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Processo n.º 326/2011
(Recurso cível)

Data : 12/Julho/2012

ASSUNTOS:
- Causa prejudicial
- Suspensão de instância

   SUMÁRIO :
1. Entende-se por causa aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.
2. Quando a decisão de uma causa depender do julgamento de outra, isto é, quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, ou quando numa acção se ataca um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, estaremos perante uma causa prejudicial.
3. Se é verdade que a acção de responsabilização dos administradores, o que implicará a sua destituição nos termos legais, pode ser prosseguida em termos de responsabilidade independentemente dessa qualidade, não é menos certo é que, enquanto administradores, essa responsabilização não deixará de depender desse pressuposto.
4. Afigura-se necessário aferir primeiro se os administradores de uma determinada sociedade o são ainda ou não, para se poder aferir depois da necessidade de uma deliberação por parte da assembleia geral da recorrida de interposição de acção de responsabilidade contra os mesmos. Se não o forem, o pedido de invalidade de tal deliberação tomar-se-á supervenientemente inútil, porque então essa deliberação da assembleia geral deixa de ser necessária, uma vez que o conselho de administração efectivamente em funções terá poderes para, em nome da sociedade, interpor uma acção de indemnização contra os putativos administradores como, de resto, o poderia fazer contra quaisquer terceiros.

O Relator,

João Gil de Oliveira










Processo n.º 326/2011
(Recurso Cível)
Data: 12/Julho/2012
Recorrente: A Lda. (A公司)
Objecto de Recurso: Despacho que decidiu a suspensão da instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, Lda., com os melhores sinais dos autos, inconformada com o despacho de 02/12/2010, a fls. 310 e ss., que, com fundamento no art. 223°, n° 1, do C.P.C., decidiu suspender a instância dos autos até que sejam decididas com trânsito em julgado as acções CV3-08-0061-CAO e CV2-08-0067-CAO, vem recorrer, alegando, fundamentalmente e em síntese
    a) A presente acção em que é peticionada a invalidade de deliberações também tomadas em assembleia geral da sociedade recorrida realizada em 05/11/2009 que decidiu instaurar nova acção de responsabilidade civil contra aqueles dois administradores, o que também implicou a sua destituição ope legis, nos termos do mesmo art. 247°/2, do CSC, ratificar diversas intervenções judiciais feitas pelo CA composto também por esses dois administradores (eleitos em 01/09/2008) e uma vez que não foram eleitos novos administradores (como sucedera na Assembleia geral de 01/09/2008), nomear um representante especial para executar as deliberações antes referidas, não deve ser suspensa até serem obtidas decisões transitadas em duas outras acções, uma em que é peticionada a invalidade de deliberação social da assembleia geral daquela sociedade realizada em 06/06/2006 que elegeu dois administradores, e outra em que é peticionada a invalidade de deliberações da assembleia geral da mesma sociedade realizada em 01/0912008 que decidiu instaurar acção de responsabilidade contra aqueles dois administradores, o que implicou a sua destituição, eleger um novo conselho de administração e alterar a regra estatutária para destituição de administradores, que deixou de exigir maioria qualificada de 75% para se bastar com maioria simples de votos favoráveis representativos de 50% do capital social.
    b) A suspensão de uma causa, ao abrigo do disposto no art. 223°/1, do CPC, até à decisão de uma outra apenas é possível quando entre ambas exista uma relação de prejudicialidade ou dependência e, por conseguinte, qualquer outro motivo justificado, mencionado naquele preceito, tem de ser sempre intrínseco ou interior à causa que se suspende.
    c) Assim, a suspensão da instância nestes autos até decisão definitiva de outras duas acções tem de assentar numa relação de prejudicialidade que exige que aquelas acções tenham por objecto pedidos que constituam pressuposto da presente acção, ou seja, se a decisão daquelas duas acções entrar em rota de colisão com a proferida nesta causa, e a mesma não se verifica.
    d) Pois a responsabilização de um administrador enquanto tal e nessa qualidade por danos causados culposamente no exercício da gestão não depende nem é eliminada pela anulação, com efeitos retroactivos, do vínculo contratual em consequência da anulação de deliberações anteriores que os nomeou ou destituiu, e essa responsabilidade continua a ser aferida à luz dos deveres contratuais a que os mesmos estavam adstritos quando do exercício do cargo, e não à luz de deveres distintos.
    e) Mesmo admitindo que sendo invalidade a deliberação que nomeou esses administradores ou mantida a deliberação que os destituiu a acção de responsabilidade deixa de depender de deliberação nesse sentido da assembleia geral, não passa a existir entre as causas a mencionada relação de prejudicialidade uma vez que aquela deliberação é uma mera condição de procedimento, cuja falta, sendo exigida, representaria uma situação de incapacidade judiciária na modalidade de falta de deliberação, nos termos do art. 57°/1, do CPC, mas a sua existência não impede a instauração, o prosseguimento ou até o êxito da acção de responsabilidade, uma vez que os pressupostos da responsabilidade são os mesmos e têm a mesma conformação.
    f) Também não realiza essa relação de prejudicialidade o pedido de anulação de deliberação anterior que alterou a maioria exigida para deliberar sobre destituição de administradores de modo a que se esse pedido não tiver vencimento a nova regra passar a ter influência na apreciação da validade da deliberação em causa nos presentes autos de instaurar uma acção de responsabilidade civil, uma vez que nesta acção são formulados outros pedidos distintos e autónomos daquela deliberação, nomeadamente deliberações de ratificar diversas intervenções judiciais feitas pelo conselho de administração cessante em processos judiciais valiosos e urgentes, e, por um lado, no despacho recorrido de suspensão não existir qualquer argumento no sentido de justificar a suspensão da instância quanto àquelas outras deliberações e, por outro lado, não ser legalmente admissível, por definição, uma suspensão parcial da instância.
    g) Também não configura a relação de prejudicialidade a circunstância de parte da causa de pedir na presente acção, respeitante à existência de fraude à lei, pressupor a qualidade de administrador dos alegados lesantes, pois não se tratam de duas realidades diferentes, a configuração da causa de pedir apresentada na presente acção por um lado, e, por outro, a peticionada invalidade de duas deliberações anteriores, uma de nomeação e outra de destituição desses administradores, tomadas em outras tantas acções diferentes, como se verifica a mesma insuficiência antes mencionada de apenas justificar uma parte (a mesma parte antes referida) do objecto desta acção, pelo que apenas teria a possibilidade de relevar se fosse legalmente admissível, o que não é, a suspensão parcial da instância.
    h) Acresce que decorre claramente da letra do n° 2 do art. 223°, do CPC, que a regra nele contida apenas tem aplicação aos casos de suspensão por causa prejudicial e não de suspensão por motivo atendível, podendo e devendo neste último caso ser chamados a critérios da decisão todos os factores relevantes, nomeadamente os prejuízos que decorram para as partes da suspensão da instância e que no caso ocorrem, pois as duas acções prejudicais encontram-se praticamente paradas desde 2008, não tendo ainda sido proferido despacho saneador em qualquer delas.
    i) Acresce ainda que a ordenada suspensão da presente instância representa e representará, por isso, por um lado, um injustificável atraso na decisão acausa, com prejuízo para a vida societária da sociedade recorrida, nomeadamente a nível da ratificação de actos processuais em processos urgentes e onde estão em causa interesses patrimoniais de várias centenas de milhões de patacas, e, por outro lado, a violação do direitos da recorrente de obter em prazo razoável uma decisão judicial que aprecie, com força e caso julgado, as pretensões que deduziu.
    j) Por todo o exposto, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 223º e 1º/1, do CPC.
    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene o regular prosseguimento dos autos até decisão final.
    
    B, S.A.R.L., ré nos autos à margem referenciados e neles mais bem identificada, vem apresentar as suas CONTRA ALEGAÇÕES, dizendo, em sede conclusiva:
    1. Como vem referido no despacho recorrido, nos presentes autos são postas em causa as seguintes deliberações, tomadas na assembleia geral da recorrida que teve lugar em 5 de Novembro de 2009:
    a. Instaurar acções de responsabilidade civil contra dois membros do conselho de administração da recorrida (C e D);
    b. Ratificar actos praticados em nome da recorrida por mandatários judiciais da mesma em acções judicias;
    c. Nomear representante especial da ré para execução das duas deliberações referidas;
    2. O douto despacho recorrido determinou a suspensão da instância nos presentes autos por considerar serem causa prejudicial dos mesmos e motivo justificado de suspensão as acções que correm termos sob os processos n.ºs CV2-08-0067 e CV3-08-0061-CAO, nas quais é peticionada a anulação das deliberações tomadas nas assembleias realizadas em 06.06.2006 e 01.09.2008, mais concretamente as seguintes:
    
    i. Assembleia Geral realizada em 06.06.2006 - proc. n.º CV2-08-0067 :
    • Eleger como administradores os Senhores C e D;
    ii. Assembleia Geral realizada em 01.09.2008 - proc. n.º CV3-08-0061-CAO:
    • Instaurar acção de responsabilidade contra aqueles dois administradores;
    • Eleger um novo Conselho de Administração;
    • Alterar a regra estatutária referente à exigência de maioria qualificada de 75% do capital social para alteração da composição dos órgãos sociais, passando a mesma a exigir os votos favoráveis de apenas 50% do capital social;
    3. Nos termos do disposto no art. 223.°, n.º 1, do C.P.C., quando a decisão da causa estiver dependente de outra já proposta (causa prejudicial), ou quando ocorrer motivo que o justifique, o tribunal pode ordenar a suspensão da instância;
    4. Face à norma citada e às deliberações em causa nos autos considerados prejudiciais e nos presentes, a decisão recorrida de suspensão dos presentes afigura-se inatacável à luz dos interesses subjacentes ao instituto da suspensão da instância, que são os da economia processual e da harmonia jurídica interna ou seja, o interesse em evitar decisões inúteis, contraditórias ou incoerentes;
    5. Com efeito, como bem refere o tribunal a quo, estando em causa nestes autos uma deliberação da assembleia geral da recorrida de intentar acções de responsabilidade civil contra os seus administradores, é necessário aferir primeiro se tais administradores o são efectivamente ou não - o que resultará das decisões a proferir nos autos prejudicais - por que daí resultará a necessidade ou não dessa deliberação;
    6. É que se não o forem, o pedido de invalidade de tal deliberação tomar-se-á supervenientemente inútil porque a mesma é desnecessária, já que o conselho de administração efectivamente em funções terá poderes para, em nome da sociedade, interpor uma acção de indemnização contra os putativos administradores, como o poderia fazer contra quaisquer terceiros;
    7. De resto, é juridicamente incoerente decidir-se anular uma deliberação de intentar acções judicias contra administradores se os visados por essa deliberação não o sejam;
    8. Assim, a suspensão dos presentes autos permite definir em primeiro lugar se os administradores contra os quais se deliberou intentar acções são ou não administradores, pois, dessa qualidade dependerá a utilidade e a coerência da decisão a tomar nos presente autos relativamente a essa deliberação;
    9. É infundado o receio apresentado pela recorrente da execução da deliberação de interpor acções judicias contra os administradores pois, mesmo que a acção seja intentada, a mesma poderá e deverá ser suspensa enquanto estiver pendente os presentes autos de declaração de nulidade ou anulabilidade da deliberação com base na qual aquela acção foi instaurada;
    10. Discorda a recorrida do despacho recorrido quando afirma que se for "invalidada" a deliberação de 2008 (que alterou as maiorias estatutárias) e "repristinada" a anterior norma estatutária que exigia 75% dos votos para as decisões da assembleia geral, procederá o pedido nos presentes autos na parte que respeita à insuficiência de votos para a deliberação de intentar acções de responsabilidade civil e eleger representante especial para o efeito, pois que a deliberação em causa nestes autos não obteve pelo menos 75% dos votos favoráveis;
    11. Na verdade, com todo o respeito, entende a requerida que a deliberação em causa não carece de qualquer maioria qualificada, quer porque parece resultar do artigo 247°, n.º 1, do Código Comercial, que a maioria simples aí prevista é imperativa, quer porque os estatutos (antes e após as deliberações de 2008) são omissos quanto a esta matéria, pelo que, mesmo que a norma não seja imperativa, a mesma sempre seria supletivamente aplicada;
    12. Assim, nesta parte concorda-se com a recorrente que relativamente à deliberação de intentar acções de responsabilidade contra os administradores não existe qualquer relação de prejudicialidade com a deliberação de 2008 que alterou as maiorias estatutárias;
    13. Relevante é o argumento já exposto, ou seja, a incoerência de uma decisão de invalidação de uma deliberação de interpor acções de responsabilidade contra os administradores quando os visados já não o sejam e, bem assim, a inutilidade dessa deliberação caso se venha a decidir que os administradores visados na mesma foram validam ente destituídos por via das deliberações de 2008, o que só se saberá após a decisão da acção respectiva), ou que não foram validamente nomeados pela deliberação de 2006 (havendo que esperar a decisão da respectiva acção);
    14. Ao contrário do que entende a recorrente, a suspensão dos presentes autos justifica-se em relação a todas as deliberações postas em causa e não apenas em relação a de intentar acções judicias contra os dois administradores;
    15. Com efeito, relativamente à segunda deliberação, de ratificação dos actos praticados em nome da recorrida por mandatários judiciais em que a mesma é parte, existe a tal relação de prejudicialidade com a deliberação de 2008, referida no despacho, que colocou a maioria necessária para a aprovação das deliberações da assembleia geral em, pelo menos, 50% do capital social;
    16. Com efeito, relativamente à matéria de representação em juízo, se a deliberação de 2008 for "confirmada", improcederá a causa de pedir na parte que respeita à insuficiência de votos pois a deliberação de ratificação das intervenções em processos judiciais obteve mais de 50% dos votos favoráveis;
    17. No que respeita à terceira deliberação, de nomear representante especial da ré para execução das outras duas deliberações, como é evidente, a mesma é acessória das outras duas, sendo até uma consequência legal da primeira, nos termos do disposto art. 247°, n.º 2 a final, do Cód.Com. Assim, justificando-se a suspensão da instância relativamente às outras, fica também justificada a suspensão relativamente à última.
    18. A decisão de suspensão de uma deliberação social, proferida em sede de procedimento cautelar, não tem força de caso julgado sobre a questão da validade ou invalidade da mesma deliberação social que só será decidida na acção principal;
    19. Assim, a decisão proferida na providência referida pela recorrente, através da qual foram suspensas algumas das deliberações atacadas nas acções consideradas prejudiciais (as de 2008), não altera a questão relevante nessas mesmas acções e na presente, que é a validade ou invalidade das deliberações em causa. E, como está bem explícito no despacho, o que determina a suspensão dos presentes autos é a relação de prejudicialidade entre essas deliberações e a conexão existente entre elas;
    20. É inatacável o argumento utilizado pelo juiz a quo, como mais um suporte da decisão de suspensão, segundo o qual, logo à partida, não existirá fraude à lei por parte da recorrida na tomada da deliberação de intentar acções contra os seus administradores - uma das causas do pedido de invalidade desta deliberação - caso os administradores em causa afinal não o forem, porque, nesse caso, essa deliberação que conduziu (de forma fraudulenta) à sua destituição ope lege não teria efeito algum;
    21. Como refere a douta decisão recorrida, o julgamento de tal situação de serem administradores actuais ou não - depende das decisões a proferir nas acções nas quais se discute as deliberações que os nomearam e que provocaram a sua destituição ope lege, anteriores àquelas aqui em apreço;
    22. No fundo, resulta expressa e implicitamente do despacho, que é necessária a definição da situação jurídica dos visados relativamente à sociedade, porquanto essa definição é um pressuposto da causa de pedir (fraude à Lei) dos presentes autos;
    23. Não se vislumbra como é que a suspensão dos presentes autos, enquanto aqueles processos não forem decididos, causará prejuízo maior para a recorrida, mormente no que concerne à necessidade de prática ou ratificação urgente de actos em procedimentos judiciais em curso.
    24. Com efeito, está em causa, em todas as deliberações atacadas nestes e nos outros processos considerados prejudiciais, a definição de quem são os administradores da recorrida.
    25. Assim, por via das acções em curso de anulação dessas deliberações, qualquer acto praticado ou ratificado pelos administradores em procedimentos judiciais a decorrer corre o sério risco de vir a ser invalidado, aumentando ainda mais a confusão já existente.
    26. Assim, tem toda a razão o despacho recorrido quando sustenta que, numa perspectiva prática, sem a definição das questões mais velhas (a validade ou invalidade das deliberações de 2006 e 2008) através da segurança jurídica do caso julgado, poderá cair-se numa situação de complexidade tal que os tribunais terão dificuldade em solucionar por não lhe ser fácil manter o controlo racional das inúmeras variáveis, o que se conseguirá se se forem assentando as várias questões que as partes vão colocando, em vez de as manter todas em aberto.
    27. No fundo, o tribunal a quo pretende evitar com a suspensão dos presentes autos que o entrelaçado de questões em aberto impossibilitem a tomada de decisões racionais, consistentes e coerentes prolongando assim ad eternum a insustentável situação presente da recorrida.
    28. O argumento utilizado pela recorrente, supostamente para atacar a decisão de suspensão dos presentes autos, segundo o qual na presente situação da vida da recorrida, difícil porque recheada de conflitos internos entre sócios e administradores, a resolução dos mesmos deve ser atingida através da aplicação das normas societárias e legais que regulam aquela, apenas vem dar razão ao tribunal a quo na decisão de suspensão;
    29. Na verdade, é preciso decidir se os administradores eleitos em 2006 o foram ao abrigo da lei e das normas estatutárias então em vigor, se a deliberação que provocou o afastamento ope legis dos administradores em 2008 foi ou não bem tomada à luz da lei e das normas estatutárias em vigor e, realça-se, até quais as normas estatutárias que estão ou não vigor (já que está também impugnada uma deliberação de alteração de estatutos) para que na presente acção se possa aplicar correctamente a lei e as normas estatutárias que regem a vida da recorrida;
    30. De todo o exposto resulta que, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo não violou qualquer preceito legal, antes fez uma correcta aplicação da lei, nomeadamente do n.º 1 do artigo 223º do CPC, pelo que deve o recurso interposto improceder na totalidade.
    Nestes termos, deverá o recurso interposto pela A., aqui recorrente, ser julgado improcedente.
    
    II - FACTOS
    Vem assente a factualidade seguinte:
    
    “I) - Em 06/06/2006, por deliberação social tomada em assembleia geral dos sócios da ré, foram nomeados administradores da mesma C, D e reconduzido E.
    II) - Está pendente em tribunal acção onde é pedida a anulação dessa deliberação social.
    III) - Por posterior deliberação social, tomada em 01/09/2008, foi alterada a composição do conselho de administração da ré, substituindo-se por outros administradores os referidos C, D e E, tendo tal deliberação sido declarada suspensa por decisão judicial.
    IV) - Na mesma reunião da assembleia geral da ré, de 01/08/2009, foi deliberado alterar as regras estatutárias de forma que as deliberações da assembleia geral sobre nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais … e sobre alteração dos estatutos passassem a ser tomadas com votos favoráveis representativos de pelo menos 50% do capital social, quando anteriormente eram necessários votos favoráveis representativos de pelo menos 75% do mesmo capital social.
    V) - A deliberação de instaurar acções de responsabilidade contra os administradores, impugnada nestes autos, foi tomada com votos favoráveis representativos de mais de 50% e de menos de 75% do capital social da aqui ré.
    VI) - Também está pendente em tribunal acção onde é pedida a anulação da deliberação social da ré tomada em 01/09/2008.
    VII) - Nos autos de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais apenso foi citada a requerida e, por isso, suspensa a deliberação social impugnada nestes autos (art. 342°, n° 3 do Código de Processo Civil).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. Como vem referido no despacho recorrido, nos presentes autos são postas em causa as seguintes deliberações, tomadas na assembleia geral da recorrida que teve lugar em 5 de Novembro de 2009.
- Instaurar acções de responsabilidade civil contra dois membros do conselho de administração da recorrida (C e D);
- Ratificar actos praticados em nome da recorrida por mandatários judiciais da mesma em acções judicias;
- Nomear representante especial da ré para execução das duas deliberações referidas.

O objecto do presente recurso passa assim por saber se se observam os fundamentos que podem levar a um decretamento de suspensão da instância da presente acção, sendo certo que na providência cautelar respectiva este mesmo Tribunal já decidiu não ser de suspender a instância naquele procedimento, pelas razões vertidas no processo 756/2011 deste TSI.
    
2. E nesse mesmo acórdão não se deixou de anotar:
    “ Não obstante o douto raciocínio jurídico modal operado pelo Mmo Juiz afigura-se-nos que a decisão recorrida enferma de algum excesso de rigor formal, não levando em linha de conta com os fins que por via da providência se visam acautelar.
    Suspende-se a instância de uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.
     Desde logo parece haver aqui algo de errado, pois que, a permitir-se uma suspensão de instância de uma suspensão de uma deliberação social, o que se evidencia é a desnecessidade da existência de uma providência e um dos seus fundamentos, o periculum in mora, é desde logo afastado, devendo então a questão ser resolvida em sede de provimento ou não da providência e não se deve fazer depender o seu prosseguimento da sorte da acção principal a que está acopulada, esta sim, eventualmente dependente, prejudicada, condicionada, contrariada ou inutilizada pela decisão dada a uma questão que ali igualmente se discuta.
     E esta sensibilidade deve tê-la acolhido o legislador, enquanto prevê que o instituto da suspensão de instância apenas para as causas, o que parece excluir os incidentes e os procedimentos cautelares.
     Um procedimento cautelar não se confunde com a acção de que é dependente.
Tanto assim que também nas acções executivas não é possível usar de tal instituto, isso mesmo tendo sido decidido na pendência do CPC de 39 por Assento de 24/5/1960,1 cuja força vinculativa se manteve, como decidiu o STJ, em 573/712 e se manteve com o código de 61.3
Acresce que as razões e análise desenvolvida pelo Mmo juiz relevam especialmente em sede de interrelacionação entre as diferentes decisões impugnandas, devendo ser aí que opera a prejudicialidade entre elas.”

Apontava-se, aí, para a necessidade da questão da prejudicialidade dever ser apreciada em função da acção e não da providência cautelar.
Nem se diga que aquela decisão determina o sentido desta, antes confirma a argumentação expendida, bem podendo sobrevir uma suspensão de uma deliberação social numa acção em que venha a ser suspensa a instância, vistos os fundamentos da caducidade da providência previstos no artigo 33º do Código de Processo Civil.
    Vejamos então.
    
    3. Atentemos nas razões do douto despacho que se pronunciou no sentido da suspensão da instância.
    “Em suma, está aqui em causa o valor jurídico da deliberação social de intentar uma acção de responsabilidade civil contra dois administradores da ré e de ratificar actos processuais praticados em acção onde se impugna a deliberação social da mesma sociedade que nomeou esses mesmos administradores.
    Ocorre assim que os dois administradores a demandar em acção de responsabilidade civil foram nomeados por deliberação social de 06/06/2006, a qual está impugnada na acção ordinária n° CV2-08-0067, ainda não tendo sido decidida por decisão transitada em julgado.
    Ocorre ainda que tais administradores foram destituídos por deliberação da assembleia geral da ré de 01/09/2008, também impugnada em acção judicial que corre termos neste tribunal sob o n.° CV3-08-0061-CAO e onde não foi ainda proferida decisão transitada em julgado.
    E ocorre ainda que na assembleia geral da ré de 01/09/2008 foram alteradas as regras sobre os votos necessários à aprovação das deliberações dos sócios que abrangem as deliberações que directa ou indirectamente destituam os administradores, como é o caso da deliberação de responsabilização (art. 247°, n.° 1 do Código Comercial).
    Deliberou-se em 05/11/2009 responsabilizar dois administradores nomeados e destituídos por decisões judiciais impugnadas judicialmente e ainda sem decisão definitiva.
    O valor e a eficácia jurídica da decisão de responsabilizar os administradores está dependente do valor que venha a ser reconhecido à decisão que os nomeou e à decisão que os destituiu. Na verdade, admitindo-se que a responsabilidade dos administradores para com a sociedade, ou parte dessa responsabilidade, seja contratual, é fundamental saber se subsiste aquela base contratual posta em causa na impugnação judicial das deliberações sociais de nomeação e destituição. Por outro lado, só se os responsáveis forem presentemente administradores é necessária a deliberação da assembleia geral de os responsabilizar, pois se já não o forem ou nunca o tiverem sido, o conselho de administração poderá decidir recorrer a juízo para ressarcimento dos danos em causa.
    Acresce que, quanto à parte da causa de pedir que respeita à fraude à lei, é relevante o destino das deliberações de nomeação e destituição dos administradores. Com efeito, diz-se que a deliberação de intentar acção de responsabilidade esconde a intenção de destituição. Ora se os administradores em causa estiverem validamente destituídos pela deliberação de 2008 (o que só se saberá após a decisão da acção respectiva) ou se nunca tiverem sido validamente nomeados pela deliberação de 2006 ou por outra (havendo que esperar também a decisão da respectiva acção), é destituída de efeitos e meramente putativa a alegada intenção fraudulenta de os destituir sob a capa de os responsabilizar por danos causados.
    Por outro lado se for "confirmada" a deliberação de 2008 que colocou a maioria necessária para aprovação das deliberações da assembleia geral em, pelo menos, 50% do capital social, improcederá a causa de pedir na parte que respeita à insuficiência dos votos, pois que a deliberação em causa nestes autos (intentar acções de responsabilidade e de eleger representante especial para o efeito) obteve mais de 50% dos votos favoráveis. E se for "invalidada" aquela deliberação de 2008 e "repristinada" a anterior norma estatutária que exigia 75%, procederá tal causa de pedir, pois que a deliberação em causa nestes autos não obteve pelo menos 75% dos votos favoráveis. É, pois, imprescindível saber se "sobrevive" ou não a deliberação de 2008, questionada noutra acção ainda pendente.
    Deliberou-se ratificar os actos processuais praticados em nome da ré na acção onde se impugna a sua deliberação social que nomeou os administradores a responsabilizar. Se for necessária e não for possível a ratificação por falta de deliberação social definitiva, haverá que nomear representante ad litem naqueles autos, o que não invalida a suspensão destes.
    Crê-se assim que ocorre causa prejudicial e ainda outro motivo que justificam a suspensão da presente instância até que sejam decididas as acções judicias pendentes de anulação das deliberações sociais da ré tomadas em 06/06/2006 e 01/09/2008. Na verdade, todas as deliberações sociais tomadas desde 06/06/2006, inclusive, até à que está em causa nestes autos estão judicialmente impugnadas com vista à declaração das respectivas nulidades, não havendo ainda decisão transitada em julgado quanto a tal pretensão. Algumas dessas deliberações estão entre si em relação de prejudicialidade e dependência, mas todas elas estão em conexão, pelo que é, pelo menos, aconselhável que "vão ficando definitivamente válidas ou inválidas" para que as posteriores não venham a ser "surpreendidas" na sua validade pelo valor ou desvalor jurídico que venha a ser reconhecido às anteriores.
    E numa perspectiva prática, sendo insofismável que a raiz dos vários litígios que envolvem a ré e as suas duas principais sócias é a luta sem tréguas pelo controle da ré, acabarão, ou reduzir-se-ão, os litígios se for invalidada a deliberação de 2006 ou validada a de 2008 e não será fácil encontrar modo de os acabar ou colocar em níveis controláveis no caso contrário, pelo que, sem a definição das questões "mais velhas" através da segurança jurídica do caso julgado, poderá até cair-se numa situação de tal complexidade que os tribunais terão dificuldade em solucionar por não lhe ser fácil manter o controle racional das inúmeras variáveis, o que se conseguirá se se forem assentando as várias questões que as partes vão colocando, em vez de as manter todas em aberto. Dito de outro modo, a suspensão das questões "mais novas" para que se vão fixando as "mais velhas" é imperiosa para que os tribunais mais facilmente possam "dar conta do recado" e evitarem o risco de perderem o controle racional com decisões contraditórias ou de fundamentação inconsistente.
    Não é, pois, como se disse, possível decidir parte do objecto dos presentes autos, designadamente no que tange à parte da causa de pedir supra referida sob c), sem que previamente sejam decididas as acções relativas às deliberações de 2006 e 2008, quer para saber se os administradores visados pela deliberação sobre a sua responsabilidade contratual ainda são administradores (ou foram), quer para saber quais os votos favoráveis necessários para aprovação das deliberações que têm por efeito a respectiva destituição. E isso independentemente do prejuízo que a suspensão possa causar às partes, pois se não é possível sem prejuízo, também não é possível com prejuízo, embora não se veja que a suspensão cause prejuízos atendíveis, os quais não fazem parte do critério de decisão de suspensão, uma vez que os referidos no art. 223°, n° 2 do Código de Processo Civil são meramente de economia processual.
    Por outro lado, relativamente à alegada fraude à lei, afigura-se totalmente conveniente esperar pela decisão judicial a proferir sobre a deliberação de destituição de 2008, pois que poderá fazer concluir que a alegada intenção fraudulenta não passou de tentativa frustrada de, em 2009, destituir quem já estava destituído desde 2008.
*
    Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 223°, n.º 1 do Código de Processo Civil, decide-se suspender a presente instância até que sejam decididas com trânsito em julgado as acções CV3-08-0061-CAO, relativa à deliberação social de 01/09/2008, e CV2-08-0067-CAO, relativa à deliberação social de 06/06/2006.”

4. Da suspensão por prejudicialidade
Somos a acompanhar, no essencial, as razões aduzidas no douto despacho transcrito.
De acordo com o n.º 1 do artigo 223º do Código de Processo Civil:
"O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado."
    Entende-se por causa prejudicial - e refira-se que a lei não fala em prejudicialidade, mas sim em dependência do julgamento de uma outra – aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.4
Como já afirmado neste Tribunal5, a prejudicialidade entre duas acções verifica-se sempre que a decisão da causa, neste caso da excepção invocada, depende da decisão a proferir noutra causa.
    Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, alargando-se aqui o conceito de causa à questão prévia ou pressuposto de que cumpra conhecer.
    Segundo o Prof. Alberto dos Reis – que neste passo acompanha o Prof. Manuel de Andrade6, “verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se, nesta via, em via incidental, como teria de o ser desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro, em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.
Esta noção é a que tem sido acolhida pela doutrina e jurisprudência7 relativamente à possibilidade de suspensão da instância, sempre que estando pendentes duas acções, a decisão de uma possa afectar o julgamento de outra e “dando-se até grande liberdade ao juiz no uso do poder que lhe é concedido, devendo ele orientar-se por critérios de utilidade e conveniência processual.8,9
Quando a decisão de uma causa depender do julgamento de outra, isto é, quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, ou quando numa acção se ataca um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, estaremos perante uma causa prejudicial.
    5. Descendo ao caso concreto, o que se pede aqui é a impugnação de uma deliberação que decidiu responsabilizar a actuação de dois administradores e ratificar os actos praticados por mandatário forense.
    Em todas as referidas acções, a seguir indicadas por ordem cronológica das assembleias, é peticionada a invalidade de deliberações sociais tomadas em Assembleias Gerais da Recorrida.
    No Processo CV2-08-0067-CAO estão em causa deliberações tomadas na Assembleia Geral de 06/06/2006, cujo teor, no que releva para o presente recurso, é o seguinte:
    - por unanimidade, eleger como administradores da sociedade os Senhores C e D.
    No Processo CV3-08-0061-CAO estão em causa deliberações tomadas na Assembleia Geral de 01/09/2008, cujo teor, no que releva para o presente recurso, é o seguinte:
    - com os votos da accionista maioritária (mas sem a maioria estatutária de 75%), (i) instaurar acção de responsabilidade contra aqueles dois administradores, o que implicou a sua destituição ope leges, nos termos do art. 247°/2, do CC, (ii) eleger um novo conselho de administração e (iii) alterar a regra estatutária para destituição de administradores, que deixou de exigir maioria qualificada de 75% para se bastar com maioria simples de votos favoráveis representativos de 50% do capital social.
    No presente processo estão em causa deliberações tomadas em Assembleia Geral de 05/11/2009, cujo teor, no que releva para o presente recurso, é no essencial o seguinte:
    - com os votos da accionista maioritária (mas sem a maioria estatutária de 75%), (i) instaurar nova acção de responsabilidade civil contra aqueles dois administradores, o que também implicou a sua destituição ope legis, nos termos do mesmo art. 247°/2, do CC, (ii) ratificar diversas intervenções judiciais feitas pelo CA composto também por esses dois administradores (eleitos em 01/09/2008) e uma vez que não foram eleitos novos administradores (como sucedera na Assembleia geral de 01/09/2008), (iii) nomear um representante especial para executar as deliberações antes referidas.

6. Diz a recorrente que só o trânsito em julgado de uma acção determinará no caso presente aquela prejudicialidade, entendida esta como a situação que decorre de uma dada acção ter por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada na outra acção. Isto, no que toca às acções de responsabilização civil dos administradores, pois que entre estas e as nomeações de administradores, uma acção de responsabilidade civil pode ter por fundamento a actuação lesiva de um administrador ainda que ilegalmente nomeado.
    
    Se é verdade que a acção de responsabilização dos administradores, o que implicará a sua destituição nos termos legais, pode ser prosseguida em termos de responsabilidade, independentemente dessa qualidade, não é menos certo que, enquanto administradores, essa responsabilização não deixará de depender desse pressuposto.
    Como bem afirma o tribunal a quo, é necessário aferir primeiro se os administradores em causa o são ainda ou não, para se poder aferir depois da necessidade de uma deliberação por parte da assembleia geral da recorrida de interposição de acção de responsabilidade contra os mesmos. Se não o forem, o pedido de invalidade de tal deliberação tomar-se-á supervenientemente inútil, porque então essa deliberação da assembleia geral deixa de ser necessária, uma vez que o conselho de administração efectivamente em funções terá poderes para, em nome da sociedade, interpor uma acção de indemnização contra os putativos administradores como, de resto, o poderia fazer contra quaisquer terceiros.
    É certo que por causa superveniente sempre se poderia pôr fim à instância ou que esse pressuposto podia ser igualmente conhecido na presente acção; só que estaríamos aí perante uma situação que será de evitar, qual seja a de colocar em termos eventualmente conflituantes diferentes decisões sobre o mesmo thema.
    E quanto à possibilidade de serem intentadas acções de responsabilização contra os "putativos" administradores por eventuais prejuízos que tenham causado à recorrida, tal possibilidade desvirtua o sentido da deliberação impugnanda e que visa a responsabilização dos administradores.
    
     7. É certo, por outro lado, tal como alega a recorrente, que os dois administradores visados, se o forem, não irão intentar acções contra si próprios, sendo que os interesses da recorrente se confundem com os dos administradores visados, donde terem todo o interesse em anular o mais rapidamente possível essa deliberação, não lhes convindo a suspensão decretada.
    Mas importa aqui reter que está em curso, se não decidida já, a suspensão da eficácia da deliberação social, suspensão que se manterá até ao fim da presente acção ainda que com a instância suspensa.
    E a suspensão dos presentes autos não belisca a possibilidade de vir a ser anulada a deliberação em causa.
    Estamos em todo o caso com a posição vertida no despacho recorrido e que vai no sentido de não ser conveniente decidir anular uma deliberação de intentar acções contra administradores se os visados por essa deliberação não são administradores, questão que se assume como prévia à dos presentes autos.
    
    8. Quanto ao facto da falta de deliberação da AG ser uma mera formalidade procedimental cuja falta representaria, no entanto, uma situação de incapacidade judiciária, não estando comprometida a instauração, prosseguimento ou até o êxito da acção de responsabilidade uma vez que os pressupostos da mesma se mantinham, não se vê em que medida esse vício compromete a suspensão da instância.
    Não só porque a seu tempo dele se conhecerá, quando a acção de impugnação da deliberação vier a ser decidida, como ainda pelo facto de que essa deliberação se manterá suspensa por força da providência, se o tiver que ser.
    
    9. A primeira deliberação em causa nos presentes autos não é uma deliberação de destituir os administradores mas sim de interpor acções judiciais contra os mesmos. A destituição é uma consequência legal dessa deliberação.
    Independentemente da questão relativa à maioria necessária para aprovação da deliberação em causa, sendo que, ainda aí, essa questão bem poderia ser dilucidada na acção suspendenda, essa questão não se afiguira determinante em termos de prejudicialidade com a presente acção, ao contrário do afirmado no despacho sob escrutínio.

    10. Há depois outra questão que vem colocada pela recorrente e respeita ao facto de a deliberação de instaurar acção contra os administradores ser apenas uma das que se encontram aqui em causa, não apresentando o despacho recorrido qualquer fundamento no que diz respeito à suspensão da instância relativamente às restantes.
    É verdade que o despacho recorrido não se pronuncia sobre essa questão.
    Mas não se deixa de observar, no concernente à ratificação dos actos praticados em nome da recorrida por mandatários judiciais em que a mesma é parte, uma relação de prejudicialidade com a deliberação de 2008, referida no despacho, que colocou a maioria necessária para a aprovação das deliberações da assembleia geral em, pelo menos, 50% do capital social.
    Com efeito, relativamente à matéria de representação em juízo, se a deliberação de 2008 for confirmada, improcederá a causa de pedir na parte que respeita à insuficiência de votos pois que a deliberação de ratificação das intervenções em processos judiciais obteve mais de 50% dos votos favoráveis.
    
    11. No que respeita à terceira deliberação, a de nomear representante especial da ré para execução das outras duas deliberações,vista a relação de acessoriedade entre esta e as duas primeiras, visto ainda o disposto no art. 247.º, n.º 2, do Código Comercial, justificar-se-á também a suspensão relativamente à última.
    
    12. Quanto ao fundamento que procura extrair da decisão da providência, de todo, não lhe assiste razão.
    Defende a recorrente que
    “… a situação jurídica em causa (que está na origem da alegada prejudicialidade) encontra-se já regulada por sentença proferida sentença no procedimento cautelar n° CV3-08-0061-CAO-A, que apesar de não ter transitado em julgado, produz efeitos imediatos, uma vez que ao recurso interposto contra a mesma foi fixado efeito meramente devolutivo.
    Que desta sentença resulta que C e D se mantêm como membros do Conselho de Administração da Recorrida apesar de ter sido aprovada uma deliberação que os destituiu, uma vez que essa deliberação foi judicialmente suspensa. O despacho que ordena a citação no Apenso A deste processo também determinou a suspensão de eficácia da deliberação de 05/11/2009 que destituiu aqueles administradores. E relativamente à deliberação de 06/06/2006, que os elegeu, o facto de não ter sido intentado procedimento cautelar significa exactamente isso: que até ser anulada ou declarada nula os administradores se mantêm em efectividade de funções.
    Que havendo uma sentença que foi proferida exactamente para regular a situação jurídica em causa durante a pendência daquelas acções, parece contraditório que um despacho judicial em diferente acção venha defender que a situação não está juridicamente regulada e que tem de esperar pelo resultado daquelas outras acções. Foi exactamente para definir, ainda que provisoriamente, a situação jurídica em causa que foi intentada uma providência cautelar. Pelo que, até ser proferida decisão que revogue aquela sentença, a situação encontra-se juridicamente definida e estabelecida.”
    
    Mas não tem razão.
    A decisão do procedimento é necessariamente cautelar e provisória e visa a decretação judicial de providências destinadas à conservação de um direito ou à antecipação de um dano grave sobre esse direito.
    Assim, a decisão de suspensão de uma deliberação social, proferida em sede de procedimento cautelar, não tem força de caso julgado sobre a questão da validade ou invalidade da mesma deliberação social, que só será decidida na acção principal.
    Daí que, no caso em apreço, através da decisão proferida na providência referida pela recorrente, o tribunal decidiu suspender os efeitos das deliberações de 2008 até que haja a decisão definitiva sobre a sua validade ou invalidade. A decisão decretada proferida na providência limita-se, pois, a "impedir" a produção de efeitos jurídicos das deliberações postas em causa e não a regular a situação da sua validade ou invalidade.
    
    13. No ponto 10 refere a recorrente que o despacho recorrido
    "... entretece duas realidades diferentes. De um lado a configuração da causa de pedir apresentada na presente acção como fundamento de uma deliberação de instaurar uma acção de responsabilidade civil contra dois administradores e de outro a peticionada invalidade de duas deliberações anteriores, uma de nomeação e outra de destituição desses administradores, tomadas em outras tantas acções diferentes."
    Não se veja que haja mal nessa relacionação. No fundo, resulta do despacho que é necessária a definição da situação jurídica dos visados relativamente à sociedade, porquanto essa definição é um pressuposto da causa de pedir dos presentes autos e por aí se aferirá um pressuposto em que radicará a sua destituição de administradores da sociedade.
    
    14. A recorrente sustenta que o despacho recorrido deveria ter em conta os prejuízos decorrentes da suspensão da presente instância e não somente as questões de mera economia processual.
    É que, defende, os prejuízos da suspensão da instância dos presentes autos serão elevados para a vida societária da Ré.
    A interrogação que se coloca quanto a este argumento é a de saber onde reside a causa dos atrasos e dos decorrentes prejuízos para a vida societária. Não será antes da teia estatutária armadilhada pelos próprios sócios e nas acções entretanto interpostas de impugnações de deliberações sucessivas que imobilizam o giro comercial e se configuram com causa prejudicial da presente acção?
    Na verdade, não se vê como é que a suspensão da presente instância, enquanto aqueles processos não forem decididos, causará prejuízo maior para a recorrida, mormente no que se refere à necessidade de ratificação urgente de actos processuais em processos em curso.
    Com efeito, está em causa em todas as deliberações atacadas nestes e nos processos considerados prejudiciais a definição de quem são os administradores da recorrida.
    Assim, por via das acções em curso de invalidação dessas deliberações, qualquer acto praticado ou ratificado pelos administradores em procedimentos judiciais a decorrer corre o sério risco de vir a ser invalidado, aumentando ainda mais a confusão já existente.
    Como assinala o Mmo Juiz a quo, sem a definição das questões mais velhas (a validade ou invalidade das deliberações de 2006 e 2008) através da segurança jurídica do caso julgado, poderá cair-se numa situação de complexidade tal que os tribunais terão dificuldade em solucionar por não lhe ser fácil manter o controlo racional das inúmeras variáveis, o que se conseguirá se se forem assentando as várias questões que as partes vão colocando, em vez de as manter todas em aberto.
    15. Por último, defende a recorrente que na presente situação da vida da recorrida, difícil porque recheada de conflitos internos entre sócios e administradores, a resolução dos mesmos deve ser atingida através da aplicação das normas societárias e legais que regulam aquela.
    Isso é verdade e já o afirmámos, aquando da nossa decisão em sede de recurso sobre a decisão de suspensão de instância na providência.
    Só que esse argumento para aqui de nada vale. A sociedade tem que viver com as regras que se mantenham, ainda não impugnadas. São essas que vão valendo, mas daí não se retira argumentação válida para o que aqui está em causa, pois que se trata de medidas pontuais e na medida em que afectem o próprio giro, não deixam de estar abrangidas pela validade cautelar de uma suspensão provisória enquanto não sobrevenha decisão na acção.

    Tudo visto e ponderado, resta decidir no sentido da manutenção do que decidido foi.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a, nos termos vistos, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
                Macau, 12 de Julho de 2012,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - cfr. BMJ 97, 173
2 - BMJ 205, 195
3 - CJ-STJ 1993, I, 59
4 - Lebre de Freitas, CPC Anot. I, 1999, 501
5 - Ac. TSI, de 23/1/2003, proc. 200/2003
6 - cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, 3º, 269
7 - Ac. STJ de 28/2/75, BMJ 244,239; STJ de 29/7/80, BMJ 299,280; RC de 5/1/82, CJ,1982, 1º,77: STJ de 18/2/92, BMJ 314,267; STJ de 2/12/93, BMJ 432,285;STJ de de 9/6/87, BMJ 368, 491
8 - Lebre de Freitas, in CPC Anot., I, 1999, 501
9 - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, vol. I, pag. 286 e vol. III, pág. 206 e Jacinto Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, vol. II, pag.42.

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326/2011 1/35