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Processo n.º 50/2013
Recurso penal
Recorrente: Ministério Público
Recorrido: A
Data da conferência: 18 de Setembro de 2013
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de tráfico de estupefacientes
- Erro notório na apreciação da prova

SUMÁRIO

1. Existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
  2. Vigorando no processo penal o princípio da livre apreciação da prova e estando as declarações prestadas pelos arguidos sujeitas à livre valoração do Tribunal, nada obsta ao Tribunal de, conjugando todas as provas produzidas, julgar a matéria de facto no sentido diverso do declarado pelo arguido.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 24 de Setembro de 2012, A, 1.º arguido nos presentes autos, foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º, um crime de consumo ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 14.º, um crime de detenção indevida de utensílio p.p. pelo art.º 15.º, todos da Lei n.º 17/2009, e ainda um crime de condução sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 90.º n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão, 2 meses de prisão, 2 meses de prisão e 4 meses de prisão, respectivamente. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão.
Inconformados com a decisão, recorreram o Ministério Público e o arguido A para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento a ambos os recursos.
Vem agora o Ministério Público recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. Não nos conformamos com o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância em que julgou que a decisão proferida em primeira instância não padece de erro notório na apreciação da prova.
2. De facto, conforme os factos já dados como provados pelo acórdão proferido em primeira instância, conjugados com a convicção formada pelo Tribunal de primeira instância, entendemos poder concluir que o 1º e a 2ª arguidos não são consumidores de ketamina.
3. Pelo exposto, não percebemos a interpretação do Tribunal de Segunda Instância quanto a esta questão, que diz: “embora os dois arguidos não admitissem, expressamente, ter o hábito de consumir Ketamina, foram encontradas no seu domicílio Ketamina e drogas de outros tipos e os dois são consumidores de estupefacientes. Além disso, apesar de não ter sido encontrado resíduo de Ketamina nos utensílios para consumo de droga encontrados no domicílio deles, foi encontrado na posse do recorrente um porta-chaves metálico manchado de pó de Ketamina. Pelo exposto, o facto de não ter sido encontrado utensílio com resíduo de Ketamina no domicílio não pode excluir os dois arguidos de ter o hábito de consumir a droga referida. Os testes de drogas realizados aos dois arguidos não revelaram resultado positivo para Ketamina, o que apenas pode provar que os dois arguidos não consumiram Ketamina antes dos testes.”
4. Entendemos que os dois arguidos já deram alegações expressas quanto à questão de eles serem, ou não, consumidores de ketamina, as quais foram lidas em audiência e serviam como uma das provas para a formação da convicção do Tribunal.
5. Nas suas alegações, os dois manifestaram claramente não ser consumidores de ketamina, a sua afirmação foi sustentada pelo relatório do teste de drogas efectuado ao 1º arguido, o qual revelou que o mesmo arguido tinha consumido metanfetamina e canabis antes de ser detido.
6. E o porta-chaves com manchas de ketamina, que foi encontrado na posse do 1º arguido, não pode servir de prova para julgar que o dito arguido é um consumidor ou traficante de ketamina, porquanto é possível que coexistam as duas situações.
7. Portanto, o douto Tribunal de Segunda Instância não deveria não considerar as alegações dos dois arguidos quanto ao facto de os dois serem ou não consumidores de ketamina.
8. Mesmo não as consideresse, deveria justificar.
9. Ao contrário, o Tribunal a quo apontou que as declarações dos dois arguidos eram uma das provas em que se baseou para a formação da sua convicção.
10. Sendo o tribunal de recurso, deveria o douto Tribunal de Segunda Instância analisar de forma completa e lógica e com base nas regras da experiência comum os factos que foram dados como provados pelo Tribunal de primeira instância.
11. In casu, é preciso ainda levar em conta as alegações dos arguidos de não consumir ketamina, conjugadas com o relatório do teste de drogas do 1º arguido.
12. Nesta situação, a única conclusão lógica pode ser deduzida é: toda a ketamina apreendida no caso não era destinada ao consumo dos dois arguidos.
13. Assim sendo, o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância (que julgou não existir erro notório na apreciação da prova) violou o artº 400º, nº 2, al. c) do CPP.
14. Tal conclusão serviu de base para a aplicação da lei.
15. Tendo em consideração a quantidade indicada no nº 16 do mapa da quantidade de referência de uso diário na Lei nº 17/2009, ou seja 0,6g x 5 = 3g, é evidente que os dois arguidos não devem ser condenados pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, devendo ser pela prática do crime previsto no artº 8º da mesma lei.
16. Dado que os factos referidos são evidentes e não questionáveis, não deve o processo ser julgado de novo mas devem condenar-se os dois arguidos pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, p.p. pelo artº 8º, nº 1 da Lei nº 17/2009.
17. E é adequado aplicar a pena não inferior a 6 anos de prisão.

Respondeu o arguido A, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos
Realizada a audiência de julgamento, foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 2 de Novembro de 2011, pelas 03H25, na Rua de Luís Gonzaga Gomes, à frente da entrada do Casino Mocha Clubs, o agente da PSP interceptou o motociclo preto de matrícula MG-XX-XX conduzido pelo 1º arguido A e revistou o 1º arguido e a passageira da mota, ora a 2ª arguida B.
2. Uma vez que a arguida B não conseguiu exibir o documento legal para a sua permanência em Macau, o guarda policial levou os dois arguidos A e B à esquadra para investigação.
3. Durante a investigação na esquadra da PSP, foram encontrados, na caixa de bagagem do motociclo do 1º arguido, um canivete e pó de cor branca embalado num lenço de papel. Na caixa dianteira da mota, foram encontrados uma embalagem de substância em cristal branco, uma embalagem de pó de cor de queijo e uma com dois comprimidos de cor de queijo. Além disso, o agente da PSP encontrou, na mala à tiracolo que o arguido A usava, um porta-chaves metálico contendo pó de cor de queijo (vd. auto de apreensão de fls. 9 e 12 dos autos).
4. Submetidos os produtos recolhidos a exame laboratorial, revelou-se que o pó branco embalado no lenço de papel, com o peso líquido de 0,018g, se tratava de metanfetamina, substância abrangida na Tabela II-B da Lei nº 17/2009; os cristais brancos, com o peso líquido de 0,476g, continham metanfetamina (a análise quantitativa revelou que a percentagem de metanfetamina era 73,26%, com peso de 0,349g); o pó de cor de queijo, com o peso líquido de 0,614g, continha MDMA, substância abrangida na Tabela II-A da Lei nº 17/2009 (a análise quantitativa revelou que a percentagem de MDMA era de 32,52%, com peso de 0,200g); os dois comprimidos de cor de queijo, com peso líquido de 0,499g continham MDMA (a análise quantitativa revelou que a percentagem de MDMA era de 38,72%, com peso de 0,193g), o pó de cor de queijo constante do dito parta-chaves metálico, com o peso líquido de 0,021g, continha ketamina, substância abrangida na Tabela II-C da Lei nº 17/2009.
5. O motociclo de matrícula de MG-XX-XX era o meio utilizado pelo arguido A para transportar drogas.
6. O canivete supramencionado tem comprimento de 21cm – empunhadura: 11,6cm, lâmina: 9,4cm (vd. o auto de exame directo de fl. 276 dos autos). O canivete pertencia ao arguido A que pode servir como arma de agressão.
7. As drogas descritas foram adquiridas conjuntamente pelos dois arguidos A e B, de um indivíduo de identidade desconhecida, sendo uma parte das drogas para o consumo próprio e outra para o fornecimento a terceiros.
8. Ao mesmo tempo, o agente da PSP encontrou no bolso esquerdo das calças da 2ª arguida B quatro comprimidos de cor de laranja e no bolso direito uma embalagem de cristais brancos (vd. o auto de apreensão de fl. 12 dos autos).
9. Submetidos os produtos a exame laboratorial, os quatro comprimidos de cor de laranja com peso líquido de 0,756g revelaram conter nimetazepam, substância abrangida na Tabela IV da Lei nº 17/2009, e os cristais brancos, com o peso líquido de 1,094g, conter metanfetamina, substância abrangida na Tabela II-B da Lei nº 17/2009 (a análise quantitativa comprovou que 74,20% se trata de Metanfetamina, com peso de 0,812g).
10. As drogas descritas foram adquiridas pela 2ª arguida B, de um indivíduo de identidade desconhecida, sendo uma parte das drogas para o consumo próprio e outra para o fornecimento a terceiros.
11. No dia 2 de Novembro de 2011, pelas 12:10, o agente da PSP levou o arguido A ao Hospital para fazer teste de drogas, o qual deu resultado positivo para Metanfetamina e canabis (vd. o relatório do teste de drogas de fl. 53 dos autos).
12. A metanfetamina e a canabis são substâncias abrangidas respectivamente nas Tabela II-B e Tabela I-C da Lei nº 17/2009 (vd. o relatório do teste de drogas de fl. 53 dos autos).
13. No mesmo dia, pelas 17:00, os agentes da PSP levaram os dois arguidos A e B ao domicílio deles que se situa na [Endereço], para proceder a uma busca, no qual foram encontrados os seguintes objectos (vd. o auto de apreensão de fl. 12 dos autos):
- Na casa de banho do quarto: Um saco preto contendo no seu interior 1 embalagem de cristais brancos, 2 embalagens de cristais de cor de queijo, 3 embalagens de cristais brancos, 1 embalagem de comprimidos e pedacinhos de comprimido de cor de queijo, 10 comprimidos de cor de laranja, 9 pequenos sacos plásticos transparentes e 2 tubos em vidro;
- No quarto: 1 embalagem de cristais brancos, 3 comprimidos de cor de queijo embalados individualmente com folha de papel, 2 comprimidos de cor de queijo, 2 embalagens de cristais brancos, 1 embalagem de planta, 2 embalagens de cristais brancos, 1 garrafa plástica com uma palhinha e ligada a um objecto em vidro, 6 portas-chaves prateados em forma cilíndrico e 12 pequenos sacos plásticos transparentes;
- Na cama do quarto foram encontrados 1 embalagem de cristais brancos e dois sacos plásticos transparentes.
14. O resultado do exame laboratorial revelou:
- A referida embalagem de cristais brancos, com peso líquido de 10,936g, continha metanfetamina, substância abrangida na Tabela II-B da Lei nº 17/2009 (a análise quantitativa comprovou que 78,67% se trata de metanfetamina, com peso de 8,603g);
- As 2 embalagens de cristais de cor de queijo, com peso líquido total de 19,696g, continham ketamina, substância abrangida na Tabela II-C da Lei nº 17/2009 (a análise quantitativa comprovou que a percentagem de ketamina em cada embalagem era de 70,85% e 74,30%, respectivamente e pesou 2,596g e 11,912g, respectivamente);
- As 3 embalagens de cristais brancos, com peso líquido total de 2,510g, continham ketamina (a análise quantitativa comprovou que a percentagem de ketamina em cada embalagem era de 66,87%, 73,87% e 67,32%, respectivamente, e pesou 0,649g, 0,872g e 0,242g, respectivamente);
- A embalagem de comprimidos e pedacinhos de comprimido de cor de queijo, com peso líquido de 2,004g, continham MDMA, substância abrangida na Tabela II-A da Lei nº 17/2009 (a análise quantitativa comprovou que 32,04% se trata de MDMA, com peso de 0,642g);
- Os 10 comprimidos de cor de laranja, com peso líquido total de 1,867g, continham nimetazepam, substância abrangida na Tabela IV da Lei nº 17/2009;
- A embalagem de cristais brancos, com peso líquido de 1,663g, continha ketamina (a análise quantitativa comprovou que a percentagem de ketamina era de 75,24%, com peso de 1,251g);
- Os 3 comprimidos de cor de queijo embalados individualmente com folha de papel, com peso líquido total de 0,742g, continham MDMA (a análise quantitativa comprovou que 32,02% se trata de MDMA, com peso de 0,238g);
- Os 2 comprimidos de cor de queijo, com peso líquido total de 0,502g, continham MDMA e ketamina (a análise quantitativa comprovou que 35,33% se trata de MDMA, com peso de 0,177g);
- As 2 embalagens de cristais brancos, com peso líquido total de 7,753g, continham metanfetamina (a análise quantitativa comprovou que a percentagem de metanfetamina em cada embalagem era de 74,00% e 73,81%, respectivamente, e pesou 0,334g e 5,389g, respectivamente);
- A embalagem de planta, com peso líquido de 2,097g, continha canabis, substância abrangida na Tabela I-C da Lei nº 17/2009;
- As 2 embalagens de cristais brancos, com peso líquido total de 5,311g, continham ketamina (a análise quantitativa comprovou que a percentagem de ketamina em cada embalagem era de 65,94% e 77,72%, respectivamente e com peso de 2,785g e 0,845g, respectivamente);
- A garrafa plástica com uma palhinha e ligada a um objecto em vidro tinha resíduo de metanfetamina;
- A embalagem de cristais brancos, com peso líquido de 0,124g, continha metanfetamina (a análise quantitativa comprovou que 73,03% se trata de metanfetamina, com peso de 0,091g);
- Os dois sacos plásticos transparentes tinham resíduos de metanfetamina.
15. As drogas descritas foram adquiridas conjuntamente pelos dois arguidos A e B, de um indivíduo de identidade desconhecida, sendo uma parte das drogas para o consumo próprio e outra para o fornecimento a terceiros.
16. Os tubos de vidro e a garrafa plástica supramencionados foram utilizados pelos arguidos A e B como instrumentos para consumo de estupefacientes.
17. Os ditos sacos plástico transparentes pequenos e porta-chaves prateado em forma cilíndrico e de cor prata foram instrumentos utilizados pelos arguidos A e B para embalar estupefacientes.
18. Na sala de estar do apartamento, os agentes da PSP encontraram também um rolo de papel de alumínio, uma caixa plástica, um pacote de palhinhas e nove palhinhas (vd. o auto de apreensão de fls. 27 e 32 dos autos).
19. O papel de alumínio, a caixa plástica e as palhinhas foram utilizados pelos arguidos A e B como instrumentos para consumo de estupefacientes.
20. Os dois arguidos A e B agiram livre, voluntaria e conscientemente.
21. Os dois arguidos A e B sabiam bem da natureza e das características das aludidas drogas.
22. Os dois arguidos A e B compraram, adquiriram e detinham as drogas supracitadas, com objectivo de destinar uma parte das drogas ao consumo próprio e outra ao fornecimento a terceiros.
23. O arguido A sabia ser proibida a condução de veículos na via pública sob a influência de drogas mas ainda o fez.
24. As condutas dos dois arguidos A e B não são permitidas por lei.
25. Os dois arguidos A e B sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
26. A arguida B encontrava-se em situação de permanência ilegal em Macau no momento dos ilícitos praticados.
27. Segundo os respectivos certificados de registo criminal, os dois arguidos são primários.
28. O 1º arguido A alegou ser bate-ficha, com rendimento mensal de treze a dezoito mil patacas, ter o 9º ano de escolaridade e não ter ninguém a seu cargo.
29. A 2ª arguida B alegou ser massagista numa sala de sauna, com salário mensal de dezasseis mil patacas, ter o 12º ano de escolaridade e ter a seu cargo o pai e um sobrinho menor.

E não se provam os seguintes factos:
1. O arguido A não conseguiu justificar a posse da arma que pode servir como arma de agressão.
2. Os dois arguidos A e B destinavam uma porção pequena das drogas adquiridas de um indivíduo de identidade desconhecida ao consumo deles e o resto ao fornecimento a terceiros.

3. O direito
Insurgindo-se contra o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao seu recurso, imputa o Ministério Público o vício do erro notório na apreciação da prova, entendendo que o arguido A deve ser condenado pelo crime inicialmente acusado de tráfico de estupefaciente p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena não inferior a 6 anos de prisão.
Antes de mais, é de lembrar que, conforme a jurisprudência uniforme, quando julgar em recurso, em processo penal, correspondente a terceiro grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece não só de matéria de direito mas também dos vícios do n.º 2, do art. 400.º do Código de Processo Penal, referentes à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, e da nulidade insanável, nos termos do n.º 3, do mesmo art. 400.º.

Na tese do recorrente, contrária à convicção do Tribunal recorrido, as provas produzidas e os factos dados como provados nos autos revelam que o 1.º e a 2.ª arguidos não são consumidores de ketamina, o que levou a concluir que toda a quantidade de ketamina apreendida nos autos não se destinava ao consumo próprio, mas sim a ceder a terceiros.
Como se sabe, é estende este Tribunal de Última Instância que existe erro notório na apreciação da prova “quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores”.1
No caso ora em apreciação, não se nos afigura que está verificada alguma das situações acima referidas que consubstanciam o vício.
De facto, resulta dos autos que o Tribunal Colectivo de 1.ª instância formou a sua convicção com base na análise conjunta e objectiva das declarações prestadas pelos próprios arguidos, do depoimento das testemunhas, incluindo os agentes da Polícia Judiciária que intervieram na investigação do caso, e das provas documentais constantes nos autos, tais como os autos de apreensão e o relatório do exame aos estupefacientes apreendidos.
Repare-se que todas as declarações e os depoimentos acima referidos estão sujeitas à livre apreciação do julgador e não se revela que a convicção do Tribunal se tenha formado no sentido contrário às provas documentais constantes nos autos, nomeadamente ao relatório do exame aos estupefacientes.
Alega o recorrente que o Tribunal recorrido deveria considerar as declarações prestadas pelos arguidos, que afirmaram não serem consumidores de ketamina.
Ora, não estando em causa prova com valor vinculada, as declarações do próprio arguido ficam sempre sujeitas à livre apreciação do tribunal, segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, nos termos do art.º 114.º do CPPM, nada impedindo o tribunal de, conjugando todas as provas produzidas, julgar a matéria de facto no sentido diverso do declarado pelo arguido.
No nosso caso concreto, o Tribunal de primeira instância fundamentou devidamente a sua convicção, indicando as provas e os indícios que se relevaram para concluir que eram consumidores os dois arguidos.
Com a fundamentação de facto exposta, não se vislumbra como foram violados as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada ou as regras da experiência ou as legis artis apreciação da prova.
Concluindo, não se afigura verificado nenhum erro na apreciação da prova, evidente para qualquer pessoa que examine os factos dados como provados e os meios de prova utilizados para formar a convicção do julgador.
Improcede assim a invocação do vício do erro notório na apreciação da prova e, consequentemente, a pretensão do recorrente de condenar o arguido A no crime de tráfico de estupefaciente p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em rejeitar o recurso por ser manifestamente improcedente.
Sem custas.
  
   Macau, 18 de Setembro de 2013
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
1 Ac. do TUI, de 30-1-2003, 15-10-2003 e 11-2-2004, Proc. n.ºs 18/2002, 16/2003 e 3/2004, entre muitos outros.
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