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Processo nº 523/2012 Data: 11.10.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Proporção de culpas.



SUMÁRIO

1. Provado estando que no local, havia uma passadeira para peões a cerca de 44,9 metros, e que a ofendida não a utilizou ao atravessar a via onde sofreu o acidente, adequada não é a decisão de se atribuir 100% de culpa ao arguido na eclosão do acidente.

2. E sendo a via recta, com 3 faixas de rodagem, medindo cada uma 3.5 metros, à ofendida deve ser fixada a percentagem de 10% de culpa, ficando o arguido com os restantes 90%.


O relator,

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Processo nº 523/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A, arguido, como autor da prática de um crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. c) e d) do C.P.M., na pena, especialmente atenuada de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo a multa global de MOP$15,000.00 ou 100 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de suspensão de validade da sua carta de condução por 6 meses.

Em relação ao pedido de indemnização civil pelo ofendido B enxertado, decidiu o Colectivo condenar a demandada COMPANHIA DE SEGUROS “LUEN FUNG HANG” a pagar ao dito demandante o quantum de MOP$233,723.00; (cfr., fls. 238 a 239 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada com o assim decidido, veio a demandada seguradora recorrer para, em conclusões, afirmar o que segue:

“1ª
Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida, quanto à eventual percentagem culpa pelo acidente de viação, não tomou em conta a conduta do arguido e da vítima assim como todas as outras circunstâncias que se apuraram quanto ao mesmo.

Dos factos provados consta que o ofendido atravessou a faixa de rodagem fora da passadeira, e nas circunstâncias descritas, e provadas, do acidente, apercebeu-se da circulação do motociclo e da sua aproximação, tanto que parou momentaneamente sobre o tracejado da via e depois avançou.

A ofendida não tomou qualquer precaução antes de continuar a travessia da faixa de rodagem, tendo prosseguido sem deixar passar o motociclo.

A afirmação de que o arguido circulava em velocidade excessiva, pode ser considerada conclusiva, nada nos oferece essa indicação, e não sabemos em concreto qual era essa velocidade.

Se a velocidade fosse excessiva as lesões da ofendida teriam sido muito mais graves, com lesões ao nível da cabeça.

O demandante atravessou, conforme foi referido pelo Distinto Tribunal a quo, atentos os factos provados, a faixa de rodagem num local a 44,9 metros da passadeira, não a utilizando a que se encontrava a menos de 50 metros, e apercebeu-se de onde vinha o motociclo.

Tal comportamento é fortemente negligente, por arriscado, temerário e perigoso.

Deve assim entender-se que a ofendida não observou as regras de prudência e cautela exigíveis a uma pessoa medianamente cuidadosa que pretendesse atravessar a faixa de rodagem em causa, e que exigiriam que tivesse adoptado as precauções necessárias para evitar o embate, tanto mais quanto é certo que atravessava fora do local especialmente destinado ao efeitos – a passadeira para peões a menos de 50 metros do local.

A douta sentença recorrida omite este facto, o que não deveria ter feito, por existir prova bastante da sua realidade.
10ª
Se se pode assacar alguma culpa ao arguido por não ter atempadamente evitado o embate, inquestionável é a elevada culpa da vítima, com infracção não só do n° 2 do artigo 10° do mesmo Código, como, também, da violação grosseira do n° 1 do mesmo artigo.
11ª
A atribuição de total responsabilidade no acidente ao arguido, em face aos critérios supra mencionados e às circunstâncias concretas em que se produziu o acidente, é manifestamente exagerada e não tem paralelo na jurisprudência relativamente a casos semelhantes, reputa-se por correcta uma fixação de culpas por igual, senão mesmo mais elevada por parte do demandante.
12ª
Há um diminuto grau de culpabilidade do arguido, traduzido na escolha quanto ao tipo e medida da pena aplicada, os quais foram leves.
13ª
Deste modo, a decisão recorrida efectua incompleta interpretação dos factos, e vai, também, contra a unanimidade da jurisprudência relativa a casos similares, ao não efectuar (longe disso) uma correcta aferição do circunstancialismo e da conduta dos intervenientes no acidente de viação em causa, em violação dos artigos 564°, n° 1 e 480°, n° 2 do Código Civil, bem como, dos n°s 1, 2 e 5 do artigo 10° do CE.
14ª
Em consequência, o montante indemnizatório fixado deve ser na proporção das respectivas culpasa a menos de 50 metros do loca..ocal especialmente destinado ao efeitos - a de rodagem em causa, e que exigiriam que tivesse ad”; (cfr., fls. 263 a 279).

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Sem resposta, vieram os autos a este T.S.I..

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Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos elencados no Acórdão recorrido, a fls. 231 a 232-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a demandada seguradora recorrer da decisão ínsita no Acórdão do T.J.B., na parte que a condenou a pagar ao demandante o quantum de MOP$233,723.00 a título de indemnização pelos danos que sofreu com o acidente de viação matéria dos autos.

Afirma que “a decisão recorrida efectua incompleta interpretação dos factos, e vai, também, contra a unanimidade da jurisprudência relativa a casos similares, ao não efectuar (longe disso) uma correcta aferição do circunstancialismo e da conduta dos intervenientes no acidente de viação em causa, em violação dos artigos 564°, n° 1 e 480°, n° 2 do Código Civil, bem como, dos n°s 1, 2 e 5 do artigo 10° do CE”, considerando que “o montante indemnizatório fixado deve ser na proporção das respectivas culpas”.

Pois bem, antes de mais, há que dizer que provado está que no local, havia uma passadeira para peões a cerca de 44,9 metros e que a ofendida não utilizou; (cfr., facto provado referenciado com o n.° 4).

Sendo a própria recorrente a afirmar que tal facto está provado, (cfr., fls. 265), apenas por manifesto lapso poderá ter dito que “a douta sentença recorrida omite este facto, o que não deveria ter feito, por existir prova bastante da sua realidade”; (cfr., concl. 9°).

Aliás e como se deixou transcrito, limita-se a recorrente a imputar um “erro de direito”, pelo que sem demoras, vejamos se o mesmo procede.

E, aqui, cremos que tem a recorrente razão.

De facto, se provado está que no local, havia uma passadeira para peões a cerca de 44,9 metros e que a ofendida não utilizou, evidente é que não se podia atribuir 100% de culpa ao arguido na eclosão do acidente.

Como sabido é, prescreve o art. 70° da Lei n.° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário) que:

“1. Ao pretenderem atravessar a faixa de rodagem, os peões devem assegurar-se de que o podem fazer sem perigo, tendo em conta a distância e a velocidade dos veículos que se aproximam, e efectuar o atravessamento rapidamente.

2. Sem prejuízo do disposto no n.º 5, o atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se pelas passagens para peões, devidamente sinalizadas.

3. Nas passagens equipadas com sinalização luminosa os peões devem obedecer às prescrições dos sinais.

4. Quando só o trânsito de veículos estiver regulado por sinalização luminosa ou por agentes, os peões não devem efectuar o atravessamento enquanto o trânsito estiver aberto para os veículos.

5. Os peões só podem atravessar fora das passagens que lhes estão destinadas se não existir nenhuma devidamente sinalizada a uma distância inferior a 50 metros e desde que não perturbem o trânsito de veículos, devendo, nesse caso, fazê-lo pelo trajecto mais curto e o mais rapidamente possível.

6. É punido com multa de 300,00 patacas quem infringir o disposto neste artigo”.

E, assim, face a factualidade provada, óbvio é que a ofendida – com a sua conduta, ao atravessar a via, fora de uma passadeira, certo sendo que esta existia a menos de 50 metros – é (também) culpada pela eclosão do acidente.

De facto, sendo até de considerar a sua conduta uma contravenção à Lei do Trânsito Rodoviário, inviável é outra conclusão.

Nesta conformidade, ponderando que a via é uma via recta, com 3 faixas de rodagem, medindo cada uma 3.5 metros, e que assim, também deveria o arguido ter avistado a ofendida, a fim de evitar o acidente, considera-se que à ofendida deve ser fixada a percentagem de 10% de culpa, ficando o arguido com os restantes 90%.

Com o assim decidido, importa reduzir o quantum indemnizatório em conformidade, ficando a recorrente condenada a pagar o montante de MOP$210,350,70, (90% de MOP$233.723,00).

Decisão

4. Em face do exposto, acordam conceder provimento ao recurso.

Custas pela recorrida, na proporção do seu decaimento.

Honorários aos Ilustre Defensores Oficiosos no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 11 de Outubro de 2012

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 523/2012 Pág. 12

Proc. 523/2012 Pág. 1