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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 30 de Maio de 2011 que lhe indeferiu o pedido de renovação de residência temporária na RAEM.
Por Acórdão proferido em 7 de Fevereiro de 2013, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformando com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. Parece existir, na decisão ora posta em crise, confusão entre duas situações distintas, a saber, a margem de discricionariedade que assiste à Administração na aplicação (ou não) das cominações previstas no artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e a escolha que a mesma Administração teria de operar entre o procedimento previsto nos artigos 18º e 19º do RA n.º 3/2005, sem prejuízo dos princípios a que está adstrita a actividade administrativa.
B. É mister relembrar que o principal limite à actuação discricionária da Administração é, justamente, a lei, que arrima a actuação da Administração aos princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, bem como a regras processuais e ao dever de fundamentação.
C. O artigo 18º debruça-se sobre a alteração da situação juridicamente relevante sobre a qual se baseou a concessão da referida autorização, enquanto o artigo 19º prende-se com o procedimento a seguir e com os requisitos a preencher aquando da renovação da autorização de residência temporária.
D. Perante o pedido de renovação da autorização de residência apresentado pelo residente em 21 de Julho de 2010, no qual informou o IPIM das razões que justificaram a venda do imóvel adquirido inicialmente e a posterior compra de uma fracção autónoma (por um preço, sublinhe-se, superior ao da primeira fracção), e, bem assim, das razões que assistiam ao Recorrente para a concessão da referida renovação, cabia à Administração reagir nos termos do artigo 18º ou, em alternativa, nos termos do artigo 19º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
E. Assim, e caso entendesse que a alteração dos fundamentos apresentados pelo Recorrente não era atendível (nos termos do artigo 18º/2), e/ou que não teria sido cumprida a notificação atempada da Administração relativamente à alteração da situação jurídica do Recorrente, (cfr. artigo 18º/3 e /4), podia a Administração proferir de imediato um despacho de cancelamento da autorização de residência do Recorrente, nos termos do artigo 18º.
F. Ressalve-se no entanto que a perda de titularidade da situação jurídica que deu origem à autorização não implica, ipso facto, o cancelamento da autorização de residência – pelo contrário, o artigo 18º/2 obriga a Administração a conceder um prazo para que o interessado possa constituir uma “nova situação jurídica atendível”, que não poderia nunca ser inferior a 30 dias.
G. Ao não conceder este prazo, também aqui o acto administrativo recorrido sofre do vício de violação de lei, por desrespeitar o disposto no artigo 18º número 2 do RA n.º 3/2005.
H. Nem mesmo as renovações estão sujeitas à manutenção dos pressupostos iniciais da autorização de residência, cfr. artigo 19º do RA n.º 3/2005, entendendo-se deste modo que o legislador procurou consagrar, de forma expressa, o seu interesse na manutenção de investidores de reconhecida capacidade económica para o desenvolvimento de Macau, independentemente do motivo inicial do pedido de residência ter sido alterado em momento superveniente.
I. A Administração goza de uma certa margem de discricionariedade, embora apenas se possa falar em discricionariedade técnica ou imprópria, na medida em que a entidade recorrida se encontra vinculada a critérios extraídos de normas técnicas.
J. Ao não se pronunciar sobre os factos que foram apresentados pelo Recorrente aquando do pedido de renovação da autorização de residência temporária, nos termos do artigo 18º/2 do RA n.º 3/2005, a entidade recorrida estava vinculada a decidir pelo deferimento (ou indeferimento) daquele pedido ao abrigo do artigo 19º do RA n.º 3/2005, analisando se os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial se mantinham, na medida em que a entidade recorrida se encontra vinculada a critérios extraídos de normas técnicas.
K. Preenchimento que, in casu, se encontrava verificado, pelo que, ao indeferir a pretensão do Recorrente, o acto recorrido enferma do vício de violação de lei, por ter infringido o artigo 19º do RA n.º 3/2005.
L. Por outro lado, a entidade recorrida indeferiu o pedido, fundamentando a sua decisão exclusivamente no artigo 18º do RA n.º 3/2005, e não com base no artigo 19º do mesmo diploma, como pretende o Acórdão recorrido na página 17, o que consubstancia claramente um vício de violação de lei.
M. Assim, e com o devido respeito, que é muito, não se pode concordar com as conclusões do douto Tribunal a quo, porquanto o poder discricionário de cancelamento da autorização de residência ao abrigo do artigo 18º do RA 3/2005 não se confunde com o procedimento a seguir nos termos do artigo 19º do RA 3/2005, que se encontra balizado por discricionariedade técnica ou imprópria, devendo o douto Acórdão recorrido ser revogado no que a esta parte concerne.
N. Em conclusão, o despacho recorrido enferma de vício de violação de lei, por violar o disposto no artigo 19º do RA n.º 3/2005.
O. A decisão ora recorrida, ao contrapor os “sérios prejuízos individuais, profissionais e, porventura, até familiares” causados ao ora Recorrente à necessidade de zelar pelo interesse público subjacente à actividade administrativa para sacrificar o interesse particular ora patenteado, sacrifica de modo insuportável os interesses do particular sem cuidar de uma adequação ao interesse público prosseguido pelo órgão decisor.
P. A decisão ablativa da Administração acarreta consequências extremamente gravosas para o Recorrente, que procurou fundar a sua vida em Macau, aqui residindo desde 2007 e trabalhando desde (pelo menos) Março de 2010 como Odontologista, em prol da saúde pública e, mormente, dos residentes de Macau.
Q. E que, por força de uma mera infracção administrativa (traduzida na não comunicação da venda do seu primeiro imóvel, nos termos do artigo 18º/4 do RA n.º 3/2005), se encontra na iminência de ter de abandonar todo um projecto de vida desenvolvido ao longo de vários anos em Macau,
R. Impondo-se, no respeito do princípio da proporcionalidade, sopesar o interesse público face ao sacrifício dos interesses dos particulares, é mister recordar que o legislador procurou expressamente consagrar o interesse na manutenção de investidores de reconhecida capacidade económica para o desenvolvimento de Macau, independentemente do motivo inicial do pedido de residência ter sido alterado em momento superveniente.
S. Ora o interesse público eventualmente em causa não reveste, nesta situação, importância superior como seja a salvaguarda da segurança e estabilidade social da RAEM, ou ainda qualquer princípio fundamental consagrado na Lei Básica ou em legislação de Macau, pelo que teria necessariamente de ceder face, por um lado, ao interesse do Recorrente de continuar a trabalhar e residir em Macau, e por outro, ao próprio interesse da RAEM e das suas gentes em contar com um reconhecido profissional do ramo da saúde.
T. Assim, julga-se violado o princípio da proporcionalidade, porquanto uma eventual infracção formal por parte do Recorrente implica consequências manifestamente desproporcionadas para o Recorrente que, recorde-se, se encontrava em situação legal aquando do pedido de renovação da autorização de residência.
U. Pelo exposto, deverá o Acórdão recorrido ser revogado no que a esta parte concerne, porquanto o acto recorrido violou de modo patente o princípio da proporcionalidade e da justiça, cominando-se em consequência a sua anulação.

A entidade recorrida apresentou contra-alegações, terminando-as com as seguintes conclusões:
1. O recorrente não cumpriu as obrigações previstas nos nº 1 e 3 do art. 18º do RA 3/2005;
2. A Administração não pode ser impedida de levar em consideração o incumprimento da obrigação prevista no nº 1 do art.18º do RA 3/2005 pelo mero facto de o interessado também não ter cumprido a obrigação prevista no nº 3, tanto mais que esta se destina unicamente a permitir a fiscalização do cumprimento da primeira;
3. O nº 4 do art. 18º do RA 3/2005 tem de ser sujeito a interpretação, lendo-se “implicará” onde se escreveu “poderá implicar”, sob pena de o preceito não fazer qualquer sentido e colidir com os números anteriores;
4. Em regra, uma vez verificados os factos que são o pressuposto de uma medida sancionatória é obrigatória a sua aplicação, não podendo a Administração decidir se a aplica ou não, sob pena de se cair num sistema de justiça selectiva;
5. A dispensa de sanção, quando verificados os respectivos pressupostos de facto, apenas é possível quando expressamente prevista na lei, juntamente com os critérios dessa dispensa;
6. Ao abrigo da legislação sobre autorização temporária de residência a Administração recebe constantemente e aprecia uma enorme quantidade de requerimentos;
7. Os requerimentos apresentados ao abrigo da legislação sobre autorização temporária de residência exigem uma instrução cuidadosa;
8. Não é exigível que a Administração decida requerimentos sobre questões complexas no próprio dia em que os recebe;
9. A demora da Administração em decidir o requerimento do interessado não causou a este qualquer prejuízo, pois não o privou de, enquanto aguardava a decisão, continuar a fruir plenamente da situação em que se encontrava antes de apresentar aquele requerimento;
10. Os actos caducos não podem ser objecto de revogação ex nunc;
11. O requerimento do recorrente teria de ser indeferido também por força do art. 19º do RA 3/2005, pois que a prova de “que os direitos respectivos continuam na sua titularidade” é condição sine qua non da renovação da autorização temporária de residência, e o interessado não lograria fazer tal prova pois tinha alienado o imóvel que servira de fundamento à concessão da autorização inicial.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não merece provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.
   
2. Factos Provados
Nos autos foram considerados os seguintes factos com pertinência:
- Em 2007, o recorrente requereu, ao abrigo dos artigos 1º, 4), e 3º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados), a fixação de residência temporária na R.A.E.M.
- Para o efeito, adquiriu aquele na R.A.E.M. uma fracção autónoma no valor de MOP$1,340,950.00.
- Comprou assim o recorrente, pelo referido preço, a fracção autónoma designada por “E13”, para habitação, do prédio sito em [Endereço(1)], descrito na respectiva Conservatória sob o n.º XXXXX-III do livro B-XXXK, ao abrigo da escritura de 12 de Maio de 2006 lavrada no Cartório do Notário Privado B.
- Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 21 de Agosto de 2007, foi deferida ao recorrente a autorização de residência até 21 de Agosto de 2010 (Doc. 4).
- Sucede que, por alegados motivos de ordem económica, o recorrente teve que vender a referida fracção autónoma, em 13 de Novembro de 2007, pelo preço de HKDl,260,000.00, equivalente a MOP$1,237,800.00, i.é., por um preço inferior relativamente ao valor que havia adquirido o mesmo imóvel (MOP$1,340,950.00).
- O recorrente veio a adquirir posteriormente uma outra fracção autónoma em Macau, pagando inclusivamente um preço ligeiramente superior comparativamente com o valor pago com o primeiro imóvel (MOP$1,340,950.00).
- O recorrente adquiriu, pelo preço de MOP$I,341,600.00, a fracção autónoma designada por “D2”, para habitação, do prédio urbano sito em [Endereço(2)], inscrito na matriz predial sob o artigo XXXXXB, descrito na respectiva Conservatória sob o n.º XXXXX-II do livro B-XX, ao abrigo da escritura de 23 de Abril de 2010 lavrada no Cartório do Notário Privado C.
- O referido imóvel tinha, em 1 de Abril de 2010, um valor de mercado de HKD1,250,000.00, equivalente a MOP$1,287,500.00.
- O recorrente efectuou ainda dois depósitos, em 17 de Maio de 2010, de MOP$250,000.00 e de MOP$250,000.00 (Depósitos n.ºs XXXXXXXX e XXXXXXXX), no total de MOP$500,000.00, na conta bancária n.º XX-XX-XX-XXXXXX do Banco de que é titular.
- Antes de expirado o prazo de validade da sua permanência em Macau, o recorrente informou o IPIM, em 21 de Junho de 2010, de que tinha alienado o primeiro imóvel e adquirido o segundo imóvel em 23 de Abril de 2010 e, bem assim, explicado as razões que determinaram aquela venda, conforme requerimento apresentado naqueles serviços cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (Doc. 11).
- Explicitando nesse requerimento a situação fáctica ora descrita e, a final, requerendo, em tempo, a renovação da autorização de residência temporária, ao abrigo do artigo 19º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 acima citado (cfr. doc. 11).
- Conforme explicitado nesse requerimento, o recorrente, enquanto titular de grau académico, exerce, desde 22 de Fevereiro de 2010, a profissão de Odontologista em Macau, encontrando-se assim inscrito nos Serviços de Saúde com o n.º O-XXXX, conforme Licença n.º O/XXX/2010 emitida por aqueles serviços em 04/03/2010.
- Trabalha assim o recorrente em Macau desde aquela data, numa clínica, exercendo aquela actividade médica naquela especialidade.

Relativamente ao seu pedido de renovação de autorização de residência o recorrente foi notificado da decisão que a denegou nos seguintes termos:

“INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU

Vossa referência: Exmo. Sr. Advogado
Dr. D
(encaminhado ao Sr. A)
Data de emissão: [Endereço(3)]

Nossa referência: XXXXX/GJFR/2011
Data: 29/06/2011
____________________________________________________________
Assunto:
Pedido de autorização de residência temporária por aquisição de bens imóveis – Notificação de indeferimento do pedido (XXXX/2006)

Em cumprimento do artigo 68.º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se V. Ex.ª de que, por despacho de 30 de Maio de 2011, exarado pelo Secretário para a Economia e Finanças no uso do poder subdelegado pelo Chefe do Executivo da RAEM, foi indeferido o pedido de renovação de autorização de residência temporária de V. Exa., sendo o teor do referido despacho: “Autorizo a proposta”. O referido despacho foi exarado com base no teor do parecer sobre o processo de V. Ex.ª (no total 3 páginas) que explica concretamente os motivos do indeferimento, cuja cópia se anexa.

n.º
Nome
Documento de Identificação
Autorização de residência temporária até
1
LEE HIN YEUNG
Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong KXXXXXX(X)
2010/08/21

Com os melhores cumprimentos.
                O Presidente do IPIM, Substituto
E
                  (Ass. – vide o original)”
   
3. Direito
Na óptica do recorrente, o Acórdão ora recorrido padece dos vícios da violação de lei, por errada aplicação do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e por ter infringido o art.º 19.º do mesmo diploma, e da violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça.

3.1. Da errada aplicação do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Constata-se nos autos que, por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 21 de Agosto de 2007, foi concedida ao recorrente a autorização de residência temporária por investimento, até 21 de Agosto de 2010, tendo o recorrente adquirido uma fracção autónoma no valor de MOP$1,340,950.00, e aquando da notificação dessa autorização, o recorrente foi notificado da necessidade de manter inalterada, mesmo depois de conseguir a autorização de residência, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização e do dever de comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPCIM) a extinção ou alteração dessa situação no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração, sob pena de ser cancelada a autorização de residência temporária, tudo conforme o estipulado no art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Acontece que, por alegados motivos de ordem económica, o recorrente vendeu a referida fracção autónoma, em 13 de Novembro de 2007, e só veio a adquirir, por escritura de 23 de Abril de 2010, um outro imóvel em Macau, ainda com o valor ligeiramente superior, sem que tenha atempadamente comunicado ao IPCIM, obrigação esta que é imposta por lei.
E com base na não manutenção da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária e na não comunicação no prazo legal da venda do bem imóvel, o IPCIM emitiu parecer no sentido de indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária apresentado pelo recorrente, proposta esta que foi autorizada pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
É de lembrar ainda que, no caso de concessão da autorização de residência temporária por aquisição de imóveis, como é o nosso caso, o investidor deve cumprir os requisitos previstos no art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, incluindo a aquisição em Macau de bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas.

Ora, os art.ºs 18.º e 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que estabelece o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, dispõem o seguinte:
Artigo 18.º
Alteração da situação
1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Artigo 19.º
Renovação da autorização de residência
1. A renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo.
2. A renovação, que é concedida por período igual ao da autorização inicial, pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, com as seguintes excepções:
1) A renovação das autorizações de residência temporária concedidas com fundamento em aquisição de bens imóveis não exige nova prova dos requisitos previstos na alínea 3) do n.º 1 e nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 3.º, nem do preço pago ou do valor de mercado dos bens relevantes, mas o interessado deve provar que os direitos respectivos continuam na sua titularidade e que os imóveis e depósitos bancários continuam livres dos encargos vedados pelo artigo 4.º
2) A renovação das autorizações de residência temporária dos técnicos especializados e quadros dirigentes não está dependente da manutenção do vínculo contratual que fundamentou o pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional por conta de outrem e do cumprimento das respectivas obrigações fiscais.
3. É aplicável à renovação, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 16.º e 17.º

Daí resulta que, segundo a disposição do art.º 18.º, uma vez que a autorização de residência temporária é concedida a indivíduos não residentes que satisfaçam os requisitos previstos por lei, estes indivíduos devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, sob pena de cancelamento da autorização.
No caso de extinção ou alteração da situação, o interessado deve cumprir o dever de comunicação, no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração; e o não cumprimento, sem justa causa, dessa obrigação poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
E as excepções previstas no n.º 2 do art.º 18.º ao cancelamento (constituição de nova situação jurídica atendível no prazo fixado pelo IPCIM ou aceitação pelo órgão competente da alteração da situação) têm logicamente como pressuposto o cumprimento, no prazo de 30 dias, do dever de comunicação pelo interessado da extinção ou alteração da situação.
Por outro lado, o art.º 19.º prevê o procedimento a seguir e os requisitos necessários para que seja renovada a autorização de residência, que pressupõe também a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, devendo o interessado que obteve a autorização concedida com fundamento em aquisição de bens imóveis provar que os direitos respectivos continuam na sua titularidade.
É muito clara, em ambos os casos, a intenção do legislador, de manter estável, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que esteve na base da concessão dessa autorização.

No caso dos autos, o recorrente não possuiu, de forma contínua e estável, o investimento que tinha feito em bem imóvel de Macau e não comunicou, no prazo legal, ao IPCIM a alteração desta situação juridicamente relevante que tinha fundamentado a concessão da autorização de residência.
E com base na não manutenção da situação juridicamente relevante e na não comunicação no prazo legal da venda do bem imóvel, o IPCIM apresentou proposta no sentido de indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária apresentado pelo recorrente, proposta esta que foi autorizada pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
Alega o recorrente que, a perda de titularidade da situação jurídica que deu origem à autorização não implica, ipso facto, o cancelamento da autorização, devendo a Administração ter concedido um prazo para que o interessado possa constituir uma nova situação atendível, tal como obriga o n.º 2 do art.º 18.º.
No entanto, tal como já foi afirmado, afigura-se-nos que a referida constituição de nova situação pressupõe a comunicação no prazo legal da extinção ou alteração da situação juridicamente relevante, que o recorrente não fez.
E na falta de respectiva comunicação, a Administração não tem obrigação de cumprir o disposto no n.º 2 do art.º 18.º, fixando o prazo para o interessado constituir uma nova situação.
Defende ainda o recorrente que a Administração poderia optar por duas vias diferentes, uma de cancelamento imediato de autorização de residência nos termos do n.º 2 do art.º 18.º, face à alteração da situação jurídica e à não comunicação de tal alteração, e a outra de indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência temporária nos termos art.º 19.º; o que não se podia é misturar duas coisas, indeferindo o seu pedido de renovação com fundamento no disposto no art.º 18.º, em vez da aplicação do art.º 19.º.
Ora, pode-se dizer que se tratam, rigorosamente, de dois institutos que se vigoram em momentos diferente e prevêem situações distintas, referentes respectivamente à alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária, que pode conduzir ao cancelamento dessa autorização, e à renovação da autorização de residência, cujo pedido pode ser indeferido se não estiverem preenchidos os requisitos necessários previstos na lei.
No entanto, admite-se na prática situações em que a Administração toma conhecimento, já na altura de apresentação do pedido de renovação, da alteração da situação relevante que fundamentou a concessão da autorização, porque só neste momento é que o interessado revela à Administração a venda do imóvel, tal como sucedeu no caso dos autos.
É verdade que, rigorosamente, a Administração devia tomar decisão no sentido de cancelar a autorização já concedida, uma vez que o interessado não manteve a mesma situação de investimento e não cumpriu a obrigação de comunicação imposta pelo n.º 3 do art.º 18.º, ou de indeferir o pedido de renovação face à não manutenção da situação que fundamentou a autorização inicial de residência temporária.
Haverá porém algum obstáculo para a aplicação em conjunto das duas normas em causa, na medida em que a Administração toma decisão de indeferir o pedido de renovação, invocando a violação do disposto o art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, face à não manutenção da situação juridicamente relevante e à não comunicação no prazo legal de tal alteração, como sucedeu no nosso caso concreto?
Entendemos que deve ser negativa a resposta, tendo em consideração o circunstancialismo concreto apurado nos autos.
Na realidade, ao recorrente foi concedida, em 21 de Agosto de 2007, a autorização de residência temporária de investidores, até 21 de Agosto de 2010.
O recorrente vendeu, em 13 de Novembro de 2007, o imóvel que tinha adquirido para efeitos de fixação de residência temporária, e só veio a comprar, por escritura de 23 de Abril de 2010, um outro imóvel em Macau, supostamente para pedir a renovação da autorização de residência.
E apresentou, por requerimento de 21 de Junho de 2010, o pedido de renovação da autorização de residência, altura em que informou também ao IPIM a alteração verificada quanto ao bem imóvel.
Conforme o disposto no n.º 1 do art.º 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a renovação de autorização deve ser requerida nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo.
E na proposta emitida pelo IPCIM, em 29 de Abril de 2011, que incorpora o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, acto impugnado, aquele Instituto considera que o recorrente violou o disposto no art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, porque não manteve, durante o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização e não comunicou a alteração da situação no prazo legal, pelo que se devia cancelar a autorização de residência temporária e era difícil fazer proposta positiva quanto ao pedido de renovação apresentado pelo recorrente, o que levou à proposta de indeferimento deste pedido.
Na lógica do IPCIM, uma vez que a autorização de residência temporária concedida ao recorrente devia ser cancelado, não houve hipótese de renovar o pedido de renovação de autorização, pelo que propôs o respectivo indeferimento.
Repare-se que a proposta foi apresentada e o despacho impugnado proferido já fora do período de residência temporária autorizada, não fazendo sentido tomar decisão de cancelamento.
E nos termos do n.º 2 do art.º 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a não manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial implica a não renovação da autorização de residência temporária.
Daí que, perante um requerimento de renovação da autorização em que se constata também uma informação sobre a alteração da situação juridicamente relevante que esteve na base da autorização de residência (investimento em bens imóveis), como é o caso do recorrente, nada obsta à Administração tomar decisão, já fora do período de residência temporária autorizada, no sentido de indeferir o pedido de renovação, invocando a não manutenção daquela situação, que é também pressuposto necessário da renovação, e a não comunicação da respectiva alteração.
Bem se compreende a intenção do legislador em manter estável a situação de investimento, que é de interesse público de Macau.
E a situação concreta do recorrente, de comprar, vender e readquirir os bens imóveis antes de pedir a renovação da autorização de residência, não se pode configurar, evidentemente, a manutenção da situação relevante que fundamentou a autorização primitiva, sob pena de se frustrar os objectivos da lei e o espírito legislativo. E nem tão pouco se diz que adquiriu de novo o imóvel com o valor superior ao do primeiro.
Não se vê como foram violados os art.ºs 18.º e 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.

3.2. Dos princípios da proporcionalidade e da justiça
É verdade que, segundo a norma contida no n.º 4 do citado art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação da extinção ou alteração da situação, dentro do prazo de 30 dias, “poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária”.
O legislador deixa assim à Administração uma margem de discricionalidade.
Como é sabido, o princípio da proporcionalidade previsto no n.º 2 do art.º 5.º do Código de Procedimento Administrativo exige que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
E o princípio da justiça está consagrado no art.º 7.º do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual a Administração pública, no exercício da sua actividade, deve tratar de forma justa todos os que com ela entrem em relação.
De acordo com o princípio da proporcionalidade, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Impõe-se que o meio utilizado pela Administração seja idónea e necessária à prossecução do objectivo da decisão e proporcional à luz do interesse público em causa.
A aferição da proporcionalidade põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto.
Ou seja, exige-se a ponderação e comparação dos bens, interesses ou valores prosseguidos e sacrificados com o acto concreto.
Nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.1
Não se nos afigura, no caso ora em apreciação, inaceitável ou intolerável o sacrifício trazido ao recorrente pela não renovação da autorização de residência, tendo em consideração os interesses públicos que se prendem concretamente com a garantia da estabilidade do investimento feito e ainda com o combate ao favorecimento do circunstancialismo especulativo, tal como salienta o douto Acórdão recorrido.
E quanto ao princípio da justiça, que funciona como um dos limites ao poder discricionário da Administração, “significa que na sua actuação a Administração pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados.
Segundo o princípio da justiça stricto sensu, todo o acto administrativo praticado com base em manifesta injustiça é ilegal, podendo ser anulado em recurso contencioso. E “compreendem-se no âmbito da ‘manifesta injustiça’, para este efeito, não só os casos em que a Administração impuser ao particular um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, mas também aqueles em que aquela usar para com este de dolo ou má fé”.2
No caso ora em apreço, não se vislumbra a manifesta injustiça na decisão tomada pela Administração, sem intenção de ignorar os interesses pessoais, estimáveis, do recorrente em continuar a viver e exercer a sua profissão em Macau.
Na realidade, não se descortina no acto administrativo impugnado qualquer desvio do objectivo legislativo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 nem erro manifesto ou grosseiro no exercício do poder discricionário, sabendo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC].
Os interesses públicos subjacentes na ponderação de renovação ou não de autorização de residência prevalecem, em princípio, sobre os interesses individuais de interessados de residir em Macau.
Não se pode ainda perder de vista que, nos termos do art.º 18.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a Administração não tem outra alternativa a não ser cancelar a autorização de residência, nos casos em que se verifique extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
E não obstante as excepções previstas nesta mesma norma, certo é que, no caso dos autos, o recorrente não cumpriu a obrigação de comunicação nem a alteração da situação relevante foi aceite pelo órgão competente.
Não se vê como foram intoleravelmente violados os princípios da proporcionalidade e da justiça.

Concluindo, é de manter a decisão recorrida.
   
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
   
    Macau, 31 de Julho de 2013
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King
   
1 Cfr. Acórdão do TUI, de 15 de Outubro de 2003, Proc. n.º 26/2003, entre outros.
2 Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. II, Lisboa, 1988, p. 201 e 202.
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Processo n.º 32/2013