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Processo nº 573/2012 Data: 19.07.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Leitura de declarações de arguido julgado à revelia.

SUMÁRIO
1. Nos julgamentos em que o arguido não está presente, pode o seu defensor solicitar a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas.

2. A expressão «a solicitação do arguido» consignada na alínea a) do n.° 1 do artigo 338° do C.P.P.M., significa, fundamentalmente, que a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido não pode realizar-se contra a sua vontade.

O relator,

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Processo nº 573/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença datada de 15.05.2012 decidiu-se condenar o arguido A, como autor da prática de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 64° do Código da Estrada, (regime mais favorável), na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e na suspensão da validade da sua carta de condução por 6 meses; (cfr., fls. 189 a 194 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., com ele subiu um outro recurso interposto de uma decisão proferida em audiência de julgamento e que indeferiu um requerimento do arguido de leitura das suas declarações.

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Considerando-se que a decisão de tal recurso pode prejudicar o conhecimento do interposto da sentença, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Na motivação que apresentou, conclui o arguido recorrente que:

“1.a O arguido legalmente e dentro da lei exerceu o seu direito a que a audiência se realizasse sem a sua presença e que as suas declarações anteriormente prestadas aí fossem lidas e, pois, tomadas e valoradas como meio de prova.
2.a Em sede de audiência de julgamento realizada em 8 de Maio de 2012, foi recusada pelo Tribunal a quo a leitura em audiência das declarações anteriormente prestadas pelo arguido e que constam a fls. 60 e 60 verso dos autos.
3. a O Tribunal a quo recusou ilegalmente e ao arrepio da lei e dos direito fundamentais do arguido tal leitura.
4. a Violou, assim, o despacho recorrido, por um lado, a al. a) do n.° 1 do art. 338.°, e, por outro lado, os artigos 304.°, al. f), 308.°, n.° 2, 324.°, n.°1, e 322.°, al. a), todos do C.P.P..
5. a A viciação do despacho ora colocado em crise por tais vícios implica a nulidade do processado desde o momento da respectiva prolação – início da audiência de julgamento – até final do processo, isto é, daí até à elaboração da respectiva sentença.
6. a Só, assim, será possibilitado o julgamento do arguido aqui recorrente com o respeito pleno de todos os seus direitos de defesa.
7. a Por conseguinte, deve ser anulado o processo nos termos conjugados do art. 107.°, n.° 2, al. d) (do segmento “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”) e do art. 109.°, ambos do C.P.P..
8. a Anulado o julgamento devem ser os autos remetidos para o Tribunal recorrido com vista à repetição do julgamento a fim de, então, poderem ser produzidas e valoradas as declarações do arguido e, por conseguinte, poderem as mesmas ser confrontadas com os demais meios de prova a produzir, tudo em respeito ao princípio da imediação, do contraditório e da defesa”; (cfr., fls. 217 a 229).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 263 a 270-v).

E, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Nestes autos, encontram-se dois requerimentos subscritos pelo recorrente (vide. fls. 179 e 182 dos autos), pedindo que «seja feita a leitura das suas declarações prestadas anteriormente, na qualidade de arguido, perante a Polícia Judiciária e Ministério Público, nos termos permitidos e consentidos pelo artigo 338.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Penal.»
Constante da Acta da Audiência de Julgamento (vide. fls. 185 e 186 verso dos autos, com sublinhado nosso), o despacho recorrido decide: 由於在嫌犯的書面請求中(參見卷宗第182頁),其明確要求宣讀在司法警察及檢察院所作的聲明內容,而司法警察局與治安警察局分別屬於兩個不同的警察實體,根據〈刑事訴訟法典〉第338第1款a項的規定,該等實體的聲明應由嫌犯(本人)請求方可宣讀,然而,本院未能從卷宗的資料推定嫌犯亦同意宣讀其於治安警察局所作的聲明,對此,本院駁回辯護人所提出的宣讀嫌犯於治安警察局所作聲明的請求。
Vê-se que a decisão ora recorrida de recusar a pretensão oralmente apresentado pelo defensor do recorrente da leitura da declaração de4le como arguido na PSP consiste em a Mesma. Juiz a quo entender que não se podia presumir que o arguido, ora recorrente, consentisse a leitura pedida pelo seu defensor.
O recorrente invocou a nulidade contemplada na alínea d) do n.°2 do art. 107.° do CPP, as sacando a esse despacho o vício de violação das disposições nos arts.338.° n.°l-a), 304.°-f), 308.° n.°2, 324.° n.°l , 322.°-a) do mesmo diploma legal.
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, entendemos que não merece provimento o recurso em apreço.
1.1. É verdade que a alínea a) do n.°l do art.338.° n.°l-a) do CPP menciona que «seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas» a declaração pelo arguido. Tal frase equivale a permitir «perante qualquer entidade.»
Porém, o advérbio «só» surgido neste segmento legal denota que apenas se pode proceder à leitura de declarações expressamente indicada pelo arguido, sendo proibida a leitura das declarações não especificadas na solicitação do arguido, sob pena da nulidade.
No caso vertido, sucede que nenhuma das 2 solicitações subscritas pelo próprio recorrente/arguido A se refere à PSP, mas só às «suas declarações prestadas anteriormente, na qualidade de arguido perante a Polícia Judiciária e Ministério Público».
1.2. Nos termos do art.338.° n.° l-a) do CPP, a leitura da declaração anteriormente feita pelo arguido é permitida a sua própria solicitação. A palavra «própria» significa que a solicitação da leitura da declaração tem de ser pessoalmente subscrita pelo próprio arguido, não podendo sê-lo por defensor.
Daí que no caso sub judice, é inócuo e inoperante aquela pretensão oral do defensor constituído pelo recorrente para efeitos da leitura da declaração dele como arguido na PSP.
1.3. O ilustre defensor do ora recorrente/arguido tinha a confiança dos autos no prazo de 72 horas (vide. fls.93 e 94 dos autos). E O requerimento de fls.177 a 178 revela que em 04/05/2012 e com antecedência de 5 dias à data do julgamento, o ilustre defensor teve já conhecimento da 1ª solicitação do recorrente (vide. fls.179 dos autos).
Sendo assim, caso a menção pelo próprio recorrente só da Polícia Judiciária e do M.° P.° resultasse dum «evidente lapso de escrita» como defendeu na g) do art.3° da Motivação do recurso (fls.217 a229 dos autos), ele e o seu defensor poderiam, antes da audiência de julgamento, corrigir e sanar tal lapso.
1.4. Considerando tudo isto, não nos parece seguro que se adivinhe
ou presuma que o recorrente como arguido tinha a vontade real de solicitar a leitura da declaração anteriormente por si prestada na PSP, e o douto despacho recorrido representa uma ponderação ajuizada e cautelosa da Mema. Juzi a quo.
O que nos leva a entender que o despacho recorrido não padece de nenhum dos comandos legais invocados pelo recorrente”; (cfr., fls. 279 a 281).

Quid iuris?

Cremos que se impõe reconhecer razão ao ora recorrente.

Vejamos.

Em causa está o pedido de leitura, em audiência de julgamento, das declarações pelo arguido antes prestadas (em sede de inquérito).

É verdade que no pedido subscrito pelo próprio punho do ora recorrente, houve lapso ao se indicar que eram as declarações pelo mesmo antes prestadas na “Polícia Judiciária”, quando, na realidade, prestou declarações na “P.S.P.”.

Mas se o arguido/recorrente apenas prestou uma única vez declarações, não vislumbramos motivos para não se dar tal “lapso” por irrelevante, já que “clara” foi a sua manifestação de vontade em pretender que fossem lidas em audiência as suas declarações que antes prestou.

Porém, e seja como for, não se deixa de dizer também o que segue:

Nos termos do art. 338° do C.P.P.M.:

“1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:

a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou

b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público, houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo.

2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior”.

E, no caso, o certo é que, em audiência requereu o Exmo. Mandatário do recorrente a leitura das declarações pelo arguido antes prestadas na P.S.P., (cfr., fls. 185-v), não nos parecendo que não o pudesse fazer, já que, como já teve este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, (in Ac. de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011), no fundo, o que se pretende é que a leitura de tais declarações não seja feita “contra a vontade do arguido”; (neste sentido, cfr., também, v.g., o Acórdão do S.T.J. de 12.03.1992, in B.M.J. n.° 415, página 464, onde, perante idêntica disposição legal e em sede do sumário se consignou expressamente que: “a expressão «a solicitação do arguido» consignada na alínea a) do n.° 1 do artigo 357° do Código de Processo Penal, significa, fundamentalmente, que a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido não pode realizar-se contra a sua vontade”).

Por sua vez, há que dizer também que se o arguido estava a ser julgado na sua ausência – em “revelia consentida”, já que autorizou que o julgamento tivesse lugar na sua ausência – motivos não cremos existir para que o seu Mandatário não o pudesse representar na apresentação de tal pedido.

Aliás, em tal situação, e como é sabido, ao Mandatário do arguido cabe a representação deste “para todos os efeitos possíveis”, (cfr., art. 315°, n.° 3 do C.P.P.M.), sendo até que é com a notificação do Mandatário que se inicia o prazo para o recurso da sentença.

E, como também já decidiu o Vdo T.U.I.: “nos julgamentos em que o arguido não está presente, pode o seu defensor solicitar a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas, nos termos da alínea a), do n.° 1, do art. 338.° do Código de Processo Penal”; (cfr., Ac. de 29.09.2000, Proc. n.° 13/2000).

Perante isto, há que julgar procedente o presente recurso, e, visto que com a decisão recorrida se incorreu em nulidade – do art.° 107°, n.° 2, al. d) do C.P.P.M., “omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” – impõe-se anular também a sentença proferida, ficando assim prejudicado conhecimento do recurso que desta mesma sentença se interpôs.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, devendo os autos voltar ao T.J.B. para em novo julgamento, ser sanada a apontada omissão, prejudicado ficando o conhecimento do recurso da sentença.

Sem custas.

Macau, aos de Julho de 2012



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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 573/2012 Pág. 14

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