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Processo nº 678/2012 Data: 20.09.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “dano”.
Valoração das provas.
Tentativa.
Pena.
Teoria da margem de liberdade.



SUMÁRIO

1. A prova de um estrago (“dano”) provocado numa carteira não exige a exibição e inspecção da mesma em audiência de julgamento.

2. Provado estando que a arguida “pintou a carteira da ofendida”, e que a mesma “não pode ser recuperada”, inegável é a consumação do crime de dano.

3. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 678/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por decisão do T.J.B., decidiu-se condenar A, como autora de 1 crime de “dano”, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, na condição de pagar à ofendida o quantum de HKD$3.900,00 no prazo de 2 meses a contar do trânsito em julgado da decisão; (cfr., fls. 120-v a 121 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para concluir:

“i. Violação do art.º 336.º do Código de Processo Penal
1. No vídeo-cassete constante da fls. 24 dos autos, foi provado apenas que a arguida fez uma acção da pintura com caneta na mala da ofendida na contadoria, mas neste vídeo, não foi verificado que onde foi pintada a mala e de que mala é que foi pintada.
2. Além disso, através das fotografias constantes das fls. 14, 16 e 17 dos autos, também não foi provado que onde foi pintada a mala e de que mala é que foi pintada, portanto, não foi provado que há diferença na mala da ofendida B conforme apenas as fotografias constantes dos autos.
3. É de saber que o crime de dano é um crime de resultado, cuja constituição depende do resultado de destruição, dano, deformação ou inutilização do objecto. A prova deste facto ou fenómeno objectivo depende do próprio objecto destruído, danificado, deformado ou inutilizado e não de depoimento, mais, não se anexa nos autos o relatório pericial da mala pintada.
4. Quer dizer, quando não foi mostrada na audiência a mala após a destruição, dano, deformação ou inutilização, o Tribunal não deve condenar procedente o crime da recorrente por falta de provas produzidas ou examinadas para sustentar a sua decisão.
5. Porém, o Tribunal a quo ainda condenou procedente o crime da recorrente, pelo que o acórdão do Tribunal a quo viola o disposto do art.º 336.º n.º 1 do Código de Processo Penal, neste caso, este Tribunal deve absolver a recorrente do crime.
ii. Condenação à recorrente do crime na forma tentada
6. Mesmo que o Tribunal não concorde com a opinião supracitada e mantenha a decisão condenatória à recorrente, a recorrente entende que esta decisão condenatória deve ser crime de dano na forma tentada.
7. A mala da ofendida não foi apresentada na audiência de julgamento como corpus delicti para mostrar que onde foi pintada a mala e de que mala é que foi pintada. Mais, nos factos provados, foi provado apenas que “A (arguida) entrou na contadoria e tirou uma caneta na secretária, a seguir, chegou ao balcão sobre a qual a ofendida colocou a sua mala e tirou-a, pintando, com caneta, um círculo sobre um lado da mala e uma linha recta sobre outro lado”.
8. Portanto, o acto da recorrente constituiu meramente o crime de dano, na forma tentada, p.p. pelo art.º 206.º n.º 2 do Código Penal.
iii. Violação da fundamentação exigida pelo art.º 44.º do Código Penal
9. No acórdão recorrido, não se aplica pena de multa à recorrente em vez da pena de prisão, com razões constantes da fls. 5 do acórdão.
10. Contudo, o acórdão recorrido não indica qual parte é que pretende proteger: a prevenção geral ou a especial, e a razão básica da condenação da pena de prisão à recorrente, porque a expressão do Tribunal a quo citada acima é quase igual à disposição jurídica.
11. Portanto, a decisão de não substituição da pena de prisão por multa, proferida pelo Tribunal a quo, não atinge a exigência de “necessidade” indicada por este Tribunal, portanto, o acórdão recorrido viola o disposto do art.º 44.º do Código Penal.
iv. Pena de prisão demasiadamente pesada.
12. No início da audiência de julgamento, a recorrente já confessou, que tinha pintado a mala da ofendida, mas não tinha riscado, o qual foi registado na gravação da audiência n.º 05-Jun-2012 at11.19.42 (OE-UI3M100811270), portanto, não é “a arguida negou os factos acusados” que se refere no acórdão supracitado.
13. A confissão da recorrente satisfaz a circunstância da atenuação especial da pena prevista do art.º 66.º do Código Penal.
14. Além disso, a recorrente é delinquente primária, a mala pintada tem valor de HKD 3.900,00 e o Tribunal já condenou oficiosamente a recorrente no pagamento da indemnização no mesmo valor à ofendida, pelo que, são leves o grau da culpa, a ilicitude e a gravidade da recorrente, pelo que é demasiadamente pesada a pena de 5 meses de prisão, com suspensão da execução da pena pelo período de 1 ano e 6 meses, determinada pelo Tribunal a quo.
15. Com referência ao conteúdo constante da fls. 20 do acórdão do Processo n.º 90/2011, o arguido chutou as vedações metais instaladas fora da porta da residência do ofendido e foi condenado na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de MOP 100,00.
16. Nestes termos, nos termos dos art.ºs 64.º e 44.º do Código Penal, ao crime é aplicável a pena de multa dá para realizar a finalidade da punição e proteger os interesses jurídicos danificados por a recorrente pagar, a seguir, a indemnização à ofendida no valor de HKD 3.900,00, portanto, a decisão do Tribunal a quo à recorrente (a pena de 5 meses de prisão, com suspensão da execução da pena pelo período de 1 ano e 6 meses), viola os princípios da adequação e da proporcionalidade da pena de prisão.
Nestes termos, pede a este Tribunal que seja aplicado à recorrente a pena de multa em vez da pena de prisão”; (cfr., fls. 129 a 131-v).

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Respondendo, diz o Ilustre Procurador Adjunto:

“1- Não houve violação do princípio de oralidade e imediação previsto no art. 336° do CPPM, pois toda a prova foi examinada na audiência do julgamento;
2- O que a Recorrente questiona é a falta de exame pericial sobre os danos;
3- Tendo provado a conduta de riscar uma mala de cor branca usando uma esferográfica, deve provar que houve dano;
4- É de salientar ainda que o objecto em dano é uma mala de Louis Vuitton, marca de luxo notoriamente conhecida, cujo valor não reside no aspecto funcional mas principalmente na vertente estética;
5- Ao desenhar riscos na superfície de cor branca da mala constitui uma total destruição dessa função estética/exibicionista mesmo que a ofendida procurou apagá-los.
6- A medida de 5 meses de prisão, numa moldura de 1 mês a 3 anos, não é minimamente excessiva considerando que a Recorrente não confessou os factos, ainda que seja primária”; (cfr., fls. 133 a 136).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, admitindo, porém, uma condenação em pena de multa; (cfr., fls. 170).

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Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“Em 28 de Junho de 2009, por cerca das 11h45 à noite, B (ofendida) foi à contadoria do Casino Sands para trabalhar e colocou a sua mala (de marca: LV) no balcão da gabinete. Por cerca das 02h00 de madrugada do dia seguinte, a ofendida e outras duas colegas C e D estavam a dormir na secretária, por cerca das 04h19, A (arguida) entrou na contadoria e tirou uma caneta na secretária, a seguir, chegou ao balcão sobre a qual a ofendida colocou a sua mala e tirou-a, pintando, com caneta, um círculo sobre um lado da mala e uma linha recta sobre outro lado, a fim de desabafar a sua insatisfação com a ofendida. A seguir, a arguida subtraiu HKD3.000,00 na mala da ofendida e deixou a contadoria. Por cerca das 07h14 de manhã, a ofendida acordou. Quando a mesma tirou a mala, descobriu que a sua mala tinha sido pintada por caneta e perdeu HKD3.000,00 nesta mala, portanto, denunciou à Polícia para recorrer ao auxílio.
No vídeo-cassete gravado na contadoria fornecido pelo Casino Sands, no momento da ocorrência do caso, a Polícia Judiciária verificou que a arguida fez uma acção da pintura na mala da ofendia com caneta na contadoria. (vide fls. 24 dos autos)
A mala da ofendida tem valor de HKD3.900,00 e não pode ser recuperada.
Tendo agido de maneira livre, voluntária e consciente, a arguida pintou dolosamente a mala da ofendida, causando danos da mala que a mesma não pode ser restaurada, pelo que o acto da arguida viola o direito de propriedade de bens da ofendida.
A arguida sabia perfeitamente que a conduta era proibida e punida pela lei.
A arguida é funcionária da secção de relações públicas do casino, auferindo mensalmente cerca de MOP 18.000,00 a MOP 20.000,00.
A arguida é solteira, tendo dois filhos a seu cargo.
A arguida negou os factos acusados e é delinquente primária.
A ofendida B pediu que seja indemnizada a sua perda sofrida”; (cfr., fls. 118-v a 119 e 149 a 159).

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da decisão proferida pelo T.J.B. que a condenou como autora de 1 crime de “dano”, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, na condição de pagar à ofendida o quantum de HKD$3.900,00 no prazo de 2 meses a contar do trânsito em julgado da decisão.

É de opinião que a decisão recorrida viola o art. 336° do C.P..P.M., que padece de erro na qualificação jurídica, já que apenas cometeu o crime na forma tentada, considerando também excessiva a pena que lhe foi fixada.

Cremos que nenhuma censura merece a decisão recorrida, necessária não sendo grandes elaborações para assim concluir.

Vejamos.

–– Da alegada “violação do art. 336° do C.P.P.M.”.

Prescreve o referido art. 336° que:

“1. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

2. Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes”.

E para justificar o vício que assaca à decisão recorrida, diz, essencialmente, a recorrente, que por não se ter exibido e inspeccionado a mala (carteira) objecto do crime “dano” em audiência de julgamento, não se podia dar como provado o mesmo crime.

Ora, deve haver equívoco.

A questão assim colocada, nada tem a ver com o art. 336° do C.P.P.M.. Este normativo, como na sua epígrafe se pode ler, trata da matéria da “valoração das provas”, e o que em boa verdade vem a recorrente discutir é uma questão de “suficiência de prova”, que, como facilmente se conclui, não procede.

Basta ver que em audiência prestaram declarações e depoimentos 3 pessoas, (cfr. acta a fls. 117), que o Tribunal aprecia livremente estes mesmo elementos probatórios, e que necessário não era a exibição e “inspecção” à mala em audiência de julgamento para se dar como provada a conduta da ora recorrente.

–– Quanto à “forma tentada”, pouco há a dizer.

Sendo o crime de “dano” 1 crime de resultado, e provado estando que a ora recorrente pintou a mala da ofendida, e que esta “não pode ser recuperada”, inegável é a consumação do crime em questão.

–– Quanto à “pena”, assim ponderou o Tribunal a quo:

“In casu, o crime praticado pela arguida traz impacto negativo à paz social e aos bens da ofendida. Considerando que a arguida negou os factos acusados e é delinquente primária e atendendo às circunstâncias supracitadas, este Tribunal Colectivo entende que é mais adequado condenar a arguida na pena de 5 meses de prisão, pela prática de um crime de dano. Nos termos do art.° 44.° n.° 1 par. 2 do Código Penal de Macau, a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, pelo que, este Tribunal Colectivo não substitui a pena de prisão por multa.
Nos termos do art.° 48.° do Código Penal, atendendo à personalidade da arguida, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, este Tribunal Colectivo decide suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida pelo período de 1 ano e 6 meses”.

Ora, afigura-se-nos adequado o assim considerado.

Desde já não se pode esquecer o preceituado no art. 40° do C.P.M. quanto aos “fins das penas”, e que, como temos vindo a consignar “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 24.05.2012, Proc. n° 377/2012, e, mais recentemente, de 31.05.2012, Proc. n° 391/2012).

Por sua vez, há que ter em conta que não constando do Acórdão recorrido que a arguida tenha “confessado” (seja o que for), (aliás, o que consta é que “negou os factos acusados”), e sem que a recorrente prove o contrário (e que o Tribunal incorreu em “erro notório”), de nada lhe vale afirmar (agora) que confessou, pois que não pode este T.S.I. dar relevância a tal afirmação.

Assim, e ponderando na conduta da recorrente, que não deixa de demonstrar um dolo directo e intenso e uma certa tendência para a prática de crimes, (não se olvida que subtraiu também dinheiro da carteira da ofendida), nas necessidades de prevenção e na moldura penal em questão – prisão até 3 anos – censura não merece a decisão de fixar a pena em 5 meses de prisão, cuja não substituição por multa, que se mostra adequada e foi expressamente fundamentada nos termos do art. 44° do C.P.M., (certo sendo que lhe foi suspensa na sua execução).

Daí, e evidente sendo a improcedência do presente recurso, imperativa é a sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 20 de Setembro de 2012

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 678/2012 Pág. 16

Proc. 678/2012 Pág. 1