打印全文
Processo n.º 367/2012
(Recurso cível)

Data : 27/Setembro/2012


ASSUNTOS:
- Representação sem poderes
- Abuso de representação
- Artigos 261º e 262º do CC

   SUMÁRIO :

1. O abuso dos poderes de representação pelo representante - caso em que o negócio por ele celebrado é ineficaz em relação ao representado (art.º s 261º e 262º do CC) - existe também quando ele, actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado.

2. Assim, age em abuso representação de poderes o procurador munido de uma procuração para poder vender uma dada fracção e poder celebrar negócio consigo mesmo, existindo um acordo para que essa procuração só pudesse ser usada decorridos 7 anos.

3. A venda celebrada pelo procurador só será ineficaz em relação ao proprietário se o comprador sabia desse abuso, situação que se não verificou no caso em discussão, provando-se até que o procurador, embora tenha agido em abuso, vendeu a fracção porquanto essa procuração traduzia a garantia de um empréstimo que fizera aos autores que compraram a fracção para obtenção do direito de residência e estes, entretanto, prometeram vender a coisa a terceiros.
O Relator,
João Gil de Oliveira

Processo n.º 367/2012
(Recurso Cível)
Data: 27/Setembro/2012

Recorrentes (autores) : A
B


Recorridos (réus) : C
D
E

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A e B, residentes da República Popular da China, melhor identificados na petição inicial (AA, ora recorrentes), intentaram no Tribunal Judicial de Base acção ordinária contra C, também residente da R.P.C., D e mulher E, residentes da RAEM, devidamente identificados nos autos (1ª, 2° e 3ª Réus - RR., ora recorridos) pedindo, a final, que fosse a acção julgada procedente e declarada nula a escritura pública outorgada pelos 1ª e 2° RR., e, em consequência, se ordenasse que os 2° e 3ª RR., restituíssem a fracção autónoma em causa aos AA., sem quaisquer ónus e encargos, bem como cancelados todos os registos efectuados após 27 de Abril de 2007, sobretudo os pedidos de registo de aquisição apresentados pelos 2° e 3ª RR.; declarada a revogação da procuração junta aos autos, e subsidiariamente, se condenasse a 1ª R. a pagar aos AA. uma indemnização no montante de MOP$1.200.000,00.
    
    Julgado o processo veio a ser proferida no sentido da improcedência dos pedidos.
    Inconformados, os AA., A e a sua mulher B, vêm recorrer, alegando em sede de conclusões:
    
    Nulidade da sentença
    1. Os recorrentes apontam, quer na petição inicial quer nas suas alegações, que a 1ª R. não pode utilizar a procuração outorgada antes de 26 de Abril de 2014, senão, está-se perante uma situação de representação sem poderes (vd. nº 15 da petição inicial e parte I das alegações).
    2. Por outras palavras, os recorrentes queriam que o Tribunal a quo julgasse a seguinte questão: Mesmo que a 1ª R. é detentora da referida procuração, o uso desta é limitado pela declaração de acordo assinada pelos recorrentes e 1ª R que fixou um termo de não utilização da procuração. Isto quer dizer que a 1ª R. não pode usar dos poderes conferidos na procuração no prazo indicado. No entanto, a mesma utilizou na mesma a procuração mencionada para celebrar a escritura de compra e venda, sendo este acto da 1ª R. um acto de representação sem poderes.
    3. Verifica-se na sentença recorrida que o Tribunal a quo não mostrou a sua posição quanto ao prazo de sete anos aplicado ao uso da procuração e ao facto de o uso da procuração no referido prazo pela 1ª R. ser um acto de poderes sem representação.
    4. Segundo o artº 571º, nº 1, al. d) do CPC, é nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
    
    Caso assim não se entenda, os recorrentes invocam o seguinte motivo.
    
    (i) Impugnação do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo
    5. Conforme a matéria de facto na sentença, o Tribunal a quo deu respostas negativas aos quesitos feitos na matéria de facto, que incluem os quesitos nºs 6 a 8, 22 a 27 e 33 a 38.
    6. Para além das respostas negativas aos quesitos nºs 22 a 26, o Tribunal a quo não especificou fundamentos no resto das repostas feitas.
    7. Mas dispõe o artº 556º, nº 2 do CPC que a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declara quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
    8. Pelo exposto, a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal a quo viola o artº 556º, nº 2 do CPC.
    9. Além disso, os recorrentes pretendem impugnar a resposta negativa dada ao quesito nº 7 – O 2º R. sabia que a 1ª R. agiu contra a vontade dos AA. (representados) pela venda da fracção autónoma em causa, ou violou a vontade dos AA. de não vender o imóvel antes de 2014 quando ele comprou a fracção pelo preço MOP135.000,00?
    10. O motivo da impugnação: O Tribunal a quo deu como provados os facto de que os AA adquiriram, em 26 de Abril de 2007, a fracção autónoma BR/C para uso comercial pelo preço de MOP823.200,00 (vd. factos assentes (B)) e que a 1ª R. vendeu, em 10 de Setembro de 2009, a referida fracção ao 2º R. pelo preço de MOP135.000,00 (vd. resposta ao quesito 5).
    11. É consabido que o preço dos imóveis tem subido bastante durante os últimos anos. O preço de uma habitação ordinária é, pelo menos, de mil e tal patacas por pé quadrado.
    12. Perante estes factos que não carecem de alegação nem de prova (artº 434º, nº 1 do CPC) e analisando com base nas regras práticas da experiência, qualquer residente de Macau, sem precisar de uma investigação profunda, pode ter dúvida fundada – é verdade que posso comprar uma loja por um preço tão baixo? Pelo exposto, podemos concluir que o 2º R. sabia e devia saber a existência de abuso de representação.
    13. Tal como diz Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, Vol. 1, página 312: “Um exemplo extraído da jurisprudência: feita a prova de que o preço declarado numa escritura de compra e venda é inferior ao preço real, pode inferir-se daí, por presunção, a existência de um acordo simulatório para defraudar a Fazenda Nacional (cfr. Acórdão do S.T.J., de 4 de Dezembro de 1973, no B.M.J. nº 232, págs. 107 e segs.).”
    14. Assim, os recorrentes entendem que o facto no quesito 7 devia ser dado como provado por presunção judicial e que deve o Tribunal proferir uma decisão justa com base neste fundamento.
    15. Senão, viola o artº 434º, nº 1 e o artº 558º, nº 1 do CPC e o artº 342º do CC.
    
    (ii) Abuso de representação
    16. Caso o motivo aduzido na parte (ii) seja considerado procedente, preenchem-se todos os elementos para o abuso de representação previstos, no artº 262º do CC.
    17. Porquanto o Tribunal a quo considerou apurado o facto de que a 1ª R. vendeu, violando o acordo e abusando dos poderes de representação, a fracção em causa dentro do prazo de sete anos aos 2º R. e 3ª R. Ainda foi provado que o 2º R. sabia e devia saber a existência de abuso de representação.
    18. Assim sendo, deve julgar-se procedente o motivo invocado por as circunstâncias desta causa se enquadrarem no caso previsto pelo artº 262º do CC.
    19. Mesmo que seja julgado improcedente o motivo invocado na parte (ii), os recorrentes entendem que os factos que foram dados como provados pelo Tribunal a quo já satisfazem as disposições relativas ao abuso de representação.
    20. Tal como foi dito anteriormente, o Tribunal a quo já provou que os AA adquiriram, em 26 de Abril de 2007, a fracção autónoma BR/C para uso comercial pelo preço de MOP823.200,00 e que a 1ª R. vendeu, em 10 de Setembro de 2009, a referida fracção ao 2º R. pelo preço de MOP135.000,00.
    21. Pelo exposto, o Tribunal a quo devia inferir, por presunção judicial e com base nos fundamentos e factos aduzidos, que o 2º R. sabia e devia saber a existência de abuso de representação, mesmo que os recorrentes não invocassem e provassem tais factos.
    22. Mas o Tribunal a quo não assim fez, o que se trata de interpretação e aplicação erradas dos artºs 262º e 342º do CC.
    
    Caso o motivo acima alegado não seja considerado procedente, os recorrentes vão invocar o seguinte motivo.
    
    (iii) Representação sem poderes
    23. Dos factos assentes e a matéria de facto na sentença do Tribunal a quo, fica-se ciente de que os autores e proprietários originais da fracção autónoma BR/C celebraram, em 26 de Abril de 2007, um contrato-promessa de compra e venda da referida fracção, tendo combinado que a transacção será realizada sete anos depois, no dia marcado pelo Cartório Notarial de Macau.
    24. No mesmo dia, os autores outorgaram uma procuração onde declararam constituir a 1ª R. sua procuradora, conferindo-lhe poderes de fazer negócio consigo mesmo, para comprar e/ou vender a aludida fracção. A seguir, os recorrentes e a 1ª R. foram ao escritório da advogada Drª Maria de Lourdes d´Assumpção, onde assinaram uma “declaração de acordo”, pela qual foi fixado um prazo de sete anos em que a infracção não pode ser hipotecada ou vendida.
    25. Por outras palavras, a 1ª R. não tem plenos poderes para representar os recorrentes antes de 26 de Abril de 2014, portanto, o seu acto de representação é uma representação sem poderes. Assim, a venda da fracção BR/C pela 1ª R. aos 2º reú e 3ª ré em representação dos recorrentes é ineficaz em relação aos mesmos (artº 261º, nº 1 do CC).
    26. O acto da 1ª R. de vender, sem poderes de representação, a fracção autónoma pertencente aos recorrentes é considerado como venda de bens alheios. Estabelece o artº 882º do CC: “É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, …”
    27. Por todo o exposto, deve ser declarada nula a escritura de compra e venda em causa e ineficaz o acto em relação aos autores, condenados o 2º réu e a 3ª ré a devolver, sem qualquer responsabilidade, a fracção autónoma aos autores, cancelados, em qualquer situação, todos os registos relativos à fracção autónoma sobredita, efectuados depois de 27 de Abril de 2007, sobretudo, o registo de aquisição pedido pelo 2º R. e 3ª R.
    28. Todavia, infelizmente, o Tribunal a quo declarou improcedente o motivo aduzido de representação sem poderes, sendo isso uma interpretação e aplicação erradas do artº 261º do CC.
    
    (iv) Efeitos da procuração
    29. Se o abuso de representação ou a representação sem poderes são considerados motivos procedentes, assim deve ser revogada a procuração em causa, porquanto isto é a consequência necessária das condutas.
    
    (v) Condenação da 1ª R. no pagamento de indemnização – fundamentos da indemnização e impugnação dos factos relativos ao dano
    
    a. Fundamentos da indemnização
    30. Quanto ao pedido subsidiário relativo ao abuso de representação e à representação sem poderes, os recorrentes tinham deduzido, com base na responsabilidade contratual prevista no art.º 787º do CC, um pedido na petição inicial a requer indemnização à 1ª R.
    31. No entanto, o Tribunal a quo aplicou o art.º 477º do CC (responsabilidade extracontratual) em vez do art.º 787º do CC (responsabilidade contratual), por qual a sentença proferido pelo Tribunal a quo padece do vício de erro na aplicação da lei.
    32. A “declaração de acordo” foi celebrada pelos recorrentes e a 1ª R. por consentimento mútuo, pela qual são limitadas as vontades das partes outorgantes. Pelo exposto, tal declaração pode ser enquadrada no conceito de contrato. De facto, a 1ª R. viola o acordo supradito, tendo vendido a fracção em causa aos 2º R. e 3ª R. (vd. Factos assentes (G), (H) e resposta ao quesito nº 5).
    33. Nesta conformidade, o dever de indemnização da 1ª R. deve ser colocado no âmbito da responsabilidade contratual e não da extracontratual. Assim, o Tribunal a quo aplicou erradamente o artº 477º do CC.
    
    b. Impugnação dos factos relativos ao dano
    34. Relativamente ao dano sofrido, apesar de não conseguir provar que o acto da 1ª R. tinha causado aos recorrentes um dano no valor de MOP1.200.000,00, os mesmos entendem que deve inferir-se, com base no preço pelo qual os recorrentes compraram a fracção (MOP823.200,00) e no preço pelo qual a 1ª R. vendeu o imóvel (MOP135.000,00), que o dano sofrido é, pelo menos, de MOP688.200,00 (MOP823.200,00 - MOP135.000,00).
    35. Infelizmente, o Tribunal a quo não fez assim para inferir o dano mínimo sofrido pelos recorrentes, violando assim os artºs 342º e 344º do CC.
    
    Face a todo o exposto, deve julgar-se procedente a motivação do recurso e declarar-se nula a sentença a quo por violar o artº 571º, nº 1, al. d) do CPC.
    Caso assim não se entenda, deve declarar-se que a decisão proferida sobre a matéria de facto na sentença viola o art.º 556º, nº 2 do CPC. Além disso, deve ser dado como provado o facto no quesito 7 – O 2º R. sabia que a 1ª R. agiu contra a vontade dos AA. (representados) pela venda da fracção autónoma em causa, ou violou a vontade dos AA. de não vender o imóvel antes de 2014 quando ele comprou a fracção pelo preço MOP135.000,00?
    Deve julgar-se procedente o motivo invocado, quanto ao abuso de representação, independentemente da procedência ou não do pedido referido, e produzem-se os efeitos jurídicos.
    No caso de ser julgado improcedente o motivo indicado, deve julgar-se procedente o motivo invocado, relativo à representação sem poderes e produzem-se os efeitos jurídicos.
    Se os dois motivos aduzidos forem julgados improcedentes, solicitam ao Tribunal que condene a 1ª R. a pagar uma indemnização de MOP688.200,00 aos recorrentes.

    C, D e E, réus nos autos à margem identificados, vieram apresentar as suas CONTRA - ALEGAÇÕES, dizendo, em síntese:
    
    A - Tendo em conta toda a prova produzida e constante dos autos, a factualidade em causa - o conjunto dos factos assentes e dados como provados - e respectiva subsunção ao direito, a sentença recorrida, não merece qualquer reparo ou censura, muito menos pelas razões invocadas pelos Recorrentes.
    B - Resulta com evidência que a compra da fracção autónoma “BR/C” em apreço nos autos por parte dos Recorrentes não se destinou à sua verdadeira aquisição, tendo sido efectuada tão só com o objectivo dos mesmos poderem requerer a residência em Macau ao IPIM, sendo ainda certo que o requerimento foi aprovado em Novembro de 2008 (alínea D dos factos assentes e quesito n.º 16).
    C - Analisada a sentença recorrida, logo se verifica que a mesma não viola o disposto no art. 571.°, al. d) do C.P.C, porquanto contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, na mesma aprecia-se a questão da utilização da procuração antes do decurso do prazo estipulado.
    D - Acontece que, tendo analisado a questão, o Tribunal a quo não decidiu no sentido pretendido pelos Recorrentes.
    E - As questões que o juiz deve conhecer reportam-se às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 06/03/2012, no âmbito do processo 6509/05.2TJLSB.L1-7).
    F - Tendo em conta que na sentença recorrida se apreciam todas as questões que lhe cabia conhecer, onde se inclui a questão da utilização da procuração, não padece a mesma de qualquer nulidade.
    G - A resposta contida no Acórdão que procedeu à resposta à matéria de facto do Tribunal a quo, ainda que lacónica quanto aos matéria de facto não provada, é suficiente.
    H - Referiu o Tribunal a quo que, em relação aos factos não provados, a prova testemunhal não foi suficiente, funcionando portanto as regras do ónus da prova, com a consequência de terem de ser considerados não provados, especificando quanto, aos quesitos 22.° a 26.°, que as partes deviam ter junto prova documental para o efeito.
    I - Porém, quando assim não se entenda e se venha a concluir que a resposta do Tribunal à matéria de facto não provada foi insuficiente, de referir que ainda recentemente o Tribunal de Segunda Instância da RAEM, por Acórdão datado de 16/02/2012, no âmbito do recurso n.º 705/2011 processo foi chamado a apreciar a mesma questão, tendo concluído que: “(...) II - A violação do art. 556.°, n.° 2 do CPC, quando ocorra, não gera nulidade da decisão sobre a matéria de facto, nem nulidade da sentença, mas eventual remessa dos autos à 1ª instância se o tribunal “ad quem” na apreciação prévia que fizer do caso, concluir que a fundamentação omitida ou insuficiente recai sobre “algum facto essencial” (n.º 5, cit. art.)"
    J - Quanto à pretendida impugnação da resposta ao quesito n.º 7, cumpre referir que os Recorrentes, pretendendo alterar o sentido da resposta a tal quesito, não dão minimamente cumprimento ao disposto no art. 599.° do C.P.C. ("ónus do Recorrente que alegue sobre matéria de facto"), sendo certo que a prova de tal quesito (à semelhança da prova dos quesitos 6.° e 8.°) competia inequivocamente aos Recorrentes.
    K - Os recorrentes são incapazes de mencionar um único meio de prova que tenham levado ao processo e - por referência à gravação - indicar o sentido em que se impõe decisão diversa da recorrida.
    L - Em bom rigor, no caso, até podíamos estar a falar de uma doação da 1ª Recorrida aos 2.° e 3.os Recorridos, sem que daí fosse legítimo extrair qualquer ilação quanto ao conhecimento dos 2.° e 3.° Recorridos de que os Recorrentes só pretendiam que o imóvel só poderia ser vendido mais tarde.
    M - De um preço estabelecer uma presunção de conhecimento quanto à vontade dos Recorrentes é totalmente inadmissível.
    N - Assim, deve ser negado provimento à pretendida alteração à resposta ao quesito 7 da base instrutória, cujo ónus de prova cabia inequivocamente aos Recorrentes, desde logo por não cumprimento do disposto no art. 599.°, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P.C..
    O - A procuração em causa nos autos foi (notarialmente) outorgada em benefício da ora 1ª Recorrida, razão pela qual tem a natureza de procuração irrevogável.
    P - Foi a 1ª Recorrida que pagou o preço de aquisição do "imóvel" pelos Recorrentes (quesitos n.ºs 15 e 21 dados como provados).
    Q - Como resultou provado que a 1ª Recorrida receou que os Recorrentes vendessem a terceiros a fracção objecto do contrato promessa junto à petição inicial como doc. 2, cujo direito de aquisição lhe pertencia, ou que esta fosse penhorada pelos credores dos mesmos, razão pela qual vendeu, em nome e representação dos Recorrentes, o imóvel em causa ao 2.° Recorrido (resposta ao quesito 28.°).
    R - Receio esse, além do mais, claramente evidenciado na certidão de registo predial relativa à fracção BS7 da titularidade dos Recorrentes, tendo em conta que os estes celebraram dois contratos promessa em relação ao mesmo imóvel, sendo certo ainda que, em relação a um dos contratos promessa, está pendente - e registada - acção de execução especifica, por incumprimento dos Recorrentes.
(conforme resulta das certidões juntas aos autos por requerimento de 04.10.2011)
    S - Tendo a procuração, ao abrigo da qual a 1ª Recorrida procedeu à venda do imóvel aos 2.° e 3.° Recorridos em 14.09.2009, sido outorgada também em benefício do procurador - procuração irrevogável - dúvidas não podem restar de que a 1ª Recorrida utilizou legitimamente e com justa causa a procuração que lhe fora outorgada.
    T - Caso a 1ª Recorrida não utilizasse a procuração que foi outorgada em seu benefício, correria o risco de perder, quer o imóvel, quer o valor do empréstimo que concedeu aos Recorrentes no avultado montante de MOP$823.200,00.
    U - A 1ª Recorrida agiu e procedeu à venda do imóvel com poderes de representação, tanto mais que a procuração foi outorgada em seu benefício, donde não se verificam os pressupostos do art. 261.° do Código Civil.
    V - Sendo ainda certo que a utilizou antes do prazo convencionado, mas fê-lo com justa causa, com receio de perder o imóvel e o valor do por que antecipadamente o adquiriu (o valor do empréstimo aos Recorrentes), pelo que também não se verificam as consequências invocadas pelos Recorrentes ao mencionar as disposições dos artigos 271.°, 265 e 266.° do Código Civil.
    X - Dúvidas não podem existir e resultou claramente demonstrado nos autos que os 2.° e 3.° Recorridos são terceiros adquirentes de boa fé, razão pela qual ao caso não têm aplicação os artigos 261.° e 262.° do Código Civil.
    Z - Com efeito, da análise da procuração não consta qualquer prazo de validade ou limitação ao exercício dos poderes; a mesma é válida e eficaz imediatamente após a sua outorga, podendo os poderes conferidos ser plenamente exercidos pelo procurador.
    AA - Não se verificam os pressupostos do art. 262.° do Código Civil, porquanto os 2.° e 3.° Recorrentes não tinham conhecimento ou tão-pouco como ter conhecimento de que a 1ª Recorrida apenas poderia utilizar a procuração decorrido certo prazo.
    BB - Independentemente do instituto da responsabilidade contratual ou extracontratual, tinham os Recorrentes o ónus de demonstrar terem sofrido prejuízos.
    CC - Foi a 1ª Recorrida - e não os Recorrentes -, que procedeu ao pagamento do valor do imóvel em termos que os habilitaram a registar o imóvel em seu nome, sendo que o objectivo (logrado!) desse registo foi apenas o de os Recorrentes poderem requerer a residência em Macau.
    DD - Ora, os Recorrentes não sofreram, ou tão-pouco lograram demonstrar, quaisquer prejuízos, tal como resulta do facto de ter sido julgado não provado o quesito n.º 8, o qual, em todo o caso, nem foi impugnado em sede de recurso.
    Termos em que, e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deverá o recurso interposto ser declarado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    Durante o período entre 27 de Abril de 2007 e 10 de Setembro de 2009, os AA. eram donos e proprietários legais da fracção autónoma B do r/c - "BR/C", para comércio, do prédio sito em Macau, com os números 161 a 179 da Avenida Marginal do Patane, inscrito na matriz predial da freguesia de Santo António sob o art. 37838, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21578 (vide doc. n.º 1 junto com a p. i.). (A)
    A dita fracção autónoma foi adquirida pelos AA. mediante escritura pública celebrada em 26 de Abril de 2007 pelo preço de MOP$823. 200,00 (oitocentos e vinte e três mil e duzentas patacas). (B)
    Após a aquisição pelos AA. da propriedade da dita fracção, foi efectuada a inscrição a favor deles na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 152733G (vide doc. n.° 1 junto com a p.i.). (C)
    Os AA. adquiriram a dita fracção com o objectivo de requerer junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a fixação de residência em Macau, tendo tal pedido de fixação de residência por investimento sido deferido em Novembro de 2008. (D)
    Em 26 de Abril de 2007 (no mesmo dia em que os AA. adquiriram a propriedade da fracção referida em B) dos factos assentes), os AA. celebraram com a 1ª R. um "contrato-promessa de compra e venda" que tinha como objecto a mesma fracção, pelo preço de HKD$700.000,00, equivalente a MOP$721.000,00, não tendo sido combinado entre as partes em tal contrato o pagamento de sinal (vide doc. n. ° 2 junto com a p.i.). (E)
    O artigo 2° do contrato acima aludido dispõe que "os 1° e 2ª outorgantes concordam em realizar a transacção do imóvel decorridos sete anos, na data marcada pelo Cartório Notarial de Macau, …". (vide anexo 2) (F)
    No entanto, em 9 de Junho de 2009, a procuradora (ora 1ª R.) pediu ao Dr. Nuno Simões, notário privado, a emissão do certificado da dita procuração, e depois em 10 de Setembro de 2009, vendeu, em representação dos AA. e na qualidade de procuradora, a fracção autónoma "BR/C" do prédio descrito na C.R. P. sob o n.º 21578 ao 2º R., mediante escritura pública de compra e venda lavrada pelo Dr. Fong Kin IP, advogado e notário privado (vide anexos 5 e 6, que aqui se dão por integralmente reproduzidos). (G)
    Em 14 de Setembro de 2009, os 2º e 3ª RR. pediram, mediante requerimento n.º 111, junto da Conservatória de Registo Predial, o registo de aquisição da dita fracção autónoma, para a modificação do registo relativo à propriedade de tal imóvel e a realização do registo definitivo a favor deles (vide fls. 32 a 38 do doc. n.º 1). (H)
    Os AA., a pedido da 1ª R., outorgaram, em 26 de Abril de 2007 (no mesmo dia em que foi outorgado o "contrato-promessa de compra e venda"), uma procuração, a favor da 1ª R., que lhe concedeu poderes para a prática de negócio jurídico consigo mesmo em relação à fracção autónoma "BR/C" do prédio descrito sob o n.º 21578 (doc. 3 da p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido). (1º)
    A dita procuração foi outorgada em benefício da procuradora (1ª R.). (2°)
    A seguir, os AA. e a 1ª R. deslocaram-se ao escritório da advogada Ora. Maria de Lourdes d' Assumpção para assinarem uma "declaração" em que foi acordado um prazo para a utilização da dita procuração, estipulando-se que a procuradora (1ª R.) não poderá dar em hipoteca nem vender a fracção em causa dentro do prazo de 7 anos a contar da data de outorga da procuração (doc. n.º 4 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido). (3º)
    Após a outorga de tal "declaração", os AA. entregaram a dita procuração à advogada Ora. Maria de Lourdes d' Assumpção confiando-lhe a guarda da mesma. (4º)
    A 1ª R. vendeu a dita fracção autónoma ao 2° R. pelo preço de MOP$135.000,00. (5°)
    O marido da 1ª R. (F) tinha concedido aos AA. um empréstimo de HKD$327.000,00, tendo os últimos declarado dar de hipoteca a favor do marido da 1ª R. uma fracção autónoma designada por "BS7", do prédio si to em Macau, com o n.º 161 da Avenida 1° de Maio. (9°)
    Tal hipoteca obstaria aos AA. a pedir a fixação de residência em Macau. (10°)
    A dada altura, os AA. pretendiam proceder ao reembolso da dívida e ao cancelamento da hipoteca. (11°)
    Tendo o credor F falecido, o cancelamento da hipoteca só seria possível após o inventário por sucessão daquele, o qual levaria algum tempo a concluir. (12º)
    A 1ª R. sugeriu aos M. uma solução alternativa que consistia na aquisição por estes de um outro imóvel que pertencia a G (fracção autónoma designada por "BR/C" do prédio sito em Macau com os nºs 161 a 179 da Avenida Marginal do Patane, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21578), com base no qual os M. iriam requerer a fixação de residência. (13°)
    A fim de não protelar mais as formalidades do pedido de fixação de residência, a G e os M. celebraram, em 26 de Abril de 2007, uma escritura pública de compra e venda na qual a primeira declarou vender aos segundos a sua fracção acima referida, e estes declararam comprar àquela, pelo preço de MOP$823.200,00. (14°)
    A 1ª R. emprestou aos M. a quantia de MOP$823.200,00, em numerário, tendo aquela, por sua vez, pedido ao Sr. H para ir depositar a mesma quantia na conta bancária da 2ª A. e, posteriormente, pediram os M. ao banco que emitisse uma ordem de pagamento com base no referido dinheiro para pagar a G o preço do imóvel. (15º)
    Com base nessa aquisição, os AA. requereram a fixação de residência j unto do Instituto de Promoção de Comércio e do Investimento de Macau. (16°)
    A 1ª R. e os AA. entretanto acordaram que, uma vez decorrido o prazo de 7 anos durante o qual os segundos se encontravam impedidos de vender o imóvel que adquiriram ao abrigo da lei de fixação de residência, o mesmo seria transferido para a primeira. (17º)
    Pelo que assinaram o contrato-promessa j unto à petição inicial como doc. n.° 2 através do qual os AA. prometeram vender à 1ª R. o mesmo imóvel pelo preço de MOP$721.000,00. (18°)
    As partes declararam no dito contrato que o preço seria pago no momento da celebração da escritura pública de compra e venda, decorridos 7 anos. (19°)
    A fim de garantir o cumprimento do negócio prometido, os AA. outorgaram ainda a procuração j unto à petição inicial como doc. n.º 3 através da qual os mesmos conferiram à 1ª R. plenos poderes de administração e disposição sobre o imóvel. (20°)
    Tendo em conta o empréstimo aludido em 15°, os AA., através do acordo junto à petição inicial como doc. n.º 4, conferiram que a 1ª R. tinha a direito de usar o imóvel sem necessidade de pagar qualquer contrapartida. (21º)
    A 1ª R., recendo que os AA. vendessem a terceiros a fracção objecto do contrato-promessa j unto à petição inicial como doc. n.° 2 cujo direito de aquisição lhe pertencia ou que esta fosse penhorada pelos credores dos mesmos, vendeu, em nome e representação dos AA., o imóvel em causa ao 2° R. (28°)
    Em 21 de Julho de 2006, os AA. haviam celebrado com F, marido da 1ª R., um contrato de empréstimo no montante de HKD$327.000,00; e em 8 de Setembro e 23 de Outubro do mesmo ano, os AA. voltaram a celebrar com F, marido da 1ª R., dois contratos de empréstimos no montante de HKD$84.800, 00 e HKD$87.200,00, no total de HKD$499.000,00 (vide doc.s n.ºs 1 a 3 juntos com p.i., que aqui se dão por integralmente reproduzidos). (30º)
    Posteriormente, quando os AA. pretenderam reembolsar os empréstimos a F, marido da la R. esta já tinha falecido, pelo que os AA. pagaram à 1ª R. (C) a quantia de HKD$500.000,00 para reembolsar os empréstimos acima aludidos, tendo, ao mesmo tempo, lhe pedido para proceder, com a maior brevidade possível, ao cancelamento da hipoteca da fracção autónoma BS7 (vide doc. n.º 4 junto com a réplica). (31°)
    Tendo em conta que o cancelamento da hipoteca da fracção autónoma BS7 levaria algum tempo a concluir, a 1ª R., por tomar conhecimento de que os AA. necessitaram de um imóvel para requerer junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a fixação de residência em Macau, sugeriu aos AA. a solução aludida em 13°. (32°)

    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
- Motivação da convicção
- Representação sem poderes
- Abuso de representação
- Da indemnização
    
2. Nulidade da sentença
    
    Os AA., ora recorrentes, defendem que uma questão por si colocada, o facto de ter sido usada uma procuração numa situação de representação sem poderes, na medida em que o uso desta se encontrava limitado pela declaração de acordo assinada pelos recorrentes e 1ª R que fixou um termo de não utilização da procuração, não foi conhecida pelo Tribunal
    O Tribunal a quo não terá tomado sua posição quanto ao prazo de sete anos aplicado ao uso da procuração e ao facto de o uso da procuração no referido prazo pela 1ª R. ser um acto de poderes sem representação.
    Pelo que, segundo o art.º 571º, nº 1, al. d) do CPC, seria nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
    Não têm razão os recorrentes.
    Dispõe o art. 571.°, al. d) do C.P.C.:
    "É nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça questões de que não podia tomar conhecimento."
    Contrariamente ao que sustentam os recorrentes, na sentença recorrida aprecia-se a questão da utilização da procuração antes do decurso do prazo estipulado. Basta ler a fundamentação da sentença para imediatamente se retirar que o Mmo Juiz a quo analisou a questão, enquadrando-a nos institutos jurídicos da "Representação sem Poderes" e do "Abuso de Representação."
    O Mmo Juiz é muito claro enquanto afirma textualmente que não se está perante uma situação de representação sem poderes e diz porquê tal como consta de fls. 11 da sentença proferida. Afirma que a procuração foi passada pelos outorgantes, procuração que conferiu plenos poderes de administração e de disposição à 1ª Ré, procuração que serviu para garantir o empréstimo de dinheiro concedido por esta aos AA. E a sentença não obnubilou o facto de os contraentes terem estipulado que a procuradora não podia utilizar a procuração durante um período de 7 anos, concluindo pela violação do acordado, abusando dos poderes que lhe foram conferidos.
    Como está bem de ver, o Mmo Juiz pronuncia-se sobre a questão, afastando a existência de um acto praticado sem poderes, mas antes o configurando como uma situação de abuso de poderes, entendendo ser-lhe aplicável o regime da ineficácia do negócio em relação aos mandantes se o adquirente que contratou como mandatário conhecesse ou devesse conhecer o abuso.
    Nada de mais claro e cristalino. A questão foi analisada e devidamente explicada.
    Pelo exposto, tendo em conta que na sentença recorrida se apreciam todas as questões que lhe cabia conhecer, onde se inclui a questão da utilização da procuração, não padece a mesma de qualquer nulidade.
    
    3. Impugnação do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo.
    Discordam ainda os recorrentes das respostas negativas dadas aos quesitos n.ºs 6 a 8, 22 a 27 e 33 a 38.
     A lei exige que o tribunal quando declara os factos provados e os não provados, analise criticamente as provas e especifique os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, o que não terá acontecido no caso sub judice. Para além das respostas negativas aos quesitos nºs 22 a 26. Ora, o Tribunal a quo não teria especificado os fundamentos quanto às respostas dadas, em violação do o artº 556º, nº 2 do CPC.
     Além disso, os recorrentes pretendem impugnar a resposta negativa dada ao quesito nº 7 - Ao adquirir a fracção em causa pelo preço de MOP$135.000,00, o 2º R. sabia que a 1ª R. agiu contra a vontade dos AA. (representados) pela venda da fracção autónoma em causa, ou seja, a 1ª R. violou as instruções de não vender a fracção em causa antes de 2014? - , na medida em que o Tribunal a quo deu como provado o facto de que os AA adquiriram, em 26 de Abril de 2007, a fracção autónoma BR/C para uso comercial pelo preço de MOP823.200,00 (vd. factos assentes (B)) e que a 1ª R. vendeu, em 10 de Setembro de 2009, a referida fracção ao 2º R. pelo preço de MOP135.000,00 (vd. resposta ao quesito 5), sabendo-se, como se sabe, que o preço dos imóveis tem subido bastante durante os últimos anos e que o preço de uma habitação ordinária é, pelo menos, de mil e tal patacas por pé quadrado.
     Tais factos, não carecem de alegação nem de prova (artº 434º, nº 1 do CPC) e recorrendo às regras práticas da experiência, qualquer residente de Macau, ficaria com dúvidas sobre tal preço tão baixo.
    
     Ainda aqui não assiste razão aos recorrentes.
     Atente-se, desde logo, no facto de os recorrentes não dizerem por que razão é que a resposta a tais quesitos devia ser outra. Donde, perder algum sentido afirmar apenas uma discordância quanto ao sentido das respostas, se não se pugna nem se explica por que razão a resposta devia ser diferente.
     De todo o modo, na resposta à matéria de facto, diz-se expressamente que: "No respeitante à matéria que não foi dada como provada (referindo-se, portanto, a todos os factos dados como não provados), (...) entendeu o Colectivo que a prova testemunhal era insuficiente, devendo as partes ter juntado prova documental para o efeito, mas não foi o caso"
    Em relação aos quesitos 22.° a 26.°, o Tribunal acrescentou que as partes deviam ter junto prova documental para o efeito.
    
    A propósito da motivação da convicção actualizamos os ensinamentos do TUI:
“Aliás, embora este Tribunal nunca se tenha pronunciado sobre a questão em apreço, em processo civil, já o fez em processo penal. No Acórdão de 11 de Julho de 2001, no Processo n.º 9/2001, dissemos, a propósito do artigo 355.º, n.º 2, do Código de Processo Penal que “A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão pode satisfazer-se com a revelação da razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal”. Mas adiantámos que o Código de Processo Civil era mais exigente na fundamentação da decisão de facto. E que tal exigência – de análise crítica das provas - não se faz na lei de processo penal. Ou seja, no nosso referido Acórdão, estava já pressuposto que, em processo civil, não bastava a mera indicação genérica dos meios de prova.
Pois bem, a análise crítica das provas passa pela indicação concreta dos meios de prova que foram decisivos para o julgamento dos factos provados e dos não provados. Mas, como explicitam J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO “A imposição da fundamentação não impede necessariamente que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais do que um facto da base instrutória, quando os factos objecto da motivação se apresentem entre si ligados e sobre eles tenham incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova. Essa motivação conjunta pode até ser concretamente aconselhável”. -J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código..., Volume 2.º, p. 661 e 662.
É, pois, manifesto que a fundamentação do julgamento em 1.ª instância, com uma mera indicação de documentos, do depoimento de partes e de inquirição de testemunhas, sem as indicar concretamente e sem as relacionar com as pronúncias sobre o julgamento dos factos, era manifestamente insuficiente, pelo que não merece censura o Acórdão recorrido, nesta parte.”
    Descendo ao nosso caso, verificamos que o acórdão é algo lacónico, mas importa ter presente que estamos perante respostas negativas e o Tribunal disse que a prova testemunhal não era suficiente. É aqui que releva a observação já acima apontada que, para este Tribunal poder apreciar da correcção do julgamento da matéria de facto, os recorrentes deviam ter indicado quais os concretos elementos de prova que deviam ser apreciados e que deviam conduzir a uma resposta diferente, procedendo conforme o artigo 599º do Código de Processo Civil dispõe.
    Os recorrentes fazem-no apenas em relação ao quesito 7º, quesito este que se configura como essencial quanto à decisão de direito que não nos merece censura.
    Importava saber se o adquirente do imóvel, ao adquiri-lo, sabia que o procurador, enquanto representante dos proprietários, agia com abuso de representação, ou sabia que este estava a agir contra a vontade dos seus representados.
    Os recorrentes invocam, para sustentar a sua tese, apenas as regras da experiência comum, basicamente, que era suposto desconfiarem de um preço tão baixo. Ora, se essa desconfiança é plausível, já o não é tão linearmente o facto de o procurador estar a vender contra as instruções dos seus representados. Bem pode acontecer que fossem estes, por uma variedade de razões, que estivessem interessados em vender por tal preço. E o certo é que para além disto mais nada avançam os recorrentes e nada se evidencia que tivesse de conduzir a uma resposta afirmativa. No fundo, o que o Tribunal disse foi que as testemunhas não confirmaram esse facto, um elemento interno, do foro cognoscitivo e os recorrentes não desmentem. Na verdade, não dizem que esta ou aquela testemunha disse isto ou aquilo, cujo depoimento por esta ou aquela razão devia ser verosímil. Não, sobre o facto em causa, para além de uma interpretação possível a partir das regras da experiência comum, nada.
    Acresce que não dão eles cumprimento ao disposto no art. 599.° do C.P.C, a propósito do ónus do recorrente que alega sobre matéria de facto. Com efeito, a prova do quesito n.º 7 competia inequivocamente aos recorrentes.
    Não é legítimo, em boa verdade, a partir de um preço, estabelecer uma presunção de conhecimento quanto à vontade dos recorrentes, tanto mais que da procuração em causa nos autos não vem estabelecido qualquer prazo para o exercício dos poderes que pela mesma foram conferidos.
    Assim se nega provimento à pretendida alteração à resposta ao quesito 7º da base instrutória, cujo ónus de prova cabia inequivocamente aos recorrentes.

    4. Da inexistência de abuso de representação e de representação sem poderes
    Atentos os factos que vêm provados, resulta com evidência que a compra da fracção autónoma "BR/ C" em apreço nos autos por parte dos recorrentes foi efectuada tão só com o objectivo dos mesmos poderem requerer a residência em Macau ao IPIM, sendo ainda certo que o requerimento foi aprovado em Novembro de 2008 (alínea D dos factos assentes e quesito n.º 16).
    Mais resulta dos autos que a procuração foi notarialmente outorgada em benefício da ora 1ª recorrida, que emprestou o dinheiro e para sua garantia, acordou com os AA., mutuários, a outorga da procuração irrevogável de celebração de negócio consigo mesmo, sob a forma legalmente exigível para o efeito (quesitos n.ºs 1 e 2 dados como provados e doc. 3 junto com a petição inicial).
    Mais resulta que foi a 1.ª recorrida que pagou o preço de aquisição do "imóvel" pelos recorrentes (quesitos n.ºs 15 e 21 dados como provados).
    E como resultou provado que a 1.ª recorrida receou que os recorrentes vendessem a terceiros a fracção objecto do contrato promessa junto à petição inicial como doc. 2, cujo direito de aquisição lhe pertencia, ou que esta fosse penhorada pelos credores dos mesmos.
    Razão pela qual vendeu, em nome e representação dos recorrentes, o imóvel em causa ao 2.° Recorrido (resposta ao quesito 28.°).
    Ora, tendo a procuração, ao abrigo da qual a 1ª recorrida procedeu à venda do imóvel aos 2.° e 3.° Recorridos em 10.09.2009, sido outorgada também em benefício do procurador - procuração irrevogável - dúvidas não podem restar de que a 1ª recorrida utilizou legitimamente e com justa causa a procuração que lhe fora outorgada.

   É dentro deste enquadramento fáctico que se deve analisar a questão relativa à falta de poderes e ao abuso de representação.
  
     Receio esse, além do mais, claramente evidenciado na certidão de registo predial relativa à fracção BS7 da titularidade dos recorrentes, tendo em conta que estes celebraram dois contratos-promessa em relação ao mesmo imóvel, sendo certo ainda que, em relação a um dos contratos-promessa, está pendente - e registada acção de execução específica, por incumprimento dos recorrentes, conforme resulta das certidões juntas aos autos.
     Caso a 1ª recorrida não utilizasse a procuração que foi outorgada em seu benefício, correria o risco de perder, quer o imóvel, quer o valor do empréstimo que concedeu aos recorrentes no avultado montante de MOP$823.200,00.
    Certo é que a 1ª recorrida agiu e procedeu à venda do imóvel com poderes de representação, ainda que em violação do acordado quanto ao uso de tais poderes.
    E sobre o enquadramento jurídico e efeitos do negócio celebrado mais nada temos a dizer se não o de sufragar o entendimento do Mmo Juiz a quo, enquanto disse:
    “De um modo geral, se alguém tiver actuado em nome de outrem mas sem poderes para tal, os actos praticados pelo representante são ineficazes em relação ao representado, salvo obtida ratificação por parte deste.
    In casu, provado que para garantir o empréstimo de dinheiro concedido pela 1ª R., os AA. celebraram com aquela um acordo denominado "contrato-promessa de compra e venda de imóvel", e em simultâneo, outorgaram uma procuração conferindo plenos poderes de administração e de disposição à 1ª R.
    Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendo que, por os AA. terem conferido poderes à 1ª R. através da outorga da competente procuração, julgo que não podemos configurar a situação em apreço como um caso de representação sem poderes.
    Mas, por outro lado, terá a 1ª R. abusado dos poderes conferidos pelos AA.?
    Vejamos.
    Ao abrigo do artigo 262º do Código Civil, consagra-se que o disposto no artigo 261º é aplicável ao caso de abuso de representação.
    Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, VoI. I, 4ª edição, p. 249, opinaram que "Há abuso dos poderes de representação, quando o representante, actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado".
    Também José Alberto González, in Código Civil Anotado, Volume I, Sociedade Editora Limitada, p. 352, escreveu que "Ao contrário do que sucede na representação sem poderes, no abuso de representação o procurador dispõe dos poderes representativos que põe em actuação. Sucede, no entanto, que, ao exercê-los, ultrapassa aquela que é a vontade do representado (manifestada v. g. por directrizes ou instruções) tal como ele a conhece ou devia conhecer."
    Ora, provado na presente acção que AA. e 1ª R., em complemento à procuração, acordaram ainda que dentro do período de 7 anos, a última prometeu não vender o imóvel, e decorrido esse prazo de 7 anos, a fracção seria então transferida para o nome da 1ª R.
    No entanto, e em violação do referido acordo, a 1ª R., munindo da respectiva procuração, vendeu, a 10 de Setembro de 2009, a fracção autónoma ao 2º R., tendo este último efectuado o registo de aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial.
    Face à situação acabada de descrever, podemos concluir que a 1ª R. violou efectivamente o acordado, abusando dos poderes que lhe foram conferidos pelos AA., em virtude de ter vendido a fracção autónoma ainda dentro do período de 7 anos, pois, embora à 1ª R. tenha sido conferidos poderes de disposição da referida fracção, mas a verdade é que acordaram também que a 1ª R. só iria exercer os poderes conferidos depois de decorrido o prazo de 7 anos, mas não foi o caso.
    Dispõe-se no artigo 262º do Código Civil que o regime da ineficácia previsto no artigo 261º só é aplicável se a outra parte, neste caso o 2º R. conhecia ou devia conhecer o abuso, caso contrário, o negócio considera-se validamente celebrado em nome do representado, sem prejuízo da eventual responsabilidade que pode incidir sobre o procurador.
    Ainda nas palavras de José Alberto Gonzalés, na mesma obra citada, pág. 352, o seguinte: "das duas uma, ou a contraparte conhecia ou devia conhecer o abuso, caso em que se segue o regime da representação sem poderes e, portanto, o negócio celebrado é, em princípio, ineficaz, a menos que o representado o ratifique; ou acontece o inverso, hipótese em que o negócio celebrado pelo procurador vincula o representado (incorrendo aquele, eventualmente, em responsabilidade civil pelos possíveis danos causados)".
    Também Pires de Lima e Antunes Varela, na mesma citada obra, p. 250, entenderam que "o facto de o representado ficar neste caso do abuso da representação sujeito a um regime para ele mais exigente e apertado do que no caso da representação sem poderes explica-se pela circunstância de, na primeira hipótese, as expectativas da outra parte, fundadas na existência dos poderes de representação, nascerem de uma base mais sólida, mais consistente, visto o representante actuar, formalmente, dentro dos limites dos poderes que lhe foram outorgados".
    Em termos de direito comparado, e para efeitos de consulta, temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-11-1998: BMJ 381°-640, em que se decidiu "há abuso de representação se o representante vende por 1.300.000$00 um bem que valia para cima de 9.000.000$00, e o comprador conhecia ou devia conhecer esse abuso".
    No caso em apreço, provado não está que os 2 ° e 3ª RR. sabiam ou deviam saber do invocado abuso de representação aquando da aquisição da fracção em causa (conforme resposta negativa aos quesitos 6° a 8°), assim, salvo melhor opinião, deve considerar-se válida o negócio de compra e venda celebrada pelos 1ª e 2° RR., aquela em representação dos AA., pelo que, devendo ser julgados improcedentes os primeiros três pedidos dos AA. “
    
    Em suma:
    Determina, o artº. 261º, nº. 1, do Código Civil que "o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado".
    Estabelecendo, ainda, o artº. 262º do Código Civil que "o disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso".
    São, pois, três os elementos da facti species deste artº. 262º: 1 - uma actividade abusiva do representante; 2 - conhecimento ou dever de conhecer o abuso, por parte do terceiro; 3 - verificados os pressupostos anteriores, a cominação da ineficácia do negócio representativo, para o representado, nos mesmos termos do artº. 261º.1
    Resulta dos autos, sem, que a 1ª ré, ao celebrar, como representante dos autores, a escritura de compra e venda, agiu dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração passada pelos recorrentes e que essa procuração foi passada no interesse destes.
    O abuso de representação não ocorre apenas nas situações em que o representante excede, formalmente, os poderes que lhe foram conferidos. É que, ainda na representação, está presente a necessidade de salvaguarda dos interesses do representado (mesmo quando a procuração é emitida no interesse comum de representante e representado ou, mais raramente, no interesse único do representante voluntário), no âmbito do fim para que foi passada a procuração (que se descortina atendendo ao negócio que determinou a respectiva emissão, se o houve) ou das indicações do representado, como acontece no caso vertente.
    Assim, o abuso dos poderes de representação pelo representante - caso em que o negócio por ele celebrado é ineficaz em relação ao representado (artºs 261º e 262º) - existe também quando ele, "actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado .2
    "Há abuso, por exemplo, se o representado encarregou o procurador de lhe comprar uma casa para sua residência, e este, munido da procuração que lhe confere, genericamente, poderes para comprar, compra um prédio que não serve para aquele fim". Não obstante, "neste caso, só é aplicável o regime da ineficácia previsto no artigo anterior (268º) se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso. Em qualquer outro caso, o negócio considera-se validamente celebrado em nome do representado, sem prejuízo, claro, da responsabilidade que pode incidir sobre o procurador".3
    Como que ocorre, "nas situações de abuso da representação um abuso de direito: um abuso do direito formalmente existente para representar outrem. A esta situação a lei reage como se os poderes formais não existissem. Segundo o disposto no artº. 269º são aplicáveis, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso, as regras do artº. 268º sobre a representação sem poderes".4
    Certo que nos casos em que a procuração é subscrita também no interesse do representante (ou só no interesse dele) haverá que atender, sobretudo, ao teor do negócio que desencadeou a emissão da procuração e concedeu poderes representativos, porquanto o representante, em situações dessas, perde, praticamente, o poder de instruir o representante ou de lhe dar indicações.
O interesse do mandatário ou de terceiro no mandato só é relevante para efeitos da sua consideração como mandato in rem propriam ou de interesse comum, quando tenha sido valorado pelas partes em termos de o mandante ter acedido a que o contrato seja também um instrumento de tutela jurídica da posição do outro interessado. Mas é claro que apesar do dominus não poder instruir o procurador, tal não significa que o procurador possa exercer os poderes de representação arbitrariamente e sem limite ou critério. O interesse do procurador não é um interesse subjectivo, que pode mudar conforme a sua vontade. O procurador não pode exercer os poderes que resultam da procuração de acordo com o seu livre arbítrio, tem que se conformar com o interesse que resulta da relação subjacente, não o podendo violar. Caso o procurador viole o interesse relevante, age em abuso de representação. Isso implica a aplicação do regime jurídico do artº. 262º do CC, podendo ainda dar causa a responsabilidade civil.
    
    5. Efeitos da procuração
    Como é óbvio, concluindo-se no sentido da validade do negócio perde sentido o efeito pretendido da revogação da procuração, como pretendem os recorrentes, ao dizerem que “se o abuso de representação ou a representação sem poderes são considerados motivos procedentes, assim deve ser revogada a procuração em causa, porquanto isto é a consequência necessária das condutas.”
    
    6. Da indemnização
    Sustentam os recorrentes que, quanto ao pedido subsidiário relativo ao abuso de representação e à representação sem poderes, os recorrentes tinham deduzido, com base na responsabilidade contratual prevista no artº 787º do CC, um pedido na petição inicial a requer indemnização à 1ª R.
    No entanto, o Tribunal a quo aplicou o artº 477º do CC (responsabilidade extracontratual) em vez do artº 787º do CC (responsabilidade contratual), por qual a sentença proferido pelo Tribunal a quo padece do vício de erro na aplicação da lei.
    A “declaração de acordo” foi celebrada pelos recorrentes e a 1ª R. por consentimento mútuo, pela qual são limitadas as vontades das partes outorgantes. Pelo exposto, tal declaração pode ser enquadrada no conceito de contrato. De facto, a 1ª R. viola o acordo supradito, tendo vendido a fracção em causa aos 2º R. e 3ª R. (vd. Factos assentes (G), (H) e resposta ao quesito nº 5).
    Nesta conformidade, o dever de indemnização da 1ª R. deve ser colocado no âmbito da responsabilidade contratual e não da extracontratual. Assim, o Tribunal a quo aplicou erradamente o artº 477º do CC.
    Acrescentam ainda, relativamente ao dano sofrido, que, apesar de não conseguirem provar que o acto da 1ª R. tenha causado aos recorrentes um dano no valor de MOP1.200.000,00, os mesmos entendem que deve inferir-se, com base no preço pelo qual os recorrentes compraram a fracção (MOP823.200,00) e no preço pelo qual a 1ª R. vendeu o imóvel (MOP135.000,00), que o dano sofrido é, pelo menos, de MOP688.200,00 (MOP823.200,00 - MOP135.000,00).
    
    Importa apreciar.
    Se os recorrentes podem ter razão quanto à aplicação do regime da responsabilidade extra-contratual quando devia reger, sobre a matéria em apreço, a responsabilidade contratual, essa é discussão que por si só não releva, importando analisar em que medida a aplicação de um determinado regime fez claudicar a pretensão dos autores.
    Ora, o pressuposto a que o Mmo Juiz atendeu para não conceder a indemnização foi um pressuposto comum em relação a ambos os tipos de responsabilidade, ou seja, os danos, concluindo pela sua não comprovação.
    E sobre isto, ainda aqui, não merece censura o juízo vertido na censura. Como é que a diferença de preço da venda do imóvel, para menos em relação à compra se pode traduzir num prejuízo se o dinheiro utilizado na compra foi emprestado pela procuradora?
    Contrariamente ao que sustentam os recorrentes não vêm demonstrados os prejuízos. Foi a 1ª recorrida que procedeu ao pagamento do valor do imóvel de forma a que aqueles obtivessem a residência na RAEM e pudessem registar o imóvel em seu nome.
    A 1ª recorrida violou o acordado, é certo. Mas fê-lo, munida de uma procuração que foi estabelecida no seu interesse, formalmente ainda dentro dos poderes conferidos por essa procuração, compreendendo-se que foi movida na defesa dos seus interesses, com receio de perder o dinheiro emprestado e ver desaparecer o imóvel comprado com o seu dinheiro que, face aos factos, não deixou de figurar como uma garantia do empréstimo efectuado.
    A violação da antecipação do prazo de 7 anos seria geradora do dever de indemnizar, mas os AA. não podiam deixar de comprovar muito claramente qual o seu efectivo prejuízo.
    Tudo visto e ponderado, o recurso não deixará de ser julgado improcedente.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes.
Macau, 27 de Setembro de 2012,
  João A. G. Gil de Oliveira
  Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho (com declaração de voto em anexo)

Proc. nº 367/2012
Declaração de voto

Para além de sufragar o projecto sobre o mérito da decisão recorrida, também o acompanho na parte em que previamente se pronuncia sobre a matéria do art. 7º da Base Instrutória. Já cremos, porém, que o recorrente tem razão a respeito da falta de motivação e análise crítica quanto às respostas negativas à matéria dos arts.6º,8º, 22º a 27º e 33º a 38º da mesma B.I. Com efeito, nada se tendo provado sobre tais “quesitos”, cumpriria ao tribunal recorrido, no acórdão que fez sobre o julgamento da matéria de facto, cumprir o que preceitua o art.556º,nº2, do CPC, tal como, sobre este assunto, já o ajuizou este TSI (Ac. de 27/10/2011, Proc. nº 979/2009) e o TUI recentemente o confirmou (Ac. de 31/07/2012, Proc. nº 39/2012).
Só entendo, ainda assim, que se não pode fazer a remessa dos autos à primeira instância a coberto do art. 629º, nº5, do CPC, uma vez que os recorrentes nada requereram nesse sentido.
TSI, 27/09/2012
_____________________
José Candido de Pinho
1 (2) Helena Mota, in "Do Abuso de Representação", Coimbra, 2001, pág. 164.
2 Acs. STJ de 06/04/83, in BMJ nº. 326, pág. e de 29/04/2003, no Proc. 907/03 da 1ª; Acs. RP de 01/02/93, in CJ, Ano XVIII, 1, pág. 219 e de 07/11/95, no Proc. 858/93 da 5ª secção.
3 Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pág. 249.
4 Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português", Coimbra, 1992, pág. 489.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

367/2012 1/40