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Processo nº 550/2012 Data: 04.10.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Transgressão laboral.
“Bónus”.



SUMÁRIO

Comete a infracção p. e p. pelo art. 77° e 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, o empregador que não efectuar o pagamento de um “bónus” prometido pagar ao trabalhador por altura do Ano Novo Chinês.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 550/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar a “XX KUN LEI IAO HANG CONG SI” (XX管理有限公司), como autora da prática de 3 infracções p. e p. pelos art°s 77° e 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, na multa de MOP$7.000,00 cada, e em cúmulo, na multa global de MOP$21.000,00, assim como no pagamento das indemnizações de MOP$9.200,00, MOP$7.575,00 e 3.988,00; (cfr., fls. 334 a 339-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“57°.
Ressalvado o devido respeito, crê a Arguida estar a douta sentença do Tribunal a quo ferida de erro notório na apreciação da prova (cfr. alínea c) do n.° 2 do art.° 400.° do Código de Processo Penal de Macau).
58°.
É ainda a douta sentença do Tribunal a quo omissa quanto à indicação da(s) norma(s) de Direito aplicadas ao caso concreto e que, pela sua alegada violação, levaram à condenação da Arguida no pagamento dos montantes referentes a “Bónus” aos funcionários B, C e D (cfr. n.° 1 do art.° 400.°, art.° 355.°, art.° 356.° e art.° 360.° todos do Código de Processo Penal).
59°.
Bem como carece de fundamentação adequada a condenação em multa resultantes de 3 contravenções de trabalho (cfr. art.° 77.° e alínea 5) do n.° 3 do art.° 85.° da Lei n.° 7/2008);
60°.
Porquanto não indagou o douto Tribunal a quo, da verdadeira natureza jurídica da prestação pecuniária denominada por “Bónus”;
61°.
Nem se pronunciou acerca do seu carácter, fixo ou variável, voluntário ou obrigatório, reiterado ou eventual, de atribuição geral ou específica.
62°.
Nem se pronunciou acerca da competência para a definição de critérios para a sua distribuição, se livre e discricionária ou vinculada, contratual ou extracontratual;
63°.
Não logrando, salvo o devido respeito, correlacionar a conduta da Arguida com a violação de quaisquer disposições legais em vigor na actual legislação que regula as Relações Laborais.
64°.
Tendo, aparentemente, o Tribunal a quo decidido a questão fundando-se em razões de “prática e lei de experiência”, deveria ter ido mais além no que toca aos fins visados pela atribuição de um qualquer montante pecuniário a título de “Bónus”.
65°.
Bem como, o de correlacionar tal atribuição com a actual legislação comercial vigente, no sentido de apurar da invalidade da instituição de uma prestação pecuniária, fixa e reiterada, de carácter análogo ao de uma liberalidade.
66°.
Ou, pelo contrário, entendendo o Tribunal a quo, como se parece depreender, que o referido “Bónus” trata-se tão só e apenas de uma distribuição de lucros referentes ao ano do exercício anterior;
67°.
Não correlacionou tais prestações com as normas vigentes do Direito Comercial, nem com os eventuais conflitos com os direitos dos sócios no que respeita a esses mesmos lucros.
68°.
Carecendo, portanto, a douta sentença do Tribunal a quo, ressalvado o devido respeito, da necessária e adequada fundamentação, quer de facto, quer de direito, que justifiquem a condenação;
69°.
Quer no que diz respeito ao pagamento dos respectivos montantes aos funcionários;
70°.
Quer no que diz respeito às contravenções laborais”; (cfr., fls. 357 a 371-v).

*

Respondendo, é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que o recurso merece provimento, devendo-se absolver a arguida; (cfr., fls. 374 a 381-v).

*

Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação do recurso (fls. 357 a 372 dos autos), a recorrente invocou o erro notório na apreciação da prova, a não indicação da(s) norma(s) de aplicadas ao caso concreto, e a carência da necessária e adequada fundamentação, quer de facto quer de direito, que justifiquem a condenação.
Ora bem, na fls.10 da douta sentença recorrida (vide. fls. 338 verso dos autos) lê-se:
綜上,根據有關的既證事實,指控嫌疑人所觸犯的第7/2008號法律第45條第2款及第85條第3款第2項所規定及處罰(欠強制性假日補償)的3項勞動輕微違反,基於存有疑問,故均判處罪名不成立。
而嫌疑人已觸犯了第7/2008號法律第77條及第85條第3款第5項所規定及處罰(欠花紅)的3項勞動輕微違反,因證據充份且足夠,均判處罪名成立。
*
綜上,根據《澳門刑法典》第65條及第7/2008號法第77條及第85條第31款第5項(欠花紅)的規定,針對嫌疑人所觸犯的上述3項勞動輕微違反,每項判處澳門幣7,000元的罰金;數罪並罰,合共判處澳門幣21,000元的罰金。
As explanações supra transcritas demonstram indiscutivelmente que é manifestamente absurdo e insubsistente o argumento da «a não indicação da(s) norma(s) de aplicadas ao caso concreto».
*
Em princípio, uma sentença mostra-se fundamentada quando se revela o procedimento lógico seguido pelo Tribunal na formação da decisão, confrontando-a com o seu acerto e segurança, permitindo-se assim dar a conhecer as razões que levaram à decisão do juiz e sindicar o juízo que foi feito pelo julgador. (Acórdão do TSI no Processo n.° 225/2006)
Daí se possa compreender que a nulidade da sentença por falta de fundamento de facto e direito só se verifica na ausência total de fundamentação; se se tiver por deficiente ou incompleta não há nulidade. (Acórdãos do TSI e do TUI, nos Processos respectivamente n.° 662/2009 e n.° 1/2012)
E, o Venerando TUI vem consolidando duas jurisprudências: Em primeiro lugar, a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo; e em segundo, não há norma processual que exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico ou indique os meios de prova que se encontram na base da sua convicção de dar como provado ou não provado um determinado facto, nem a apreciação crítica das provas em ordem a permitir a sua apreciação pelo tribunal de recurso, sem prejuízo, naturalmente, de maior desenvolvimento quando o julgador entenda fazer.
Em esteira das jurisprudências supra referida, podemo-nos extrair com tranquilidade que não se verifica a invocada «carência da necessária e adequada fundamentação, quer de facto quer de direito, que justifiquem a condenação».
*
Inculca reiteradamente o TUI (a título meramente exemplificativo, vide o Acórdão n.° 16/2000): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
Em conformidade com tal sensata perspectiva, afigura-se-nos certo que não se surge, no caso sub judice, nenhuma das modalidades do erro notório na apreciação da prova. Pois, não se vislubra incompatibilidade nem desconformidade.
*
Bem ponderando, descortinamos que a invocação do «erro notório na apreciação da prova» representa um erro de designação. Devidamente designados, os argumentos respeitantes ao «erro notório na apreciação da prova» a recorrente prende com o erro de direito – a errada qualificação jurídica dos «Bónus» (花紅).
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da nossa Exma. Colega na douta Resposta (fls. 374 a 381 verso dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
No fundo, aventamos que não sendo obrigatórios ou periódicos, os «Bónus» (花紅) envolvidos nos autos dependiam da vontade da entidade patronal, ora recorrente, pelo que assumem a natureza da «remuneração variável» contempladas nos arts. 2° aliena 5) e 58° n.° 1 da Lei n.° 7/2008 (Lei da relações de Trabalho), não fazendo parte da «remuneração por base».
Sendo assim, parece-nos que não constituem a infracção p.p. pelo preceito nos arts. 77° e 85° n.°3/5 da Lei n.° 7/2008 as condutas da recorrente de recusar a pagá-los aos seus três ex-empregados, identificados na Acta da Audiência de Julgamento como testemunhas (vide. fls. 325 a 326 verso).
Donde emerge um erro de direito da douta sentença recorrida.
Em sintonia com o princípio geral, vigente no ordenamento jurídico de Macau, de que a errada qualificação jurídica dos vícios, sendo da modificação oficiosa do Juiz, não impede o provimento, entendemos que o presente recurso merece procedência parcial.
***
Por todo o exposto, opinamos pelo parcial provimento do recurso em apreço”; (cfr., fls. 392 a 393-v).

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os factos seguintes:

“1) O empregado B (B) (portador do BIR permanente de Macau n.º 5XXXXXX(2), residente na Travessa da ……, EDF. ……, Lote … 4.ºA, tel.: 66XXXXXX), empregado da arguida desde 15 de Dezembro de 2006, condutor, até 28 de Fevereiro de 2011, auferia mensalmente MOP$7500 na fase final do desempenho do cargo.
2) O empregado C (C) (portador do BIR permanente de Macau n.º 5XXXXXX(8), residente na Estrada de ……, EDF. …… 2.ºA, tel.: 66XXXXXX), empregado da arguida desde 22 de Janeiro de 2010, condutor, até 28 de Fevereiro de 2011, auferia mensalmente MOP$7500 na fase final do desempenho do cargo.
3) O empregado D (D) (portador do BIR permanente de Macau n.º 7XXXXXX(4), residente na Avenida Dr. ……, …… Court 7.ºM, tel.: 66XXXXXX), empregado da arguida desde 22 de Setembro de 2008, condutor, até 4 de Março de 2011, auferia mensalmente MOP$7500 na fase final do desempenho do cargo.
Os três empregados acima referidos queixaram-se junto ao Departamento de Inspecção do Trabalho da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais em 7 de Março de 2011.
Nessa sequência, o organismo abriu um processo e deu entrada à investigação.
Durante o exercício das funções, o empregado B prestou serviço à arguida nas seguintes datas: 1 de Janeiro de 2009 (Fraternidade Universal), 26 a 28 de Janeiro de 2009 (três dias do Ano Novo Chinês), 1 de Maio de 2009 (Dia do Trabalhador), 4 de Outubro de 2009 (Dia Seguinte ao Meio-Outono), 1 de Outubro de 2009 (Implementação da RPC), 20 de Dezembro de 2009 (Dia Comemorativo do Estabelecimento da RAEM), 1 de Janeiro de 2010 (Fraternidade Universal), 15 a 16 de Fevereiro de 2010 (dois dias do Ano Novo Chinês), 23 de Setembro de 2010 (Dia Seguinte ao Meio-Outono), 1 de Outubro de 2010 (Implementação da RPC), 1 de Janeiro de 2011 (Fraternidade Universal), 3 e 5 de Fevereiro de 2011 (dois dias do Ano Novo Chinês).
Durante o exercício das funções, o empregado C prestou serviço à arguida nas seguintes datas: 14 a 15 de Fevereiro de 2010 (dois dias do Ano Novo Chinês), 5 de Abril de 2010 (Dia de Finados), 1 de Maio de 2010 (Dia do Trabalhador), 23 de Setembro de 2010 (Dia Seguinte ao Meio-Outono), 1 de Outubro de 2010 (Implementação da RPC), 16 de Dezembro de 2010 (Culto dos Antepassados), 20 de Dezembro de 2010 (Dia Comemorativo do Estabelecimento da RAEM), 1 de Janeiro de 2011 (Fraternidade Universal), 4 e 5 de Fevereiro de 2011 (dois dias do Ano Novo Chinês).
Durante o exercício das funções, o empregado D prestou serviço à arguida nas seguintes datas: 1 de Janeiro de 2009 (Fraternidade Universal), 26 e 28 de Janeiro de 2009 (dois dias do Ano Novo Chinês), 4 de Abril de 2009 (Dia de Finados), 1 de Maio de 2009 (Dia do Trabalhador), 4 de Outubro de 2009 (Dia Seguinte ao Meio-Outono), 1 de Outubro de 2009 (Implementação da RPC), 26 de Outubro de 2009 (Culto dos Antepassados), 20 de Dezembro de 2009 (Dia Comemorativo do Estabelecimento da RAEM), 1 de Janeiro de 2010 (Fraternidade Universal), 15 a 16 de Fevereiro de 2010 (dois dias do Ano Novo Chinês), 5 de Abril de 2010 (Dia de Finados), 1 de Maio de 2010 (Dia do Trabalhador), 23 de Setembro de 2010 (Dia Seguinte ao Meio-Outono), 1 de Outubro de 2010 (Implementação da RPC), 16 de Dezembro de 2010 (Culto dos Antepassados), 20 de Dezembro de 2010 (Dia Comemorativo do Estabelecimento da RAEM), 1 de Janeiro de 2011 (Fraternidade Universal), 4 e 5 de Fevereiro de 2011 (dois dias do Ano Novo Chinês).
Em contrapartida, a arguida concedeu dois dias de feriados aos três empregados como recompensa, não tendo dado qualquer compensação pecuniária.
Após o Ano Novo Chinês, a arguida atribuía a cada ano ao empregado B uma gratificação (bónus) no valor equivalente ao montante de salário mensal. Em 19 de Fevereiro de 2011, a arguida avisou o empregado de que a gratificação do ano 2010 ia ser paga em duas prestações, sendo a primeira em 5 de Março de 2011 quando seria dado 50% do valor total, e outro tanto restante a ser recebido por ele em 5 de Julho de 2011.
No entanto, a arguida aumentou a quantia da referida gratificação (bónus), portanto devia ter dado uma gratificação (bónus) referente ao ano 2010 no valor de MOP $ 9200, gratificação essa nunca tendo sido paga até à desligação do serviço.
No caso do empregado C, ao entrar nas funções, o sócio da arguida F (F) assumiu que haveria gratificação (bónus). Como ainda não se tinham completado três meses desde o início do serviço, a arguida não distribuiu bónus ao empregado durante o Ano Novo Chinês de 2010. Em 19 de Fevereiro de 2011, a arguida informou que a gratificação do ano 2010 ia ser paga em duas prestações, sendo a primeira em 5 de Março de 2011 quando seria dado 50% do valor total, e outro tanto restante a ser recebido por ele em 5 de Julho de 2011.
No entanto, a arguida aumentou a quantia da referida gratificação (bónus), portanto devia ter dado uma gratificação (bónus) referente ao ano 2010 no valor de MOP $ 7575, gratificação essa nunca tendo sido paga até à desligação do serviço.
No caso do empregado D, ao entrar nas funções, a entidade patronal assumiu que haveria gratificação (bónus), dizendo que a cada ano, após o Ano Novo Chinês atribuía uma gratificação (bónus) no valor equivalente ao montante de salário mensal. Como ainda não se tinha completado um ano desde o início do serviço, o empregado só recebeu em parte calculada proporcionalmente. Em 22 de Fevereiro de 2011, a arguida informou que a gratificação do ano 2010 ia ser paga em duas prestações, sendo a primeira em 5 de Março de 2011 quando seria dado 50% do valor total, e outro tanto restante a ser recebido por ele em 5 de Julho de 2011.
No entanto, a arguida aumentou a quantia da referida gratificação (bónus), portanto devia ter dado uma gratificação (bónus) referente ao ano 2010 no valor de MOP $ 7976.
Entretanto em 5 de Março de 2011 a arguida pagou ao empregado MOP $ 3988 a título de 50% da gratificação (bónus). Porém, aquando da desligação do serviço do empregado, a arguida não pagou o montante em falta de 50% da gratificação (bónus) totalizando MOP $ 3988.
A arguida incluiu unilateralmente “o desempenho das funções à hora” como requisito de pagamento de gratificação (bónus).
A arguida praticou os actos atrás especificados de forma voluntária, livre e consciente e à hora sabia perfeitamente que os mesmos não eram permitidos pela lei”; (cfr., fls. 334 a 339-v).

Do direito

3. Vem a arguida dos presentes autos recorrer da sentença que a condenou como autora da prática de 3 infracções p. e p. pelos art°s 77° e 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, na multa de MOP$7.000,00 cada, e em cúmulo, na multa global de MOP$21.000,00, assim como no pagamento das indemnizações de MOP$9.200,00, MOP$7.575,00 e 3.988,00.

Em essência imputa à decisão recorrida os vícios de falta de fundamentação e erro na decisão de facto – erro notório na apreciação da prova – e de direito.

Não cremos que tenha a arguida, ora recorrente, razão.

Vejamos.

Fundamentando a sua decisão da matéria de facto, consignou o Mmo Juiz do T.J.B. que formou a sua convicção “tendo em conta o exposto nos autos, as declarações do representante da arguida, os testemunhos dos trabalhadores lesados, dos inspectores da Direcção dos Serviços de Trabalho e da testemunha do defensor”.

E, seguidamente, procedendo ao enquadramento jurídico da factualidade dada como provada, ponderou nos termos seguintes:

“O representante da arguida confirmou aos três empregados as datas de feriados obrigatórios em que tinham trabalhado, afirmando que todos podiam escolher entre duas alternativas após prestações de serviço nos feriados obrigatórios: dois dias de folga em recompensa ou um dia de feriado e mais um salário diário. Além disso, embora a entidade patronal nunca tenha prometido a distribuição de bónus aos funcionários aquando do início de serviço dos mesmos, na prática teria determinado os assuntos relacionados com a distribuição através da realização de reuniões internas em função do lucro arrecadado e do desempenho dos funcionários. A entidade patronal entende que o facto de os três empregados em apreço já se terem desligado do serviço à data de distribuição de bónus implicava obrigatoriamente a renúncia à gratificação e que um dos objectivos da distribuição de bónus reside em incentivar os funcionários para ficarem a trabalhar na empresa. Ficou provado que tirando a desligação do serviço, os três empregados em causa reúnem todos os outros requisitos traçados pela empresa para a distribuição da gratificação (bónus) de 2010. Confirmou igualmente o valor de gratificação calculado pela Direcção dos Serviços de Trabalho.
O empregado B defendeu que aquando do seu início do serviço, a entidade patronal prometeu a distribuição de bónus, só que isso não foi mencionado no contrato. Na verdade, após o arranque do serviço, pagava-lhe todos os anos ao Ano Novo Chinês um bónus equivalente a salário mensal. Quanto a compensação por prestação de serviço em dias de feriados obrigatórios, o empregado alegou que a empresa nunca tinha oferecido qualquer hipótese de alternativa para efeitos compensatórios e que nunca tinha havido ninguém a reclamar compensação no montante de salário diário. Ele requereu ainda que fosse compensado pela arguida por atraso de pagamento de salário.
O empregado C alegou que a empresa nunca tinha oferecido qualquer hipótese de alternativa para efeitos compensatórios, até porque se calculava que a empresa não teria concordado com qualquer pedido de feriado em troca de salário avançado pelos funcionários, pelo que não houve requerimento desse género. No que se refere a bónus, a testemunha reforçou que o sócio da empresa F tinha prometido a distribuição de bónus quando C começava a trabalhar na empresa em causa, sem que a entidade patronal tivesse falado em qualquer requisito para a distribuição de o exercício de função à altura de pagamento. Ele requereu ainda que fosse compensado pela arguida por atraso de pagamento de salário.
O empregado D alegou que a empresa nunca tinha oferecido qualquer hipótese de alternativa para efeitos compensatórios. Como a testemunha não conhecia as estipulações da lei, gozava sempre apenas de dois dias de feriados. No que toca a bónus, clarificou que a empresa o tinha prometido verbalmente sem que isso tivesse sido referido no contrato. A gratificação referente ao ano 2010 aumentou. Ele requereu ainda que fosse compensado pela arguida por atraso de pagamento de salário.
O inspector da DSAL descreveu de forma objectiva e clara o processo da averiguação do caso e os resultados respectivos.
A testemunha da parte defensora G (G) insistiu que relativamente a compensação por prestação de serviço em dias de feriados obrigatórios, a empresa tinha efectivamente oferecido duas alternativas à escolha dos empregados: dois dias de folga em recompensa ou um dia de feriado e mais um salário diário. Quanto a bónus, a testemunha afirmou não ter referido o assunto quando os empregados iniciavam o serviço mas na verdade os empregados tinham recebido bónus dados pela empresa todos os anos, sob condição de bom desempenha das funções pelos funcionários e de arrecadação de lucros pela empresa.
A testemunha da parte defensora H(H) insistiu que relativamente a compensação por prestação de serviço em dias de feriados obrigatórios, a empresa tinha efectivamente oferecido duas alternativas à escolha dos empregados: dois dias de folga em recompensa ou um dia de feriado e mais um salário diário mas não tinha a certeza se os três empregados lesados estavam presentes à sua anunciação. Quanto a bónus, a testemunha afirmou não ter referido o assunto quando os empregados iniciavam o serviço.
A testemunha da parte defensora I (I) referiu ter escolhido uma vez um dia de feriado e mais um salário diário entre as duas alternativas supraditas.
Nos termos do n.º 2 do art.º 45.º da Lei n.º 7/2008 (a Lei das relações de trabalho vigente):
“2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, o qual pode ser substituído, mediante acordo com o empregador, por um dia de remuneração de base compensatória, e a:
1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;
2) Auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores cuja remuneração é determinada em função do período de trabalho efectivamente prestado ou em função do resultado efectivamente produzido.”
Do art.º 77.º da mesma lei (a Lei das relações de trabalho vigente):
“O empregador é obrigado ao pagamento total, no prazo de nove dias úteis contados a partir da cessação da relação de trabalho, das importâncias devidas ao trabalhador, nomeadamente as relativas a remuneração, indemnizações e outras compensações por direitos vencidos.”
Das alíneas 2) e 5) do n.º 3 do art.º 85.º ainda do mesmo diploma legal (a Lei das relações de trabalho vigente):
“É punido com multa de $ 5 000,00 (cinco mil patacas) a $ 10 000,00 (dez mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:
1) …;
2) Incumprir as regras de cálculo da remuneração, previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 37.º, n.º 2 do artigo 39.º, n.os 1 e 3 do artigo 41.º, n.os 2 e 4 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 45.º e artigo 60.º;
3) …;
4) …;
5) Incumprir, total ou parcialmente, o dever de pagamento tempestivo das prestações pecuniárias devidas ao trabalhador, previsto no artigo 77.º”
Mediante as provas obtidas através duma investigação dos autos, as quais serviram de factores de análise de formal cabal, este tribunal entende que:
Apesar de o n.º 2 do art.º 45 da Lei das relações de trabalho vigente tendo definido a forma compensatória de um dia de descanso compensatório e um dia de remuneração de base compensatória (ou dois dias de remuneração de base compensatória mediante acordo com o empregador, não havendo acordo desse género neste caso), muito embora a equivalência de valor pecuniário entre um dia de remuneração e um dia de descanso feita a conversão, no que se refere a diferença de “qualidade”, cada um é como cada qual e convém analisar caso a caso. Acontece que algumas pessoas preferem antes férias a remunerações compensatórias enquanto aos outros o caso é inverso. No presente processo, se bem que todos os funcionários lesados tenham afirmado que preferiam auferir renumerações em vez de férias, eles nunca expressaram tal vontade à entidade patronal e não foi provados que durante a audiência de julgamento, a empresa os tivessem proibido de o fazerem. Nestes termos, este tribunal julga que os dois dias de férias conferidos pela entidade patronal aos três empregados lesados como forma compensatória de prestação de serviço nos dias de férias obrigatórias não são inferiores ao que fixado pela lei de “um dia de remuneração e um dia de descanso”; baseando nisso, não foi identificada a violação da lei pela arguida nesse aspecto nem se opina que a arguida deve aos empregados lesados compensações pelos dias de férias obrigatórias mencionados na tabela de cálculo nos autos.
No que toca a bónus, segundo os representantes, os empregados lesados e as testemunhas da parte defensora, as gratificações (bónus) em questão prendem-se com os lucros da empresa e com o desempenho dos trabalhadores. Embora a afirmação do representante de “estar no posto à altura” ser um dos requisitos de distribuição de bónus, exigência essa tendo o objectivo de incentivar os funcionários a ficar, nunca houve qualquer acordo entre as duas partes no que concerne a este requisito – estando a exercer as funções. Na verdade, este requisito está nos antípodas das perspectivas razoáveis abraçadas pelos funcionários em relação a gratificações (bónus), o que supostamente dependeria de lucros da empresa e do desempenho dos funcionários, como também não está conforme com o conhecimento habitual tido pela sociedade quanto a mercado de trabalho.
Este tribunal entende que por regra de práticas e leis de experiência, gratificações (bónus) desses servem de um agradecimento aos funcionários empenhados pelos serviços prestados no passado, os quais arrebataram lucros para a empresa. Em contrapartida, as empresas disponibilizam uma parcela dos lucros e retribuem-na aos trabalhadores. Portanto, basta que as gratificações sejam dependentes ao trabalho efectivo realizado pelos funcionários sem que sejam condicionadas pelo requisito de “estar no posto à altura”, requisito esse mostrando-se extremamente injusto e injustificada. No foro deste caso, esse requisito perfila-se como uma das restrições colocadas unilateralmente pela empresa na intenção de reter o fluxo de pessoal. Relativamente àquilo afirmado pelo representante da empresa cujo teor consiste na ilação de “a desligação dos funcionários implicar renúncia a gratificação”, isso é infundado além de ser contrário à prática geral.
Face ao exposto, este tribunal julga que a empresa fixou unilateralmente o requisito restritivo de “estar no posto à altura” da distribuição de gratificações (bónus) sem tendo consultado os funcionários lesados que não estavam nem estão de acordo com o requisito de forma conivente, pelo que não carrega de força vinculativa aos funcionários lesados no processo.
Como confirmou o representante da empresa que os três trabalhadores reúnem as restantes condições de distribuição de gratificação faltando só uma porque estavam desligados do serviço aquando da distribuição de gratificação (bónus) e precisou as respectivas importâncias, este tribunal julga que a arguida transgrediu a legislação a esse respeito razão pela qual obriga-se a compensar os empregados em questão.
Nestes termos, em função dos factos apurados, em relação à acusação de três contravenções laborais p. e p. (compensações devidas por férias obrigatórias) pelo n.º 2 do art.º 45 e pela 2 do n.º 3 do art.º 85 da Lei n.º 7/2008, tendo em conta as dúvidas existentes, absolve-se a arguida.
Quanto às três contravenções laborais (bónus devidos) p. e p. pelo art.º 77 e pela alínea 5) do n.º 3 do art.º 85 da Lei n.º 7/2008, sendo as provas bastantes e suficientes, factos transgressores.
*
Na defluência do exposto, nos termos do art.º 65.º do Código Penal de Macau bem como do art.º 77 e da alínea 5) do n.º 3 do art.º 85 (bónus devidos) da Lei n.º 7/2008, condena a arguida a uma multa de MOP $ 7000 por cada contravenção laboral; em cúmulo, condena-a à multa de MOP $ 21000.
*
Indemnização:
Demais a mais, conforme os factos provados atrás citados, nos termos do art.º 74.º do Código de Processo Penal de Macau, condena a arguida ao pagamento de:
1) MOP $ 9200 ao empregado B;
2) MOP $ 7575 ao empregado C;
3) MOP $ 3988 ao empregado D.
A título de bónus em dívida aos três ex-funcionários, acrescidos os juros legais contados do dia do julgamento até efectivo e integral pagamento das indemnizações.
Quanto a compensações por férias obrigatórias, isso não foi comprovado”.

–– Perante o que se deixou exposto, evidente é que não padece a decisão recorrida de “falta de fundamentação”.

Com efeito, e como se deixou transcrito, não deixou o Tribunal a quo de fundamentar a decisão que proferiu: tanto em matéria de facto como de direito.

Pode-se, obviamente, não concordar com a fundamentação exposta, porém, tal não equivale a falta de fundamentação.

–– No que tange ao “erro notório na apreciação da prova”, também cremos que o mesmo não existe.

De facto, tem este T.S.I. entendido que tal vício apenas se verifica quando: “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 31.05.2012, Proc. n.° 49/2012 do ora relator).

No caso dos autos, não se vislumbra – nem a recorrente explicita – onde, como ou em que termos tenha o Tribunal a quo incorrido em violação das regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis, sendo assim de improceder igualmente o recurso na parte em questão.

–– Por fim, vejamos do assacado “erro de direito”.

Nos termos do art. 77° da Lei n.° 7/2008:

“O empregador é obrigado ao pagamento total, no prazo de nove dias úteis contados a partir da cessação da relação de trabalho, das importâncias devidas ao trabalhador, nomeadamente as relativas a remuneração, indemnizações e outras compensações por direitos vencidos”.

E preceitua o art. 85° da mesma Lei que:

“1. É punido com multa de $ 20 000,00 (vinte mil patacas) a $ 50 000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Tratar um trabalhador ou candidato a emprego de forma discriminatória injustificada, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 6.º;

2) Violar as garantias do trabalhador previstas no artigo 10.º;

3) Contratar menor para prestar trabalho, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 27.º e artigo 28.º;

4) Negar, total ou parcialmente, o direito ao gozo da licença de maternidade, em violação do disposto nos n.os 1, 2, 5 e 6 do artigo 54.º;

5) Incumbir trabalhadora a desempenhar tarefas em violação do disposto no n.º 1 do artigo 56.º;

6) Negar, total ou parcialmente, o direito à retribuição, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 62.º e artigo 64.º

2. É punido com multa de $ 10 000,00 (dez mil patacas) a $ 25 000,00 (vinte e cinco mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Determinar a prestação de trabalho de menores, em violação das proibições previstas no artigo 29.º;

2) Negar, total ou parcialmente, o direito ao descanso, em violação do disposto no artigo 33.º, n.º 3 do artigo 36.º, n.os 1 a 3 do artigo 38.º, n.os 3 e 4 do artigo 40.º, n.º 1 do artigo 42.º, n.º 3 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 44.º, n.os 1 e 2 do artigo 46.º e artigo 49.º;

3) Incumprir o dever de pagamento da remuneração durante o período da licença de maternidade, em violação dos n.os 1 e 2 do artigo 55.º;

4) Incumprir as regras sobre o local e a forma de pagamento da remuneração, previstas nos n.os 1 a 5 do artigo 63.º

3. É punido com multa de $ 5 000,00 (cinco mil patacas) a $ 10 000,00 (dez mil patacas) por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que:

1) Incumprir o dever de pagamento da compensação por falta de aviso prévio nos contratos de trabalho a termo incerto, previsto no n.º 3 do artigo 24.º;

2) Incumprir as regras de cálculo da remuneração, previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 37.º, n.º 2 do artigo 39.º, n.os 1 e 3 do artigo 41.º, n.os 2 e 4 do artigo 43.º, n.º 2 do artigo 45.º e artigo 60.º;

3) Incumprir o dever de pagamento de faltas remuneradas, previsto no n.º 2 do artigo 53.º;

4) Incumprir o dever de compensação das férias não gozadas, previsto no artigo 75.º;

5) Incumprir, total ou parcialmente, o dever de pagamento tempestivo das prestações pecuniárias devidas ao trabalhador, previsto no artigo 77.º”.

Entendeu o Tribunal a quo que a arguida violou o prescrito no art. 77°, assim a punindo nos termos do art. 85°, n.° 3, al. 5).

E importa atentar que o art. 77° se refere a “importâncias devidas ao trabalhador, nomeadamente as relativas à remuneração, indemnização, e outras compensações por direitos vencidos”, afigurando-se-nos de considerar que as quantias que a arguida se comprometeu a pagar por altura do Ano Novo Chinês se integram em tais “importâncias”.

Com efeito, nos termos do art. 2°, n.° 4:

“«Remuneração de base», todas as prestações periódicas em dinheiro, independentemente da sua designação ou forma de cálculo, devidas ao trabalhador em função da prestação do trabalho e fixadas por acordo entre o empregador e o trabalhador ou por norma legal”.

E, nos termos do mesmo art. 2°, n.° 5:

“«Remuneração variável», todas as prestações não periódicas pagas casuisticamente pelo empregador, nomeadamente subsídios, prémios e comissões que tenham natureza de gratificação, bem como as gorjetas cuja cobrança seja incontrolável pelo empregador”.

Face ao estatuído neste n.° 5, quer-nos parecer que as quantias prometidas, (“bonus”), são passíveis de ser consideradas “prémios”, ou “prestações não periódicas pagas casuisticamente pelo empregador” (…) com “natureza de gratificação”.

E, sendo que estes “prémios” ou “prestações” integram a “remuneração variável”, certo sendo que o art. 77° não faz a distinção entre “remuneração base” e “remuneração variável”, referindo-se apenas a “remuneração”, (e sendo de notar também que nos termos do art. 58°, n.° 1 “a retribuição do trabalho compreende a remuneração de base e a remuneração variável”), motivos não existem para se proceder à sua distinção para efeitos de não se considerar a recorrente autora das contravenções ao dito art. 77°.

Dest’arte, e censura não merecendo a decisão recorrida, improcede o recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Macau, aos 04 de Outubro de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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