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Processo nº 437/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 20 de Setembro de 2012

ASSUNTO:
- Impugnação da matéria de facto
- Bem próprio do cônjuge

SUMÁRIO:
- Nos termos do nº 1 do artº 599º e do nº 1 do artº 629º ambos do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando:
i. Foi cumprido o ónus de impugnação específica da decisão de facto;
ii. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida;
iii. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
iv. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
- Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges só respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, nos regimes de comunhão, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.
- Não sendo a fracção autónoma em causa um bem próprio, a mesma nunca pode ser objecto de penhora.
- Não sendo um bem comum do casal, inexiste portanto o direito à meação do cônjuge devedor a penhorar.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 437/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 20 de Setembro de 2012
Recorrente: A (Embargante)
Recorridos: B (Embargado)
Banco Luso Internacional, S.A. (Exequente)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 05/01/2012, o Tribunal a quo julgou improcedentes os embargos de terceiro interpostos pela embargante.
Dessa decisão vem recorrer a embargante, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
FACTOS
1ª. Factos Assentes no despacho saneador:
A. Nos autos de execução em apenso foi ordenada a penhora do direito indiviso do executado B relativamente à fracção autónoma designada por XXX, para habitação do prédio urbano sito em Macau, com entrada pelo n.º XX da XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XX, a fls. 138 do Livro B15L, propriedade registada a favor da ora Embargante sob o n.º XX, do. livro G e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo n.º 073323, com o valor matricial de MOP203.420,00.
B. A embargante A e o embargado B celebraram casamento civil, em 27 de Agosto de 1990, na cidade de Taishan, Província de Guangdong.
C. Em 08.11.2005 a embargante intentou acção especial de divórcio litigioso contra o ora embargado B que veio a ser julgada procedente tendo sido dissolvido o casamento entre ambos, por sentença datada de 27.06.2006 e transitada em julgado, no âmbito dos autos CV2-05-0035-CDL.
D. O embargado B casou de novo com outra mulher em 29 de Fevereiro de 2000, em Sichuan, na República Popular da China.
2ª. Factos que constituiram a Base Instrutória:

"A aquisição da fracção autónoma identificada em A) foi realizada a expensas únicas da Embargante?
2.°
A Embargante, quando celebrou a escritura pública de aquisição da fracção aludida em A) pretendia declarar que já não era casada com o Executado B?
3°
Uma vez que o seu casamento celebrado em 27 de Agosto de 1990, em Taishan, na Província de Guangdong, nunca havia sido transcrito na RAEM?
4.°
E, por outro lado, tendo em consideração o facto assente em D)?
5°.
A Embargante obteve um empréstimo particular junto dos seus familiares, para pagamento do preço da fracção autónoma em causa, no valor de MOP100.000,00 (cem mil patacas)?
6.°
O qual continua a pagar, através do produto do seu salário?
7.°
Encontrando-se em dívida, actualmente, no montante de MOP80.000,00 (oitenta mil patacas) atinente ao empréstimo acima referido?
8.º
O valor de MOP20.000,00 (vinte mil patacas) foi pago já depois da data em que foi decretado o divórcio, ou seja, após Julho de 2006?

A Embargante recebeu de uma das sua irmãs a quantia no valor de MOP31.000,00 (trinta e uma mil patacas), a título de doação, para pagamento do sinal atinente ao contrato-promessa de compra e venda respeitante à aludida facção?
10°
A doação referida foi concedida exclusivamente à ora Embargante pela irmã desta, tendo em conta a ausência de auxílio do Executado na sua subsistência ou dos seus dois filhos menores?
11°
Muito antes do facto aludido em D), o Executado não contribuía com o mínimo valor razoável para alimentos, fossem estes para os seus filhos menores, fossem para a subsistência da embargante?"
3ª. Factos que mereceram a decisão do respetivo Acórdão:
Quesito 1 ° - Não provado.
Quesito 2° Provado apenas que a embargante, quando celebrou a scritura pública de aquisição da fracção aludida em A) declarou ser solteira.
Quesito 3° Provado apenas que o casamento especificado na alínea B) da matéria de factos assentes nunca havia sido transcrito na RAEM
Quesito 4° - Não provado.
Quesito 5° - Não provado.
Quesito 6° - Não provado.
Quesito 7° - Não provado.
Quesito 8° - Não provado.
Quesito 9° - Não provado.
Quesito 10° - Nao provado.
Quesito 11 ° - Não provado.
Referindo ainda que:
A convicção do Tribunal formou-se com base na confrontação dos elementos juntos aos autos com o depoimento das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.
Muito embora tenham afirmado as testemunhas da embargante que contribuíram com dinheiro para esta comprar a fracção em causa, o Colectivo não ficou convencido que houve de facto doação nem empréstimo de dinheiro por parte dos familiares a favor da embargante, em virtude de nenhum documento nos permitir vingar a tese desta, para além de haver algumas contradições e dúvidas nos depoimentos dessas mesmas testemunhas.
4ª. O tribunal não especificou quais foram os elementos concretos junto aos autos que confrontou, nem indica concretamente qualquer contradição ou qualquer dúvida concreta nos depoimentos dessas mesmas testemunhas.
5ª. Factos considerados não provados, nomeadamente os dos artigos 10º e 11º da decisão da matéria de facto são factos constitutivos da divórcio decretado por sentença transitada em julgado CDL-05-0035-II-divorcio-litigioso: a ausência de auxílio do Executado na sua subsistência (da embargante) e dos seus dois filhos menores e a não contribuição do Executado com o mínimo valor razoável para alimentos, fossem estes para os seus filhos menores, fossem para a subsistência da embargante.
6ª. O preço da fração autónoma em causa, como consta da escritura de compra e venda realizada em 17 de Junho de 2004, foi de MOP131.840,00 (cento e trinta e uma mil, oitocentas e quarenta patacas) pago na altura da escritura.
7ª. Tribunal refere que as testemunhas inquiridas na audiência de julgamento declararam que contribuíram com dinheiro para a Embargante comprar a fracção em causa.
8ª. Ficou provado que o empréstimo e a doação foram destinados exclusivamente à embargante para que esta reconstruísse a sua vida e dos seus dois filhos abandonados pelo pai.
9ª. O empréstimo em causa foi no valor de MOP100.000,00 (cem mil patacas) e a doação no valor de MOP31.000,00 (trinta e uma mil patacas).
10ª. A fracção autónoma em causa nunca integrou o património comum da Embargante e do Executado enquanto casal.
11ª. A situação de bigamia, ou seja, o segundo casamento do executado, foi considerada e aceite como assente nestes autos (D da base instrutória).
12ª. O Tribunal declara também que não ficou convencido que houve de facto doação nem empréstimo de dinheiro por parte dos familiares a favor da embargante, em virtude de nenhum documento existir para permitir vingar a tese desta.
13ª. O Tribunal diz ainda haver algumas contradições e dúvidas nos depoimentos dessas mesmas testemunhas - mas não especifica quais foram os elementos concretos junto aos autos que confrontou, nem indica concretamente qualquer contradição ou qualquer dúvida concreta nos depoimentos dessas mesmas testemunhas.
14ª. Como nomeadamente consta nas provas juntas nestes Autos de Recurso e se referiu ao longo das alegações, o empréstimo e a doação foram claramente, com o devido respeito, provados no processo em causa.
15ª. Ficou assente que a embargante A e o executado B celebraram casamento civil, em 27 de Agosto de 1990, na cidade de Taishan, Província de Guangdong.
16ª. Ficou provado que este casamento nunca foi transcrito na RAEM.
17ª.Ficou assente no processo CDL-05-0035-II-divorcio-litigioso que há mais de uma década que não há coabitação entre a embargante A e o executado B.
18ª. Ficou provado que o divórcio ente o executado e a embargante foi decidido em 27.06.2006 e transitou em julgado de seguida.
19ª. As provas constantes no processo são suficientes, com o devido respeito, para que os quesitos constantes da Base Instrutória nº.s 5 a 11 sejam considerados provados.
20ª. Não existem elementos fornecidos pelo processo susceptíveis de destruir o valor probatório de qualquer prova apresentada pela embargante.
21ª. Todas as provas apresentadas pela requerente fundamentam, sem qualquer dúvida, a pedida decisão de que o imóvel em causa seja reconhecido como bem próprio apenas da Embargante.
DIREITO
22ª. De acordo com o previsto no n° 1 do art°108° do Código do Processo Civil (CPC), as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, aplicando-se este imperativo legal, obviamente, ao acórdão em causa.
23ª. O regime jurídico vigente na R.AE.M. relativo ao contrato de mútuo, previsto nos artigos 1070° do Código Civil (CC) e seguintes, não prevê a obrigatoriedade de forma escrita para que o contrato de mútuo seja considerado válido, vigorando nesse âmbito, o princípio da liberdade de forma regulada no artigo 211.° do Código Civil.
24ª. Por aplicação directa do art. 1071 ° do CC, as coisas mutuadas tomam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega.
25ª. A alínea c) do artigo 1587° do Código Civil diz que conservam a qualidade de bens próprios, os bens adquiridos com dinheiro ou valores do cônjuge excluídos da participação.
26ª. Nesse sentido determina o n.º 1 do artigo 1589.° do Código Civil que "os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens do cônjuge incluídos na participação e noutra parte com dinheiro ou bens dela excluídos integram-se no património em participação, se o valor daquela prestação for igualou superior ao desta; de contrário, ficam excluídos do património em participação."
27ª. É pacífico na Jurisprudência que, como se pode ver no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 478/08.4TVLSB.L1-2 "estando em causa, apenas os interesses dos excônjuges que foram casados no regime de comunhão de adquiridos, pode um deles provar por qualquer meio, a natureza de bem próprio do dinheiro empregue na compra de um imóvel que efectuara na constância do casamento, apesar de na respectiva escritura nada constar sobre a natureza daquele dinheiro.
28ª. No âmbito do registo do casamento, diz o art°1523.º do CC da RAEM que é obrigatório o registo dos casamentos celebrados em Macau perante funcionário do registo civil e dos demais casamentos que as leis de registo sujeitem a registo obrigatório.
29ª. Sendo o casamento da embargante, residente em Macau, obrigatório nos termos do artigo 7° da Lei do Casamento n.º 51, adoptada na Terceira Sessão do Quinto Congresso Popular, promulgado pela Ordem N.º 9 do Presidente do Comité do Congresso Nacional Popular, de 10 de Setembro, de 1980, vigente a partir do dia 1 de Janeiro de 1981 e não tendo sido registado em Macau, não pode ser invocado na nossa ordem jurídica, como determina o art° 2° do Código de Registo Civil de Macau "salvo disposição legal em contrário, os factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados".
30ª. Por outro lado, o 2° casamento do executado era anulável nos termos previstos na alínea a) do art° 1504° do CC - aplicando a lei da RAEM - pois foi contraído com impedimento dirimente e considera-se válido desde o momento da celebração se for anulado o primeiro casamento do bígamo, como prevê a alínea c) do art°1506 do mesmo CC, pelo que a dissolução do casamento do executado com a embargante faz retroagir a validade do seu 2.° casamento do mesmo com outra mulher, à data em que o mesmo foi contraído, ou seja, o executado é validamente casado com a mulher com celebrou casamento em 29 de Fevereiro de 2000 desde essa data de 29 de Fevereiro de 2000, pelo que também nestes termos, a fracção adquirida a expensas exclusivas da embargante não poderá ser objecto de execução como pretendido pelo Banco exequente.
31ª. As provas constantes no processo são suficientes, com o devido respeito, para que os quesitos constantes da Base Instrutória nº.s 5 a 11 sejam considerados provados.
32ª. Não existem elementos fornecidos pelo processo susceptíveis de destruír o valor probatório de qualquer prova apresentada pela embargante.
33ª. Todas as provas apresentadas pela requerente fundamentam, sem qualquer dúvida, a pedida decisão de que o imóvel em causa seja reconhecido. como bem próprio apenas da Embargante.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida.
*
A exequente, Banco Luso Internacional, S.A., respondeu à motivação do recurso da ora embargante, nos termos constantes a fls. 204 a 214 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo tribunal a quo:
1. Nos autos de execução em apenso foi ordenada a penhora do direito indiviso do executado B relativamente à fracção autónoma designada por H3 do 3° andar "H", para habitação do prédio urbano sito em Macau, com entrada pelo n.° 83 da Travessa da Gruta, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 22341, a fls. 138 do Livro G e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo n.º 073323, com o valor matricial de MOP$203.420,00. (A)
2. A embargante A e o embargado B celebraram casamento civil, em 27 de Agosto de 1990, na cidade de Taishan, Província de Guangdong. (B)
3. Em 8 de Novembro de 2005, a embargante intentou acção especial de divórcio litigioso contra o ora embargado B que veio a ser julgada procedente tendo sido dissolvido o casamento entre ambos, por sentença datada de 27 de Junho de 2006 e transitada em julgado, no âmbito dos autos CV2-05-0035-CDL. (C)
4. O embargado B casou de novo em 29 de Fevereiro de 2000, em Sichuan, na República Popular da China. (D)
5. A embargante, quando celebrou a escritura pública de aquisição da fracção aludida em A) declarou ser solteira. (2º)
6. O casamento especificado na alínea B) da matéria de factos assentes nunca havia sido transcrito na RAEM. (3º)
*
III – Fundamentos
I. Da matéria de facto:
Na óptica da embargante, os factos vertidos nos quesitos 5º a 11º da Base Instrutória devem ser considerados como provados face à prova produzida nos autos.
Quid iuris?
Os quesitos em causa são os seguintes:
1.
2.
3.
4.
5.º
   A Embargante obteve um empréstimo particular junto dos seus familiares, para pagamento do preço da fracção autónoma em causa, no valor de MOP$100.000,00 (cem mil patacas)?
6.º
   O qual continua a pagar, através do produto do seu salário?
7.º
   Encontrando-se em dívida, actualmente, no montante de MOP$80.000,00 (oitenta mil patacas) atinente ao empréstimo acima referido?
8.º
   O valor de MOP$20.000,00 (vinte mil patacas) foi pago já depois da data em que foi decretado o divórcio, ou seja, após Julho de 2006?
9.º
   A Embargante recebeu de uma das sua irmãs a quantia no valor de MOP$31.000,00 (trinta e uma mil patacas), a título de doação, para pagamento do sinal atinente ao contrato-promessa de compra e venda respeitante à aludida facção?
10.º
   A doação referida foi concedida exclusivamente à ora Embargante pela irmã desta, tendo em conta a ausência de auxílio do Executado na sua subsistência ou dos seus dois filhos menores?
11.º
   Muito antes do facto aludido em D), o Executado não contribuía com o mínimo valor razoável para alimentos, fossem estes para os seus filhos menores, fossem para a subsistência da embargante?
Nos termos do nº 1 do artº 599º e do nº 1 do artº 629º ambos do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando:
v. Foi cumprido o ónus de impugnação específica da decisão de facto;
vi. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida;
vii. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
viii. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Ouvida a gravação do depoimento das testemunhas arroladas e analisados os documentos juntos aos autos, cremos que a embargante tem razão.
É certo que a embargante não logrou juntar aos autos qualquer prova documental com vista a provar os factos vertidos nos quesitos 5º a 9º da Base Instrutória.
Contudo, arrolou 3 testemunhas para o efeito, tendo todas elas confirmado de forma unânime tais factos.
Também é certo que as testemunhas não conseguiram dizer, com todo o pormenor, a proveniência do dinheiro doado e emprestado.
No entanto e salvo o devido respeito, não se nos afigura que se deva dar demasiado peso neste aspecto e na parte da falta da prova documental do mútuo e doação, tendo em conta a situação concreta da embargante, já que se trata dum empréstimo no seio familiar da embargante, daí que é normal não existir qualquer declaração escrita da dívida.
Por outro lado, à data da aquisição do imóvel em causa, a relação matrimonial entre a embargante e o então seu marido era já irregular, o que constitui, a nosso ver, ponto essencial para o julgamento da matéria de facto do caso sub justice.
Pois, no âmbito da acção de divórcio litigioso nº CV2-05-0035-CDL, em que é Autora a ora recorrente/embargante e Réu o seu então marido, ora executado/embargado, ficaram provados que:
- na constância do matrimónio, o Réu voltou a casar de novo em 29 de Fevereiro de 2000, em Sichuan, na República Popular da China;
- ausentando-se do lar conjugal por largos períodos;
- passando a contribuir de forma irregular para o sustento da família, incluindo os filhos menores; e
- desinterando-se pela Autora e pelos filhos do casal.
Ora, segundo a regra de experiência comum, é pouco provável que o então marido tenha contribuído para a aquisição do imóvel no ano de 2004, visto que o mesmo já havia casado com outrém no ano de 2000, desinterando-se pela embargante e pelos filhos de ambos.
Nesta conformidade, entendemos que devem ser considerados como provados os quesitos 5º a 11º da Base Instrutória.
II. Do Direito:
Face à supra modificação de facto, torna-se inevitável a revogação da sentença recorrida, reconhecendo o imóvel como propriedade própria da embargante, uma vez que o adquiriu com rendimento próprio, pelo que é um bem próprio e não bem comum do casal, quer ao abrigo do artº 13º da Lei de Casamento da República Popular da China, quer nos termos do nº 1 do artº 1604º conjugado com a al. c) do nº 1 do artº 1584º, todos do CCM.
Como é sabido, pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges só respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, nos regimes de comunhão, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.
Não sendo a fracção autónoma em causa um bem próprio, a mesma nunca pode ser objecto de penhora.
Não sendo um bem comum do casal, inexiste portanto o direito à meação do cônjuge devedor a penhorar.
Em consequência, deve ser determinado o levantamento da penhora ordenada.
*
Torna-se inútil apreciar as demais questões suscitadas.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e determinando o seguinte:
a) são dados como provados os quesitos 5º a 11º da Base Instrutória;
b) é reconhecida a fracção autónoma “H3” do prédio descrito sob o nº 22341 como bem próprio da embargante; e
c) o levantamento da penhora ordenada.
*
Custas em ambas instâncias pelo exequente.
Honorários do patrono oficioso no valor de MOP$2.000,00.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 20 de Setembro de 2012.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong



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