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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
O Consórcio formado por A, B e C, concorrente do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no Bairro da Ilha Verde, Lote 1 e 2, apresentou junto ao Tribunal de Segunda Instância o recurso contencioso de anulação do acto administrativo do Senhor Chefe do Executivo de 27 de Agosto de 2012, que adjudicou a empreitada ao consórcio formado pela D e E.
Por Acórdão proferido em 11 de Abril de 2013, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedentes todas as excepções deduzidas pela entidade recorrida e pela contra-interessada D, incluindo a da irrecorribilidade do acto de classificação das propostas, determinando o prosseguimento do recurso nos seus ulteriores termos.
Inconformada com este Acórdão, vem a D recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o Douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.04.2013, na parte em que julgou improcedente a excepção de irrecorribilidade do acto de classificação das propostas deduzida pela Contra-interessada.
2. Pese embora o Douto Acórdão do Tribunal a quo tenha identificado a questão essencial associada à excepção de irrecorribilidade deduzida – nomeadamente ao referir que “Na óptica da contra-interessada, o recorrente no fundo está a impugnar o projecto apresentado pela Administração” –, acabou por não decidir a questão que lhe foi colocada.
3. Em primeiro lugar, a excepção deduzida pela Contra-interessada não se baseia nas normas indicadas na Douta opinião do Dign.º Representante do Ministério Público em que se fundamenta a decisão sub judice, pelo que nessa parte o Douto Acórdão nada esclarece sobre a excepção deduzida.
4. Em segundo lugar, com o devido respeito, afigura-se irrelevante a questão da legitimidade ou falta dela, tratada nos exemplos apresentados na Douta opinião do Dign.º Representante do Ministério Público, uma vez que em ponto algum da contestação da Contra-interessada referiu a falta de legitimidade das Recorrentes no Recurso Contencioso, muito menos em conexão com a excepção de irrecorribilidade ora em crise.
5. Pela mesma razão, também se entende que é descontextualizada a conclusão vertida na Douta opinião do Dign.º Representante do Ministério Público quando refere que «o facto de as recorrentes não apresentarem reclamação, invocado pela entidade recorrida e contra-interessada, não determina a ilegitimidade das recorrentes para interpor o presente recurso contencioso».
6. O que a Contra-interessada arguiu na sua contestação é que o recurso contencioso deveria ter sido liminarmente rejeitado por manifesta irrecorribilidade do acto recorrido e não por ilegitimidade das Recorrentes, e sobre a primeira questão a decisão em causa não se pronunciou concretamente, “limitando-se” a enunciá-la e a julgá-la improcedente.
7. Considerando o exposto, e com todo o respeito que nos merece o Douto Acórdão ora recorrido e, bem assim, a Douta opinião do Dign.º Representante do Ministério Público, a decisão ora recorrida é nula por omissão de pronúncia quanto à questão da irrecorribilidade, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC, aqui aplicável por remissão expressa do artigo 1.º do CPAC.
8. Se assim não se entender, a decisão é nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) do mesmo n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
9. Salvo melhor entendimento, dizer que se tomaram indiscutíveis os vícios assacados pelos Recorrentes no caso dos autos corresponde exactamente à irrecorribilidade do acto recorrido (i.e. o acto do Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada), decorrente da circunstância de que o vício que lhe é assacado respeita a um acto que se tornou irrecorrível por falta de impugnação administrativa necessária, não se tratando, por conseguinte, de uma questão de mérito.
10. Como bem refere o Douto Acórdão recorrido, “Na óptica da contra-interessada, o recorrente no fundo está a impugnar o projecto apresentado pela Administração”. Com efeito, pese embora as Recorrentes tenham interposto recurso contencioso do acto do Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada, a anulação desse acto pressupõe a anulação do projecto apresentado pela Administração, o qual se tornou irrecorrível por falta de impugnação administrativa necessária.
11. Considerando o exposto, caso se entenda que o Acórdão Recorrido não padece de nulidade nos termos expostos, deverá considerar-se que a decisão ora em crise aplicou erradamente a lei de processo, nomeadamente ao não rejeitar liminarmente o Recurso Contencioso, face à irrecorribilidade do acto recorrido, devendo aquele ser revogado em conformidade.

Contra-alegou o Consórcio Formado por A, B e C, apresentando as seguintes conclusões:
1. O que o ora recorrido impugna é o acto de adjudicação que homologou a classificação final do procedimento com base no relatório final de avaliação.
2. E neste sentido são os fundamentos de facto e de direito do relatório final de avaliação que o ora recorrido tem de impugnar, por serem eles o fundamento que corporizam do acto de adjudicação.
3. O ora recorrido nunca pretendeu ou pretende impugnar as peças do procedimento, máxime o projecto da Administração posto a concurso no recurso de contencioso em curso.
4. O ora recorrido sempre entendeu e entende que o Projecto de Execução das Fundações (construção da parede diafragma), do qual faz parte integrante o projecto de escavação e o projecto de entivação tinham de ser apresentados com todos os cálculos de sustentabilidade correctos, quer quanto ao aço a aplicar, quer quantos ao contraventamentos ou escoramentos a realizar para evitar as fendilhações no betão.
5. São as próprias peças do procedimento que determinam a apresentação do projecto.
6. Em primeiro lugar e desde logo o mapa de quantidades no artigo A.3.l onde se pedem preços para (vide processo instrutor): Escavação em material de qualquer natureza para implantação de todas as fundações e estruturas, incluindo transportes do material sobrante a vazadouro, considerando o necessário coeficiente de empolamento, estrutura da entivação com projecto a apresentar pelo empreiteiro, plataformas de trabalho, cravação de estacas prancha, escoramento, selagens de fundo, bombagem da agua subterrânea em excesso, todos os demais trabalhos materiais necessários à boa execução da escavação.
7. Em segundo lugar, as notas 0898.ES.PE.0701 e 0898.ES.PE.0701 (veja-se processo instrutor) identificam como incindíveis dois dos processos mais importantes do PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES, escavações e entivação.
8. Em terceiro lugar a Administração ao escolher como o sub-critério de adjudicação ponto 2.2.2 Plano de Execução e este o Plano da Execução das Fundações (Fundações de estaca com grande diâmetro e projecto de execução para escavação e suporte de cave), obriga-se a avaliar todos os sub-projectos que fazem parte do PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES.
9. Esses projectos são os projectos de entivação, escavação e estabilidade com todos os cálculos de sustentabilidade referentes à quantidade de aço a aplicar e quantidade de contraventamentos ou escoramentos a realizar.
10. O que significa, ao abrigo das peças do procedimento, quer os processos materiais ou físicos da construção, quer os projectos de engenharia que os suportam, escavação e entivação, são incindíveis, quer para a execução das fundações, quer para a avaliação de propostas enquanto elementos do PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES.
Daqui decorre;
11. Em primeiro lugar que, os processos de escavações, entivação e construção da parede de fundação só podem ser executados se legal e tecnicamente forem viáveis nos termos da lei, e;
12. Em segundo lugar, se os processos de escavações, entivação e construção da parede de fundação são elementos do PLANO GERAL DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES, então para as propostas serem avaliadas, os concorrentes tem que apresentar os projectos de entivação, escavação e estabilidade com todos os cálculos de sustentabilidade referentes à quantidade de aço a aplicar e quantidade de contraventamentos ou escoramentos a realizar.
13. A sua não apresentação determinaria a incompletude e a ilegalidade do PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES.
14. Razão pelo qual todos os contra-interessados apresentaram o projecto de entivação, ainda que com falhas graves.
15. Pelo que, a avaliação feita pela Administração no relatório de classificação das propostas teve de ter em conta os projectos escavação e entivação como partes integrantes do PROJECTO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES, sob pena de contradição das peças do procedimento.
16. Não é possível entender-se que o PROJECTO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES, tem de ser avaliado como um dos atributos das propostas e depois não avaliar os processos de escavação entivação e estabilidade que materializam esse PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES.
17. A Administração não tinha outro alternativa antes de avaliar PLANO (projecto) DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES do que verificar se os processos dentro do PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES cumpriam legalidade técnica e só depois avançar para a avaliação das propostas.
18. Ao não o fazer violou a lei e não é preciso ser “adivinho” para perceber que a correcção da processo será feita, se é que não foi já, durante a execução do contrato, ilegalmente violando iter alia, o principio da intangibilidade das propostas.
19. Depois do acto público, em que existe duas fases, a habilitação dos concorrentes e a admissão da proposta, artigo 76º e seg. DL 74/99/M, a fase da classificação ou avaliação das propostas não é autónoma da adjudicação.
20. Os concorrentes só têm acesso à classificação das propostas com a adjudicação.
21. Tudo nos termos do 99º nº 2 do DL 74/99/M, A adjudicação é notificada ao concorrente preferido, determinando-se-lhe logo que preste, no prazo de 10 dias, a caução definitiva que for devida e cujo valor expressamente se indica.
22. E ainda nos termos do nº 3 A adjudicação é também comunicada aos restantes concorrentes no prazo de 15 dias após a prestação da caução definitiva.
23. No caso concreto, a notificação nos termos do artigo 99º nº 3 do DL 74/99/M por parte do Chefe do Executivo ao recorrido, comunicando a adjudicação à ora recorrente não disponibilizou o relatório de avaliação das propostas.
24. Só posteriormente, quando o ora recorrido requereu nos termos do artigo 27º nº 2 do CPAC a notificação do acto de adjudicação do Chefe do Executivo com a respectiva fundamentação, é que teve acesso ao relatório de avaliação de propostas.
25. Pelo que, e em primeiro lugar, o relatório (acto da comissão de avaliação) de classificação de propostas não pode se impugnado hierarquicamente pelo recorrido porque a lei não autonomiza a classificação das propostas do acto de adjudicação;
26. Em segundo lugar e ainda que assim não se entenda, que por mera hipótese de patrocínio se coloca, o relatório (acto da comissão de avaliação) da avaliação de propostas só foi notificado ao recorrido após o acto de notificação da adjudicação.
27. Não sendo um acto autónomo do acto de adjudicação, o relatório (acto da comissão de avaliação) de classificação ou avaliação de propostas não é não impugnável graciosamente, e por isso também o recorrente nunca o podia impugnar hierarquicamente.
28. Pelo que, a questão da irrecorribilidade do acto da classificação das propostas, nem se coloca, quer do ponto de vista substantivo, porque no recurso de contencioso em curso não se pretende recorrer das peças do procedimento, quer do ponto de vista procedimental e processual, porque nos termos da lei o relatório (acto da comissão de avaliação) de classificação ou avaliação de propostas não é impugnável autonomamente do acto final de adjudicação.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo não merecer provimento o recurso.

Foram corridos os vistos.

2. Os Factos Provados
O Tribunal de Segunda Instância considera provada a seguinte factualidade relevante à boa decisão da causa:
- Em 06 JUN 2012, foi publicado no B.O. o anúncio do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no Bairro da Ilha Verde, lotes 1 e 2;
- 14 concorrentes foram admitidos no concurso, entre os quais se encontrava o ora recorrido;
- De acordo com o relatório de análise de propostas, o ora recorrido foi classificado em 3º lugar; e
- Por despacho do Senhor Chefe do Executivo proferido em 27 AGO 2012, a empreitada foi adjudicada ao 1º classificado ou seja, o concorrente nº 12 que é consórcio formado pela D e E;

3. O Direito
No recurso contencioso interposto pelo Consórcio formado por A, B e C, ora recorrido, a contra-interessada D, ora recorrente, deduziu na contestação a excepção de irrecorribilidade do acto de classificação das propostas.
E por douto Acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente tal excepção, concordando e subscrevendo inteiramente o parecer emitido pelo Ministério Público sobre a questão.
Reagindo-se contra tal decisão, assaca a recorrente os vícios da nulidade da decisão e, subsidiariamente, da errada aplicação da lei de processo.
Vejamos.

3.1. Questão prévia - Nulidade da decisão
Alega a recorrente que a decisão ora recorrida é nula por omissão de pronúncia ou por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do disposto nas al.s d) e b) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
Na óptica da recorrente, o Tribunal recorrido não decidiu a questão que lhe tinha sido colocada, referente à “irrecorribilidade do acto recorrido”, que implicaria a rejeição do recurso contencioso.
Ora, basta uma leitura simples do Acórdão recorrido para chegar à conclusão de que não há omissão de pronúncia, pois o Tribunal recorrido não deixou de pronunciar-se, como devia, sobre a questão suscitada, no ponto 3 do seu Acórdão, em que se constata que, por remissão para o parecer do Ministério Público, foi julgada improcedente a excepção deduzida pela ora recorrente.
É de salientar que a lei impõe ao tribunal a obrigação de conhecer todas as questões suscitadas que devesse apreciar, e não os argumentos deduzidos pelas partes para sustentar a questão.
E nada obsta ao tribunal aplicar as normas diferentes das invocadas pelas partes para conhecer da questão, já que, tratando-se da matéria de direito, o tribunal pode, e deve, aplicar as normas que achar correctas e próprias para resolver a questão.
Não há, igualmente, falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, porque, com a remissão para o parecer do Ministério Público, eles foram indicados.
Poderá dizer-se que a decisão não está correcta, por errada aplicação das normas, tal como invoca a recorrente. Mas se a recorrente discordar da fundamentação da decisão, isso constitui questão de mérito, a apreciar em sede de conhecimento de mérito, e não de nulidade do Acórdão.
É de julgar improcedente a arguição de nulidade.

3.2. Questão de mérito - Errada aplicação da lei de processo
A título subsidiário, alega a recorrente que a decisão ora em crise aplicou erradamente a lei de processo, nomeadamente ao não rejeitar liminarmente o recurso contencioso, face à irrecorribilidade do acto recorrido.
Na tese da recorrente, pese embora o recurso contencioso foi interposto do acto do Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada, a anulação desse acto pressupõe a anulação do projecto apresentado pela Administração, o qual se tornou irrecorrível por falta de impugnação administrativa necessária.
Desde logo, é de salientar que, tal como se constata na petição do recurso contencioso, o acto administrativo impugnado é o acto de adjudicação da empreitada, praticado pelo Chefe do Executivo em 27 de Agosto de 2012, que homologou o relatório de avaliação das propostas.
Não foram impugnados nem o acto de admissão das propostas nem o acto de classificação das propostas, cuja irrecorribilidade foi invocada pela recorrente na contestação por excepção.
Não obstante entender a recorrente que o que se pretende impugnar no recurso contencioso é, no fundo, o projecto apresentado pela Administração, certo é que o objecto do recurso contencioso é clara e expressamente aquele acto de adjudicação da empreitada.
E não se encontra nenhuma norma que preveja a prévia impugnação administrativa necessária como pressuposto para o recurso contencioso do acto de adjudicação.
No caso concreto, estando em causa o acto praticado pelo Chefe do Executivo, não há contra ele qualquer meio de impugnação administrativa.
Daí que se mostra irrelevante a invocação de outras normas, muito menos as indicadas pela recorrente (art.ºs 46.º a 48.º do DL n.º 74/99M), que não têm aplicação no presente caso porque está em causa o acto de adjudicação da empreitada, e não outros actos anteriores.
E a falta de impugnação administrativa prévia dos actos anteriores à adjudicação, exigida por lei, não afecta em nada a recorribilidade deste último acto administrativo.
Assim e por esta singela razão, é de julgar improcedente o recurso interposto, confirmando o Acórdão recorrido, embora com fundamentação diferente.

4. Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.

                 Macau, 31 de Julho de 2013
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King



1
Processo n.º 38/2013