打印全文
Reclamação nº 8/2012

A, arguido nos autos do processo nº PCI-079-11-1º-F do JIC, no âmbito desses autos interpôs recurso da decisão que admitiu a Sociedade Xx Desenvolvimento Hoteleiro, Lda. a intervir nos autos como assistente.

Por douto despacho da Mmª Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida em separado e efeito meramente devolutivo.

E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:

  Venerando Desembargador Presidente
  Do Tribunal de Segunda Instância
  A, arguido e recorrente nos autos, notificado do douto despacho da Meritíssima Juiz de Instrução Criminal de 20/06/2012, a fls. 2181, o qual determinou a subida diferida do recurso interposto pelo arguido em 10/01/2011 do despacho que admitiu a sociedade Xx Desenvolvimento Hoteleiro, Lda. a intervir nos autos como assistente, vem, muito respeitosamente, apresentar:
  RECLAMAÇÃO CONTRA A RETENÇÃO DO RECURSO
  Nos termos permitidos pelo art. 395° do CPP e com os fundamentos seguintes:
  1. Ao interpor recurso, em 10/01/2011, do douto despacho da Meritíssima Juiz de 30/07/2010, a fls. 1983, que admitiu a sociedade Xx Desenvolvimento Hoteleiro Limitada a intervir nos autos como assistente, o ora Reclamante requereu que o mesmo fosse admitido com subida imediata, ao abrigo do do que dispõe o art. 397°/2 do CPP.
  No entanto, o recurso veio a ser admitido pelo despacho ora reclamado com subida em diferido, com fundamento nos arts. 397°/3 e 397°/1/g) do CPP.
  O Reclamante discorda desta decisão, por entender que o recurso em apreço deve subir imediatamente, questão que agora traz à apreciação de V. Exa.
  2. Como é sabido, o momento da subida dos recursos é tratado pelo art. 397° do CPP.
  O n.º 1 deste preceito enumera as situações típicas e taxativas em que os recursos sobem sempre imediatamente, sendo certo, porém, que em nenhuma delas se integra a situação em apreço.
  Contudo, esse n.º 1 tem ainda de ser lido em conjugação com o n.º 2 do mesmo preceito, que admite a possibilidade de os recursos subirem ainda imediatamente quando a respectiva retenção os torne absolutamente inúteis. E foi precisamente ao abrigo deste n.º 2 que o Reclamante requereu oportunamente que o recurso subisse imediatamente.
  Em resumo, a questão da reclamação consiste por isso em saber se o recurso dos autos se encontra ou não abrangido pela norma do art. 397°/2.
  3. O Reclamante está a par da jurisprudência constante deste Venerando Tribunal na interpretação do preceito legal em questão, defendendo que "A expressão "absolutamente inútil" deve ser tomada no seu significado rigoroso, restrito, não bastando uma inutilidade relativa, a que corresponde a anulação de processado posterior, para justificar a subida imediata de um recurso, isto é, há-de ser tal que, se o recurso não for apreciado imediatamente, já não servirá de nada" (Ac. do TSI de 03/03/2011, Recurso n. ° 612/2009).
  Mas no seu entendimento no caso dos autos a retenção do recurso torna-o realmente "absolutamente inútil", de tal modo que, não subindo de imediato, "já não servirá de nada".
  4. Dizêmo-lo porque se o recurso vier a subir em diferido e obtiver ganho de causa, apenas teria efeito útil se destruísse retroactivamente toda a actividade desenvolvida pelo assistente nos autos desde que neles interveio.
  Quando o recurso tem por objecto um acto processual determinado e autónomo, este efeito de destruição produz-se facilmente. Por exemplo, no caso tratado pelo citado Ac. do TSI de 03/03/2011 questionava-se a admissibilidade de um pedido de indemnização cível enxertado em acção penal, tendo o Tribunal decidido que o recurso não tinha de subir de imediato porque mesmo subindo em diferido "aquando da sua oportuna apreciação se vier a decidir da extemporaneidade do pedido civil. nada impede que daí se retirem as suas legais consequências, com uma decisão em conformidade. anulando-se a eventual decisão ,de procedência do mesmo pedido civil",
  No entanto, estando em causa, como na presente acção, crimes de natureza pública imputados ao arguido e uma actividade continuada do assistente, a questão que releva é a de saber de que modo, subindo o recurso em diferido e obtendo ganho de causa, se poderá, em momento posterior - nomeadamente após ser proferida sentença em primeira instância - ser destruída toda a actividade processual que o assistente tiver desenvolvido.
  Certamente que se poderia anular, por exemplo, um acto processual autónomo praticado apenas pelo assistente ou um recurso por ele interposto.
  Mas a maioria dos actos praticados pelo assistente não ficaria comprometida pelo vencimento do recurso. Com efeito, de que modo se poderia então (i) eliminar os meios de prova produzidos por iniciativa do assistente seja em inquérito, em instrução ou em julgamento, ou (ii) desconsiderar os factos adquiridos para o processo por via da actividade do assistente ou (iii) apagar as perguntas a que o arguido tivesse sido submetido por parte do assistente?
  Muitos exemplos se poderiam dar para alcançar a mesma conclusão: a actividade processual do assistente, globalmente considerada, não poderia ser invalidada de modo útil nem eficaz, pelo que se consolidaria e perduraria no processo. Seja porque não se poderia autonomizar em cada situação processual o que foi ou não actividade do assistente, seja porque a actividade que este desenvolveu poderia ser repetida e, por isso, aproveitada por outros intervenientes processuais, nomeadamente pelo Ministério Público e por eventual lesado.
  Pelo que conclui o Reclamante que "se o recurso não for apreciado imediatamente, já não servirá de nada".
  O recurso em apreço deveria por isso ter sido admitido com subida imediata, uma vez que a sua retenção o toma, nos termos do art. 397°/2, absolutamente inútil. Não subindo agora, de nada servirá que suba mais tarde.
  5. Por fim, o despacho reclamado funda-se numa leitura automática à contrario sensu do disposto art. 397°/1/g), o que, com o devido respeito, não se afigura correcto. Considera o Reclamante que tem de averiguar em cada situação concreta se a retenção de recurso de decisão com tal conteúdo (de admissão de constituição de assistente) o torna ou não absolutamente inútil.
  Se, por exemplo, alguém é indevidamente admitido a intervir como assistente num processo que tenha por objecto um crime de natureza particular e, nessa qualidade, deduzir acusação particular, um recurso do arguido pondo em causa a legitimidade para essa pessoa intervir nos autos nessa qualidade de assistente não é absolutamente inútil se subir a final e for julgado procedente, porque então se anula toda a actividade do assistente, que teve carácter autónomo e independente.
  O que não, como se justificou, o que sucede nestes autos, onde todas as razões aconselham a subida imediata do recurso.
  Termos em que o Reclamante vem respeitosamente requerer a V. Exa. se digne revogar o douto despacho reclamado e substituí-lo por outro que ordene a subida imediata do presente recurso, ao abrigo do disposto no art. 397°/2 do CPP.

Passemos pois a apreciar a reclamação.

Antes de mais, é de frisar que ao Tribunal não cabe responder todos os argumentos deduzidos pelo interessado para sustentar a sua pretensão, mas sim apenas as questões que lhe são concretamente colocadas no petitório.

Assim, o objecto da reclamação é o momento da subida do recurso em causa.

Assim, a única questão levantada pelo reclamante e atendível nesta sede é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.

O artº 397º do CPP dispõe:
1. Sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial, nos termos deste Código;
d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;
e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;
f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;
g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;
h) De despacho que indeferir o requerimento para abertura da instrução;
i) Do despacho de pronúncia ou de não-pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 292.º;
j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.
2. Sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
3. Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.

Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.

A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.

Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implica a revogação do despacho recorrido e torna inválido todo o processado posterior e dependente do mesmo despacho, o que é justamente a utilidade pretendida pelo recorrente com a interposição do recurso. e que, tendo em conta a tramitação e o fim de um processo penal comum, dificilmente podemos configurar a eventual anulação do processado como absolutamente impossível.

Daí, a retenção do recurso não conduzirá à inutilidade absoluta do recurso, pois isto só se verifica quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.

De facto, se vier a ser julgado a final procedente o recurso de cuja retenção ora se reclama, fica todo o processado posterior e dependente da decisão recorrida anulado e será repetido a parte da tramitação anulada sem a intervenção como assistente da Sociedade Xx Desenvolvimento Hoteleiro, Lda..

Eis a utilidade que poderá advir da eventual procedência do recurso.

Pelo que vimos supra, sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado.

Custas pelo reclamante com a taxa de justiça fixada em 5UC – artº 70º/1 do RCT.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.

R.A.E.M., 22SET2012


O presidente do TSI

Lai Kin Hong

Recl.8/2012-1