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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Dr. A, Advogado, interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Superior de Advocacia, de 11 de Junho de 2007, que o puniu disciplinarmente com a pena de suspensão do exercício da profissão de advogado durante seis anos.
Por acórdão de 26 de Março de 2009, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) negou provimento ao recurso.
O Tribunal de Última Instância (TUI), por Acórdão de 13 de Janeiro de 2010, concedeu provimento ao recurso jurisdicional e anulou o acto recorrido.
O Conselho Superior de Advocacia, por deliberação de 26 de Fevereiro de 2010, em execução do Acórdão do TUI, renovou o acto punitivo, e puniu disciplinarmente Dr. A, agora com a pena de suspensão do exercício da profissão de advogado durante cinco anos.

Dr. A, interpôs recurso contencioso de anulação desta última deliberação do Conselho Superior de Advocacia, de 26 de Fevereiro de 2010.
Por acórdão de 5 de Julho de 2012, o TSI negou provimento ao recurso.
Interposto recurso para o TUI, por Acórdão de 9 de Janeiro de 2013, foi julgado nulo o Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia quanto a determinados vícios, nulidade que acarretou a anulação do Acórdão na parte em que conhece dos vícios de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da justiça e imparcialidade.
Por acórdão de 28 de Fevereiro de 2013, o TSI negou novamente provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe o mesmo Advogado recurso jurisdicional deste último acórdão para o TUI, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- O ora Recorrente pugnou pelo erro do Conselho por desconsiderar os motivos da recusa da Dra. B, constituindo um paradoxo que essa desconsideração seja o fundamento da improcedência daquele vício;
- O Tribunal a quo demitiu-se de apreciar o erro nos pressupostos de facto da decisão do CSA por alusão indevida - sem suporte probatório - às supostas recusas de outros notários em celebrar as escrituras;
- O Tribunal a quo demitiu-se de apreciar o erro nos pressupostos de facto sobre as supostas recusas de outros notários sob a perspectiva da sua concreta influência na determinação da medida da pena ao ora Recorrente;
- Ao fazer as advertências consagradas no artigo 16.º do CN, o ora Recorrente actuou à luz do cumprimento do dever que lhe era imposto por aquele normativo;
- O CSA deveria ter considerado a existência de tais advertências para concluir que a conduta do Recorrente excluía a eventual ilicitude e a prática de qualquer infracção disciplinar, ao abrigo do preceituado na alínea a) do Artigo 30.º do Código Penal, aplicável ex vi da alínea a) do Artigo 65.º do Código Disciplinar dos Advogados;
- Ao reputar irrelevantes tais factos e, como tal, correcta a desconsideração que lhes foi votada pelo acto recorrido, o douto Acórdão recorrido viola o preceituado nos Artigos 12.º a 14.º e 65.º do Código Penal, aplicáveis ex vi da alínea a) do Artigo 65.º do Código Disciplinar dos Advogados, bem como o disposto no Artigo 42.º do mesmo diploma;

- O entendimento do tribunal recorrido de que, mesmo que fosse aplicável ao caso o artigo 16.º do CN e a conduta do advogado - enquanto notário - fosse lícita, a actuação do ora Recorrente era merecedora de censura disciplinar, viola o disposto na alínea c) do n.º 2 do Artigo 30.º do Código Penal, aplicável ex vi da alínea a) do Artigo 65.º do Código Disciplinar dos Advogados;
- O Relatório Final do Exmo. Relator, bem como, por adesão expressa, integral e sem reservas a este, a decisão do Conselho concluem por que a conduta do ora Recorrente tenha causado avultados prejuízos para a associação mandante, valorando tal facto para a (medida da) punição do ora Recorrente;
- É, por conseguinte, falso que (sic) "tal alusão [não serviu no conteúdo decisor como critério para a graduação da pena em sentido agravante" e que essa referência (sic) "foi de todo inócua no plano dos factos provados e da sanção disciplinar concreta";
- O acórdão recorrido deve ser anulado e substituído por outro que aprecie devidamente o vício invocado pelo ora Recorrente sobre o acórdão do CSA de erro nos pressupostos de facto e de direito e contradição insanável entre a decisão e os factos provados sobre os alegados prejuízos causados;

- O acórdão recorrido deve ser revogado, por violação grosseira do preceituado no Artigo 42.º do Código Disciplinar dos Advogados e da alínea a) do n.º 2 o Artigo 65.º do Código penal, aplicável ex vi da alínea a) do Artigo 65.º do primeiro dos diplomas referidos;
- O Tribunal a quo deveria ter ordenado a produção de prova requerida pelo Recorrente, para aferir sobre:
- A identidade do representante do mandante que recebeu a procuração e que, posteriormente, a terá depositado no cofre;
- A data em que a procuração foi depositada no cofre;
- Se a procuração sai do cofre apenas por ordem judicial;
- Ao omitir tais diligências de prova, que se mostravam imprescindíveis para saber se na data em foi extraída a pública-forma a procuração estava, ou não, no cofre, o acórdão recorrido violou o dever preceituado no Artigo 67.º do Código Disciplinar dos Advogados, razão por que deve ser anulado;
- O Tribunal a quo admitiu poder sindicar a medida concreta da pena aplicada ao ora Recorrente em caso de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da injustiça e imparcialidade;
- A sanção aplicada ao Recorrente mostra-se manifestamente desadequada, desnecessária, injusta e desproporcional;
- Não foram devidamente ponderadas, e algumas foram completamente omitidas, no acto recorrido todas as circunstâncias que poderiam ter influência quer na determinação do quantum da pena a aplicar ao ora Recorrente, quer no juízo sobre a adequação, necessidade e justeza da pena concretamente aplicada;
- O acto recorrido viola o princípio da proporcionalidade porque não demonstra que qualquer outra medida, de entre as previstas nas diversas alíneas do n. ° 1 do Artigo 41.° do Código Disciplinar dos Advogados, não realizaria cabalmente os fins que as normas de direito disciplinar visam no caso sub judice;
- O acto recorrido não fundamentou devidamente a sua opção pela aplicação da pena disciplinar mais gravosa de entre as admissíveis nos termos do referido preceito;
- Ao aplicar ao ora Recorrente a pena disciplinar de 5 anos de suspensão, sem justificar a inadequação e insuficiência das outras penas disciplinares, o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade na sua dimensão de exigibilidade ou necessidade;
- O Acórdão recorrido é, nos termos do conjugadamente disposto no n.º 2 do Artigo 159.° do Código de Processo Administrativo Contencioso e na alínea d) do n.º 1 do Artigo 571.° do Código de Processo Civil (ex vi do Artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), nulo por omissão indevida de reforma do seu Acórdão de 5 de Julho de 2012 em conformidade com o julgado e decidido sobre o respectivo vício de excesso de pronúncia quanto à alegada intenção pré-determinada e resultado pretendido pelo Recorrente com a sua conduta.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.


II - Os Factos
O Acórdão do TSI, de 5 de Julho de 2012, considerou provados os seguintes factos:
1 - O recorrente, por acórdão do Conselho Superior de Advocacia da Associação dos Advogados de Macau de 11/06/2007, foi punido disciplinarmente na pena de 6 anos de suspensão do exercício de funções de advogado, nos termos do art. 41º, al. e), do Código Disciplinar dos Advogados.
2- Tal acórdão viria a ser anulado pelo TUI em 13/01/2010, no processo nº 24/2009, em virtude de a decisão punitiva, aos factos que constavam do relatório do instrutor, ter acrescentado o seguinte:
“5. Apesar disso, todos os 3 (três) arguidos trabalharam em 2003 na obtenção dos documentos que o arguido Dr. A. precisava para instruir as escrituras que obtiveram e perante este usaram e forneceram em 2003 (não podendo pois, também por isso, proceder a alegada prescrição), a este ajudando a consumar a outorga em apenas 2 dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis identificados nos autos, indiferente ao resultado”.
3- A respeito deste facto novo, o referido acórdão do TUI asseverou na sua fundamentação:
«Esta consideração contradiz os factos anteriores e não têm suporte nos factos provados. São admissíveis ilações extraídas a partir dos factos provados, mas a mencionada consideração não resulta dos factos, pelo que se resolve a contradição dando prevalência aos factos constantes do acervo dos factos considerados provados, considerando-se tal ilação como não escrita. O que implica, inexoravelmente, a anulação do acto recorrido, dado que tal fundamento pode ter influenciado a integração do ilícito disciplinar e a escolha e a medida da pena».
4- Em execução desse aresto, foi proferido novo acórdão do CSA de Macau, em 26/02/2010, com o seguinte teor:
«ACÓRDÃO
Os membros do Conselho Superior de Advocacia de Macau, em execução do (i) douto Acórdão proferido nos autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa que, sob o nº 24/2009, correram termos pelo Tribunal de Segunda Instância, transitado em julgado em 28 de Janeiro de 2010 DELIBERAM, por unanimidade dos membros presentes…
I-
A Instrução dos Factos Denunciados
(….)
II
A ACUSAÇÃO
(…)

Existe em Macau uma Associação, devidamente registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o nº. XXX, denominada “C, também conhecida como “C1”.

A sua Direcção integra vários membros entre os quais o Sr. D.

Existe também uma outra Associação denominada “C2(C1).

São legais representantes desta última os Srs. E, F e G. Nenhum destes representantes integra a Direcção da “C”.

Em 1993, o Sr. D, na altura Vice-Presidente da referida C, outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado Sr. Dr. H uma procuração a favor daquele Sr. E, conferindo-lhe vários poderes, entre eles o de celebrar contratos de venda tendo por objecto imóveis dos quais era proprietária (fls. 27 e 31).

No dia 14 de Fevereiro de 1995, após prévio acordo entre os representantes daquela Associação e o Sr. E, a procuração em causa foi revogada, revogação levada a efeito no Escritório do Exmº. Sr. Dr. H e em presença deste (fls. 27 a 31).

A revogação foi feita estando também presente aquele E (fls. 27 a 31).

A mesma revogação foi feita, apondo-se, na parte superior do rosto do original da procuração em causa, a respectiva declaração, na redacção da qual foram utilizados caracteres chineses - 本授權書即日取消作廢 14/2/95 - que significam o seguinte: “a presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/02/95”.

Além disso, no texto da primeira página forem apostos dois riscos oblíquos e paralelos e no espaço entre os mesmos a expressão inglesa “cancelled”, e outros riscos em restantes páginas (fls. 27).
10º
A declaração em causa foi subscrita pelos legais representantes daquela Associação D e I e também pelos Srs. J e E (fls. 27).
11º
A mesma declaração revogatória foi confirmada pelo Sr. Dr. H o qual sob a mesma manuscreveu a seguinte frase: “Fui presente: 14/02/95” seguida da sua rubrica, apondo também o seu carimbo de Advogado (fls. 27).
12º
O original da procuração revogada foi então devolvido pelo Sr. E a um representante da mandante, sendo depois guardado num cofre de segurança do [Banco (1)].
13º
Esse mesmo original ficou ali guardado e só foi retirado do cofre anos mais tarde, e isto mesmo por ordem judicial.
14º
No obstante o que fica referido, no dia 7 de Junho de 1995, o arguido Sr. Dr. K, na qualidade de Notário Privado, entendeu certificar que havia conferido uma fotocópia daquela procuração com o respectivo original e elaborar a respectiva conta a qual atribuiu o nº. X.
15º
Em outras palavras, no dia 7 de Junho de 1995, o referido arguido Sr. Dr. K, na qualidade de Notário Privado, declarou ter extraído uma fotocópia do original daquela procuração e que a mesma estava em conformidade com este (fls. 35 a 40).
16.º
Ora a data em que essa pública-forma foi elaborada, o original da procuração, devidamente revogada e riscada nos termos anteriormente referidos, encontrava-se encerrado num cofre do [Banco (1)].
17º
Não dispunha, pois, o Sr. Dr. K de quaisquer elementos que lhe permitissem certificar a conformidade dessa fotocópia com o originai.
18º
Trata-se, pois, duma pública-forma inteiramente falsa, motivo por que dela não constam nem a declaração revogatória, nem os falados riscos, nem a menção “cancelled”, nem a confirmação feita pelo Sr. Dr. H (fls. 35 e 40), sendo também fictícia a conta referida no artigo 14 deste despacho já que a mesma não se mostra lançada no competente Livro de Registos de Contas Emolumentos e Selo do Cartório do arguido Dr. K.
19º
Uma pública-forma constitui uma cópia de teor total ou parcial extraída de documentos avulsos exibidos para esse efeito ao Notário e deve conter a declaração de conformidade com o original.
20º
Ora, era de todo impossível a alguém que não fosse legítimo representante daquela Associação exibir o originai da falada procuração ao referido Sr. Dr. K por o mesmo estar guardado num cofre do [Banco (1)].
21º
Consequentemente, jamais poderia o Sr. Dr. K extrair uma fotocópia desse original.
22º
Consequentemente, também não dispunha de quaisquer elementos que o habilitassem a emitir a declaração de conformidade do teor da fotocópia com o do original.
23º
Está, assim, plenamente justificada a afirmação de que essa pública-forma é falsa.
24º
Tanto o Sr. Dr. K como o Sr. Dr. L eram mandatários daqueles E e F.
25º
No dia 13 de Janeiro de 2003, o Sr. E, fazendo uso da referida pública-forma e depositando-a no Cartório Notarial da Ilhas, substabeleceu os poderes nela referidos nos Sr. F e G (fls. 537 a 547).
26º
No dia 28 de Janeiro de 2003, o referido E fazendo uso daquela pública-forma falsa, substabeleceu os poderes nela referidas na pessoa do Sr. Dr. L, seu Advogado (fls. 478 a 479).
27º
Os documentos referidos no artigo 25º ficaram os arquivados no Cartório Notarial das Ilhas, figurando nas respectivas senhas de apresentação como interessada a mencionada Associação e como representante desta o Sr. Dr. L (fls. 537 a 545).
28º
Ora, em data indeterminada de 2003, mas em princípios do mesmo ano, os arguidos Sr. Dr. K e L e os Srs. E e F planearam alienar mediante a utilização daquela pública-forma falsa e tendo plena consciência dessa falsidade, vários imóveis pertencentes ao património da C”.
29º
A fim de concretizar os planos que haviam concebido e outorgar as competentes escrituras públicas o Sr. Dr. K requereu à Direcção dos Serviços de Identificação a passagem de dois certificados respeitantes à “C”, certificados esses que foram emitido no dia 15 de Abril de 2003.
30º
Por sua vez, o Sr. Dr. L procurou marcar, sem sucesso, junto de alguns Cartórios Notariais de Macau, designadamente no da Notária Privada Sra. Dra. B data para a outorga dessas escrituras, entregado nesses Cartórios a documentação necessária para o efeito, designadamente a referida pública-forma falsa.
31º
O arguido Sr. Dr. L manifestou sistematicamente junto desses Cartórios Notariais, extrema urgência na celebração das mesmas escrituras.
32º
Além disso o Sr. Dr. L providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs. XXXX, como resulta dos documentos de fls. 490 a 521, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos”, o seguinte endereço: [Endereço (1)].
33º
Este endereço correspondia ao do Escritório do Sr. Dr. L.
34º
Perante a indisponibilidade desses Cartórios Notariais, foi então contactado o Cartório Notarial do Sr. Dr. A.
35º
Quem estabeleceu, para esse efeito, tal contacto foi o Sr. Dr. L que de igual modo aí procedeu à entrega de todos os documentos necessários para serem celebradas as escrituras públicas designadamente a pública forma atrás referida.
36º
Esse contacto, reforçado, mais tarde, por outros feitos pelo Sr. F e, por um secretário do Sr. E revelou-se altamente profícuo uma vez que nos dias 23 de Janeiro de 2003 e no dia 25 seguinte acabaram por ser outorgadas no Cartório Notarial do Sr. Dr. A e com a sua intervenção como Notário várias escrituras públicas tendo por objecto a compra, e venda de imóveis pertencentes à C”.
37º
Assim no dia 23 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura Pública tendo por objecto a compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs. XXXXX, XXXXX e XXXXX, conforme melhor resulta da cópia que constitui o documento junto de fls. 121 a 124 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
38º
No dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1 do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, todas sitas no [Endereço (2)] desta cidade e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXXX, conforme resulta da fotocópia que constitui o documento junto de fls. 137 a 163.
39º
Também no dia 25 de Junho de 2003 foi celebrada uma escritura pública de compra e venda dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs. XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX.
40º
Ainda no dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1, do primeiro andar A, A2 do segunda andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, B5 do quinto andar B, C1 do primeiro andar C, C2 do segunda andar C, C3 do terceiro andar C, C4 do quarto andar C, C5 do quinto andar C, D1 do 1 º andar D, D2 do segundo andar D, D3 do terceiro andar D, D4 do quarto andar D, D5 do quinto andar D, E1 do primeiro andar E, E2 do segunda andar E, E3 do terceiro andar E, E4 do quarto andar E e E5 do quinto andar E, fracções estas descritas sob o n. XXXXX-X a fls. 16 do Livro XXX, conforme melhor resulta das fotocópias de fls. 199 a 209 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
41º
O preço da venda de cada um dos imóveis referidos nos nºs. 24º e 25º e 26º deste Parecer foi de $100,000.00 patacas e de cada um dos referidos no nº. 27º o de $80,000.00 patacas.
42º
O comprador de todos aqueles imóveis foi o referido Sr. F, um dos representantes da Associação referida no artigo 3 deste despacho.
43º
Quem interveio em todas as escrituras atrás referidas em representação da Associação vendedora foi o já mencionado E aliás E1.
44º
A qualidade do Sr. E, como Procurador da referida Associação, foi verificada com base numa certidão da pública-forma da procuração referida neste despacho.
45º
O arguido Sr. Dr. A sabia e tinha plena consciência de que a referida pública-forma era falsa por disso ter sido informado em data anterior à da celebração daquelas escrituras pelos Advogados Srs. Drs. M e N, os quais designadamente lhe explicaram as razões por que tal documento devia ser considerado como falso. Além disso, recebeu as comunicações e constituem os documentos de fls. 89 a 118 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
46º
Não obstante ter plena consciência de falsidade da pública-forma em questão, o arguido Sr. Dr. A aceitou-a como boa, celebrando as referidas Escrituras.
47º
Assim, deu como verificada a qualidade de procurador da referida Associação de E numa altura em que lhe tinham sido retirados os poderes de representação.
48º
O arguido Sr. Dr. A ao celebrar aquelas escrituras verificou o registo e a denominação da citada Associação através dum certificado passado no dia 15 de Abril de 2003 pela Direcção dos serviços de Identificação de Macau.
49º
Como se disse, foi o arguido Sr. Dr. K quem requereu a passagem desse certificado sabendo que o mesmo se destinava a habilitar o arguido A a celebrar aquelas escrituras e sabendo também que a qualidade do Sr. E, seu cliente, como procurador da vendedora Associação seria verificada com base na mencionada pública-forma falsa.
50º
Com o comportamento descrito nos artigos que antecedem cada um dos arguidos violou frontalmente os deveres Impostos pelos artigos 1º, 12º, 14º alínea a) e c), e 25º nº. 1 do Código Deontológico, homologado por Despacho nº.121/GM/92 de 31 de Dezembro publicado no Boletim Oficial nº. 52, Suplemento de 31/12/92 conjugados com o artigo 2º do Código disciplinar dos Advogados homologado pelo Despacho nº. 53/GM/95 de 7 de Setembro publicado no B.O. nº. 37, 1ª. S. Suplemento de 11/9/95.
51º
Agrava a situação dos arguidos Srs. Drs. K e L a acumulação (Processos Disciplinares X/XX/CSA e XX/XX/CSA, respectivamente).
III
AS DEFESAS
Notificada a acusação aos arguidos, o Dr. L juntou procuração constituindo seu advogado o Dr. A e requerendo que todas as notificações passassem “doravante” a ser feitas na pessoa deste seu mandatário (fls.746747).
Notificado este na qualidade de procurador do Dr. L (fls. 754) mediante carta com AR expedida em 14.06.2005 (fls.757), não respondeu à notificação, embora a posta dada à denúncia no seu requerimento de 09.12.2003 (f1s.301-307) serem no sentido de negação de qualquer facto ilícito pois mostra ter consultado os autos e o matéria então existente neles, nomeadamente o anúncio de jornal em que o seu nome também é denunciado e as 2 participações da C ou “C1” apresentadas ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM, pelos factos acima resumidos, contra o Notário Privado Dr. A(fls. 73-82) e contra o Notário Privado Dr. K (fls. 83-88 e verso), mas, apesar disso, alega desconhecer a denúncia de quaisquer factos ilícitos contra si;
E os outros dois co-arguidos vieram defender-se com as respostas que constam de fls. 712-730 (o Dr. A); e fls-733-745 (Dr. K).
O Dr. A defende-se, alegando, em resumo:
- Que os factos que lhe são imputados pertencem à sua actividade funcional de Notário, ainda que de Notário Privado se trate, e, portanto, a competência disciplinar pertence à Direcção dos Serviços de Justiça, sendo a AAM incompetente;
- Que existe violação do princípio “ne bis idem” porque já existe processo disciplinar instaurado pela Direcção dos Serviços de Justiça para punição dos mesmos factos e, consequentemente, não pode ser responsabilizado também perante o CSA;
a) - Que não sabia que a procuração correspondente à pública-forma que utilizou nas escrituras tivesse sido cancelada quer por não serem nesse sentido os ofícios que a Direcção dos Serviços dirigiu ao Sr. Dr. L em resposta aos pedidos de esclarecimento que o Dr. L dirigiu àqueles Serviços;
b) - Quer porque, face às informações antagónicas do Dr. L (de um lado) e do Dr. M e Dr. N (do outro) entendeu analisar por si próprio com imparcialidade e independência tais informações opostas (art. 26 da defesa), tendo concluído que a procuração e pública-forma eram válidas:
b) - 1 - Porque a alegada revogação terá sido feita em escritório de advogado e não perante notário; que tal advogado manuscreveu “Fui presente” sem dizer presenciei, com data rasurada, rubrica e carimbo de advogado e, em seu entendimento, a revogação não podia ser feita por tal via mas sim perante notário nos termos dos artigos 5º e 84º do antigo C. Notariado e os arts. 5º, 6º e 87º nºs. 1 e 2, do C. Notariado actual, sendo pois nula a alegada revogação face ao art. 212º do C. Civil;
b) - 2 - Porque não se sabe desde que data é que a procuração foi posta e se manteve intocada no cofre do Banco de modo a poder saber-se se a falsidade está na revogação ou se está na pública-forma (se a pública forma foi efectivamente extraída na data de 07.Jun.1995 que dela consta perante o original ainda não cancelado, e posteriormente cancelando-se este com data falsa de 14.02.1995 e encerrando-o no Banco; ou se, pelo contrário, é o inverso: cancelamento efectivamente em 14.02.1995 e pública-forma feita usando uma cópia e não o original que o Notário certificou ter usado) e, face a tais elementos, as disposições legais sobre a força probatória plena dos documentos autênticos mandam, em seu entender, aceitar como verídica a pública forma do Notário e não o cancelamento e informações fornecidos pelo Dr. L, pelo Dr. M pelo Dr. N.
Concluindo: - alega que agira convencido de estar dentro da estrita legalidade, imparcialidade e independência face a interesses e palavras antagónicos.
Quanto ao Dr. K, veio com a sua defesa respondendo à acusação a fls.733-745, alegando, em resumo:
- A incompetência do CSA dado os factos que lhe vêm imputados terem sido praticados na qualidade de notário e não de advogado;
- Ter havido prescrição em 07.Junho.1998 por os factos que lhe vêm imputados datarem de 07.Junho.1995 e o prazo de prescrição ser de 3 anos;
- Serem nulas as provas dado terem sido ouvidos como testemunhas a Dra. O, Dr. M e Dr. N, todos amigos pessoais e advogados do mesmo escritório que patrocinava a Autora das 2 participações que o Dr. M forneceu aos autos e que a C” ou “C1” dirigiu ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM em 29.Julho.2003, contra o Notário Privado Dr. A (fls. 73-82) e contra o Notário Privado Dr. K (fls.83-88 e verso);
- E nulas também por o instrutor Dr. O (do inquérito realizado pela Direcção da AMM e que constitui a participação desta ao Conselho Superior de Advocacia) ter tido com aqueles conversas e telefonemas de que resultaram os depoimentos daquelas testemunhas e a junção de vários documentos e porque “Por toque de mágica do Instrutor, Dr. O, os participados transmutaram-se em testemunhas e os ofendidos transformaram-se em arguidos” (sic-art. 360 da sua defesa, numa referência implícita à carta datada de 19 de Julho de 2003, recebida na AAM a 21/7/2003, em que o Dr. K juntava cópia do anúncio que denunciava os factos objecto destes autos e pedia “abertura de um inquérito para total apuramento de eventual responsabilidade disciplinar, incluindo a eventual autoria moral ou material de associados na feitura do anúncio supra citado.” sic).
- E, embora não o diga ali muito claramente, da conjugação dessa peça com a peça que apresentou a fls. 848 e segs., vê-se que nega que a falsidade da pública forma, alegando que o original da procuração não se encontrava fechado no Banco à data em que emitiu a pública forma (fls. 848) mas sim terá, segundo aqui alega, estado sempre na posse do falecido presidente da Associação até pouco tempo antes da morte deste, ocorrida a 03.Julho.1999 (que “apenas terá depositado o original da procuração antes das 21 horas e 10 minutos do dia 3 de Julho de 1999 no [Banco (1)]” - sic sua alegação a fls. 848); e que o facto dos autos terem obtido resposta negativa da Direcção dos Serviços de Justiça quanto à existência da conta emolumentar e selos constante de tal pública-forma, resulta da existência de ofício erradamente datado mas, mesmo que tal conta não tivesse sido paga, apenas haveria uma irregularidade fiscal;
- Que é nulo o “cancelled” feito no escritório do advogado H (sem este intervir como notário), por não ter sido nem revogação notarial nem judicial (art. 49º da defesa);
- E quanto à acusação de que também terá participado na instrução dos documentos para o Dr. A celebrar as escrituras em 2003, o Dr. K pergunta “será que requerer 2 certificados aos Serviços de Identificação de Macau constituem ilícito disciplinar?” (sic).
Em resumo: - alega que a eventual prática de falsidade da pública-forma (que teria sido praticada em 07.Junho.1995) estaria prescrita mas que nem sequer praticara tal falsidade; e que, quanto a eventuais factos ainda dentro de prazo de sujeição a procedimento disciplinar por praticados há menos de 3 anos, confessa implicitamente a requisição dos 2 (dois) referidos certificados para a instrução das escrituras mas que tal não constitui ilícito disciplinar.
IV
O RELATÓRIO FINAL DO INSTRUTOR
Foi feita a prova requerida e juntos documentos, nos termos do despacho de fls.867 até fls.969 e despacho de fls. 970 e segs., findo o que o Exmo. Instrutor apresentou de fls.1024 a fls. 1048, o seu relatório final, nos termos seguintes:
“Exma. Senhora Presidente
e Exmºs Membros do Conselho Superior da Advocacia:
Finda a Instrução, cabe-nos apresentar o seguinte
Relatório Final:
__ X __
Propositadamente não vamos tecer quaisquer considerações ou formular qualquer juízo sobre o comportamento processual do arguido Sr. Dr. K, designadamente quando afirma a fls. 1022 que não houve recusa no recebimento da “carta dos correios” quando os próprios Serviços Oficiais confirmam essa mesma recusa (carimbos apostos nos cartas juntas a fls. 988V. e 997V.).
V. Excias. examinando todas as peças por ele produzidas não deixarão certamente de formular o juízo que se impõe.
__ X __
O Diário da expressão portuguesa “Macau Hoje” publicou na sua edição de 15 de Julho de 2002 uma notícia sob a forma dum anúncio judicial, que envolvia as pessoas dos arguidos num caso de falsificação.
Tal anúncio consta do documento fotocopiado a fls. 290.
Com base nesse anúncio, entendeu a Associação dos Advogados de Macau instaurar um Inquérito, tendo a final o respectivo instrutor emitido o seu parecer no sentido de os respectivos autos serem remetidos ao Conselho Superior da Advocacia, cuja Presidente mandou instaurar o presente processo disciplinar, decisão que veio a ser ratificada pelo Conselho Superior da Advocacia na sua reunião de 15 de Junho de 2004. (fls. 548).
Notificados da instauração do processo, responderam os Colegas arguidos Sr. Dr. L e Sr. Dr. K pela forma constante das suas respostas de fls. 301 a 307 e 313 a 315.
Após a ratificação atrás referida, procedeu-se a nova notificação dos arguidos para responderem querendo sobre à matéria dos Autos.
Oportunamente, foi emitido o parecer no sentido de existirem elementos para ser deduzida a acusação contra dois dos arguidos.
O Conselho Superior da Advocacia entendeu porém dever incluir os três arguidos no despacho acusatório o qual veio a ser proferido nos termos constantes de fls. 684 e seguintes.
Notificados da acusação, apresentaram os arguidos Sr. Dr. A e o Sr. Dr. K as suas defesas (fls. 714 a 730 e 734 a 745).
O Sr. Dr. L, que escolheu a pessoa do Sr. Dr. A para receber as notificações (fls. 747), nada disse ou requereu.
Sobre as diligências requeridas por aqueles dois Colegas recaiu o despacho de fls. 869 a 871, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Foram juntos vários documentos quer por iniciativa do instrutor quer a requerimento do Sr. Dr. K.
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Suscita o Sr. Dr. A, na sua douta defesa, as seguintes questões:
1) A da incompetência da Associação dos Advogados de Macau para o punir disciplinarmente;
2) A violação do Princípio Ne Bis In Idem;
3) Questão prejudicial, por sobre a matéria estar a correr um processo crime.
A todas estas questões foi dada resposta por via dos nossos despachos de fls. 867 e seguintes e 970 e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
__ X__
Alega o mesmo Colega que não aceitou como boa a procuração referida nos autos sem uma prévia averiguação e que tomou conhecimento através do Sr. Dr. L que a Direcção dos Serviços de Justiça entendia que o documento em causa não havia sido revogado.
Ora dos documentos juntos aos autos apenas resulta provado que aquela Direcção se pronunciou sobre a pública forma passada pelo Sr. Dr. K a qual como consta da acusação não contém referência ao “cancelamento”. (fls. 667 e 668).
Relativamente às respostas cujo teor se transcreve a fls. 718 e 718 V., não aparece nelas qualquer referência ao facto de a procuração não ter sido revogada.
Foi também colocada a questão da inobservância da forma exigida por lei para os efeitos da revogação dessa procuração, defendendo-se aí que esta deveria ter sido feita por instrumento notarial.
Só que o Tribunal da Última Instância da R.A.E.M. decidiu que a procuração em questão tinha sido validamente revogada (fls. 622 e seguintes).
__ X__
Diz também o ilustre Colega, cuja defesa estamos a apreciar, que a palavra dos Colegas Sr. Dr. M e N não vale mais do que a dos Colegas Sr. Dr. L e K.
Acontece, porém que perante a prova produzida, é forçoso concluir que o Sr. Dr. A tinha a consciência da falsidade da dita procuração uma vez que recebeu a comunicação e os documentos juntos de fls. 89 a 118. Não há, pois, que recorrer ao depoimento dos referidos Colegas para se dar como provado o facto que fica referido.
(…)
__X __
Pelo exposto não encontramos motivos para alterar o teor da acusação, devendo apenas e à cautela ignorar-se a referência feita aos Colegas Srs. Dr. M e N no artigo 45º da mesma peça.
Consequentemente damos como provado o seguinte:
Existe em Macau uma Associação, devidamente registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o no. XXX, denominada “C, também conhecida como “C1”.
A sua Direcção integra vários membros entre os quais o Sr. D.
Existe também uma outra Associação denominada “C2(C1).”
São legais representantes desta última os Srs. E, F e G.
Nenhum destes representantes integra a Direcção da “C”.
Em 1993, o Sr. D, na altura Vice-Presidente da referida C, outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado do Sr. Dr. H uma procuração a favor daquele Sr. E, conferindo-lhe vários poderes, entre eles o de celebrar contratos de venda tendo por objecto imóveis dos quais era proprietária (fls. 27 e 31).
No dia 14 de Fevereiro de 1995, após prévio acordo entre os representantes daquela Associação e o Sr. E, a procuração em causa foi revogada, revogação levada a efeito no Escritório do Exmo. Sr. Dr. H e em presença deste (fls. 27 a 31).
A revogação foi feita estando também presente aquele E (fls. 27 a 31).
A mesma revogação foi feita, apondo-se, na parte superior do rosto do original da procuração em causa, a respectiva declaração, na redacção da qual foram utilizados caracteres chineses - 本授權書即日取消作廢 14/2/95 - que significam o seguinte: “e presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/02/95”.
Além disso, no texto da primeira página forem apostos dois riscos oblíquos e paralelos e no espaço entre os mesmos a expressão inglesa “cancelled”, e outros riscos em restantes páginas (fls. 27).
A declaração em causa foi subscrita pelos legais representantes daquela Associação D e I e também pelos Srs. J e E (fls. 27).
A mesma declaração revogatória foi confirmada pelo Sr. Dr. H o qual sob a mesma manuscreveu a seguinte frase: “Fui presente: 14/02/95” seguida da sua rubrica, apondo também o seu carimbo de Advogado (fls. 27).
O original da procuração revogada foi então devolvido pelo Sr. E a um representante da mandante, sendo depois guardado num cofre de segurança do [Banco (1)].
Esse mesmo original ficou ali guardado e só foi retirado do cofre anos mais tarde, e isto mesmo por ordem judicial.
Não obstante o que fica retendo, no dia 7 de Junho de 1995, o arguido Sr. Dr. K, na qualidade de Notário Privado, entendeu certificar que havia conferido uma fotocópia daquela Procuração com o respectivo original e elaborar a respectiva conta a qual atribuiu o nº. X.
Em outras palavras no dia 7 de Junho de 1995, o referido arguido Sr. Dr. K, na qualidade de Notário Privado, declarou ter extraído uma fotocópia do original daquela procuração e que a mesma estava em conformidade com este (fls. 35 a 40).
Ora a data em que essa pública-forma foi elaborada, o original da Procuração, devidamente revogada e riscada nos termos anteriormente referidos, encontrava-se encerrado num cofre do [Banco (1)].
Não dispunha, pois, o Sr. Dr. K de quaisquer elementos que lhe permitissem certificar a conformidade dessa fotocópia com o original.
Trata-se, pois, duma pública-forma inteiramente falsa, motivo por que dela não constam nem a declaração revogatória, nem os falados riscos, nem a menção “cancelled”, nem a confirmação feita pelo Sr. Dr. H (fls. 35 a 39), sendo também fictícia a conta atrás referida já que a mesma não se mostra lançada no competente Livro de Registos de Contas Emolumentos e Selo do Cartório do arguido Dr. K.
Uma pública-forma constitui uma cópia de teor total ou parcial extraída de documentos avulsos exibidos para esse efeito ao Notário e deve conter a declaração de conformidade com o original.
Ora, era de todo impossível alguém que não fosse legítimo representante daquela Associação exibir o original da falada procuração ao referido Sr. Dr. K por o mesmo estar guardado num cofre do [Banco (1)]. Consequentemente, jamais poderia o Sr. Dr. K extrair uma fotocópia desse original.
Consequentemente também não dispunha de quaisquer elementos que o habilitassem a emitir a declaração de conformidade do teor da fotocópia com o do original.
Está, assim, plenamente justificada a afirmação de que essa pública-forma é falsa.
Tanto o Sr. Dr. K como o Sr. Dr. L eram mandatários daqueles E e F.
No dia 13 de Janeiro de 2003, o Sr. E, fazendo uso da referida pública-forma e depositando-a no Cartório Notarial da Ilhas, substabeleceu os poderes nela referidos nos Sr. F e G (fls. 537 a 547).
No dia 28 de Janeiro de 2003, o referido E fazendo uso daquela pública-forma falsa, substabeleceu os poderes nela referidas na pessoa do Sr. Dr. L, seu Advogado (fls. 478 a 479).
Os documentos em questão ficaram arquivados no Cartório Notarial das Ilhas, figurando nas respectivas senhas de apresentação como interessada a mencionada Associação e como representante desta o Sr. Dr. L (fls. 537 a 545).
Ora, em data indeterminada de 2003, mas em princípios do mesmo ano, os arguidos Sr. Dr. K e L e os Srs. E e F planearam alienar mediante a utilização daquela pública-forma falsa e tendo plena consciência dessa falsidade, vários imóveis pertencentes ao património da C.
A fim de concretizar a plano que haviam concebido e outorgar as competentes escrituras públicas o Sr. Dr. K requereu à Direcção dos Serviços de Identificação a passagem de dois certificados respeitantes à “C”, certificados esses que foram emitidos no dia 15 de Abril de 2003.
Por sua vez, o Sr. Dr. L procurou marcar, sem sucesso, junto de alguns Cartórios Notariais de Macau, designadamente no da Notária Privada Sra. Dra. B data para a outorga dessas escrituras, entregado nesses Cartórios a documentação necessária para o efeito, designadamente a referida pública-forma falsa.
O arguido Sr. Dr. L manifestou sistematicamente junto desses Cartórios Notariais, extrema urgência na celebração das mesmas escrituras.
Além disso o Sr. Dr. L providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs. XXXX, como resulta dos documentos de fls. 490 a 521, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos”, o seguinte endereço: [Endereço (1)].
Este endereço correspondia ao do Escritório do Sr. Dr. L.
Perante a indisponibilidade desses cartórios Notariais, foi então contactado o Cartório Notarial do Sr. Dr. A.
Quem estabeleceu, para esse efeito, tal contacto foi o Sr. Dr. L que de igual modo aí procedeu à entrega de todos os documentos necessários para serem celebradas as escrituras públicas designadamente a pública forma atrás referida.
Esse contacto, reforçado, mais tarde, por outros feitos pelo Sr. F e por um secretário do Sr. E revelou-se altamente profícuo uma vez que nos dias 23 de Janeiro de 2003 e no dia 25 seguinte acabaram por ser outorgadas no Cartório Notarial do Sr. Dr. A e com a sua intervenção como Notário várias escrituras públicas tendo por objecto a compra e venda de imóveis pertencentes à C”.
Assim no dia 23 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura Pública tendo por objecto a compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs. XXXXX, XXXXX e XXXXX, conforme melhor resulta da cópia que constitui o documento junto de fls. 121 a 124 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
No dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1 do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, todas sitas no [Endereço (2)] desta cidade e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXXX, conforme resulta da fotocópia que constitui o documento junto de fls. 137 a 162.
Também no dia 25 de Junho de 2003 foi celebrada uma escritura pública de compra e venda dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs. XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX. (fls. 163 e 167).
Ainda no dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1, do primeiro andar A, A2 do segunda andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, B5 do quinto andar B, C1 do primeiro andar C, C2 do segunda andar C, C3 do terceiro andar C, C4 do quarto andar C, C5 do quinto andar C, D1 do 1 º andar D, D2 do segundo andar D, D3 do terceiro andar D, D4 do quarto andar D, D5 do quinto andar D, E1 do primeiro andar E, E2 do segunda andar E, E3 do terceiro andar E, E4 do quarto andar E e E5 do quinto andar E, fracções estas descritas sob o n. XXXXX-X a fls. 16 do Livro XXX, conforme melhor resulta da fotocópias de fls. 199 a 209 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
O preço da venda de cada um dos imóveis referidos nos documentos de fls. 121 a 124, de fls. 137 a 162 e de fls. 163 a 167 foi de $100,000.00 patacas e de cada um dos nos documentos de fls. 199 a 209 de $80,000.00 patacas.
O comprador de todos aqueles imóveis foi o referido Sr. F, um dos representantes da Associação dos Bonzos.
Quem interveio em todas as escrituras atrás referidas em representação da Associação vendedora foi o já mendonado E aliás E1.
A qualidade do Sr. E, como Procurador da referida Associação, foi verificada com base numa certidão da pública-forma da procuração referida neste despacho.
O arguido Sr. Dr. A sabia e tinha plena consciência de que a referida pública-forma era falsa por ter recebido as comunicações que constituem os documentos de fls. 89 a 118 cujo teor se da aqui por reproduzido. Não obstante ter plena consciência da falsidade da pública-forma em questão, o arguido Sr. Dr. A aceitou-a como boa, celebrando as referidas escrituras.
Assim, deu como verificada a qualidade de Procurador da referida Associação de E numa altura em que lhe tinham sido retirados os poderes de representação.
O arguido Sr. Dr. A ao celebrar aquelas escrituras verificou o registo e a denominação da citada Associação através dum certificado passado no dia 15 de Abril de 2003 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau. Como se disse foi o arguido Sr. Dr. K quem requereu a passagem desse certificado sabendo que o mesmo se destinava a habilitar o arguido A a celebrar aquelas escrituras e sabendo também que a qualidade do Sr. E, seu cliente, como Procurador da vendedora Associação seria verificada com base na mencionada pública-forma falsa.
__X __
Foi decisiva para a nossa convicção no que diz respeito a confirmação do despacho de acusação o teor dos documentos e dos depoimentos que a seguir se indica:
Documentos de fls. 27 a 283, fls. 288, fls. 338 e 339, fls. 348 a 362, fls. 372 a 459,477 a 479, 487 a 521, 535 a 547, 621 a 645, 662 a 669, 677, 784, 819 a 844 e os depoimentos de fls. 334 e 335, 522 e 523, 524 e 525, 526 e 527, 552 e 553, 672 e 673 e 674 e 675.
São também elucidativos embora não decisivos os depoimentos dos colegas Srs. Drs. O, N e M se acaso se entender que os mesmos não estão feridos de nulidade.
O Direito
Os factos imputados a cada um dos arguidos integram a infracção prevista nos números 1 e 3 do artigo 1º, com referência ao artigo 12º, nº. 2 e 14º alínea c) do Código Deontológico homologado por despacho 121/GM/92 de 31 de Dezembro, conjugados com artigo 2º do Código Disciplinar dos Advogados.
Não se mostra verificada a falta prevista no seu artigo 25º.
O Sr. Dr. K produziu a pública forma falsa no longínquo ano de 1995.
Aguardou cerca de 10 anos para através dos factos levados à acusação fazer uso desse documento falso.
Com o comportamento atrás descrito o Sr. Dr. L contribuiu decisivamente para que essa pública forma, que sabia ser falsa viesse a ser utilizada quando da celebração das escrituras públicas lavradas no Cartório Notarial do co-arguido A e com activa intervenção deste.
A conduta dos arguidos, além duma infracção disciplinar, integra um ilícito criminal.
Trata-se dum comportamento antijurídico e eticamente reprovável a todos os títulos: os seus autores não serviram nem a justiça, nem o direito, devendo fazê-lo e não se mostraram dignos da honra e responsabilidade inerentes à qualidade de advogados, qualidade essa que deviam ter sempre presente.
Violaram o dever de probidade que um advogado, quer no exercício da profissão quer fora dela, deve sempre respeitar e fizeram uso de expedientes condenáveis porque integradores de ilícito penal. Assumiram em suma um comportamento, a um tempo, escandaloso - pela repercussão negativa e desprestigiante junto da comunidade -, desprimoroso aos olhos do público, desonroso para si próprios e lesivo da classe não só dos Advogados mas também dos Notários. Dispõe o artigo 42º do Código Disciplinar dos Advogados que:
Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
A doutrina e a Jurisprudência penais mais representativas de Portugal têm entendido que na individualização da pena deve tomar-se como ponto de partida a média entre os limites mínimo e máximo tomando-se depois em consideração as circunstâncias atenuantes e agravantes.
Porque este critério é um dos mais equilibrados dos que têm sido propostos quanto a essa matéria, entendemos observá-lo na tarefa da escolha e graduação da pena no caso presente.
Todos os arguidos agiram dolosamente. E bastante elevada a gravidade dos factos dados como provados e intenso o grau de culpabilidade dos seus autores, o que decorre das considerações atrás tecidas.
Como decorre dos factos dados como provados, devido à actuação dos arguidos a Associação de Piedade e Beneficência C1 ficou privada de grande parte do seu valioso património.
Os prejuízos, pelo menos de natureza material, dai resultantes são óbvios.
Os arguidos exercem a sua profissão em Macau há longos anos.
Contra o Sr. Dr. A está pendente um outro processo disciplinar que não se acha ainda ultimado.
Trata-se dum Advogado competente no exercício da sua profissão, goza do conceito de pessoa honesta, imparcial, urbana, afável no trato e, além disso, portador duma estatura moral elevada.
É considerado como profissional muito cumpridor da ética e da deontologia profissional.
O Sr. Dr. K foi condenado na pena de 20.000 no âmbito do processo X/XX/CSA, tem outros processos disciplinares pendentes contra si e um processo de averiguações em ordem a apurar a sua eventual falta de idoneidade moral para o exercício da profissão.
O Sr. Dr. L foi condenado no âmbito de outros processos disciplinares na pena de 2 anos e 3 meses de suspensão com obrigação de restituir a quantia de 277.273,00 HKD. A respectiva deliberação não transitou ainda em julgado.
Encontram-se pendentes contra o mesmo mais processos disciplinares.
Tendo em atenção os critérios de individualização da pena atrás referidos, a elevada gravidade dos factos constantes da acusação, o elevado grau de culpabilidade, os antecedentes disciplinares e a consequência danosa atrás referida, afigura-se que aos arguidos Sr. Dr. K e Sr. Dr. L deve ser imposta a pena prevista no artigo 41º, f) do Código Disciplinar graduada em 8 anos de suspensão.
Relativamente ao Sr. Dr. A, atentos os mesmos critérios, o elevado grau de culpabilidade, a alta gravidade dos factos e a mesma consequência danosa, mas tomando em linha de conta o peso das atenuantes que ficaram apontadas, parece equilibrada a pena do artigo 41º, alínea e) do mesmo Código, graduada em 2 anos de suspensão.
Atenta a circunstância de o Sr. Dr. K ter sido condenado na pena de 20,000.00 patacas de multa no âmbito do Processo Disciplinar no. X/XX/CSA, há que efectuar o cúmulo desta pena com a agora proposta.
Sugere-se que em cúmulo lhe seja imposta a pena única de 8 anos de suspensão e 20,000.00 patacas de multa, com a nota de que esta já foi paga.
Quanto ao Sr. Dr. L, terá de se efectuar o cúmulo jurídico da pena proposta com a já imposta, aplicando-se-lhe uma pena única que se sugere seja a seguinte: pena de suspensão por 9 anos e 3 meses, com a obrigação da restituição da quantia de HKD277,273.00 (P.D. XX/XX/CSA; XX/XX/CSA; XX/XX/CSA; XX/XX/CSA e XX/XX/CSA)
Eis as penas cuja aplicação propomos.
V. Excias., porém, melhor resolverão.
Macau, ao 20 de Outubro de 2005.
O Instrutor, S.”
V
DECISÃO
A) Questão Prévia: o caso julgado e a execução do douto Acórdão do TUI:
1. Com o trânsito em julgado do referido Acórdão do Tribunal de Última Instância, mostra-se anulado, com efeitos retroactivos, o acórdão deste Conselho proferido, em 1 de Novembro de 2006, no processo disciplinar comum n.º XX/XX/CSA relativamente ao arguido e ali recorrente Dr. A, pelo qual lhe havia sido aplicada a “pena prevista no art. 41º, alínea f), do Código Disciplinar dos Advogados graduada em 6 (seis), suspensão da actividade de advogado”.
2. O fundamento da anulação do acórdão do Conselho é a Contradição na matéria de facto na parte em que o acto administrativo recorrido, acrescentando certos factos e considerações aos que constavam do Relatório do Instrutor, determinou que “todos os 3 (três) arguidos trabalharam em 2003 na obtenção dos documentos que o arguido Dr. A precisava para instruir as escrituras, que obtiveram e perante este usaram e forneceram em 2003 (não podendo pois, também por isto, Proceder a alegada prescrição), a este ajudando a consumar a outorga em apenas 2 dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis Identificados nos autos, indiferente ao resultado […] ”, porquanto tal “consideração contradiz os factos anteriores e não tem suporte nos factos provados” relativamente ao arguido Dr. A– cfr. pág. 84 do Acórdão citado.
3. Isto porque dos factos provados “não resulta [que] o recorrente tenha participado no conluio para obtenção dos documentos necessários à celebração das escrituras. O que resulta é que foram os Drs. L e K a fazê-lo.” - cfr. pág. 83 do Acórdão citado.
4. Neste contexto, a anulação do acordão do Conselho não aproveita aos demais co-arguidos, i.e. o Dr. K e o Dr. L, até porque, sendo a responsabilidade disciplinar de natureza individual, “se o acto foi anulado com fundamento em razões que só se verificam no recorrente, a eficácia produz-se apenas inter partes”, no caso concreto entre este Conselho e o arguido/recorrente Dr. A- v. MARCELLO CAETANO, in Manual de Direito Administrativo, Vol. 2, págs. 1396 e 1397, citado por LINO JOSÉ B.R. RIBEIRO in Manual Elementar de Direito Processual Administrativo de Macau, Tomo I, edição do Centro de Formação de Magistrados de Macau, 1997, pág. 278.
5. Se bem que o “caso julgado [seja] válido e eficaz erga omnes, quer a sentença declare nulo o acto, quer rejeite o recurso [...] esta solução não se aplica aos actos plurais (em que há tantos efeitos e, por consequência, tantos actos únicos, quantas as esferas jurídica dos destinatários directamente modificadas), caso em que quem «não recorreu nem foi citado para contestar não fica abrangido pelo julgado» - v. RUI MACHETE, in Caso Julgado, Estudos de Direito Público e Ciência Política, págs. 179 e ss., citado por LINO JOSÉ B.R. RIBEIRO, ob. cito pág. 278.
6. Ou seja, tratando-se, como in casu, de acto plural - o que implica que possam existir vícios comuns a todos os actos simples e vícios autónomos, respeitantes apenas a um dos actos que integram o acto plural - e sendo este “anulado contenciosamente por razões respeitantes à situação específica de um dos seus destinatários, a Administração [leia-se, o Conselho Superior de Advocacia] não está obrigada a dar execução à decisão anulatória, relativamente a destinatários do acto relativamente aos quais não se verifica que se baseou a anulação” – v., a título de boa doutrina, o Acórdão do Supre-mo Tribunal Administrativo de Portugal de 4 de Julho de 2001, proferido no Processo n.º 03429, in www.dgsi.pt/jsta.
7. De resto, a mesma conclusão resulta, a contrario sensu, do artigo 77. º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
8. Por conseguinte, o dever jurídico de executar o Acórdão anulatório do Tribunal de Última Instância, e que, nos termos do artigo 174.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, consiste no dever de praticar todos os actos jurídicos e todas as operações materiais que sejam necessárias à reintegração efectiva da ordem jurídica violado, apenas se cinge à sanção disciplinar aplicada ao Dr. A, razão pela qual este Conselho deliberou, em reunião do dia 5 de Fevereiro de 2010, renovar o acto administrativo anulado, substituindo-o por outro válido, sobre o mesmo assunto mas apenas quanto a este arguido - o que ora se faz.
B) A Decisão: a renovação do acto administrativo anulado
Tudo analisado e ponderado, este Conselho Superior da Advocacia, em execução, nos termos e ao abrigo do artigo 174.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, do douto Acórdão proferido nos supra referidos autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa com o n.º 24/2009 do Tribunal de Última Instância de Macau, transitado em julgado em 28 de Janeiro de 2010, delibera dar por provada a acusação relativamente ao arguido Dr. A, aderindo, como seu e aqui integrante, ao Relatório do Exmo. Senhor Instrutor deste processo disciplinar, com os aditamentos seguintes:
1. Vê-se dos autos que o Dr. A cobrou a conta emolumentar de notário (que remeteu para os cofres públicos, destinatários das receitas da sua actividade notarial), mas que também cobrou e emitiu recibo de honorários de advogado (que reverteu para si, destinatário da receita da sua actividade de advogado). Por isso, e pelo já sustentado no relatório, não se diga pois que os factos são estranhos à advocacia e incompetente este CSA, ou haver repetição de procedimento disciplinar pelos factos, mesmos valores, mesma função e mesmo sujeito pois, repete-se, aqui está apenas em causa o comportamento do arguido Dr. A enquanto advogado, mesmo que tenha actuado também na qualidade de notário privado.
2. Ora, “sempre que o notário ultrapasse esta simples assistência e entre no campo da assessoria ou, o que é o mesmo, da consultadoria jurídica, sem limites estabelecidos, estará a agir com um verdadeiro advogado e então não é compreensível, nem aceitável a qualquer título, que não deva estar sujeito a todas as regras de deontologia próprias da profissão de advogado” - a título de boa doutrina, v. Parecer n.º E-1051/1995 da Ordem dos Advogados de Portugal, proferido em 30.06.1995, in www.jurisdata-oa.pt.
3. Acresce que, como se estipula no Decreto-Lei n.o 66/99/M, de 1 de Novembro, só podem ser nomeados notários privados os senhores advogados que se qualifiquem para o efeito, pelo que necessariamente a primeira qualidade é condição sine qua non para a verificação da segunda. Não existe aqui repetição de procedimento disciplinar porque não é a conduta do notário que está aqui em causa, mas sim a do Sr. Advogado que infringiu normas que disciplinam a sua actividade enquanto advogado e os seus deveres de advogado para com os seus clientes e a comunidade em geral.
4. Todos os arguidos sabiam que o mandato concedido pela procuração reproduzida pela pública-forma usada para a celebração das escrituras se encontrava cancelado ou revogado e que a pública forma atestava um mandato inexistente ou, pelo menos, como tal estava sendo reivindicado pelo mandante quer em juízo quer em informações chegadas a todos os três arguidos com a abundância que vem relatada e se vê dos autos, tanto a que foi especialmente dirigida ao Sr. Dr. A para se abster da celebração, tal como outros notários já se tinham abstido, como a informação de conhecimento geral, que os advogados de Macau costumam usar tipo pedido-circular, que foi distribuída por todos os notários privados de Macau pedindo-lhes para não celebrarem tais escrituras por o mandante estar a impugnar a autenticidade ou subsistência do mandato alegadamente em vigor.
5. Apesar disso, o arguido Dr. A, aceitando fazer uso dos documentos, obtidos e fornecidos pelos outros dois co-arguidos para instruir as escrituras, entre os quais a pública-forma que atestava um mandato inexistente, consumou a outorga em apenas dois dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis identificados nos autos, indiferente ao resultado (o Dr. A- com dolo eventual bem esclarecido face ao grau de informações de que tinha conhecimento) que o Tribunal viesse a proferir quanto a tal procuração e sua pública-forma (que a julgou validamente revogada pelo referido acto de 14.Fev.1995), e manifesto intuito de antecipar-se ao próprio tribunal (os outros dois co-arguidos - com dolo directo);
6. Ora, na ponderação do grau de culpa, valor e influência que o comportamento dos arguidos terá tido na consumação do resultado (celebração das escrituras) pretendido pelo portador do mandato já não existente e pelos Dr. L e Dr. K, verifica-se que o Dr. A teve a abundante informação supra, nomeadamente a troca de correspondência entre o Dr. L e a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ), fornecida pelo Dr. L ao Dr. A, e da qual se vê facilmente, face à prova conhecida destes autos, que, nessa troca de correspondência, o Dr. L simulou querer informação certa mas na verdade não quis, pois não informou a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, nem esta conhecia por outra via, a informação que os três arguidos tinham sobre a existência da disputa em juízo acerca da procuração. Se a consulta do Dr. L contivesse tal questão, certamente que a informação prestada pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça não seria a mesma e estoutra não serviria aos seus desígnios.
7. O Dr. A sabia daquela disputa e, portanto, face à correspondência, facilmente poderia ter visto que a consulta do Dr. L estava truncada com um segredo que a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça desconhecia (pois só era conhecido dos arguidos e dos queixosos) e que, portanto, a informação da DSAJ não esclarecia nem podia esclarecer da real subsistência ou insubsistência do mandato nem da existência de quaisquer dúvidas ou disputas acerca dele. Além disso, também se verifica que outros notários solicitados para a celebração das escrituras recusaram a prática do acto apesar de menos alertados, enquanto que o Dr. A, apesar de mais alertado, optou por considerar em vigor o mandato e desprezar o resultado que o tribunal viesse a dar ao litígio.
8. Tanto basta para se concluir que o Dr. A também conhecia a falta de mandato ou, pelo menos, que o mesmo estava posto judicialmente em crise e que o mesmo podia vir a ser julgado em Tribunal como já não existente, tal como foi efectivamente julgado. E a sua opção foi decisiva na consumação dos desígnios dos co-arguidos e do mandatário-comprador, pois todos os outros notários contactados para o efeito se recusaram a praticar os actos notariais.
9. Assim, face à gravidade do seu comportamento, a pena de 2 anos de suspensão proposta para o Dr. A revela-se insuficiente, por desajustadamente inferior ao seu grau de culpa, decidindo este Conselho, enquadrando a sua pena também na alínea e) do artigo 41º do Código Disciplinar dos Advogados, fixá-la em 5 (cinco) anos de suspensão.
10. Assim, em conformidade com o relatório do Sr. Instrutor e com esta ponderação adicional, este Conselho julga a acusação procedente e decide aplicar ao arguido Dr. A a pena prevista no art. 41º, alínea e), do Código Disciplinar dos Advogados graduada em 5 (cinco) anos de suspensão da actividade de advogado, nos termos agravatórios ao relatório final do Sr. Instrutor que acima formulámos» (fls. 11001157 do p.a., vol. IV).
É este o acto administrativo recorrido.
5- A procuração em causa, outorgada em 30 de Setembro de 1993, no cartório notarial do Dr. H, apresenta manuscrita a palavra em língua inglesa “cancelled” aposta entre dois traços oblíquos paralelos na 1ª folha e acompanhada de um só traço nas restantes folhas (fls. 27 do apenso I do p.a.).
6- Dessa procuração resulta expressamente que D, na qualidade de vice-presidente da Associação de Piedade e de Beneficência constituiu procurador da mencionada Associação E para em nome da Associação, entre o mais, poder prometer comprar, comprar, prometer vender, vender ou de outra forma alienar, pelo preço e nas condições que entender, recebendo o sinal, seus reforços e o preço, hipotecar, arrendar, outorgar escrituras, praticar negócios consigo mesmo, substabelecer os poderes, etc. (doc. cit.)
7- Do referido documento ainda resulta expressamente que a procuração também era conferida no interesse do procurador, pelo que não poderia ser revogada sem o seu consentimento, ou o do substabelecido, no caso de ter havido substabelecimento sem reserva (doc. cit.).
8- Em 13/01/2003 aquele procurador E substabeleceu sem reserva os seus poderes em F (doc. fls. 50 do p.a., apenso I).
9- A Associação de Piedade e de Beneficência intentou uma providência cautelar não especificada no TJB em 24/06/2003 contra E, F e G, pedindo, entre outras coisas, que os requeridos fossem proibidos de vender ou de qualquer modo alienar ou onerar quaisquer bens da Associação e que fossem proibidos de usar a dita pública-forma da procuração (fls. 52, apenso I).
10- Da decisão que parcialmente deferiu o pedido, foi pela Associação de Beneficência interposto recurso jurisdicional para o TSI, que, no Proc. nº 8/2004,por acórdão de 4/03/2004, concedeu parcial provimento ao recurso e decretada a providência nos termos essenciais em que ela havia sido pedida (fls. 348 a 362 do apenso I).
11- Os requeridos recorreram para o TUI desse acórdão do TSI, vindo o recurso a ser julgado improcedente e os recorrentes condenados por litigância de má fé, por acórdão de 1/12/2004 (fls. 622 a 625 do p.a. apenso II).
12- No TJB, Proc. nº CAO-019-03-3, deu entrada em 30/07/2003 acção declarativa comum com processo ordinário movida pela Associação de Beneficência contra E, F e G pedindo a declaração de nulidade das vendas efectuadas através de cinco escrituras públicas lavradas no cartório notarial do Dr. A(fls. 413 a 433 do p.a. apenso I).
13- Por sentença do TJB foi declarada a ineficácia face à Associação dos negócios de compra e venda de imóveis titulados pelas cinco escrituras públicas referidas e ordenado o cancelamento dos registos efectuados com base nessas escrituras.
14- Interposto recurso dessa decisão para este TSI, nos autos a que coube o nº 616/2007 foi lavrado acórdão em 9/02/2012, que negou provimento ao recurso (fls. 887-928).
15- No TJB correu termos a Providência Cautelar Comum com o nº CV3-03-0013-CAO-A, cuja sentença, lavrada em 25/09/2001, determinou a comunicação ao [Banco (1)] para proceder à abertura forçada de três cofres de segurança em nome de Q, e sua mulher R (fls. 823 a 828, do p.a. apenso III).
16- Num desses cofres estava guardada a procuração referida em 5 supra (verba nº2, da relação de bens constante do Termo de Abertura de Cofre, a fls. 829 a 831, apenso III).
17- Pende contra a testemunha F um processo-crime no TJB com o nº CR1-11-0078-PCC, estando marcado o julgamento para 3/07/2012 pela prática de cinco crimes de falsificação de documento e por um crime de burla.
Não se provou que:
E não tivesse ido ao cartório notarial do Dr. H no dia 14/02/1995, ou noutro dia qualquer, para apor a assinatura na revogação da procuração que tinha sido emitida em seu favor e no seu interesse no dia 30/09/1993.
E não tivesse informado o recorrente, Dr. A de não ter estado no dia 14/02/1995 para a revogação da referida procuração.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
As questões a apreciar são, fundamentalmente, as de saber:
- Se o Acórdão recorrido violou a lei ao não considerar existir erro nos pressupostos de facto na decisão do CSA, por desconsideração indevida dos motivos da recusa da Dra. B em lavrar as escrituras;
- Se o Acórdão recorrido violou a lei ao não considerar existir erro nos pressupostos de facto na decisão do CSA por desconsideração indevida das advertências feitas pelo recorrente no texto das escrituras, em cumprimento do disposto no artigo 16.º do Código do Notariado;
- Se o Acórdão recorrido violou a lei ao não considerar existir erro nos pressupostos de facto e de direito do acto recorrido e contradição insanável entre aquela decisão e os factos provados, por errada consideração sobre os prejuízos resultantes da celebração das escrituras para a Associação mandante;
- Se o Acórdão recorrido violou a lei ao não considerar existir de erro nos pressupostos de facto do acto recorrido, ao dar como provado, em contradição e sem suporte na demais matéria de facto provada, que no dia em que a pública-forma foi elaborada a procuração estava depositada num cofre do [Banco (1)];
- Se o acto recorrido enferma de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios de justiça e imparcialidade;
- Se o Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

2. Erro nos pressupostos de facto, por desconsideração indevida dos motivos da recusa da Dra. B em lavrar as escrituras
Nos artigos 120.º e seguintes da petição de recurso contencioso o recorrente arguiu o vício de erro nos pressupostos de facto na decisão do CSA, por desconsideração indevida dos motivos da recusa da Dra. B em lavrar as escrituras.
O acórdão recorrido afirmou que nos pontos indicados pelo recorrente (artigos 30.º e 34.º da acusação e ponto 4 da deliberação do CSA) nada se diz quanto à causa que levou a Dr.ª B a não celebrar a escritura.
Tem razão. Assim sendo não há erro nos pressupostos de facto do acto recorrido.
O acórdão recorrido não tinha que averiguar as supostas recusas de outros notários em celebrar as escrituras. Não fazia parte da causa de pedir da petição. O recorrente não integrou aquela matéria no grau de culpa e no quantum da pena aplicada (artigos 460.º e seguintes da petição).
Improcede o vício suscitado.

3. Erro nos pressupostos de facto, por desconsideração indevida das advertências feitas pelo recorrente no texto das escrituras.
Nos artigos 129.º e seguintes da petição de recurso contencioso o recorrente arguiu o vício de erro nos pressupostos de facto na decisão do CSA, por desconsideração indevida das advertências feitas pelo recorrente no texto das escrituras, em cumprimento do disposto no artigo 16.º do Código do Notariado.
O acórdão recorrido entendeu que já havia abordado a questão no acórdão anterior, mas sob o prisma do erro sobre os pressupostos de direito e concluído que tal advertência aos outorgantes (que o acto notarial é anulável ou ineficaz) nos instrumentos notariais seria irrelevante para o efeito.
Mais acrescentou que se é certo que o acto recorrido não aborda a questão, o que foi fundamento para a punição foi a celebração de escrituras com base num documento que o recorrente sabia ser falso. Assim sendo não se tornava necessário nem útil e relevante a alusão a tal facto.
Afigura-se-nos que o acórdão recorrido julgou bem.
De resto, no Acórdão de 9 de Janeiro de 2013 já decidimos – o que fez caso julgado material nos autos – que “…o artigo 16.º do Código do Notariado não era aplicável ao caso.
No caso, tratava-se de usar uma procuração falsa para celebrar negócios, havendo indícios da prática de crimes, no mínimo, de uso de documento de especial valor falso.
Ora, o notário não pode colaborar na prática de crimes, pelo que o artigo 16.º do Código do Notariado não era aplicável….”
Improcede o vício suscitado.

4. Erro nos pressupostos de facto e de direito e contradição insanável entre aquela decisão e os factos provados, por errada consideração sobre os prejuízos resultantes da celebração das escrituras para a Associação mandante
Nos artigos 187.º e seguintes da petição de recurso contencioso o recorrente alega que o acto recorrido considerou que em virtude da actuação dos arguidos (o recorrente e outros) a Associação ficou privada de grande parte do seu património, o que diz ser falso, já que o Tribunal acabou por declarar a ineficácia dos negócios em causa, pelo que incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito e contradição insanável entre aquela decisão e os factos provados.
Sobre isto, entendeu o Acórdão recorrido que o acto administrativo recorrido não considerou o acto provado, tratando-se de mera consideração jurídica do instrutor do processo disciplinar, não tendo servido como critério para a graduação da pena em sentido agravante. Isto porque tal considerando não faz parte do relatório final do instrutor, não fazendo parte da deliberação recorrida.
Também neste aspecto o acórdão recorrido tem razão.
A consideração jurídica do relatório final do instrutor, que engloba três arguidos, incluindo o recorrente, não foi dada como reproduzida na deliberação, que se limita a dar como provados os factos da acusação.
Logo, não se pode dar como certo que o acto recorrido considerou que em virtude da actuação dos arguidos (o recorrente e outros) a Associação ficou privada de grande parte do seu património.
Improcede o vício suscitado.

5. Erro nos pressupostos de facto, ao dar como provado, em contradição e sem suporte na demais matéria de facto provada, que no dia em que a pública-forma foi elaborada a procuração estava depositada num cofre do [Banco (1)].
Nos artigos 261.º e seguintes da petição alegou o recorrente que o acto recorrido enferma de erro nos pressupostos de facto, ao dar como provado, em contradição e sem suporte na demais matéria de facto provada, que no dia em que a pública-forma foi elaborada a procuração estava depositada num cofre do [Banco (1)].
Vejamos.
Na verdade, foi dado como provado pelo acto recorrido (por via de se darem como provados os factos da acusação, sendo os pertinentes, os dos artigos 12.º a 16.º) que o original da procuração foi devolvido a um representante da associação mandante em 14 de Fevereiro de 1995, sendo guardado num cofre do [Banco (1)] e só sendo retirado uns anos mais tarde. Sendo que um outro arguido, o K, no dia 7 de Junho de 1995, certificou que havia conferido uma fotocópia da procuração com o original, elaborando a pública-forma, em ocasião em que o original da procuração se encontrava no dito cofre.
O acórdão recorrido julgou que o recorrente não logrou fazer prova de modo a abalar a prova daquele facto, nem no processo administrativo, nem no âmbito do processo judicial, o recurso contencioso.
O recorrente discorda.
Antes de mais não é relevante a identidade do representante da associação mandante que guardou o original num cofre do [Banco (1)] nem qual a data concreta em que isso foi feito, já que estes factos não foram dados como provados nem releva minimamente, até porque resulta claro que a procuração foi guardada seguramente entre 14 de Fevereiro de 1995 e 7 de Junho de 1995, sendo irrelevante se o foi a 14, 15, 16, 17 de Fevereiro ou noutro qualquer dia até 7 de Junho de 1995.
Diz o recorrente que, nos artigos 268.º e 269.º da petição de recurso, requereu que o Tribunal ordenasse ao [Banco (1)] o registo dos movimentos do cofre para prova do facto que lhe interessava provar.
O recorrente apresentou uma petição de recurso contencioso com 559 artigos, com 19 conclusões, totalizando tudo isto, com o requerimento de prova, a final, 166 páginas.
Nos artigos 268.º e 269.º da petição escreveu o seguinte:
“268.º
Isto porquanto o Conselho Superior da Advocacia dá como provado este facto sem nunca ter produzido a única prova apta à sua demonstração: a junção e análise dos registos de movimentos do dito cofre, os quais a entidade bancária depositante tem obrigação legal de manter e conservar.
269.º
Junção que, desde já, como a final, se requer seja ordenada ao [Banco (1)]”.

Mas, no final da petição, após as conclusões escreveu o seguinte:

“REQUERIMENTO DE PROVA:
A) PROVA TESTEMUNHAL:
(i) E, solteiro, maior, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º X/XXXXXX/X, emtido em 28/06/2002, residente em Macau, no templo, sito na Avenida Coronel Mesquita, sem número.
Para prova dos factos invocados nos artigos 103.º a 118.º, 161 a 169.º, 209º a 230.º, 238.º a 240.º, e para contra prova dos factos enumerados no artigo 82.º sob os n.ºs 7,8,9,10,11,12 e 83.º.
Atenta a avançada idade do Senhor E e ao facto do mesmo se encontrar hopitalizado há já bastante tempo, o ora Recorrente requer a antecipação da produção de prova, para a data mais breve possível, que com o depoimento do mesmo se pretende constituir, nos termos e para os efeitos do artigo 444.º e 445.º do Código de Processo Civil.
(ii) F, solteiro, maior, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º X/XXXXXXX/X, emitido em 25/08/1997, residente no mesmo endereço, e
Para prova dos factos invocados nos artigos 103.º a 118.º, 161º a 169.º, 209.º a 230.º, 238.º a 240.º, e para contraprova dos factos enumerados no artigo 82.º sob os n.ºs 7, 8, 9, 10, 11, 12, 83.º.
(iii) G, casado, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º X/XXXXXX/X, também residente no mesmo endereço e para prova dos mesmos factos;
(iv) K, Assessor, como domicílio profissional no Palácio, Díli, em Timor Leste, cuja inquirição requer para contraprova dos factos constantes no artigo 82.º, parágrafos 15 a 18.
B) PROVA DOCUMENTAL:
- JUNTA: Sete documentos acima identificados;
Duplicados;
Procuração forense;
- PROTESTA JUNTAR: quatro documentos e certidão judicial cuja cópia simples se junta como documento n.º 4, supra”.

Quer dizer, no local próprio, que é o requerimento de prova, nunca o recorrente requereu se requisitasse ao Banco aqueles elementos.
Apesar de ter dito no artigo 269.º que iria fazer o requerimento a final. Mas não fez.
Ora, os requerimentos de prova têm de ser feitos a final, após o articulado dos factos e a exposição do direito, não podem ser polvilhados pela narração da petição, sobretudo quando esta tem 166 páginas. É o que resulta do artigo 42.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Da mesma maneira que só se aceita como pedido o que vem feito a final, e não aquelas pretensões que o autor (ou recorrente) vem fazendo ao longo da petição1.
Em conclusão, o recorrente não requereu no recurso contencioso que o Tribunal pedisse os registos do cofre ao [Banco (1)].
Por outro lado, dissemos o seguinte no Acórdão de 2 de Junho de 2004, no Processo n.º 17/2003:
  
  “2.2 Sobre a prova no processo disciplinar e no respectivo recurso contencioso
  O recorrente imputa ao acórdão recorrido a violação do princípio da busca da verdade material dos factos e da disposição do art. 111.°, n.° 1 do Código de Processo Penal que define o objecto da prova, por considerar que o tribunal recorrido não usou de todos os poderes colocados ao seu alcance para sindicar da eventual existência de défice probatório que inquinasse a vontade ao autor do acto recorrido e discorda da decisão da improcedência do recurso que fundou na coincidência entre os factos e as provas produzidas.
  Embora não concretizou em que termos se verificou tal violação, o que o recorrente pretende impugnar é a insuficiência da prova para o tribunal recorrido concluir provados os factos que fundamentam o acto punitivo.
  Ora, segundo o art.° 152.° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), o recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada.
  Em coerência com esta norma, é aplicável o disposto no art.° 649.° do Código de Processo Civil por remissão subsidiária consagrada no art.° 1.° do CPAC, ou seja, aos factos materiais que o tribunal recorrido considerou provados, o Tribunal de Última Instância aplica definitivamente o regime que julgue adequado em face do direito vigente; a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
  Assim, “o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional, não pode censurar a convicção formada pelas instâncias quanto à prova; mas pode reconhecer e declarar que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto. É uma censura que se confina à legalidade do apuramento dos factos e não respeita directamente à existência ou inexistência destes.”2
  Por isso, fora dos casos de violação de normas ou princípios que presidem à formação da convicção do julgador, aliás não alegados pelo recorrente, a mera afirmação de que existem factos que são passíveis de abalar a base da acusação e consequentemente a decisão punitiva conduz necessariamente à improcedência do presente recurso.
  O recorrente alega que o tribunal recorrido não apreciou todo o material probatório relevante para a demonstração da sua inocência. Parece que, com isso, o recorrente está a suscitar implicitamente a falta de produção de prova testemunhal indicada na sua petição do recurso contencioso apresentada ao Tribunal de Segunda Instância, tendentes a ilibar a sua responsabilidade disciplinar.
  Mesmo com este fundamento, o presente recurso jurisdicional é igualmente votado ao insucesso.
  Está em causa a decisão punitiva proferida no processo disciplinar desenvolvido segundo o prescrito no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M.
  O processo disciplinar nele previsto está estruturado de forma contraditória com amplas possibilidades de defesa, manifestação do princípio da presunção da inocência, de processo equitativo, etc.
  No recurso contencioso, os tribunais administrativos não apreciam a prova produzida sobre uma determinada infracção como os tribunais criminais perante as acusações que têm de apreciar, mas sim aprecia a existência de vício que contamine o acto administrativo, neste caso, o acto punitivo.3 Relacionado com o processo disciplinar, a jurisdição administrativa contenciosa tem outra natureza.
  De facto, segundo o art.° 334.°, n.° 2 do ETAPM, após a acusação, o arguido pode apresentar defesa escrita em que expõe os factos e as razões da sua defesa, bem como juntar documentos, indicar o rol de testemunhas e requerer outras diligências de prova. Na realidade, o recorrente foi notificado para apresentar defesa escrita e apresentou efectivamente, indicando o rol de testemunhas que posteriormente foram todas ouvidas, conforme as fls. 239, 250 e seguintes do processo administrativo apensado.
  Perante os trâmites totalmente contraditórios do processo disciplinar em que o arguido tem ampla possibilidade de defesa, não faria sentido que o recurso contencioso fosse uma repetição do processo disciplinar, com uma segunda oportunidade de produção de prova, até com as mesmas testemunhas que podem contradizer do que depuseram, tendo por objecto a matéria da acusação disciplinar. A admitir a nova produção de prova sobre esses factos, retiraria o carácter definitivo, no domínio do procedimento administrativo, da decisão punitiva da Administração Pública, deslocando o centro da formação da vontade punitiva administrativa daquela para o Tribunal, subverteria o princípio da separação das funções administrativas e judiciais.
  O que se pode fazer no recurso contencioso da decisão punitiva disciplinar é discutir se essa decisão é correcta ao considerar provados determinados factos, arguindo o vício de erro nos pressupostos de facto. Mas não pode vir pretender produzir nova prova quando o pôde fazer oportunamente.
  Até porque, se porventura verificar circunstâncias ou meios de provas novos susceptíveis de demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a punição, o arguido pode lançar meio de revisão do processo disciplinar tendo por objectivo a revogação ou alteração da decisão (art.° 343.°, n.°s 1 e 2 do ETAPM).
  Assim, os art.°s 42.°, n.° 1, al.s g) e h) e 64.° do CPAC devem ser interpretados restritivamente, no sentido de que não é possível fazer prova no recurso contencioso tendente a infirmar a prova produzida no processo disciplinar.
  Não merece censura o acórdão recorrido que não considerou necessária a produção de prova, ouvindo as testemunhas indicadas pelo recorrente na sua petição do recurso contencioso, todas relacionadas com a matéria fáctica da acusação e a sua personalidade”.

Esta doutrina é de manter.
No recurso contencioso o recorrente não pode requerer a produção de provas, que pôde requerer no processo disciplinar, mas que não requereu. Já assim não seria se tivesse sido impedido de produzir provas no processo disciplinar.
No processo disciplinar, o arguido, ora recorrente, respondeu à acusação em 18 de Maio de 2005 (fls. 714 e segs. do processo instrutor) e apresentou como meios de prova documentos e requereu a inquirição de 7 testemunhas, mas não requereu em passo algum, nem no princípio, nem no meio, nem no fim da resposta, a requisição dos registos do cofre ao [Banco (1)]. Aliás, o arguido, no artigo 33.º da resposta, limitou-se a dizer que não era seguro que a procuração tivesse sido arquivada no cofre do Banco. Limitou-se a levantar dúvidas. Não negou que a procuração ali estivesse.
Ora, no recurso jurisdicional administrativo, como vimos atrás na citação do Acórdão de 2 de Junho de 2004, o TUI não conhece de matéria de facto, pelo que não sindicamos o acórdão recorrido na parte em que este considera que não abalou a prova do facto considerado provado no acto recorrido.
Em conclusão, improcede o vício suscitado, já que o recorrente não requereu validamente a requisição dos registos do cofre, nem no processo disciplinar, nem no recurso contencioso.
Estão prejudicadas as restantes questões suscitadas a propósito da pronúncia do acórdão recorrido, acerca de saber se o facto era relevante ou não, desde que ficou assente a demonstração do facto.

6. Erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios de justiça e imparcialidade
No que respeita à violação pelo acto recorrido dos princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade, não merece censura o acórdão recorrido, inserindo-se na linha da jurisprudência deste TUI.
Nos acórdãos de 14 de Dezembro de 2012 e 12 de Janeiro de 2011, respectivamente, nos Processos n. os 69/2012 e 53/2010, para só referir dois dos mais recentes, considerámos que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
No primeiro destes dois arestos, dissemos:
No acórdão de 10 de Junho de 2011, no Processo n.º 23/2011, referimo-nos à aplicação de penas criminais e penas disciplinares, dizendo o seguinte:
“A aplicação do direito criminal e do direito disciplinar da função pública pelos tribunais, obedece a princípios radicalmente diversos.
Quando o tribunal aplica o direito criminal, condenando ou absolvendo os arguidos, exerce poderes de plena jurisdição. Pode aplicar qualquer pena que considere justa e adequada face à lei e aos factos que considere provados.
Já a intervenção do tribunal, no conhecimento do direito disciplinar da função pública, é completamente diversa, não tendo poderes de plena jurisdição, mas de mera anulação.
O tribunal não aplica penas disciplinares, só intervém depois de a autoridade administrativa ter aplicado uma sanção ao funcionário, para concluir se esta autoridade violou ou não a lei, anulando o acto punitivo se considerar ter havido alguma violação da lei ou dos princípios jurídicos”.
Quanto à sindicância do princípio da proporcionalidade na aplicação de penas disciplinares, reflectimos o seguinte no Acórdão de 29 de Junho de 2005, no Processo n.º 15/2005, pronúncia reiterada no Acórdão de 12 de Janeiro de 2011, no Processo n.º 53/2010:
«ANA FERNANDA NEVES, 4 conclui que “O poder de acertamento da sanção é um poder discricionário da Administração, cujo controlo judicial do seu exercício já não é questionável, nem reduzido ao (inoperativo) desvio de poder e ao erro manifesto de apreciação, entendido que está hoje, aos seus limites intrínsecos, os princípios gerais da actividade administrativa, como os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade”».
No mesmo Acórdão ponderámos o seguinte:
“Temos também entendido que a intervenção dos tribunais na sindicância do respeito pelo princípio da proporcionalidade só é utilizável quando seja evidente a desproporção entre os factos e a decisão, quanto às decisões que, de um modo intolerável, o violem.
Por isso, o CPAC, no seu art. 21.º, n.º 1, alínea d), a respeito dos fundamentos do recurso contencioso refere-se ao erro manifesto ou à total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Quer dizer, não cabe ao juiz efectuar um juízo sobre a situação concreta pondo-se no lugar da entidade administrativa competente. Até porque o juiz não tem nem a sensibilidade, nem a informação sobre todos os dados do problema. O juiz não é um administrador. Cabe-lhe apenas verificar se o poder utilizado pela Administração foi manifestamente desajustado”.
E no Acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000, acrescentámos:
“DAVID DUARTE5, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção6» (o sublinhado é nosso)”.
Nas mesmas águas navega MARIA DA GLÓRIA F. P. DIAS GARCIA7 defendendo que «em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem8» (o sublinhado é nosso)>.
Pois bem, afigura-se-nos, ao contrário do que entende o recorrente que a pena aplicada não é desadequada, desnecessária e injusta, não havendo erro manifesto ou manifesta injustiça na sua aplicação.
Também não se vislumbra violação do princípio da imparcialidade.

7. Omissão de pronúncia
O acórdão recorrido não estava obrigado a pronunciar-se sobre a questão relativamente à qual, no anterior acórdão, julgámos incorrer em excesso de pronúncia. Certamente que o acórdão recorrido teve em atenção esta nossa anterior decisão quando apreciou a violações dos princípios atrás mencionados, até porque não repetiu as considerações em causa. E a mais não estava obrigado.
Improcede a omissão de pronúncia.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC.

Macau, 31 de Julho de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King


     1 ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, 2.ª ed., p. 245, nota (1).

2 Cfr. acórdão do Tribunal de Última Instância de 27 de Novembro de 2002 do processo n.° 12/2002.
     3 Cfr. Alberto Augusto Oliveira e Alberto Esteves Remédio, Sobre o Direito Disciplinar da Função Pública, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. II, Coimbra Editora, 2001, p. 641.
4 ANA FERNANDA NEVES, O princípio da tipicidade no direito disciplinar da função pública, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 32, p. 27, em anotação ao acórdão de 19 de Março de 1999 do Supremo Tribunal Administrativo.
     5 DAVID DUARTE, ob. cit., p. 323.
     6 O mesmo autor, ob. cit., p. 323, nota 205, a propósito da questão de saber qual a medida da desproporcionalidade que uma decisão deve ter para poder ser controlada pelo tribunal, cita uma decisão judicial britânica de 1945 (Associated Provincial Picture House Ltd. v. Wednesbury Corporation), que criou um standard aplicável à medida da intervenção judicial, estabelecendo que “if an authority`s decision was so unreasonable that no reasonable authority could ever have como to it, then the courts can interfere”.
     7 Ob. cit., p. 642.
     8 No mesmo sentido, M. ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 256 e 257 e J.C. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 137.
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Processo n.º 39/2013