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Processo n.º 82/2012 Data do acórdão: 2012-10-18 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– recusa à submissão ao exame de pesquisa de álcool
– art.º 115.º, n.º 5, da Lei do Trânsito Rodoviário
– crime de desobediência
– art.o 44.o do Código Penal
– substituição da pena de prisão pela multa
– suspensão da execução da pena de prisão
– condenações penais anteriores
S U M Á R I O

1. Atentas as condenações penais anteriores do arguido, não é de entender que a pena de multa já consiga realizar de forma adequada e suficiente as exigências sobretudo de prevenção especial do crime de desobediência por recusa injustificada à submissão ao exame de pesquisa de álcool por que vinha condenado nesta vez em primeira instância, pelo que não se pode substituir a pena de prisão pela multa à luz do art.o 44.o do Código Penal.
2. Por outra banda, se as três condenações anteriores do arguido todas elas em penas de prisão suspensas na execução já não puderam evitar a prática do dito crime nesta vez pelo arguido, é inteiramente inviável qualquer prognose favorável a formar em sede do art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão.
3. Como a conduta do arguido descrita como provada no texto da decisão condenatória ora recorrida é altamente censurável e com dolo intencionalmente muito elevado, com a agravante de que ele já não é delinquente primário, é de impor-lhe a sanção de inibição de condução, nos termos sancionados pelo n.º 6 do art.º 115.º da Lei do Trânsito Rodoviário, dentro da moldura de dois a seis meses de inibição prevista no art.º 96.º, n.º 3, da mesma Lei, ainda que ele tenha condições pessoais e familiares modestas e trabalhe como motorista.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 82/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: A (XXX)
Ministério Público





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 40v a 42 dos autos de Processo Sumário n.° CR3-11-0222-PSM do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficou condenado o arguido A (XXX) como autor material de um crime de desobediência por recusa injustificada à submissão ao exame de pesquisa de álcool, p. e p. conjugadamente pelo art.º 115.º, n.º 5, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR) e pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do vigente Código Penal (CP), na pena de dois meses de prisão efectiva.
Vieram recorrer o arguido assim condenado e o Ministério Público, rogando aquele a substituição da pena de prisão pela pena de multa (à luz do art.º 44.º do CP) ou a suspensão da execução da pena de prisão (ao abrigo do art.º 48.º do mesmo Código) sobretudo em função das suas condições pessoais e familiares, e esse Ente Acusador Público a aplicação ao arguido da sanção de inibição de condução nos termos do n.º 6 do referido art.º 115.º da LTR por o arguido ter praticado acto ameaçador aquando da sua condução sob influência de álcool contra outro utente de via pública (cfr., e com mais detalhes, as duas motivações de recurso respectivamente constantes de fls. 50 a 66 e 77 a 78v dos autos).
Exerceram ambos os recorrentes o direito à resposta ao recurso do outro, para preconizar a improcedência da argumentação do outro (cfr. as respostas de fls. 81 a 83v e de fls. 84 a 88 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 100 a 102 dos autos), pugnando pela improcedência do recurso do arguido, e pelo provimento do recurso do Ministério Público.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
De acordo com a fundamentação fáctica da sentença ora recorrida (redigida originalmente em chinês), ficou provado o seguinte, materialmente (com tradução ora feita para português pelo relator):
– em 24 de Novembro de 2011, cerca das 03:25, o arguido A conduziu o veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.º MP-XX-XX e após passar pelo cruzamento da Rua do Almirante Costa Cabral com a Rua do Bispo Medeiros, fez manobra de marcha para trás. Nessa altura, um outro veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.º MN-XX-XX, depois de o veículo conduzido pelo arguido ter deixado espaço suficiente, passou pelo lado do veículo do arguido. Entretanto, o arguido passou a conduzir o veículo a perseguir aquele veículo, até que o condutor deste foi pedir auxílio no Comissariado de Trânsito;
– subsequentemente, cerca das 03:30 horas, a Polícia descobriu que o arguido estava sentado no lugar de condutor do veículo n.º MP-XX-XX, estacionado perto do Comissariado de Trânsito. Quando o pessoal policial dirigiu-se ao arguido, este activou, de repente, o motor do carro e saiu do local, pelo que o pessoal policial interceptou de imediato esse veículo;
– aquando do tratamento do caso, o pessoal policial descobriu que no corpo do arguido havia forte cheiro de álcool, pelo que pediu ao arguido que voltasse ao Comissariado para proceder ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Chegado ao Comissariado, o arguido afirmou falsamente que estava mal disposto e ameaçado pela Polícia, e pôs-se no chão para suspirar com ar doloroso. A Polícia fez, por três vezes, advertência ao arguido no sentido de que se ele se recusasse sem motivo justificado ao exame de pesquisa de álcool, incorreria na prática do crime de desobediência e seria processado e acusado. Mas, o arguido recusou-se na mesma à realização do exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Em face disso, o pessoal policial disse-lhe que podia fazer exame de álcool através da colheita da amostra de sangue, mas o arguido não respondeu;
– cerca das 04:07 horas, a pedido do arguido, ele foi levado por ambulância ao Hospital Kiang Wu para receber tratamento. Às 04:30 horas, o médico do Hospital Kiang Wu recusou-se a prestar-lhe tratamento, pelo que o pessoal policial fez com que o arguido tenha recebido tratamento no Centro Hospitalar Conde de São Januário. Às 05:30 horas, o arguido disse que não precisava de tratamento e recusou-se à realização do exame de pesquisa de álcool (cfr. o teor de fls. 15 a 21 dos autos);
– ao praticar os actos acima referidos, o arguido agiu consciente, livre e voluntariamente, recusando-se sem motivo justificado ao exame de pesquisa de álcool;
– e sabia que tal tipo de conduta era proibida e sujeita à punição por lei;
– o arguido confessou na audiência de julgamento parte dos factos;
– o arguido tem por habilitações académicas o 1.º ano do ensino secundário, é motorista privado de sala de jogos, com sete a oito mil patacas de rendimento por mês, tem os pais, um filho e filhas a seu cargo;
– o arguido não é delinquente primário;
– no Processo n.º PCC-080-01-2, por prática de um crime de roubo, foi condenado em um ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, pena essa já declarada extinta em 3 de Junho de 2004;
– no Processo n.º CR1-06-0141-PCC, por prática de um crime de acolhimento, foi condenado em dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por dois anos;
– no Processo n.º CR3-06-0994-PCC, por prática de um crime de abuso de confiança, foi condenado em dois anos de prisão, suspensa na execução por três anos, e em cúmulo dessa pena com a pena imposta no Processo n.º CR1-06-0141-PCC, na pena única de três anos de prisão, suspensa na execução por três anos, pena única essa já declarada extinta em 12 de Outubro de 2011.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, julga-se primeiro o recurso do arguido, o qual começou por pretender a substituição da sua pena de prisão pelo igual tempo de multa à luz do art.º 44.º do CP.
Contudo, atentas as condenações penais anteriores do arguido, não é de entender que nesta vez a pena de multa já consiga realizar de forma adequada e suficiente as exigências sobretudo de prevenção especial, pelo que não se pode substituir a pena de prisão pela multa.
E quanto à almejada suspensão da execução da pena de prisão, a resposta também não pode deixar de ser negativa, porquanto se as três condenações anteriores do arguido todas elas em penas de prisão suspensas na execução já não puderam evitar a prática do crime nesta vez pelo arguido, é inteiramente inviável qualquer prognose favorável a formar em sede do art.º 48.º, n.º 1, do CP.
Assim sendo, há que naufragar o recurso do arguido.
No tangente ao recurso do Ministério Público, já procede o mesmo, dado que os factos dados por provados na sentença recorrida já falam por si: a conduta do arguido é altamente censurável e com dolo intencionalmente muito elevado, com a agravante de que ele já não é delinquente primário, pelo que é de passar a impor-lhe também a sanção de inibição de condução por quatro meses (duração de inibição essa achada à luz dos critérios adoptados do art.o 65.o do CP), nos termos sancionados pelo n.º 6 do art.º 115.º da LTR, dentro da moldura de dois a seis meses de inibição prevista no art.º 96.º, n.º 3, da mesma Lei, ainda que o arguido tenha condições pessoais e familiares modestas e trabalhe como motorista.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do arguido, e julgar procedente o recurso do Ministério Público, passando a aplicar também ao arguido a sanção de inibição de condução por quatro meses.
Pagará o arguido as custas do seu recurso (por ter decaído totalmente no mesmo) e do recurso do Ministério Público (por ter defendido o arguido a improcedência deste recurso), com seis UC de taxa de justiça e três UC de taxa de justiça para aquele e este recursos, respectivamente.
Passe mandados de detenção contra o arguido para efeitos de cumprimento primeiro da pena de prisão.
Macau, 18 de Outubro de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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