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Processo n.º 725/2011 Data do acórdão: 2012-10-11 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– contravenção laboral
– falta de consciência sobre a ilicitude do facto
– acção de promoção sobre o sentido de lei
– art.o 85.o, n.o 1, da Lei das Relações de Trabalho
– infracção continuada
– art.o 390.o, n.o 2, do Código de Processo Penal

S U M Á R I O

1. A falta de realização, por parte da Administração, de qualquer acção de promoção ou esclarecimento sobre o sentido e alcance de uma nova lei com normas sancionatórias não pode ser invocada pela empresa ora recorrente para fundar validamente a sua tese de “falta de consciência na ilicitude dos factos” integradores das contravenções laborais por que vinha condenada em primeira instância.
2. O art.o 85.o, n.o 1, proémio, da actual Lei das Relações de Trabalho determina que “É punido com multa de $ 20 000,00 (vinte mil patacas) a $ 50 000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção...”, pelo que existindo nos presentes autos três trabalhadores ofendidos, a recorrente tem que pagar três multas tal como se encontrava condenada na sentença recorrida, o que faz precludir irremediavelmente o seu desejo de ver unidas numa só, sob a égide do art.o 29.o, n.o 2, do Código Penal, as três contravenções tidas por verificadas pelo Tribunal a quo.
3. Como a recorrente ficou condenada na sentença a pagar MOP12.600,00 de indemnização a uma trabalhadora sua, o Tribunal de Segunda Instância, atento o art.o 390.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, não pode conhecer da injusteza desse montante, alegada na motivação do recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 725/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A, Limitada



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 197 a 201v dos autos de Processo de Contravenção Laboral n.° CR4-11-0032-LCT do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou como autora das três contravenções laborais previstas nos termos conjugados do art.o 20.o da Lei n.o 21/2009, de 27 de Outubro (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) (doravante abreviada como LCTNR) e dos art.os 64.o, n.o 1, e 85.o, n.o 1, alínea 6), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto (Lei das relações de trabalho) (a seguir abreviada como LRT), na multa de MOP21.000,00 por cada, e, ao total, em MOP63.000,00 de multa, com obrigação de pagar à trabalhadora B MOP12.600,00 de indemnização pecuniária, arbitrada oficiosamente, com juros legais a contar da data da sentença até integral e efectivo pagamento, veio a arguida A Limitada, como proprietária do Hotel Novo Século, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar, a título principal, a sua absolvição das ditas três contravenções com fundamento na alegada falta de consciência, por parte dela, quanto à ilicitude dos factos (à luz do art.o 16.o, n.o 1, ex vi do art.o 124.o, n.o 1, ambos do Código Penal (CP)), e, subsidiariamente, a sua condenação como autora, tão só, de uma contravenção continuada, para além de pedir a revogação da decisão relativa à indemnização pecuniária (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 243 a 277v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Procuradora-Adjunta junto do Tribunal a quo no sentido de improcedência da argumentação da recorrente (cfr. a resposta de fls. 280 a 283v).
Subidos os autos, emitiu o Ministério Público parecer (a fl. 293 a 296), pugnando pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e realizada a audiência neste TSI (em sede da qual já ficou a arguida advertida do eventual não conhecimento do seu recurso na parte referente à decisão cível tomada pelo Tribunal a quo), cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 2 a 4 do texto da sentença recorrida (ora a fls. 197v a 198v dos autos), é de considerar a mesma como totalmente reproduzida no presente acórdão de recurso, nos termos do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.o 4.o do actual Código de Processo Penal (CPP).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A título principal, pretende a recorrente, através da invocação do disposto no art.o 16.o, n.o 1, do CP, que seja absolvida das três contravenções laborais por que vinha condenada em primeira instância. Para isso, alega sobretudo que como “a norma jurídica da LCTNR que passou a fazer aplicar às respectivas empregadoras o regime contravencional estabelecido nos artigos 85.o a 87.o da LRT não é uma norma clara nem explícita quanto ao real alcance da remissão que faz para a LRT”, com a agravante de que é facto público e notório que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, atentas as suas competências em razão da matéria, ou qualquer outro organismo da Administração, não haviam promovido qualquer acção de informação e esclarecimento, não poderá, assim, ter existido, por parte da própria recorrente, consciência quanto à ilicitude dos factos (de ter feito descontos “ilegais” na remuneração dos três trabalhadores dos autos), por causa da “inexigilidade de conformação com normas cuja vigência, âmbito de aplicação e alcance se não consegue apreender com mínima nem suficiente nitidez”.
Contudo, não pode proceder esse tipo de argumentação, por esta padecer do vício lógico de petição de princípio. Na verdade, se fosse válida essa tese da recorrente, então todo o agente violador da lei punitiva teria agido com falta de consciência na ilicitude dos factos, sempre que a Administração não tivesse feito antes qualquer acção de promoção sobre o sentido e alcance da lei!...
E no tocante à subsidiária pretensão da recorrente em ver condenada numa só contravenção laboral, a despeito de estarem em causa três trabalhadores seus queixosos, chamados B,C e D, em cuja remuneração a recorrente chegou a proceder aos descontos não permitidos no art.o 64.o, n.o 1, da LRT, também não assiste razão à recorrente, já que o art.o 85.o, n.o 1, proémio, da LRT determina que “É punido com multa de $ 20 000,00 (vinte mil patacas) a $ 50 000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção...”, pelo que existindo tais três trabalhadores ofendidos pela recorrente, esta tem que pagar três multas, o que faz precludir irremediavelmente o seu desejo de ver unidas numa só, sob a égide do art.o 29.o, n.o 2, do CP, as três contravenções tidas por verificadas pelo Tribunal a quo.
Por fim, no tangente à alegada justeza do montante indemnizatório de MOP12.600,00 arbitrado oficiosamente na sentença recorrida, este TSI não pode conhecer da mesma (por estar a recorrente concretamente prejudicada em valor inferior à metade da alçada do Tribunal Judicial de Base em matéria cível laboral), atento o disposto no art.o 390.o, n.o 2, do CPP.
IV – DECISÃO
Ante o exposto, acordam em julgar improcedente o recurso na parte atinente à responsabilidade contravencional, e não conhecer da remanescente parte relativa à decisão de arbitramento de indemnização.
Custas pela arguida recorrente, com dez UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão à trabalhadora B
Macau, 11 de Outubro de 2012.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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