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Recurso nº 656/2012/A
( Suspensão de eficácia )

Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança (保安司司長)




A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
I – Relatório
   A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão da eficácia do despacho, datado de 10 de Agosto de 2012, do Senhor Secretário para a Segurança que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM por 3 anos, a título da reforma do despacho anterior que se constitui o objecto de um recurso contencioso, decorrendo neste Tribunal, nos termos do artigo 126º do CPAC.
   Citada a entidade requerida, não veio contestar a﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽o indeferimento.
   O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer que se transcreve nos termos seguintes:
   “O documento de fls. 10 a 11 dos autos demonstra nitidamente que o acto suspendendo consiste em aplicar ao Requerente a interdição de entrada na RAEM pelo período de 3 (três) anos, produzindo o efeito prático de expulsá-lo deste Território.
   Tal despacho consubstancia-se no acto de conteúdo positivo. Nesta medida e ao abrigo do disposto na a) do art. 120º do CPAC, verifica-se in casu a idoneidade do objecto, no sentido de que o qual é susceptível de suspensão de eficácia.
   No actual ordenamento jurídico de Macua, constitui jurisprudência pacífica e constante que são, em regra geral, cumulativos os 3 requisitos previstos no nº 1 do art. 121º do CPAC, e a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes porque o deferimento exige a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Acórdão do TUI no Processo nº 2/2009).
   E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido nº 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação.
   Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo nº 1106, do TUI no Processo nº 33/2009, do TSI no Processo nº 266/2012/A).
   E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo nº 1123, do TSI no Processo nº 17/2011/A)
   Não esqueça que a família é concebida como elemento fundamental da sociedades, a unidade e estabilidade familiares constituem um dos valores nucleares no ordenamento jurídico de Macau, a protecção da maternidade e da paternidade como valores humanos e sociais eminentes fica no primeiro lugar dos objectivos da política familiar (arts. 3º, 2º e 5º da Lei nº 6/94/M).
   No caso sub judice, sem prejuízo do respeito pela perspectiva diferente, ponderando os alegatos no Requerimento Inicial em sintonia com tais criteriosas jurisprudências, afigura-se-nos que o pedido de suspensão de eficácia em apreço não merece deferimento.
   Ora, o documento de fls. 51 a 52 do P.A. comprova plenamente que o Requerente foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão com suspensão da execução durante dois anos, por ter praticado um crime de detenção de arma proibida. O que faz razoavelmente pensar e prever que o Requerente não dispõe da idoneidade cívica e moral para exercer o poder paternal e educar o seu filho menor.
   Repare-se que de acordo com o teor da Participação nº 6174/2012/C3 (doc. de fls. 17 a 19 do P.A.), o próprio Requerente e a sua mulher de nome B afirmaram que estavam a tratar os processos de divórcio. O que significa que ambos reconheceram a ruptura da relação conjugal.
   Em confrontação com estes dados, não parece crível o alegado nos arts. 14º e 19º do Requerimento Inicial. Em palavras mais precisas, é que a expulsão e a interdição de entrada do requerente durante três anos não configura prejuízo de difícil reparação para
   Daqui flui que não se vislumbra o preenchimento dos pressupostos na a) do nº 1 do art. 121º do CPAC, e em consequência disso, deverá ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia do Requerente.
   Pelo exposto, propendemos pela improcedência do presente pedido de suspensão de eficácia.”
   
II – Fundamentação
   Antes de avançar a apreciação do presente pedido, merece-se anotar os seguintes elementos:
   O próprio requerente tinha requerido junto deste Tribunal o pedido de suspensão da eficácia do despacho, datado de 5 de Junho de 2012, do Senhor Secretário para a Segurança que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM por 10 anos.
   Como resultou do próprio acto, foi este despacho que estava no decurso de um recurso contencioso, tinha sido o objecto do pedido de suspensão de eficácia, e foi indeferido pelo acórdão deste Tribunal de 19 de Julho de 2012.
   O presente pedido de suspensão de eficácia incide precisamente do acto que reformou o acto que estava no decurso contenciosamente, nos termos do artigo 126º do CPAC, que se limitou a alterar o período da interdição da reentrada na Região, mantendo-se intactos porém os fundamentos e a decisão, bem assim a decisão da expulsão.
   No referido Acórdão deste Tribunal de 19 de Julho de 2012 foram consignados os seguintes elementos fácticos pertinentes para a decisão da causa, que se afigura pertinente também para a decisão da causa:
- Por decisão do Senhor Secretário para a Segurança, datada em 21 de Janeiro de 2009, foi aplicada ao requerente a medida de interdição da reentrada na RAEM.
- Esta ordem não chegou a ser notificada ao requerente.
- Em 5 de Junho de 2012, foi o requerente, portador do passaporte da República de Quiné, com a data de validade até 23 de Agosto de 2012, foi interceptado pelo agente da PSP, por ter resultado que se trata da mesma pessoa chamada A1 que tinha sido suspeito a prática dos crimes de ofensa simples de integridade física e de falsas declarações sobre a identidade.
- Só nessa altura foi notificado da medida de interdição da reentrada na RAEM.
- Antes deste momento, o requerente chegou a sair da RAEM pelo Termo Marítimo Exterior, respectivamente em 25 de Dezembro de 2010 e 28 de Dezembro de 2010 e foi recusado a entrar na Região Administrativa Especial de Hong Kong, assim ficou o requerente a permanecer na RAEM, e a entidade competente não cumpriu a ordem de interdição, nem no memento quando o mesmo saiu da RAEM em 1 de Janeiro de 2011.
- Em 23 de Dezembro de 2011, o requerente pediu perante o Departamento de Migração a autorização de residência, cujo procedimento está em curso.
- O requerente contraiu casamento na RAEM com B, residente permanente da Região, em 11 de Agosto de 2011;
- Deste casamento veio nascer o seu filho, C, na RAEM, em XX de XX de 2011, que é residente permanente da RAEM;
- O requerente habita em Macau com a sua mulher (B) e o filho de ambos.
- Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança, datado de 5 de Junho de 2012, foi-lhe aplicado uma medida de interdição de entrada na RAEM por 10 anos.
   E nos presentes autos a entidade recorrida, tendo com base na informação, tomou a seguinte decisão, que constitui o objecto da presente suspensão pedida:
“Despacho
Assunto: Expulsão e interdição de entrada
Interessado: A (A1)
   Por meu despacho de 04/04/2008, sobre a Informação n.º Mig 828/2008/C.I., determinei a expulsão e interdição de entrada por 3 anos, do cidadão A, titular do passaporte n.º RXXXXXX9 (que na altura se apresentava sob a identidade de A1, titular do passaporte n.º AXXXXXX3);
   Com fundamento no facto de para lograr a efectiva execução daquela expulsão, a RAEM ter suportado as despesas inerentes (passagem aérea), por meu despacho de 21/01/2009 sobre a Informação n º. Mig 46/2009/C.I., reformei aquele despacho de 04/04/2008, apenas quanto ao período de interdição de entrada que ampliei para 10 anos, mantendo-o, no entanto, quanto aos seus fundamentos de facto e de direito;
   Verifico agora, no âmbito de um recurso contencioso entretanto interposto daquela decisão, não se ter concretizado o pressuposto daquela ampliação da medida da interdição de entrada, uma vez que, conforme mostra o processo instrutor e explica o Serviço de Migração/CPSP, se bem que a Administração tenha iniciado o procedimento com vista a aquisição da passagem aérea de vários indivíduos, incluindo o aqui interessado, acabou por não o fazer em relação a este dado que o mesmo, entretanto, abandonou a RAEM pelos seus próprios meios;
   Urge, por isso, e por imperativos de justiça, proporcionalidade e coerência, corrigir essa errónea quantificação do período de interdição de entrada, o que faço.
   Reformando o acto administrativo em apreço, ao abrigo do artº. 126°, do Código do Procedimento Administrativo, e nos termos e com os fundamentos da Informação nº Mig 828/2008/C.I., e mantendo a decisão de expulsão do cidadão A (A1), mas fixando o período de interdição de entrada em 3 (três) anos.
   Notifique com urgência.
   Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 10 de Agosto de 2012.
O Secretário para a Segurança, … .“
   
   Nos presentes autos, o requerente veio pedir a suspensão de eficácia do acto da aplicação de uma medida de expulsão da RAEM e fixou o correspondente período de interdição de entrada em 3 anos, e para tal alegando que a execução imediata do acto causaria prejuízos de difícil reparação e a suspensão não causará grave lesões para o interesse público e não se indicia ser ilegal o recurso.
   Vejamos.
   Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo posto, a proporcionalidade.1
   Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    Quanto ao pressuposto, veja-se o disposto no artigo 120º (Suspensão de eficácia de actos administrativos) que se diz:
   “A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”
   Como se vê, a suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo.
   Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 2
   E nos presentes autos, o acto suspendendo é uma medida administrativa aplicada directamente ao requente (a medida de expulsão). Na medida em que alterou positivamente a situação jurídica preexistente do requerente, é manifesto ser um acto de conteúdo positivo, susceptível de ser objecto da suspensão, satisfazendo o pressuposto do pedido de suspensão de eficácia.
   E quanto aos requisitos, digamos o seguinte:
   Prevê o artigo 121° do CPAC que:
“Artigo 121º (Legitimidade e requisitos)
   1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
   a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
   b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
   c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
   … .”
   Em conformidade com o disposto no artigo 121º ora citado, para obter uma autorização da suspensão da eficácia de um acto administrativo deve satisfazer cumulativamente os requisitos, um positivo e dois negativos.
   O requisito positivo é a possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação, enquanto os requisitos negativos a inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
   Quanto ao requisito positivo, o requerente alegou, tal como noutro pedido da suspensão, que, como a sua mulher e o filho recente nascido são residentes permanentes da RAEM, com a execução imediata do acto, ficaria o requerente obrigado a deixar o lar estabelecido na RAEM, nomeadamente a abandonar a relação conjugal e a afastar da sua criança que se encontra numa fase crescimento fulcral.
   A priori, é de salientar que, como a entidade recorrida não veio contestar, o que se poderá recorrer à aplicação do disposto no artigo 129º nº 1 do CPAC, primeira parte, dado verificado o requisito negativo previsto no artigo 121º nº 1 al. b) do mesmo CPAC, sendo também certo que nos autos não se têm elementos bastantes para que se considere crível que a estadia provisória na RAEM do requerente causaria gravemente a lesão ao interesse público de que o próprio acto visar defender.
   Quanto ao requisito positivo, ou seja a execução imediata do acto causará prejuízo de difícil reparação ao requerente, não podemos deixar de dar-lhe a razão ao argumento de que, com a execução do acto em crise, quebrando, com certeza, a estabilidade da família que se estabeleceu na RAEM, com a sua mulher e a criança recente nascida na RAEM, sendo ambas estas residentes permanente da RAEM, ficarão o próprio requerente obrigado a ausentar da RAEM, abandonando o lar conviviam o requerente e os residentes permanente da RAEM e, com a saída da Região do requerente, num momento crucial no seu desenvolvimento e crescimento do filho e da sua personalidade, pois, considera-se essencial que ambos os pais possam acompanhá-lo de perto, constantemente, alternando e partilhando os esforços e a experiência única e insubstituível de o educarem.
   Por outro lado, o exercício do poder paternal é um poder e dever do requerente, poder e dever estes que não podem ser afastados pela simples condenação pela prática dos crimes, a não ser que o mesmo venha a ser condenado pelo crime cujo tipo legal atribui este efeito, designadamente nos termos do artigo 1767º nº 1 al. a) do Código Civil.
   O que é essencial é que um residente permanente menor necessitar do cuidado dos pais conjuntamente, e este também constitui a prioridade da vida do requerente, a quebra do lar causará prejuízos tanto para o próprio requerente como para o menor a cujo interesse o requerente não pode deixar de defender, prejuízos estes que se afiguram ter contornos não concretizáveis ou não quantificáveis, sem ser pecuniariamente reparável.
   E essa possibilidade, o prejuízo de índole familiar, tem carácter de certeza, caso não suspenda a execução do acto, razão pela qual não se pode deixar de dar por verificada a existência da possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação.3
   
   Quanto ao outro requisito negativo, não se apresentam a sua verificação, pois, é óbvio que não se divisam mínimos indícios de ilegalidade na interposição do recurso, ao contrário, não é menos lícito interpor o recurso do acto administrativo que ordenou a ordem de expulsão do requerente.
   Assim sendo, dão-se por verificados totalmente os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo ora em causa, deferindo o pedido.
   
   Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em deferir a requerida suspensão de eficácia.
   Sem custas.
Macau, RAE, aos 18 de Outubro de 2012

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Choi Mou Pan Mai Man Ieng
(Relator) (Estive Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Acórdão do TSI do processo 30/00/A.
2 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
3 Julgou-se neste sentido no acórdão deste TSI, entre outros, no processo n° 288/2009/A.
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TSI-656/2012/A Página 1