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Processo n.º 596/2012 Data do acórdão: 2012-9-27 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
– tráfico de droga
– medida da pena

S U M Á R I O
1. Não há erro notório na apreciação da prova, quando após considerados em global e de modo crítico todos os elementos dos autos e referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido, não se afigura patente ao tribunal ad quem que o tribunal colectivo a quo, ao ter julgado como provada a factualidade descrita nesse aresto, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou qualquer norma legal sobre o valor da prova, ou quaisquer legis artis vigentes em matéria de julgamento da matéria de facto.
2. Não pode, pois, a arguida vir aproveitar o mecanismo de recurso para sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou criteriosamente aquele tribunal nos termos do art.o 114.o do Código de Processo Penal.
3. São elevadas as exigências de prevenção geral do crime de tráfico de droga, especialmente quando cometido por pessoa vinda do exterior de Macau, pelo que sob os padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do Código Penal, já não há mais margem para a redução da pena pretendida pela arguida, a despeito de ela não ter antecedentes criminais em Macau e de o valor pecuniário por ela visado como recompensa da prática do crime não ser elevado.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 596/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Em 23 de Maio de 2012, foi proferido acórdão em primeira instância no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° CR3-11-0237-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por força do qual a arguida A, aí já melhor identificada, ficou condenada como autora material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, em 9 (nove) anos e 3 (três) meses de prisão (cfr. o teor desse acórdão, a fls. 264 a 268 dos presentes autos correspondentes).
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), rogando o reenvio do processo para novo julgamento com fundamento na alegada existência do vício de erro notório na apreciação da prova como tal previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal, ou a redução da sua pena para 7 (sete) anos de prisão devido ao subsidiariamente imputado excesso da pena aplicada pelo Tribunal recorrido (cfr. a motivação de fls. 286 a 292v dos autos).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 308 a 310v) no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta junto deste TSI parecer (a fls. 301 a 323), pugnando materialmente também pela improcedência da argumentação da arguida.
Feito subsequentemente o exame preliminar e corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência em julgamento.
Cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ficou provado na Primeira Instância o seguinte, na sua essência:
– Em 17 de Junho de 2011, às 10:38 horas, a arguida, que acabou de chegar a Macau por via do voo n.o AK50 proveniente de Kuala Lumpur da Malásia, foi interceptada pelo pessoal dos Serviços de Alfândega na zona de inspecção de bagagens do Aeroporto Internacional de Macau, na sequência do que veio a ser descoberto que a arguida estava a trazer consigo 109,44 gramas líquidos de Heroína na sua bagagem e outros 432,89 gramas líquidos de Heroína na sua mala de mão.
– Todas as substâncias estupefacientes referidas foram adquiridas por ela em 16 de Junho de 2011, à noite, numa fracção autónoma para habitação sita em Kuala Lumpur, a um indivíduo africano com identidade não apurada mas conhecida por “B”, para, conforme as instruções deste, serem transportadas para Macau e depois serem entregues em Cantão a um outro indivíduo de identidade não apurada mas conhecida por “C”, em troca de dez mil renminbis de recompensa para ela própria.
– A arguida sabia das características e natureza da droga acima referida.
– A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de realizar os actos mencionados, sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
– A arguida não tem antecedentes criminais em Macau, e declarou ter os pais a seu cargo e ter concluído com aproveitamento um curso superior.
Outrossim, conforme a identificação da arguida constante do intróito do acórdão recorrido, a arguida não é cidadão de Macau.
Segundo a fundamentação do acórdão recorrido, a arguida negou a prática do tráfico de droga.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A título principal, assacou a arguida à decisão condenatória em causa o erro notório na apreciação da prova, mas, no entendimento deste Tribunal ad quem, em vão, porquando após considerados em global e de modo crítico todos os elementos dos autos e referidos na fundamentação probatória desse aresto, não se afigura patente, ao contrário do sustentado pela arguida, que o Tribunal Colectivo recorrido, ao ter julgado como provada a factualidade acima mencionada na sua essência na parte II do presente acórdão de recurso, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou qualquer norma legal sobre o valor da prova, ou quaisquer legis artis vigentes em matéria de julgamento da matéria de facto. Não pode, pois, a arguida vir aproveitar o mecanismo de recurso para sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou criteriosamente aquele Tribunal nos termos do art.o 114.o do CPP.
E agora quanto ao invocado excesso da pena, também se mostra infundada a tese da arguida, uma vez que a despeito de ela não ter antecedentes criminais em Macau e de o valor pecuniário por ela visado como recompensa da prática do crime de tráfico não ser elevado, todas as circunstâncias já apuradas pela Primeira Instância respeitantes à prática do crime de tráfico em questão demonstram claramente que é alto o grau de ilicitude dos factos, por estar em causa grande quantidade líquida de Heroína (que é de 542,33 gramas líquidos, no total), sendo, por outro lado, elevadas as exigências de prevenção geral deste delito, especialmente quando cometido por pessoa vinda do exterior de Macau, pelo que sob os padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do Código Penal, já não há mais margem para a pretendida redução da pena, dentro da moldura penal plasmada no art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, com custas pela arguida, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 27 de Setembro de 2012.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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