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Processo n.º 390/2011 Data do acórdão: 2012-7-26 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– crime de condução durante o período de inibição
– art.o 92.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– cassação da carta de condução
– inibição de condução
– art.o 94.o, alínea 1), da Lei do Trânsito Rodoviário
– suspensão da execução da cassação da carta
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. O crime de condução durante o período de inibição de condução por que vinha condenado o arguido em primeira instância é assim descrito no art.o 92.o, n.o 1, da vigente Lei do Trânsito Rodoviário (LTR): “Quem conduzir um veículo na via pública durante o período de inibição efectiva de condução é punido pelo crime de desobediência qualificada e com cassação da carta de condução ...”.
2. Enquanto o art.o 94.o da LTR reza que: “Sem prejuízo de disposição legal em contrário, é punido com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por: 1) Qualquer crime cometido no exercício da condução; ...”.
3. É, pois, de entender que a sanção de cassação da carta de condução imposta também expressamente no n.o 1 do art.o 92.o da LTR para o crime também aí previsto já preclude a aplicabilidade da “cláusula geral” da alínea 1) do art.o 94.o da mesma Lei, porquanto o próprio proémio deste preceito ressalva expressamente toda a “disposição legal em contrário”, de que, aliás e realmente, a norma do n.o 1 do art.o 92.o é um exemplo típico.
4. Portanto, é de revogar a sanção de inibição de condução simultaneamente aplicada pelo tribunal a quo ao arguido com invocação do art.o 94.o, alínea 1), da LTR.
5. Estando provado que o arguido é agente de seguros, o tribunal ad quem não pode permtir a suspensão da execução da pena de cassação da carta de condução, sob pena de contrariar o rumo jurisprudencial até agora seguido segundo o qual só se coloca a hipótese de suspensão nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 390/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 24 a 26 dos autos de Processo Sumário n.º CR2-11-0035-PSM do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido B (B), já aí melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de condução durante o período de inibição de condução, p. e p. pelo art.o 92.o, n.o 1, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), em conjugação com o art.o 312.o, n.o 2, do Código Penal (CP), na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por dezoito meses, e na cassação da carta de condução, suspensa na sua execução por dois anos, bem como na inibição de condução por um período de seis meses, nos termos do art.o 94.o, alínea 1), da LTR.
Inconformada, veio recorrer a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para alegar e pedir essencialmente o seguinte (cfr. o teor da sua motivação apresentada a fls. 30 a 33 dos presentes autos correspondentes):
– sendo o arguido residente de Hong Kong com residência habitual também em Hong Kong, e permanecendo em Macau à data dos factos apenas na qualidade de turista, sem residência nem emprego em Macau, a cassação da sua habilitação de conduzir não lhe acarreta grave impacto na vida, pois tudo se resume na impossibilidade de condução em Macau, pelo que a situação dele não constitui motivo atendível para efeitos a relevar do disposto no art.o 109.o, n.o 1, da LTR, norma essa que foi violada pelo Tribunal a quo quando decidiu pela suspensão da execução da sanção da cassação da carta de condução. Ademais, na lógica do próprio Tribunal a quo, a suspensão da execução da sanção da cassação da carta de condução deveria implicar também a necessidade de suspensão da execução da interdição de condução, pois existiria um mesmo “motivo atendível”;
– em todo o caso, tendo o legislador por intenção clara punir o agente do crime do art.o 92.o, n.o 1, da LTR com pena de cassação da carta de condução, não pode o Tribunal a quo ter invocado o art.o 94.o, alínea 1), da mesma Lei para impor também ao arguido a sanção de inibição de condução;
– daí que deve ser revogada a parte legalmente inaplicável da decisão tomada na sentença recorrida a respeito da problemática da condução automóvel.
Ao recurso, respondeu o arguido no sentido de improcedência da argumentação da entidade recorrente (cfr. a resposta de fls. 35 a 44 dos autos).
Subido o recurso para esta Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 67 a 68v dos autos), pugnando pela revogação da decisão de imposição de inibição de condução, bem como pela revogação da decisão de suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal recorrido deu por provada materialmente a seguinte matéria de facto (cfr. concretamente o teor de fl. 24v dos autos):
– em 26 de Fevereiro de 2011, cerca das 19:00 horas, os guardas da Polícia de Segurança Pública procederam a uma operação de inspecção de “STOP” na Avenida de Horta e Costa, na qual encontraram um automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.o MG-XX-XX, conduzido pelo arguido;
– o arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, no dia 22 de Outubro de 2010, na pena de inibição de condução no período de seis meses, no âmbito do Processo Comum Singular com o n.o CR3-10-0047-PCS, com trânsito em julgado no dia 15 de Novembro de 2010;
– o arguido ficou proibido de conduzir durante o período de 5 de Dezembro de 2010 a 5 de Junho de 2011;
– o arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;
– o arguido tem como habilitações literárias o ensino secundário;
– o arguido é agente de seguros auferindo mensalmente cerca de nove mil dólares de Hong Kong;
– o arguido vive com seus pais em Hong Kong a quem entrega mensalmente quatro mil dólares de Hong Kong;
– o arguido tem uma namorada em Macau que se encontra grávida há nove meses.
O arguido confessou os factos na Primeira Instância.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Cabe decidir primeiro da questão de inaplicabilidade, ou não, do art.o 94.o, alínea 1), da LTR ao caso concreto do arguido, como tal levantada pelo Ministério Público na motivação do recurso sub judice.
O crime de condução durante o período de inibição de condução por que vinha o arguido concretamente condenado em primeira instância é assim descrito na seguinte redacção do art.o 92.o, n.o 1, da LTR: “Quem conduzir um veículo na via pública durante o período de inibição efectiva de condução é punido pelo crime de desobediência qualificada e com cassação da carta de condução ou do documento a que se refere a alínea 4) do n.o 1 do artigo 80.o, mesmo que exiba outro documento que habilite a conduzir”.
Enquanto o art.o 94.o da mesma LTR reza que: “Sem prejuízo de disposição legal em contrário, é punido com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por: 1) Qualquer crime cometido no exercício da condução; 2) ...; 3) ..., 4) ..., 5) ..., 6) ...; 7) ...”.
Assim sendo, é de entender que a sanção de cassação da carta de condução imposta também expressamente no n.o 1 do art.o 92.o da LTR para o crime também aí previsto já preclude a aplicabilidade da “cláusula geral” da alínea 1) do art.o 94.o da mesma Lei, porquanto o próprio proémio deste preceito ressalva expressamente toda a “disposição legal em contrário”, de que, aliás e realmente, a norma do n.o 1 do art.o 92.o é um exemplo típico.
Portanto, é de revogar a sanção de inibição de condução aplicada pelo Tribunal recorrido ao arguido com invocação do art.o 94.o, alínea 1), da LTR.
Resta decidir agora da problemática da suspensão, ou não, da sanção de cassação da carta de condução do arguido.
Como se sabe, nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, o tribunal pode suspender a execução nomeadamente da sanção de cassação da carta de condução por um período de seis meses a dois anos, quando existirem motivos atendíveis.
In casu, como está provado que o arguido é agente de seguros, não pode o presente Tribunal ad quem suspender a execução da sua pena de cassação da carta de condução, sob pena de contrariar o rumo jurisprudencial até agora seguido segundo o qual só se coloca a hipótese de suspensão caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos (nesse sentido, cfr., de entre outros, o acórdão do TSI, de 17 de Julho de 2008, no Processo n.o 424/2008).
Sendo de realçar, por fim, que é nos inconvenientes a resultar naturalmente da execução da pena de cassação da carta de condução para a vida quotidiana da pessoa condutora assim punida que consistem os efeitos próprios dessa sanção.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar procedente o recurso do Ministério Público, revogando a recorrida decisão judicial de imposição de inibição de condução, e passando a determinar a execução efectiva da sanção de cassação da carta de condução do arguido.
Tendo o arguido sustentado a improcedência do recurso, pagará ele todas as custas do mesmo, com quatro UC da taxa de justiça.
Fixam em oitocentas patacas os honorários da Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido que minutou a resposta ao recurso, e em quinhentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso posteriormente nomeado, honorários todos esses a entrar na regra das custas, e a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao Processo Comum Singular n.o CR3-10-0047-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, para os efeitos tidos por convenientes.
Macau, 26 de Julho de 2012.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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