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Processo nº 603/2012 Data: 26.07.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico ilícito de estupefaciente”.
Medida da pena.
Teoria da margem de liberdade.



SUMÁRIO

Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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Processo nº 603/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A1 ou A2, com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 145 a 151 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, em síntese, afirmar que excessiva era a pena aplicada, pedindo a sua redução; (cfr., fls. 158 a 164-v).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:

“Aparentemente parece assistir razão ao recorrente.
Na realidade, o mesmo foi condenado numa pena de 8 anos e 3 meses de prisão, por deter para posterior comercialização, 11,911 gramas de cocaína.
Comparativamente com outras penas aplicadas neste Tribunal, esta pena parece ser muito severa, pois casos houve em que arguidos que traficaram quantidades muito superiores, não de cocaína, mas de heroína (estupefaciente com repercussões sociais muito mais perniciosas).
Mas achamos que só aparentemente terá razão o recorrente.
Em primeiro lugar, porque o tipo e a quantidade de droga traficados, são vertentes importantes para determinação da pena. Mas não só.
A culpa do agente é aferida por muitos outros factores.
Não tivemos ocasião de consultar todos os exemplos citados pelo recorrente, mas no CR2-09-0261-PCC o que os arguidos era meio “correio” transportador de produtos estupefacientes.
Em segundo lugar porque no caso vertente, arguido era muito mais que um simples transportador.
O arguido, tendo 25 anos de idade e residido em Hong Kong tinha em Macau duas residências suas, uma na Rua XX, Edf. XX, e outra na Rua do XX, Edf. XX, onde guardava os estupefacientes que transaccionava.
Quer isto dizer, que não sendo residente de Macau, na RAEM montou uma estrutura para se poder dedicar a esta sua actividade ilícita.
Este foi, seguramente o factor primordial que levou o tribunal a aplicar uma pena que só aparentemente será severa.
Na nossa modesta opinião, a douta sentença condenatória mostra-se adequada face à matéria fáctica dada como assente, respeitando ainda os critérios de prevenção geral e mesmo especial este tipo de crime exige.
Daí que pugnemos pela manutenção do julgado”; (cfr., fls. 167 a 168).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Sendo certo não se poder comparar o incomparável, devendo, nos casos de tráfico de estupefacientes, que ter em conta, como bem acentua o Exmo. Colega junto do tribunal “a quo”, para além do tipo e quantidade de droga envolvidos, a aferição específica da culpa por muito outros factores, relevando, “in casu” a circunstância de o recorrente não ser um mero “correio”, antes aparentando alguma “estrutura” montada em duas residências de Macau, apesar de não ser residente na Região, a verdade é que, para além de tal matéria (constante apenas nos factos dados como provados e à qual, em sede de “Resposta” do MP, é concedida aquela interpretação e relevância motivadora da pena concreta aplicada), não descortinamos no domínio do douto aresto sob escrutínio, para além de uma fórmula genérica de fundamentação, qualquer critério individualizador relevante para a determinação concreta dessa pena, que não seja a quantidade de estupefacientes detectada no seu domínio.
Ora, atendendo a que o recorrente é primário, confessou integralmente e sem reservas todos os factos (postura que, de algum modo, há-de ter contribuído para o integral apuramento dos factos, atentas, designadamente, as “visitas” policiais às residências de que se servia), não se nos afigura que a quantidade específica (11,911 gr) de cocaína justifique, “per se” a medida da pena concretamente alcançada, tanto mais que, na realidade, por detenções de quantidades muitíssimo superiores de tipo de estupefaciente com consequências mais perniciosas (caso da heroína), têm sido aplicadas penas bastantes inferiores.
Donde, afigurando-se-nos não devidamente justificada a severidade da pena em questão, sermos a pugnar pela redução respectiva”; (cfr., fls. 180 a 181).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está assente a seguinte factualidade:

“No dia 16 de Julho de 2011, pelas 18H23, o arguido A2 foi a Zhuhai através do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, a fim de comprar e adquirir o estupefaciente "Cocaína" para ser vendido.
No Centro Comercial Subterrâneo de Zhuhai, junto dum indivíduo de identidade não apurada, de nome "B", o arguido A2 comprou oitenta grãos de estupefaciente "Cocaína" pelo preço de HKD$20.000,00 (vinte mil dólares de Hong Kong). Pelas 19H49 do mesmo dia, o arguido trouxe o estupefaciente para Macau e separou em oitenta pacotes embrulhados com saco de plástico transparente, de modo a vender pelo preço de MOP$600,00 (seiscentas patacas) por cada pacote. Normalmente, o arguido efectuava transacções de droga no Bar "C" do Bairro de XX, perto da "D", tendo usado o telemóvel como meio de contacto.
O arguido A2 guardou os estupefacientes acima referidos nas uas residências sitas na Rua XX, Edifício XX, Bloco X, X° andar X, e na Rua do XX, Edifício XX, Bloco X, X° andar X.
No dia 20 de Julho de 2011, por volta das 20H35, fora da Loja de Conveniência "E" do Edifício XX, sito na Rua XX, o arguido A2 foi interceptado por agentes da PJ em virtude das atitudes suspeitas.
No local, os agentes encontraram dentro do bolso esquerdo das calças de ganga do arguido A2 um lenço de papel que embrulhava onze pacotes de substância granulada de cor de iogurte.
Após exame laboratorial, apurou-se que os onze pacotes de substância granulada de cor de iogurte, com peso líquido de 2,645g, continham "Cocaína" enumerada na Tabela I - B da Lei n.° 17/2009, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de "Cocaína" era 77,07%, no peso de 2,039g.
Pelas 21H50 da mesma data, os agentes deslocaram-se respectivamente às residências do arguido A2, sitas na Rua XX, Edifício XX, Bloco X, X° andar X, e na Rua do XX, Edifício XX, Bloco X, X° andar A, para proceder a busca. No quarto de dormir do arguido da fracção X° andar X do Bloco X do Edifício XX, os agentes encontraram dentro do roupeiro quatro pacotes de substância granulada de cor de iogurte e um saco de plástico transparente. No quarto de dormir do arguido da fracção X° andar X do Bloco X do Edifício XX, os agentes encontraram atrás da gaveta da cama uma caixa de papelão de cor azul, dentro da qual existiam cinquenta e um pacotes de substância granulada de cor de iogurte, uma caixa de papelão de cor dourada, dentro da qual existiam oitocentos e dois saquinhos de plástico transparentes, uma caixa de papelão de cor azul e branca, dentro da qual existiam uma balança electrónica de cor prateada, uma tesoura de cor preta, um alicate metálico e quarenta e nove saquinhos de plástico transparentes.
Após exame laboratorial, apurou-se que os quatro pacotes de substância granulada de cor de iogurte, com peso líquido de 0,578g, continham "Cocaína", após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de "Cocaína" era 85,48%, no peso de 0,494g; os cinquenta e um pacotes de substância granulada de cor de iogurte, com peso líquido de 12,528g, continham "Cocaína" enumerada na Tabela I - B da Lei n.° 17/2009, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de "Cocaína" era 74,86 %, no peso de 9,378g; balança electrónica de cor prateada, a tesoura e o alicate metálico existiam vestígios de "Cocaína".
Esses sessenta e seis pacotes de "Cocaína" eram o que restou dos oitenta pacotes de "Cocaína" que o arguido A2 tinha comprado no dia 16 de Julho de 2011, em Zhuhai, junto do "B", os quais seriam vendidos e fornecidos a terceiros por forma acima referida. Em relação a outros catorze pacotes, já foram vendidos pelo arguido A2 pelo preço de MOP$600,00 (seiscentas patacas) cada.
A balança electrónica, a tesoura, o alicate metálico e os oitocentos e cinquenta e um saquinhos de plástico transparentes trataram-se de instrumentos que o arguido A2 usou para pesar, separar e embalar estupefaciente para a venda.
Na mesma data, os agentes apreenderam na posse do arguido A2 três telemóveis, $5.000,00 patacas, $3.000,00 dólares de Hong Kong e um molho de quatro chaves das suas residências, sitas na Rua XX, Edifício XX, Bloco X, X° andar X, e na Rua do XX, Edifício XX, Bloco X, X° andar X.
Os telemóveis eram equipamento de comunicação que o arguido A2 usou para o tráfico de estupefaciente, enquanto que o dinheiro era rendimentos.
O arguido A2 agiu livre, voluntária, consciente e dolosamente.
O arguido A2 tinha perfeito conhecimento da natureza e das características dos estupefacientes acima referidos.
O arguido A2 adquiriu, guardou, transportou e deteve tais estupefacientes, a fim de vender a terceiros.
O arguido A2 bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido está desempregado.
Tem como habilitações académicas a 5ª classe do ensino primário e não tem ninguém a seu cargo.
Conforme o CRC, o arguido é primário”; (cfr., fls. 147-v a 149).

Do direito

3. Vem o arguido dos autos recorrer do Acórdão que o condenou como autor de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos e 3 meses de prisão.

Não discutindo a matéria de facto dada como provada assim como a sua qualificação jurídico-penal – que, por nós também não merece censura – pede apenas a redução da pena que lhe foi decretada.

Sem demoras, vejamos então se lhe assiste razão.

Pois bem, como é sabido, ao crime de “tráfico de estupefacientes”, cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009).

E, sobre a questão, incidem, em especial, os art°s 40° e 65° do C.P.M..

No primeiro, (sob a epígrafe “Finalidades das penas e medidas de segurança”), preceitua-se que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, fixando os critérios para “determinação da medida da pena” estatui o art. 65° do C.P.M. que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.

2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

Sobre o assim preceituado, teve já esta Instância de afirmar que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 24.05.2012, Proc. n° 377/2012, e de 31.05.2012, Proc. n° 391/2012).

E, não sendo de olvidar que “cada caso é um caso”, vejamos o dos autos.

Ora, atento ao que até aqui se expôs, e ponderando, essencialmente, na quantidade e qualidade de estupefaciente em questão – 11,911 gramas líquidas de “Cocaína” – a postura processual do ora recorrente, que confessou os factos, sendo primário, a moldura penal em questão – 3 a 15 anos de prisão – e as necessidades de prevenção, (nomeadamente, geral), cremos que, de facto, algo inflacionada está tal pena de 8 anos e 3 meses de prisão, afigurando-se-nos que viável é uma redução.

Não se olvidam os “malefícios” provocados pelo crime de “tráfico de estupefaciente”, e que, não obstante permanente combate, teima em não desaparecer.

Todavia, cremos nós que há que ter também presente que umas das intenções do legislador local com a aprovação da Lei n.° 17/2009, que revogou o anterior D.L. n.° 5/91/M, (onde, para o crime em questão se previa a pena de 8 a 12 anos de prisão), foi, a par de pretender punir mais severamente o “grande tráfico”, permitir penas menos severas para os crimes de tráfico de estupefacientes em quantidade pouco superior à considerada “diminuta”, como nos parece ser o caso.

Nesta conformidade, e face aos “ingredientes” da situação sub judice, mostra-se-nos adequada a pena de 7 anos de prisão.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar procedente o recurso, ficando o arguido condenado na pena de 7 anos de prisão.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 26 de Julho de 2012




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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(Vencido na decisão do recurso, porque entendo que a pena aplicada pelo Tribunal “a quo” ao arguido, atentas as elevadas necessidades de prevenção geral do crime de tráfico de droga, já não pode admitir mais margem para redução, até porque já foi achada pelo Tribunal “a quo” em dosimetria leve).

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 603/2012 Pág. 16

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