condenado estão intrinsecamente relacionados com os problemas sociais que o Arguido tem vivido devido às dificuldades económicas e sociais em que vive”.

Ora, sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido contrário, não se mostra de acolher o assim considerado.

Desde logo, porque provado não está, e como se viu, apenas por inércia do próprio recorrente.

Para além disso, sendo a R.A.E.M. uma região em que os índices de desemprego são dos mais reduzidos, à vista está o valor de tal argumento sem que com o mesmo se apresente qualquer justificação.

Por sua vez, como sabido é, a suspensão da execução da pena vem regulada no art. 48° do C.P.P.M..

Sobre tal matéria, teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades e prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 31.05.2012, Proc. n° 385/2012).

In casu, e face ao que se deixou dito, face às fortes necessidades de prevenção especial e geral, patente é que preenchidos não estão os “pressupostos materiais” para que se decida de forma favorável ao peticionado.

Dest’arte, e tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 27 de Setembro de 2012

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 706/2012 Pág. 14

Proc. 706/2012 Pág. 1