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Processo nº 456/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Julho de 2012
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, feriados obrigatórios


SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
IV- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n.101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).

Processo nº 456/2012
(recurso Cível e laboral)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, intentou contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de MOP$ 996.474,00, a título de indemnização pelo não pagamento do trabalho prestado em dias de descanso semanal, anual e feriados e juros respectivos.
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Na sua contestação, a STDM, antes da defesa por impugnação, excepcionou a remissão/renúncia declarada pela autora em documento próprio e a prescrição, pedindo a condenação desta ainda em indemnização e multa por litigância de má fé.
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No despacho saneador foi julgada procedente a excepção peremptória do pagamento/remissão/renúncia expressa da autora e improcedente o pedido de imputação de litigância de má fé de ambas as partes.
Julgada foi, por seu turno, improcedente a excepção de prescrição.
Em sede, porém, de recurso para o TSI, foi decidido que os créditos anteriores a 15/05/1987 estavam prescritos (fls. 451 a 460).
Neste mesmo TSI, havia sido decidido, anteriormente, revogar o despacho saneador na parte em que havia julgado procedente a excepção peremptória do pagamento/remissão/renúncia (fls.267 a 271), tendo sido ordenado o prosseguimento dos autos.
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Prosseguiu, então, o processo o seu curso normal e, afinal, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e condenada a ré a pagar à autora a quantia de Mop$ 10.918,40, acrescida de juros legais.
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É dessa sentença que ora recorre a autora da acção, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário do recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da RA.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário da recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível “escravatura moderna” .
D - Tendo considerado provado que a A. recebeu determinadas quantias, em que ficou expresso que o salário da recorrente inclui as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela recorrida, não pode vir o MMo Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - A Lei 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra o recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “gorjetas” criado pela R. e a que a A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
H - De acordo com o disposto no art. 17º, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
I - De acordo com o disposto nos arts. 20º, nº 1 e 19º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivamente prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
J - De acordo com o disposto nos arts. 21º e 24º do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso anual é 2 x valor da remuneração média diária x os dias de descanso anual vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
L - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571º, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
M - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja à ora recorrente.
Termos em que, e nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exªs, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula e de nenhum efeito a Douta Sentença proferida, com as legais consequências, designadamente, ser a presente Acção julgada, in tottum, procedente por provada, assim se fazendo a esperada JUSTIÇA!
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Alegou também a ré STDM, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A. A Sentença recorrida não padece de quaisquer nulidades e não merecem qualquer censura as decisões nela contidas.
B. Há inúmeras decisões judiciais da RAEM que, à semelhança da Sentença recorrida, determinam que as gorjetas oferecidas pelos clientes de casino não fazem parte da remuneração ou salário dos trabalhadores.
C. É esse, inclusivamente, o entendimento perfilhado pelo Tribunal de Última Instância desta RAEM, exposto nos Acórdãos de 21.9.2007, 22.11.2007, 27.2.2008 e dois de 23.9.2011, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007, 58/2007, 46/2011 e 47/2011.
D. Não se pode confundir, como faz a ora Recorrente, uma discordância dos fundamentos ou da decisão - uma opinião diferente - com uma violação do princípio da igualdade, particularmente quando não se encontra determinado, ad etemum sed retractum, o tratamento jurídico de situações como a dos presentes autos.
E. A ter de se estabelecer um standard ou uma “bitola” para julgar do Direito, vingará necessariamente o entendimento do T.U.I., enquanto órgão supremo da hierarquia dos tribunais da RAEM.
F. Não existe qualquer violação do princípio da igualdade in casu, não só porque a jurisprudência da RAEM não é unânime, como também porque a decisão e os fundamentos do Tribunal a quo seguem integralmente o entendimento perfilhado pelo mais alto tribunal da RAEM.
G. Os rendimentos auferidos pela ora Recorrente durante a vigência do seu contrato de trabalho tinham uma componente fixa e uma variável.
H. Não se verifica na legislação de Macau qualquer especificidade que possa levar o julgador a um entendimento diverso sobre o conceito de salário daquele que é seguido pela doutrina e jurisprudência em geral.
I. A retribuição em sentido jus-laboral caracteriza-se por quatro elementos essenciais e cumulativos, a saber:
(i) é uma prestação regular e periódica;
(ii) realizada em dinheiro ou em espécie;
(iii) a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
(iv) como contrapartida do seu trabalho.
J. As gratificações suportadas por terceiros (e não pela entidade empregadora) não constituem o salário ou a retribuição de um trabalhador porquanto não correspondem a um dever jurídico da entidade patronal perante o trabalhador, mas sim a uma prestação efectuada por um terceiro.
K. As gorjetas eram (e são) gratificações dadas pelos clientes aos trabalhadores da ora Recorrida para partilhar na alegria dos ganhos conseguidos, sendo obvio que a ora Recorrida não pode ser obrigada a substituir-se ao Cliente quando este não dá uma gorjeta ou dá uma gorjeta de diferente valor.
L. “Dar gorjetas” não cabe (nem pode caber) à ora Recorrida, não se enquadrando tal prestação na relação sinalagmática típica de um contrato de trabalho e não sendo a Recorrida obrigada a substituir-se ao Cliente de casino.
M. O pagamento de gorjetas não tem carácter de obrigatoriedade.
N. Estando o recebimento de gorjetas dependente do animus donandi de terceiros alheios à ora Recorrida, que são estranhos à relação jurídico-laboral estabelecida entre A. e R., tais quantias não constituem salário.
O. O facto de o processo de distribuição das gorjetas ser definido pela ora Recorrida - quando a lei é omissa - não implica a descaracterização da natureza das gorjetas.
P. Se em países como Portugal - e mais recentemente na RAEHK - existe um quantitativo imposto por lei como retribuição mínima garantida, em Macau o salário é fixado sempre por acordo entre empregador e trabalhador.
Q. Há que olhar para cada relação laboral individualmente e, in casu, analisar em concreto a situação da ora Recorrente, para verificar que os seus rendimentos sempre foram superiores à média dos trabalhadores de Macau.
R. A ora Recorrente acedia a uma atribuição patrimonial muito elevada em virtude de trabalhar para a ora Recorrida, sendo-lhe garantida uma simbólica retribuição fixa, mas uma importante oportunidade de ganho, que efectivamente se concretizava.
S. Logo, o rendimento total da ora Recorrente decorrente da execução do seu contrato dei trabalho com a Recorrida é um salário justo para efeitos do n.º 1 do art. 25.º do RJRTCT.
T. Não é contraditório concluir que, da globalidade dos rendimentos auferidos pela ora Recorrente, apenas parte se pode qualificar stricto sensu como salário, sob pena de “rendimento” e “salário” serem considerados conceitos fungíveis o que, conforme resulta da doutrina, da jurisprudência e dos presentes autos, não corresponde à realidade.
U. A Lei das Relações de Trabalho (“LRT”), aprovada pela Lei 7/2008, de 18 de Agosto, não se aplica ao caso dos autos (cfr. n.º 1 do art. 93º da LRT), pelo que a sua invocação é irrelevante.
V. À luz do direito aplicável in casu, as gorjetas não integram o conceito de retribuição.
W. Devem ser os seguintes os multiplicadores aplicáveis na fórmula destinada ao cálculo do quantum indemnizatório devido à Recorrente:
a) Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
i. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0;
ii. Decreto-Lei n. º 24/89/M: salário diário x1;
iii. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0.
b) Trabalho prestado em dias de descanso anual:
i. Decreto-Lei n. º 101/84/M: salário diário x0;
ii. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x0;
iii. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0.
c) Trabalho prestado em dia feriado obrigatório:
i. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0;
ii. Decreto-Lei n. º 24/89/M: salário diário x1;
iii. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1.
X. Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não devem ser as adoptadas para cálculo de uma eventual indemnização devida à Recorrente, remete-se para as utilizadas nos Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007, 58/2007, 46/2011 e 47/2011, datados de 21.9.2007, 22.11.2007, 27.2.2008 e 23.9.2011.
Y. Em qualquer caso, sempre se deverá deduzir ao valor apurado para a indemnização devida à ora Recorrente a quantia global de MOP44,685.15 que a ora Recorrida já pagou à ora Recorrente a este título, conforme resulta da factualidade dada como assente nos autos.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deve o recurso interposto pela A., ora Recorrente, ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, a devida e costumada JUSTIÇA!
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
A ré tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e/ estrangeiras, comércios de importação e exportação. (A)
Desde os anos sessenta a ré foi concessionária de uma licença de exploração, em regime de exclusividade, de jogos de fortuna e azar ou outros, em casinos. (B)
Essa licença de exploração terminou em 31 de Março de 2002. (C)
A autora manteve uma relação laboral com a ré, sob a direcção efectiva, fiscalização e mediante retribuição por parte desta. (D)
Durante os primeiros três meses de trabalho, a função da autora foi a de prestar assistência a clientes da ré. (E)
Após o termo daquele período, a autora passou a exercer as funções de “Croupier”. (F)
O horário de trabalho da autora foi sempre fixado pela ré, em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alteradas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia. (G)
Os rendimentos da autora tinha uma componente fixa e uma variável. (H)
A autora nunca recebeu qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios. (I)
Em 21 de Julho de 2003 e em 28 de Julho de 2003, respectivamente, a autora recebeu da ré duas quantias pecuniárias de MOP$ 29.790,10 e de MOP$ 14.895,05, a título de ressarcimento pelo descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios. (J)
A relação laboral entre a autora e a ré começou 01 de Dezembro de 1970. (1.º)
Essa relação laboral cessou em 21 de Julho de 2002. (4.º)
Os rendimentos diários efectivamente recebidos pela autora, entre os anos de 1984 e 2002, foram de:
a) 1984=MOP$ 334,74
b) 1985=MOP$ 309,91
c) 1986=MOP$ 321,67
d) 1987-MOP$ 362,71
e) 1988=MOP$ 371,51
f) 1989=MOP$ 423,49
g) 1990-MOP$ 417,61
h) 1991-MOP$ 425,95
i) 1992=MOP$ 466,64
j) 1993=MOP$ 446,10
k) 1994=MOP$ 405,94
l) 1995=MOP$ 556,13
m) 1996=MOP$ 583,08
n) 1997=MOP$ 502,69
o) 1998=MOP$ 405,09
p) 1999=MOP$ 410,20
q) 2000=MOP$ 393,99
r) 2001 =MOP$ 120,04
s) 2002-MOP$ 401,19 (5º)
A componente fixa da remuneração da autora referida na alínea h) foi de MOP$ 1,70 por dia aquando da contratação até Junho de 1989, de MOP$ 10,00 por dia de Julho de 1989 a Abril de 1995 e de MOP$ 15,00 por dia, desde Maio de 1995 até à data da cessação do contrato de trabalho com a ré. (6º)
Durante todo o tempo que durou a relação laboral, nunca a autora gozou um único dia de descanso semanal. (7º)
Durante todo o tempo que durou a relação laboral, nunca a autora gozou o período de descanso anual. (8º)
Durante todo o percurso da relação laboral, nunca a autora gozou descanso nos feriados obrigatórios. (9º)
Aquando do início da respectiva relação laboral, autora e ré acordaram expressamente entre si que o trabalho prestado nesses dias fosse pago à razão diária correspondente à componente fixa da remuneração a que se alude na alínea h) da matéria de facto assente. (11º)
Sem prejuízo das respostas dadas aos quesitos 7.º, 8.º, 9.º e 17.º, a A. gozou 78 dias de descanso em 1993, 118 dias de descanso em 1994, 54 dias de descanso em 1995, 32 dias de descanso em 1996, 69 dias de descanso em 1997, 110 dias de descanso em 1998, 65 dias de descanso em 1999, 77 dias de descanso em 2000, 280 dias de descanso em 2001 e 91 dias de descanso em 2002. (15º)
A trabalhadora prestou serviços nos descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios. (17º)
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III- O Direito
1- Introdução
A sentença asseverou que o salário não engloba as gorjetas recebidas pelos trabalhadores do casino da STDM para o qual a autora da acção trabalhava. E foi a partir desse raciocínio de base que procedeu ao cálculo da indemnização a atribuir à ora recorrente em razão dos dias de descanso não gozados e não pagos.
É desta decisão que parte a discórdia da recorrente.
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2- Da nulidade da sentença
Começa a recorrente por arguir a nulidade do art. 571º, nº1, al. b), do CPC, por entender que a sentença errou na aplicação do direito face à matéria factual assente (cfr. art. 13º das alegações).
Do mesmo modo, nula seria ainda – diz também – nos termos do art. 571º,nº1, al. c), do CPC, uma vez que a decisão estaria em contradição com os fundamentos fácticos.
Não tem razão, claramente. Tanto um como outro dos normativos invocados procedem de uma decisão que, ou não especifica os fundamentos de facto e de direito (será uma sentença sem qualquer fundamentação, sem explanação das razões que a suportam, tanto no plano factual, como no jurídico), ou os fundamentos que desenvolve de forma a expor o iter cognoscitivo, o percurso mental desenvolvido para atingir a fase decisória da sentença, estão em contradição com a decisão propriamente dita (o juiz desenvolve uma fundamentação num sentido e, a final, profere uma decisão contrária ao caminho percorrido).
Ora, nada disto verificamos na sentença em crise. O que se passa, eventualmente, é que o juiz da 1ª instância não acolheu na decisão a tese que para a recorrente se lhe afigurava inquestionável: que as gorjetas integram o salário. Todavia, tal não caracteriza as referidas nulidades, mas, quando muito, um erro na aplicação do direito, se este TSI, diferentemente do que o entendeu o tribunal “a quo”, achar que do salário fazem parte também as gorjetas que a recorrente recebeu e, portanto, que para ele devem confluir todos os rendimentos recebidos: os da parte fixa e os da parte variável. Mas, isso, repetimos, pode traduzir uma censurável sentença no plano jurídico. E é o que veremos já de seguida.
Improcede, pois, a referida arguição de nulidades.
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3- Do mérito da sentença
A sentença recorrida, para o cálculo da indemnização a que procedeu, apenas considerou o salário composto pela parte fixa. Ou seja, não considerou as gorjetas como elemento integrante da massa salarial. Daí que tivesse apurado uma valor indemnizatório relativamente baixo.
O presente recurso intenta demonstrar a ilegalidade da decisão quanto a esse aspecto e, ainda, quanto aos factores incluídos nas fórmulas de cálculo respeitantes ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios no âmbito de vigência do DL nº 24/89/M.
Vejamos, então.
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A recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, faziam parte dos rendimentos do autor.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007 (mas todos têm até ao presente momento seguido este entendimento):
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
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E se é para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável, o problema agora é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, merece censura a sentença sob recurso.
*
Como calcular, então, a compensação, tendo em atenção a prescrição acima decidida?
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada está em causa no recurso no que respeita ao período da relação laboral abrangido pelo DL nº 101/84/M. A sentença entendeu que nada era devido ao abrigo desse diploma e o recorrente conformou-se com o decidido.
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, diferentemente do que o concluiu a sentença, pois fixou o factor 1.


Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
03/04/89 a 31/12/89
39
423,49

33.032,22
1990
52
417,61

43.431,44
1991
52
425,95

44.298,80
1992
52
466,64

48.530,56
1993
52
446,10

46.394,40
1994
52
405,94

42.217,76
1995
52
556,13

57.837,52
1996
52
583,08

60.640,32
1997
52
502,69

52.279,76
1998
52
405,09

42.129,36
1999
52
410,20

42.660,80
2000
52
393,99

40.974,96
2001
52
120,04

12.484,16
01/01/2001 a 21/07/2002
29
401,19

23.269,02
Total: 590.181,08
*
b) Descanso anual
A sentença procedeu ao cálculo da indemnização, aplicando o factor 1 tanto no caso do DL nº 101/84/M, como no do DL nº 24/89/M.
Vejamos.
- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como decidido na 1ª instância.
Portanto, o valor a considerar para este efeito, no âmbito da vigência do DL nº 101/84/M, considerando os dias feriados e valor do salário médio diário recebido (facto 5º da base instrutória), com base no mapa de fls. 19 e 20 da sentença recorrida1, alcançaremos o valor indemnizatório de MOP$ 4.315,09.
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, tal como decidido na sentença recorrida.


Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X1
Valor da indemnização
03/04/89 a 31/12/89
4,5
423,49

1.905,70
1990
6
417,61

2.505,66
1991
6
425,95

2.555,70
1992
6
466,64

2.799,84
1993
6
446,10

2.676,60
1994
6
405,94

2.435,64
1995
6
556,13

3.336,78
1996
6
583,08

3.498,48
1997
6
502,69

3.016,14
1998
6
405,09

2.430,54
1999
6
410,20

2.461,20
2000
6
393,99

2.363,94
2001
6
120,04

0.720,24
01/01/2002 a 21/07/2002
3,5
401,19

1.404,16
Total: 34.110,62
*
c) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença não atribuiu qualquer valor indemnizatório. Ora, como a trabalhadora não incluiu essa matéria no objecto do recurso, está o TSI impedido de se pronunciar sobre o tema (art. 589º, nº4, do CPC).
*
-Na vigência do DL n. 24/89/M
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, ao contrário do que o decidiu a sentença recorrida, que aplicou o factor 2.
A indemnização neste capítulo é a que segue:


Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X3
Valor da indemnização
1989
2
423,49

2.540,94
1990
6
417,61

7.516,98
1991
6
425,95

7.667,10
1992
6
466,64

8.399,52
1993
3
446,10

4.014,90
1994
1
405,94

1.217,82
1995
5
556,13

8.341,95
1996
5
583,08

8.746,20
1997
5
502,69

7.540,35
1998
3
405,09

3.645,81
1999
3
410,20

3.691,80
2000
2
393,99

2.363,94
2001
1
120,04

0.360,12
2002
1
401,19

1.203,57
Total:67.251,00
A indemnização global ascende, pois, a Mop$ 691.542,70.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença em igual medida e, em consequência, em condenar a STDM a pagar à autora da acção a indemnização global de MOP$691.542,70, a que acrescerão os juros de mora calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 19 / 07 / 2012

_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(com declaração de voto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)















Processo nº 456/2012
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 19JUL2012

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Damos apenas conta do lapso ali cometido: Onde está escrito “o “direito anterior a 15 de Maio de 1989 estava prescrito”, deve ler-se “…anterior a 15 de Maio de 1987”, por ter sido essa a decisão do TSI no seu acórdão de fls. 415 a 460.
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