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Processo nº 286/2012 Data: 27.09.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “falsificação de documentos”.
Separação de processos.
Contradição insanável da fundamentação.
Reenvio.



SUMÁRIO

1. Não merece censura a decisão de separação de processos em relação a um co-arguido dos autos, se, os motivos de tal decisão for o atraso processual, já que os autos levaram vários anos a chegar à fase de julgamento, com sucessivos adiamentos da data designada para tal, em consequência da repetida falta à audiência por parte da recorrente.

Impõe-se impedir que em virtude de sucessivos adiamentos provocados por um arguido, se atrase, de forma pouco razoável e excessivamente, o julgamento de um outro.

2. O vício de contradição insanável de fundamentação só ocorre “quando constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”.

3. Existe contradição se em decisão da matéria de facto se der como provado que o ora recorrente e uma outra co-arguida “fabricaram” uma procuração, na qual, esta e o ofendido, que não teve intervenção em tal acto, lhe atribuíam poderes para administrar e vender imóveis, e como “não provado” que o (mesmo) recorrente “fabricou uma procuração falsa, sabendo que a assinatura do ofendido não tinha sido feita pelo próprio.

O relator,

______________________


Processo nº 286/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se absolver A, (2°) arguido, da imputada prática de 2 crimes de “falsificação de documento de especial valor”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. a), b) e c) e art. 245° do C.P.M.; (cfr., fls. 1073 a 1076 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, B, assistente, recorreu; (cfr., fls. 1092 a 1107).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I., neles subindo um outro recurso, antes interposto por C, (1ª) arguida, e que tem por objecto uma decisão do Colectivo do T.J.B. que ordenou a “separação de processos” no que toca à mesma recorrente; (cfr., fls. 1063 a 1067-v).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Dois sendo os recursos trazidos a este T.S.I., e atento os seus objectos, afigura-se-nos de começar pelo “recurso da decisão de separação de processos”.

Vejamos.

2.1. Do “recurso da decisão de separação de processos”.

Na sua motivação de recurso diz essencialmente a recorrente o que segue:

“A. O Tribunal a quo ordenou a separação dos processos ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do art.° 19.°, do CPPM por entender que se a 1.a Arguida voltasse a justificar a sua não comparência à audiência de julgamento, impediria o prosseguimento do processo.
B. Mas, salvo melhor opinião, não deverá manter-se a decisão ora recorrida, por não se verificarem os pressupostos da conexão de processos nem da separação dos processos a que se referem, respectivamente, os artigos 15.° e 19.° do CPP.
C. Isto porque a conexão de processos supõe a existência de uma pluralidade de processos e uma pluralidade de tribunais competentes para os conhecer de acordo com as regras gerais de competência territorial, material e funcional fixando-se a competência num tribunal em derrogação destas regras.
D. A exigência de dois ou mais processos distintos para que se possa falar em conexão de processos resulta, quer do n.° 1 do art.° 15.° do CPP, que se refere expressamente à “conexão de processos”, quer do n.° 1 do art.° 16.° do mesmo diploma, segundo o qual: “A conexão só opera relativamente aos processos…”.
E. Ora, a situação dos autos nunca configurou, mesmo no início da investigação criminal, qualquer situação de conexão processual, pois nunca existiu, quer uma pluralidade de processos autónomos, quer uma pluralidade de tribunais competentes, antes se tratando de um “normal” processado unitário motivado pela suposta prática, em co-autoria, de dois crimes por dois arguidos.
F. E inexistindo conexão processual, não existe o pressuposto legal (e lógico) para ordenar qualquer separação de processos (só há um processo), sendo ilegal qualquer decisão nesse sentido.
G. Ainda que assim não se entenda, sempre seria de revogar a decisão de separação de processos ora recorrida por nenhuma das hipóteses das alíneas b) e c) do art.° 19.° do CPP nela referidas se verificar no caso “sub judice”.
H. Com efeito, não há qualquer grave risco ou risco para a pretensão punitiva da RAEM ou para o interesse do ofendido ou do lesado por não se colocar o perigo de prescrição dos crimes, nem qualquer outro perigo vir enunciado na decisão recorrida.
I. Também não se verifica a hipótese da alínea c) do art.° 19.° do CPP de que a conexão possa retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos.
J. É que este normativo exige que o retardamento seja excessivo, não bastando um mero retardamento do julgamento, de resto justificado, como sucedeu no caso “sub judice”.
K. Ao contrário, a separação dos processos vai retardar por tempo indeterminado o julgamento da 1.a Arguida, impedindo a aquisição e reconstituição crítica de toda a prova pelo mesmo tribunal, bem como a realização de um julgamento conjunto dos dois co-arguidos e de uma decisão unitária, com manifesto prejuízo da descoberta da verdade material e da economia e celeridade processuais.
L. Assim, tendo em conta o modo como os factos imputados aos co-arguidos são descritos na Acusação e a suposta interacção entre as respectivas condutas, não pode deixar de se considerar como prevalecente o julgamento conjunto, por no caso concreto, ser a solução que melhor salvaguarda o compromisso entre a celeridade processual e o interesse público na apreciação conjunta da responsabilidade criminal ora em causa, para efeito da boa administração da justiça”; (cfr., fls. 1003 a 1067-v).

*

Em resposta, considera o Exmo Magistrado do Ministério Público que:

“1. Ao abrigo do teor da acusação, a recorrente e o 2° arguido foram acusados da prática em co-autoria material de dois crimes (um crime de falsificação de documento de valor especial e um crime de uso de documento de valor especial), pelo que, estando preenchido o disposto no art.° 15.° n.° 1 alínea b) e n.° 2 alínea a), deve-se organizar somente um processo nos termos do art.° 18.° n.° 1 do mesmo Código.
2. Nos termos do art.° 316 do Código de Processo Penal, a falta da recorrente foi justificada por doença, assim sendo, não se pode notificar a recorrente por meio do edital nos termos do art.° 361.° n.° 1 do Código de Processo Penal de Macau; o Tribunal precisava de notificar novamente a recorrente por carta registada da nova audiência.
3. Com base nas informações nos pontos (3), (9), (14), (18), (19) e (20) da Resposta, a recorrente tomou por várias vezes doenças como razão da falta e nunca requereu ou consentiu que a audiência tivesse lugar na sua ausência; outrossim, ao abrigo dos pontos (11), (12), (13), (14), (16) e (20), a recorrente não se encontrava em Macau e a recorrente/o seu defensor só prestava de cada vez uma morada de contacto, nomeadamente, tomando o “Hong Kong XX Hospital” como exemplo, a recorrente/o seu defensor sabia bem que era possível sair do Hospital em qualquer momento e não prestou uma outra morada, fazendo com que o Tribunal tivesse de cancelar a audiência de 22 de Novembro de 2011. Só podia o Tribunal notificá-la por carta registada, meio que demorava muito tempo, motivo pelo qual o Tribunal só conhecia que não se conseguiu notificar a recorrente antes mesmo da abertura da audiência e tinha de mudar a data ou adiar a audiência, causando a perda do tempo.
4. A final, o Tribunal conseguiu notificar a recorrente da audiência de 7 de Fevereiro den2012, mas a recorrente não exprimiu de imediato ao Tribunal que não poderia comparecer/era não poder comparecer por doença e só vários dias antes da audiência comunicou ao Tribunal por meio de entrega expressa a sua ausência por doença. Ao contrário, conseguia-se sempre notificar o 2° arguido da data de audiência e ele comparecia pontualmente por várias vezes.
5. Até 7 de Fevereiro de 2012, decorreram 3 anos na fase do inquérito do respectivo processo e mais 3 anos na fase de julgamento, não estaria em conformidade com a vontade do 2° arguido um novo adiamento, que consistiria atraso para o julgamento dele e o faria da parte desfavorável por causa da questão do processo e questão de não cooperação da 1ª arguida. Pelo que, a fim de não atrasar excessivamente o julgamento do 2° arguido, o presidente do Tribunal Colectivo tomou a decisão da separação do processo, o que respeitava o disposto do art.° 19.° alínea c) do Código de Processo Penal.
6. A recorrente, com idade de 82 anos, residindo em Hong Kong e frequentando sempre hospital por sofrer de várias doenças, nunca requereu ou consentiu que a audiência tivesse lugar na sua ausência, o que construi uma grande dificuldade para o Tribunal contactar com ela para a notificação da data de audiência. Entretanto, se continuar a proceder ao julgamento da recorrente e 2° arguido em conjunto, não só provocará atraso para o julgamento do 2° arguido, mas também poderá representar um prejuízo dos interesses dos assistentes e um grave risco para a pretensão punitiva do Tribunal. Em face da aproximação da data de prescrição do adiamento criminal [10 anos, a maior é de 15 anos] e da grande possibilidade do adiamento de várias vezes da audiência a realizar no futuro devido às doenças da recorrente, muito provavelmente criminal. Pelo que, a decisão do presidente do Tribunal Colectivo da separação do processo consegue manter a pretensão punitiva, está de acordo com os interesses legítimos dos assistentes e respeita o disposto do art.° 19.° alínea b) do Código do Processo Penal”; (cfr., fls. 1250-v a 1252-v).

*

E, neste T.S.I., em douto Parecer, opina o Ilustre Procurador Adjunto no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 1263 a 1264).

Passa-se a decidir.

Sem necessidade de grandes elaborações, cremos que se mostra de concluir que não tem a recorrente razão.

Vejamos.

Em causa está uma decisão que determinou a separação do processo, ordenando-se a extracção de certidão do processo para de forma autónoma ser a ora recorrente julgada.

Os motivos que levaram a tal decisão são claros: o atraso processual, já que os autos levaram vários anos a chegar à fase de julgamento com sucessivos adiamentos da data designada para tal, em consequência da repetida falta à audiência por parte da recorrente.

E perante isto, não vemos como censurar a decisão recorrida.

De facto, no caso dos autos, em que em causa estava a prática de crimes em co-autoria – “comparticipação” – a conexão de processos decorre vinculadamente da Lei: art. 15°, n.° 2, al. a) do C.P.P.M..

Por sua vez, prescreve o art. 19° do mesmo C.P.P.M. que:

“Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da parte civil, o juiz faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns dos processos sempre que:

a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;

b) A conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Território ou para o interesse do ofendido ou do lesado; ou

c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos”.

E, atento o assim estatuído, em especial na alínea c), adequada nos parece a decisão ora recorrida.

Com efeito, há que ter em conta que se impõe impedir que em virtude de sucessivos adiamentos provocados por 1 arguido, se atrase, de forma pouco razoável e excessivamente, o julgamento de 1 outro.

No caso dos autos, o ora recorrente, independentemente dos motivos, não comparece à audiência de julgamento oportunamente marcada e para a qual, foi regularmente notificada.

Com isto, evidentemente, impede que o co-arguido dos autos possa ser submetido a julgamento, e ver, quanto antes, proferido um juízo quanto à sua culpabilidade.

Porém, mesmo assim, quer a recorrente, que o processo “espere” por ela, sem se saber até quando.

Dest’arte, e não nos merecendo reparo a decisão recorrida, improcede o recurso.

2.2. Do “recurso do Acórdão do T.J.B.”.

Deu o Colectivo do T.J.B. como provada a seguinte factualidade:

“1)
São cônjuges a C e o D, os quais suportam os 4 filhos E, F, G e H (cfr., fls. 79, 82, 153 e 166).
O arguido A foi o Chefe Administrativo e dos Assuntos da Fábrica de Artigos de Vestuário “I”, instalada pelo D (cfr., fls. 168).
Em Junho de 2004, o D morreu de doença (cfr., fls. 153 a 164).
A fim de vender os bens imóveis do D, num dia incerto, a C e o arguido A fabricaram uma procuração, datada de 19 de Maio de 2003, na qual tinha como entidade de emissão o Consulado Geral de Portugal em Hong Kong e se conferiu ao arguido A o poder de administrar e vender os bens imóveis seguintes no momento que se considerasse adequado (cfr. fls. 409 a 411):
- 2 fracções, destinadas à indústria, sitas na Rua de XX n.° XX, XX, XX e Avenida do XX n.° XX-A a XX-D, Edifício XX, XX andar, apartamentos XX e XX;
- 4 fracções, destinadas à habitação, sitas na Avenida da XX n.° XX-B a XX-K e Rua de XX n.° XX a XX-J, Edifício XX, XX° andar, apartamentos XX e XX, XX° andar, apartamentos XX e XX;
- estabelecimento comercial “B1CC1” com sobreloja, sito na Rua de XX, n.° XX a XX-C, r/c.
Constam da procuração acima referida a assinatura e rubrica dos 2 constituintes D e C (cfr., fls. 409 a 411).
Em 29 de Maio de 2003, sob as instruções da C, o arguido A foi para um escritório de advogado com a procuração referida, com presença do Notário Privado António José Dias Azedo como testemunha, em representação do D e C, assinou uma escritura de compra e venda dos bens imóveis, aos quais se referem as fracções destinadas à indústria e habitação e estabelecimento comercial com sobreloja constantes na procuração, pelo preço de MOP$3,800,000.00 a uma empresa “LANDSEA ESTATE INC.” (cfr. fls. 168v, 202 a 204-v.).
Em face das conclusões do exame de assinatura efectuada pelo Departamento de Ciências Forenses, verifica-se que a assinatura “B” e “D” não foi escrita pelo D próprio (cfr. fls. 378 a 383 e 396 a 397).
Conforme o registo do “Hong Kong Sanatorium and Hospital”, em 14 de Maio de 2003, o D foi levado pela ambulância para a Unidade de Cuidados Intensivos deste Hospital (cfr. fls. 319).
Além disso, de acordo com as declarações prestadas pelo “Hong Kong Sanatorium and Hospital”, mostra-se que no período de internação a partir de 14 a 22 de Maio de 2003, o D nunca saiu do Hospital (cfr., fls. 37, 49, 317 a 318 e 320 a 325).
Em 19 de Maio de 2003, pelas 13H00, o D foi alimentado e examinado no Hospital (cfr. fls. 318, 331 e 334).

O arguido foi oficial, auferindo mensalmente MOP$13,000.00.
O arguido é casado e tem uma filha a seu cargo.
O arguido negou os factos acusados e é primário”.
Seguidamente, deu como não provados os factos seguintes:
“O arguido A fabricou uma procuração falsa e, bem sabendo que a assinatura de D nela não escrita por este próprio, assinou com a procuração a escriturada compra e venda dos bens imóveis num escritório de advogado em representação da C (sic.) e D, a fim de vender os bens imóveis do D, prejudicar a credibilidade dos respectivos documentos e obter interesses ilegítimos.
O arguido A agiu de forma voluntária, livre e consciente ao praticar as condutas acima referidas e sabia perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei”.

Na sua motivação de recurso assim conclui o recorrente B:

“1. Entre os factos provados e os factos não provados verifica-se a contradição entre o facto provado de que o arguido, com a C, “fabricaram uma procuração” e o facto não provado de que o arguido A “não fabricou de vontade livre e consciente a procuração falsa” (ou) que o mesmo não sabia que a assinatura de D na dita procuração não foi aposta pelo próprio D afigura-se manifesta,
2. Nos factos provados afirma-se, simultaneamente, que “na mencionada procuração constam as rubricas e as assinaturas dos dois mandantes, D e C” e que de acordo com o exame pericial, as assinaturas de “B” e “D” na referida procuração não foram feitas pelo próprio D”, ficando a dúvida de saber se o Colectivo considerou que da aludida procuração constam, ou não, as (verdadeiras) rubrica e assinatura de D.
3. Existe, em consequência, contradição insanável na fundamentação, uma vez que se verifica uma incompatibilidade entre factos dados como provados e factos não provados, como entre os factos provados e não provados e a fundamentação probatória da matéria de facto, dado que ela não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
4. Mau grado – e independentemente desse facto – se tenha dado como provado que o arguido A não tinha conhecimento da falsidade da procuração, a falsidade do documento é atestado pelo referido Relatório Policial e resulta (ainda) da documentação médica junta aos autos que dá D como tendo estado permanentemente no Hospital durante todo o dia de 19 de Maio d 2003 e, ainda, pelo facto de o Colectivo de Juízes não ter divergido do juízo técnico inerente à prova pericial mas, ao mesmo tempo, não ter declarado autonomamente a procuração como constituindo um documento falso, incorrendo na violação das regras sobre o valor da prova vinculada.
5. Dificilmente se pode, face à prova documental junta aos autos, ter dúvidas quanto à falsidade da procuração outorgada em 19 de Meio de 2003 no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong, face ao Relatório do Exame Pericial, à documentação extraída do processo clínico de D no Hong Kong Sanatorium & Hospital junta aos autos a fls. 445 a 447 e 534/535, face ao Doc. de fls. 432, subscrito pelo Superintendente Clínico do Hospital, no sentido de que, nesse dia, 19 de Maio de 2003, D se encontrava internado e não teve qualquer saída do hospital, face ao doc. de fls. 149, do qual resulta, ainda, ter ele sido sujeito a oxigénio/gás, o que constitui indício da gravidade do estado em que se encontrava e face ao doc. de fls. 534 e 535 subscrito pelo Médico de HK, Dr. Ho Chung Ping, que atestou que D, no mencionado dia, necessitou de permanecer na cama, sem qualquer movimento e permanentemente assistido medicamente e não tendo beneficiado de qualquer saída precária.
6. Acresce que as fracções incluídas na procuração foram transferidas do património de D para a sociedade comercial LANDSEA ESTATE INC., uma sociedade opaca sediada nas Ilhas Virgem Britânicas.
7. Conforme decorre do depoimento da testemunha H, as fracções habitacionais A-25 e B-25 incluídas no acervo de bens imóveis descritos na procuração e vendidas constituíram, ao tempo, a residência da testemunha H e respectiva família, os quais ali continuaram a viver por mais 3 anos sem conhecimento do projecto de venda e da venda.
8. Acresce ainda que a procuração de 19 de Maio de 2003 e a venda efectuada em 29 de Maio de 2003 do valiosíssimo acervo dos bens nela incluído ocorreu numa ocasião em que o mercado imobiliário da RAEM estava no período mais crítico e baixo da sua história, devido à SARS, durante o qual o volume de transacções de imóveis foi extremamente baixo, o que constitui um facto notório, pelo que se estranha uma tal transmissão ocorrida num tal momento assim como o baixo preço de venda.
9. No caso, tendo constituído objecto directo da acção criminal (1) a falsidade da procuração e (2) a autoria (ou cumplicidade) na falsificação por parte dos arguidos (reduzido, neste processo, a um) crê-se que se impunha ao tribunal uma conclusão definitiva quanto à falsidade da aludida procuração se essa tivesse sido, efectivamente, a conclusão atingida.
10. No caso concreto, a invocada falsidade da procuração não surgiu circunstancialmente, constituindo, antes, objecto do processo desde a participação que lhe deu origem, pelo que, tendo constituído objecto da acção criminal (1) a falsidade da procuração e (2) a autoria (ou cumplicidade) na falsificação por parte dos arguidos, crê-se que se impunha ao tribunal a declaração da falsidade da aludida procuração se essa foi a sua conclusão – ou a conclusão oposta.
11. Imputa-se, assim, à decisão recorrida a omissão de pronúncia quanto a essa questão essencial, dadas as contradições e dúvidas que se deixaram assinaladas supra e a relevância de que se revestia.
12. A decisão recorrida violou, nomeadamente, as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis”; (cfr., fls. 1092 a 1107).

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Na sua resposta, afirma o arguido A que o recurso não merece provimento, considerando o Exmo. Magistrado do Ministério Público que se verifica o imputado vício de contradição insanável da fundamentação; (cfr., fls. 1124 a 1126 e 1173 a 1212).

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No seu douto Parecer, entende o Ilustre Procurador Adjunto que inexiste qualquer contradição ; (cfr., fls. 1263 a 1264).

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Passa-se a decidir.

E, da ponderação que nos foi possível efectuar, cremos que o recorrente tem razão.

Vejamos.

O vício de contradição insanável de fundamentação só ocorre “quando constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.05.2012, Proc. n° 179/2012).

No caso dos presentes autos, está provado que:

“A fim de vender os bens imóveis do D, num dia incerto, a C e o arguido A fabricaram uma procuração, datada de 19 de Maio de 2003, na qual tinha como entidade de emissão o Consulado Geral de Portugal em Hong Kong e se conferiu ao arguido A o poder de administrar e vender os bens imóveis seguintes no momento que se considerasse adequado”.

E, deu-se simultaneamente como não provado que:

“O arguido A fabricou uma procuração falsa e, bem sabendo que a assinatura de D nela não escrita por este próprio, assinou com a procuração a escriturada compra e venda dos bens imóveis num escritório de advogado em representação da C (sic.) e D, a fim de vender os bens imóveis do D, prejudicar a credibilidade dos respectivos documentos e obter interesses ilegítimos”.

Cremos que tal matéria é incompatível: se provado está que o ora recorrente e C “fabricaram” uma procuração, na qual, esta e D, que não teve intervenção em tal acto, lhe atribuíam poderes para administrar e vender imóveis, não vemos como podia resultar “não provado” que o (mesmo) ora recorrente “fabricou uma procuração falsa, sabendo que a assinatura de D não tinha sido feita pelo próprio…”

Com efeito, (e como cremos ser claro), uma procuração, não se “fabrica”, e se alguém “fabrica” numa procuração sem a intervenção de 1 dos mandantes, lógico parece de concluir que esta procuração está viciada, já que nela consta a assinatura da pessoa que não teve intervenção em tal processo, não se vislumbrando como possa(m) o(s) fabricante(s) ignorar tal facto.

A assinalada matéria de facto é essencial à boa decisão da causa, e a referenciada contradição é insanável.

Dito isto, e impondo-se assim o reenvio dos autos para novo julgamento, (cfr., art. 418° do C.P.P.M.), assim se decidirá.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se improcedente o recurso interposto por C, e na procedência do recurso do Acórdão, determina-se o reenvio dos autos para novo julgamento da matéria de facto em causa, e para nova decisão de direito.

Custas pelo recorrente C com taxa que se fixa em 4 UCs, e pelo recorrido A, quanto ao seu decaimento, com taxa que se fixa em 5 UCs.

Macau, aos 27 de Setembro de 2012


_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 286/2012 Pág. 26

Proc. 286/2012 Pág. 1