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Processo nº 73/2012
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 08 de Novembro de 2012

ASSUNTO:
- Legitimidade activa
- Finalidade do recurso contencioso
- Erro na forma do processo

SUMÁRIO :
- Dispõe o artº 33º do CPAC que têm legitimidade para interpor recurso contencioso:
a) As pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso;
b) Os titulares do direito de acção popular;
c) O Ministério Público;
d) As pessoas colectivas, ainda em relação aos actos lesivos dos direitos ou interesses que a elas cumpra defender;
e) Os municípios, também em relação aos actos que afectem o âmbito da sua autonomia.
- Não tem legitimidade activa por falta de interesse directo no provimento do recurso se a intenção real da recorrente não é a anulação do acto recorrido com vista a obter a isenção do Imposto, mas sim, por via dessa, obter o reconhecimento, duma forma indirecta e com efeito obrigatório geral, do estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros.
- O recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica – artº 20º do CPAC – e não visa reconhecer qualquer direito ou interesse legalmente protegido, pelo que é, de todo em todo lado, meio inepto e incapaz de alcançar ao efeito real pretendido pela recorrente.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 73/2012
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 08 de Novembro de 2012
Recorrente: Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A.
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

  I – Relatório
  Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A., melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 16/11/2011, que negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto contra o despacho da Sra. Directora dos Serviços de Finanças, de 27/06/2011, pelo qual se indeferiu o seu pedido de isenção de imposto sobre 3 veículos motorizados, concluindo que:
1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
2. Constitui objecto do presente recurso o seu despacho de 16 de Novembro de 2011, que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto contra o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 27 de Junho de 2011.
3. Tudo como se extrai do teor do Ofício n.º 099/NAJ/DB/2011, de 24 de Novembro.
4. Porquanto entende a entidade recorrida que não pode a ora recorrente aceder à norma de isenção da alínea 1) do n.º 1) do artigo 6.º do RIVM, em virtude de não ser uma empresa concessionária do serviço público de transporte colectivo terrestre, o que não se concede.
5. No procedimento a ora recorrente apresentou junto da DSF 3 pedidos de isenção de IVM ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.° do RIVM.
6. Os requerimentos de isenção foram indeferidos por despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, datado de 17 de Maio de 2011, exarado sobre a Informação n.º 0237/NVT/DOI/RFM/2011, conforme resulta do teor do Ofício n.º 0762/NVT/DOI/RFM/2011.
7. Sustentando que a requerente não detinha a qualidade de concessionária e, por isso, não preenchia um dos requisitos da norma invocada para a isenção pretendida.
8. Consequentemente, em 8 de Junho de 2011, foi apresentada reclamação, a qual não foi atendida pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças, nos termos do seu despacho de 27 de Junho de 2011, exarado sobre a Informação n.º 044/DCP/2011, que manteve a fundamentação, conforme resulta do Ofício n.º 0895/NVT/RFM/2011, de 29 de Junho, da DSF.
9. O que determinou a apresentação de recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, o que se fez por requerimento entrado na DSF em 29 de Julho de 2011.
10. O qual, conforme se extrai do Ofício n.º 099/NAJ/DB/2011, de 24 de Novembro, manteve, por despacho de 16 de Novembro de 2011, não só o indeferimento dos pedidos mas, também, a sua fundamentação, constituindo o acto recorrido.
11. Não entende a entidade recorrida esta postura lesiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos porquanto foram concedidas isenções fiscais ao abrigo da mesma norma - a alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.° do RIVM - à TRANSMAC e à TCM, ao abrigo do anterior contrato de concessão mas quando os veículos com benefício de isenção já não podiam servir o interesse público pelo termo do contrato.
12. O que levava a crer que não corriam perigo os interesses da ora recorrente, posto que permaneceria clara uma situação de concessão de serviço público.
13. Não foi o que se verificou, visto o indeferimento da sua pretensão e apesar de não ter havido qualquer reversão desses veículos da TRANSMAC e da TCM para a RAEM.
14. Julga a entidade recorrida que a Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio, define o conceito de "concessão de serviço público" bem como o regime jurídico do contrato de serviço público.
15. Extrai da alínea b) do seu artigo 2.° que este tipo de contratos são aqueles pelos quais se opera a transferência para outrem de poder em exclusivo, explorar, por sua conta e risco, os meios adequados à satisfação de uma necessidade pública individualmente sentida.
16. Pelo que o objecto do contrato será uma actividade de serviço público, onde o concessionário de se obrigar a gerir, por sua conta e risco, um serviço público.
17. Mais entende que na concessão de serviço público, a entidade concessionária actua por sua conta e risco sendo remunerada por meio de taxas ou tarifas a pagar pelos utentes, com concomitante gestão da responsabilidade financeira e do serviço público.
18. O que, alegadamente, se não verifica no Contrato existente entre a ora recorrente e a Administração posto que a primeira é paga pela verba global de MOP1.638.888.149,10.
19. Conclui que o Contrato mais não pode ser que uma mera aquisição de serviços, tanto mais que toda a gestão financeira do serviço permanece na DSAT.
20. Assim concluindo que não existe uma concessão que permita activar em favor da ora recorrente a norma de isenção da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM.
21. Termina a entidade recorrida com uma nota onde diz que as suas referências ao modus operandi do sistema de transportes expressa uma qualificação contratual, no sentido da responsabilidade pela gestão do serviço se manter na DSAT.
22. Não se pode concordar com a entidade recorrida na apreciação que faz do "Contrato entre a Região Administrativa Especial de Macau e a Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A. para a Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros à RAEM - Secção II e Secção V", lavrado em 4 de Janeiro de 2011.
23. Tudo porque a melhor doutrina (Gonçalves, Pedro (1999). A Concessão de Serviços Públicos. Portugal, Coimbra. Almedina) põe em crise a visão clássica das concessões aceitando que não é exigível que o risco pela actividade concessionada esteja a cargo da concessionária ou que dependa somente do preço do tarifário.
24. Assim se entendeu noutras concessões em Macau designadamente no "Contrato de concessão da construção e exploração do Aeroporto Internacional de Macau" e no "Contrato de concessão da prestação de serviços de operação e manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau".
25. Tudo apesar da alínea b) do artigo 2.° da Lei n.º 3/90/M, assim caindo por terra a tese da entidade recorrida.
26. A entidade recorrida não acautelou os ditames do Decreto-Lei n.º 64/84/M, de 30 de Junho que determina no n.º 2 do artigo 1.º que são sempre concessões de serviço público os serviços de transportes públicos.
27. O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 64/84/M, de 30 de Junho determina que se deve legislar sobre as bases gerais de cada um dos serviços públicos identificados no n.º 2 do artigo 2.° por forma a manter esta protecção dos serviços com interesse para toda a Região e, especificadamente, como bem de primeira necessidade pra os seus utentes.
28. Donde, quando a entidade recorrida diz que se trata neste caso de uma prestação de serviços de utilidade pública e não atende a esta lei, incorre em ilegalidade a todos os títulos insanável.
29. A Lei proíbe que sejam firmados contratos relativos ao serviço público de transportes terrestres por outra via que não seja a da concessão de serviço público, o que é o fundamento para que se tenha posteriormente legislado pelo Decreto-Lei n.º 50/88/M de 20 de Junho em igual sentido.
30. A Administração sempre pretendeu que esta actividade fosse tida como uma concessão, como se extrai dos termos do contrato e da página electrónica http://www.dsat.qov.mo/pt/news detail.aspx?a id=1225)
31. Contra isso milita erradamente a entidade recorrida.
32. É premente afirmar que, apesar de todo o procedimento concursal ter decorrido ao abrigo da legislação genericamente aplicável ao regime de aquisição de bens e serviços, o simples facto de o concurso público visar a adjudicação e, finalmente, a contratualização de um serviço de transportes terrestres, conduz-nos para as regras do Decreto-Lei n.º 50/88/M, de 20 de Junho, como veio a confirmar-se pela introdução da cláusula 10.ª no contrato.
33. Face à especialização do concurso em matéria de transportes terrestres, só se admite que os serviços a prestar se façam no regime de concessão de serviço público, conforme resulta da alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º do citado Decreto-Lei.
34. Outra interpretação é absurda. Caso o Contrato titulasse uma mera aquisição de serviços e não uma concessão o mesmo seria inválido numa dupla vertente: por falta de lei que sustentasse a aquisição nesses termos e por existência de lei que expressamente a proíbe, a saber, o Decreto-Lei n.º 64/84/M e o Decreto-Lei n.º 50/88/M.
35. Também neste sentido milita a melhor jurisprudência desse Venerando Tribunal, através do Douto Acórdão proferido no Processo n.º 10/2008, do qual resulta clara resulta a sujeição às regras da Lei n.º 3/90/M e DL 64/84/M foi especialmente firme na defesa dos pressupostos que defendemos.
36. O que mais sustenta que o Contrato sendo de serviço público de transportes tem de seguir o regime da concessão de serviços públicos.
37. É também falso o que afirma a entidade recorrida em matéria de risco.
38. A verba contratualmente prevista é uma era projecção de custos para a concedente com base numa quilometragem média e não tem em conta diversas vicissitudes do trânsito rodoviário que implicam que a ora recorrente possa não cumprir com os quilómetros previstos, sendo que esse risco corre por sua conta, independentemente da culpa.
39. Não tendo neste caso a Administração de pagar qualquer quantia pelos quilómetros não percorridos.
40. Estando por isso o risco do lado da ora recorrente.
41. Acresce que todas as exigências contratuais são um decalque da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio, que define os "Princípios gerais a observar nas concessões de obras públicas e serviços públicos".
42. Na defesa da nossa tese milita também a melhor doutrina de Freitas do Amaral (2011) a págs. 572 e 573, ao admitir outra forma de remuneração adequada que não o tarifário.
43. Conclui-se que a ora recorrente é uma empresa concessionária de transportes colectivos, o que conduz a que se possa arguir a invalidade do acto recorrido.
44. O que desde logo nos conduz à Possibilidade de beneficiar da isenção fiscal constante da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM, devendo, ser-lhe conferido o benefício de isenção.
45. Posto que, nesta matéria, a entidade recorrida incorre em vício de violação de lei e de erro sobre os pressupostos de facto, derivado da errónea verificação e qualificação dos termos do Contrato - "Contrato entre a Região Administrativa Especial de Macau e a Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A. para a Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros à RAEM - Secção II e Secção V"
46. É lamentável que a entidade recorrida fundamente os seus actos no modus operandi do sistema de transportes, apesar de agora se defender a coberto de um contexto que não se reconhece, a ela aderido a entidade recorrida.
47. Não se concede o indeferimento de uma isenção fiscal com base em direito a constituir.
*
Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 75 a 99 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, suscitando a ilegitimidade activa da recorrente, quer sob a vertente da aceitação do acto, quer da inexistência de prejuízo directo, pugnando consequentemente pela rejeição do recurso.
Em resposta, a recorrente disse o seguinte:
“...
   Da suposta aceitação do acto recorrido
   A entidade recorrida, Sua Exa. o Secretário para a Economia e Finanças, alega na sua contestação que a ora Recorrente aceitou o acto recorrido, ao requerer o reembolso das quantias que havia pago em sede de Imposto sobre Veículos Motorizados (IVM), para defender a rejeição do recurso.
   Sendo certo que a ora Recorrente requereu efectivamente a devolução dos montantes pagos, a entidade recorrida não menciona, porque tal não lhe convém, que tal requerimento foi feito sob reserva, como se comprova pela redacção do Doc. n.º 1 junto com a contestação, o qual, no seu último parágrafo diz expressamente que "Este requerimento é sem prejuízo dos direitos que são conferidos à companhia [a ora Recorrente] pelos mesmos [a Lei n.º 5/2002 e o caderno de encargos do Concurso para a Concessão do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau, referidos no parágrafo anterior da carta], assim como os relativos a quaisquer outros impostos." (inserção nossa).
   E, obviamente, tais direitos incluem o de impugnar o acto de indeferimento da isenção fiscal objecto de discussão nos presentes autos, à qual a Recorrente está convicta de ter direito, ao abrigo da referida Lei n.º 5/2002.
   Ora, salvo o muito e devido respeito, verifica-se, assim, que o recurso continua a ser possível, porque existe reserva feita por escrito, ao abrigo do art.º 34.° do Código do Processo Administrativo Contencioso (CPAC).
   Aliás, a aceitação alegadamente impeditiva do recurso, mesmo que existisse, o que de forma alguma se concede, consubstanciada nas cartas reproduzidas como Docs. n.° 1 e 3 da contestação, foi emitida no início de Setembro e no início de Outubro de 2011, respectivamente.
   Ora, nestas datas, encontrava-se ainda em apreciação pela entidade recorrida o recurso hierárquico necessário apresentado pela Recorrente contra o acto de indeferimento da isenção que ora se procura, e cuja decisão é objecto de impugnação contenciosa nos presentes autos.
   Sendo que o acto recorrido foi proferido em 22 de Novembro de 2011, enquanto a decisão de deferir a devolução de quantias em dinheiro pagas pela ora recorrente em sede de imposto automóvel foi proferida em 1 de Novembro de 2011 - cfr. Doc. n.º 4 junto com a contestação.
   Assim, afigura-se, salvo melhor opinião, que os Docs. n.º 1 e 3 da contestação e o pagamento a que se refere a entidade recorrida no parágrafo 12 daquela sua peça processual consubstanciam actos que tiveram lugar antes da prática do acto recorrido, pelo que não é de aplicar o n.º 1 do art.º 34.º do CPAC.
   Verifica-se também que a fundamentação produzida pela entidade recorrida em sede do referido recurso hierárquico para alicerçar o acto de que ora se recorre, nem sequer se refere a qualquer suposta excepção consubstanciada na aceitação por parte da Reolian do acto de indeferimento da concessão da isenção fiscal, como podia e deveria fazê-lo, caso realmente existisse, ao abrigo do n.º 3 do art.º 147.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
   Isto não acontece, porque a entidade recorrida não considerou, e bem, existir tal aceitação, nem expressa, nem tácita, quando proferiu o acto de que ora se recorre. Vir apenas agora a Administração, em sede de recurso contencioso, alegar tal excepção, constitui uma violação aos princípios da boa fé e da colaboração entre a administração e os particulares, consagrados, respectivamente, nos art.ºs 8.º e 9.º do CPA.
   Além disso, sempre se dirá que a melhor doutrina considera que tal comportamento por parte do particular tem de ser concludente, livre, espontâneo e sem reservas.
   Conforme se disse no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 25 de Janeiro de 2006, no recurso n.º 0111/03, "A aceitação do acto deriva da prática espontânea e sem reservas, de facto incompatível com a vontade de recorrer, devendo tal comportamento ter um significado unívoco, que não deixe quaisquer dúvidas quanto ao seu significado de acatamento integral do acto, das determinações nele contidas, e da inerente vontade de renunciar ao recurso." (carregados nossos).
   Pelo que acima se disse, a ora Recorrente requereu o reembolso das quantias que se viu obrigada a pagar em sede de imposto automóvel, ressalvando os seus direitos nos termos da lei e das regras inscritas no caderno de encargos do concurso para a concessão do "Serviço Publico de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau" (sic) - cfr. docs. n.º 1 e 2, juntos com a contestação.
   Tal ressalva, mesmo que se considere de significado dúbio, o que também não se aceita, bastaria para, só por si, levantar a dúvida quanto à verdadeira intenção da ora Recorrente, sendo que a boa doutrina e jurisprudência, como acima se viu, defendem que a duplicidade na interpretação gera imediatamente um juízo de favorecimento do particular. Isto, porque o direito ao recurso contra actos da Administração é um direito fundamental dos cidadãos (cfr. art.º 36.º da Lei Básica da RAEM), e deve ser tratado como tal: a interpretação no sentido da sua limitação deve rodear-se de especiais cautelas.
   Acresce que, como se comprova pelos documentos juntos à contestação, designadamente o Doc. n.º 4 e o título de pagamento que constitui o Doc. n.º 5, está em causa a quantia total de MOP72.426.750,00 (setenta e dois milhões, quatrocentas e vinte e seis mil, setecentas e cinquenta patacas)! Pouquíssimas sociedades comerciais em Macau se poderão dar ao luxo de cativar tão avultado quantitativo, seja por que prazo seja, e especialmente um empresário comercial que, como a ora Recorrente, ainda nem sequer tinha começado as suas operações, aquando do respectivo desembolso.
   Com efeito, é bom não esquecer que as operações da ora Recorrente apenas se iniciarem no dia 1 de Agosto de 2011, sendo que o imposto foi pago após a importação dos veículos a que diz respeito, a qual ocorreu ao longo da primeira metade do mesmo ano, isto é, antes de começar a entrar nos seus cofres qualquer tipo de rendimento.
   Tanto mais que a ora Recorrente se viu obrigada a recorrer a financiamento bancário para custear tais dispêndios fiscais, incorrendo assim em elevadas despesas de juros, os quais se venciam diariamente - cfr. documento que se protesta juntar.
   Sendo que o referido quantitativo de MOP72.426.750,00 representa o somatório do imposto automóvel pago pela ora Recorrente pela importação dos veículos a serem utilizados no exercício da concessão, e inclui o imposto pago pela ora Recorrente depois de lhe ter sido indeferido o pedido de isenção que deu origem ao acto de que se recorre nos presentes actos, o qual representou um dispêndio para si de MOP9.780.000,00.
   Por isso, afigura-se que nem sequer se poderá considerar que o pedido de reembolso efectuado pela Recorrente, e que a entidade recorrida apelida de "aceitação", tenha sido praticado de forma livre e espontânea - a situação financeira da ora Recorrente assim a obrigou, em face da intransigência da Administração em, do seu ponto de vista, ilegitimamente, indeferir a sua pretensão de ser abrangida pela isenção a que acima se faz referência.
   Por isso, a Recorrente, em face da posição da Administração fiscal, viu-se na necessidade de recorrer aos mecanismos de reembolso que lhe era disponíveis, para tentar fazer diminuir os elevados custos que estava a incorrer - mas reservando-se, como se viu, todos os seus direitos, relativamente às vias graciosas e contenciosas de reacção que lhe são conferidas ao abrigo da lei.
   "O art.º 47.º do Reg. do STA [equivalente em Macau ao art.º 34.º do CPAC), vedando o recurso a quem tiver aceitado o acto, pressupõe uma certa concludência traduzida numa razoável dose de inquivcctdede acerca da espontaneidade e vontade dessa aceitação. Assim, não perde a legitimidade para recorrer, o interessado que vendo rejeitada a sua proposta procede ao levantamento da caução bancária como meio de fugir aos elevados encargos dela resultantes;" (Ac. de 04.02.92 do S.T.A de Portugal, sublinhado nosso).
   Conforme também ficou dito no acórdão n.º 0340/02 do Supremo Tribunal Administrativo português, "A aceitação tácita do acto, a que se reporta a norma do 47.° do RSTA é aquela que deriva da prática espontânea e sem reservas de facto incompatível com a vontade de recorrer, exigindo-se, para ser relevante, que tenha um sentido unívoco, sem deixar dúvidas sobre o seu significado de acatamento integral do acto e das determinações nele contidas, por forma a que o exercício do direito ao recurso contencioso possa configurar-se, de algum modo, como um "ventre contra factum proprium", ou atentatório das regras da boa-fé".
   "O preceito [o art.º 47.º do RSTA, equivalente em Macau, ao art.º 34.º do CPAC] deve ser interpretado restritivamente, por ser limitativo de uma garantia constitucional, de impugnação contenciosa. E, quanto à suficiência dos elementos indiciários, haverá que ter-se em conta o que dispõe o art. 217.°, n.º 1, do Código Civil [em Macau, art.º 209.º] quanto à declaração negocial tácita: a aceitação é tácita quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam (cfr. C.J.A. nº 37, p. 46; Ac. STA de 7.05.92, in "Apêndice ao Diário da República, de 16.04.96, p. 2850; Ac. STA (Pleno) de 27.6.95, in "Apêndice ao Diário da República, de 10.4.97, p. 408)" (in C.A. Fernandes, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 37, pág. 42 e segs).
   Acresce a tudo isto que o pedido de reembolso do IVM apresentado à Direcção dos Serviços dos Assuntos de Tráfego foi feito ao abrigo da cláusula 21.1 da Parte II do caderno de encargos do concurso público para a concessão do "Serviço Publico de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau" (sic), e não nos termos de uma qualquer lei fiscal assim, tratam-se aqui de dois procedimentos administrativos distintos: um, será a concessão ou não de isenção de IVM, e, eventualmente, um reembolso do imposto indevidamente pago (o que não é a situação in casu), outro, diferente e separado, é um reembolso à ora Recorrente das quantias pagas a título de IVM, ao abrigo de uma via que lhe é facultada através do dito caderno de encargos.
   Por isso, como é bom de ver, tal reembolso, porque, repita-se, se trata de procedimento distinto daquele em que se insere o acto recorrido, não significa nem pode significar a aceitação deste último.
   Assim, facilmente se verifica que o recurso continua a ser possível, sendo a excepção de indeferir.
   Da alegada ilegitimidade activa
   E, salvo melhor opinião, também não poderá proceder a excepção de ilegitimidade activa argumentada pela entidade recorrida, até porque, como a seguir se explica, a procedência do presente recurso, a qual se espera, terá necessariamente repercussões e produzirá obrigatoriamente efeitos, não só no acto concretamente ora posto em crise, com também na tributação imposta no futuro à ora Recorrente.
   Com efeito, constitui fundamento do presente recurso a violação pela entidade recorrida do disposto na alínea b) do art.º 2.º da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio, do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 64/84/M, de 30 de Junho, e do n.º 4 do art.º 3.º, da alínea a) do art.º 8.º e do art.º 11.º, estes do Decreto-Lei n.º 50/88/M, de 20 de Junho.
   Sendo que, defende em suma a ora Recorrente, a correcta aplicação dos normativos atrás citados dita obrigatoriamente que a Reolian é uma concessionária de serviço público de transportes colectivos de passageiros, e, por isso, está abrangida pela isenção fiscal prevista no parágrafo 1) do n.º 1 do art.º 6.º da Lei n.º 5/2002.
   Ora, anulando o TSI o acto recorrido, como se espera e requer, com fundamento na violação dos citados normativos e considerando que a ora Recorrente é efectivamente uma concessionária, essa consideração produzirá necessariamente efeitos que, na prática, se estendem muito para além do presente recurso e da mera anulação do acto ora recorrido porque, com esse estatuto, a Reolian beneficiará da isenção atribuída no parágrafo 1) do n.º 1 do art.º 6.º da Lei n.º 5/2002, sempre que, no futuro, adquirir veículos motorizados novos destinados ao transporte colectivo de passageiros de lotação não inferior a quinze lugares, para seu uso exclusivo.
    Para além de a ora Recorrente, enquanto concessionária, também vir a beneficiar da isenção do pagamento anual do imposto de circulação, a qual é conferida através da al. g) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento do Imposto de Circulação, aprovado pela Lei n.º 16/96/M, de 12 de Agosto.
   Assim, existe todo o interesse por parte da ora Recorrente em atacar o acto recorrido, independentemente de já ter sido reembolsada em montante equivalente ao total do imposto anteriormente pago em sede de IVM, pela importação dos seus veículos de serviço - tanto mais que tal reembolso não resulta da anula ão ou revo a ão do acto recorrido o qual continuar a subsistir.
   De facto, nos termos da secção III.ii (Cláusulas Técnicas) do Caderno de Encargos do concurso para a concessão do "Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau" (sic), cuja cópia ora se junta como Doc. n.º 1 e aqui se dá por integralmente reproduzida, a ora Recorrente, entre outras obrigações, está vinculada a colocar um número suficiente de veículos em circulação que assegurem uma elevada qualidade nos transportes (cfr. cláusulas 2.1.1 e 2.1.2), a idade média dos veículos utilizados está sujeita a limitações (cfr. cláusula 2.1.5) e, além disso, a ora Recorrente está obrigada a manter em circulação veículos suficientes para assegurar os serviços adjudicados (cfr. cláusula 2.1.7) e ainda aqueles que lhe forem solicitados pela entidade adjudicante, os quais poderão incluir, designadamente, o aumento da frequência das carreiras (cfr. cláusula 5).
   Ora, dita o senso comum que tais factores, aliados ao normal desgaste da frota decorrente da sua utilização e das inevitáveis avarias e acidentes, implicam necessariamente que a ora Recorrente se verá no futuro obrigada a continuar a importar mais veículos para substituir ou ampliar a sua frota, o que tem necessariamente repercussões em sede de obrigações fiscais relativas ao pagamento de IVM e de imposto de circulação.
   Por isso, verificando-se o continuado interesse no recurso por parte da Recorrente, deve ser indeferida a excepção de ilegitimidade activa alegada pela entidade recorrida, prosseguindo o recurso os seus termos até final...”.
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O Ministério Público é de parecer pela rejeição do recurso, dando como por reproduzido o parecer emitido no Processo nº 67/2012, a saber:
    “Na contestação, o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, na qualidade da entidade recorrida, excepcionou sucessivamente a aceitação do acto recorrido e a ilegitimidade activa, argumentando esta que «Ora, o reembolso daquele montante preclude a eliminação prática dos efeitos da eventual anulação do acto recorrido.» (art.24º da contestação)
   Note-se que o reembolso foi requerido pela recorrente e autorizado pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo respectivamente em 01/11/2011 e 07/10/2011 (arts.10º e 11º da contestação), e o despacho in questio foi preferido em 22/11/2011.
    O facto de o reembolso ser anterior à prática do despacho recorrido torna óbvio que não se verifica in casu a «aceitação» previsto no n.º1 do art.34º do CPA, por aquele reembolso não preencher um dos requisitos aí consignados – depois de ser praticado o acto recorrido.
    Afigura-se-nos que sendo mesmo verdadeiro, o argumento aduzido no art.24º da contestação não conduz a ilegitimidade activa. Daí resulta a improcedência desta excepção.
*
    Exarado pelo Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças na Informação n.º176/NAJ/CF/2011 (vide. fls.2442 a 2447 do P.A.), o despacho em causa reza «同意意見,駁回有關訴願». Em harmonia com o art.115º n.º1 do CPA, essa Informação constitui parte integrante do mesmo despacho.
    A proposta inserida na dita Informação mostra que o acto objecto do presente recurso traduz em decidir improcedente o recurso hierárquico necessário e manter indirectamente o despacho lançado pela Exma. Sra. Director da DSF na Informação n.º0276/NVT/DOI/RFM/2011 (vide. fls.2110 a 2112 do P.A.).
    Ora, o teor da Informação n.º0276/NVT/DOI/RFM/2011 revela que o despacho recorrido circunscreve o indeferimento estritamente nos 60 pedidos de isenção do IVM derivado da importação dos 60 veículos, sem aproveitar a outra matéria fiscal.
    Sendo assim, na mera hipótese da ser anulado o acto em crise, a reconstituição da situação actual hipotética como manifestação típica do dever de execução do caso julgado consubstancia-se em deferir os 60 pedidos de isenção do IVM, concedendo-lhe a pretendida isenção do IVM incidente apenas na importação dos 60 veículos.
    Nestes termos, o referido reembolso do IVM devido por importar os 60 veículos repara todos os prejuízos sofridos pela recorrente por ter pago aquele IVM e, deste modo, alcança a integral e efectiva reposição da esfera patrimonial dela.
    Implica isto que ao interpor o recurso em apreço, se encontrava in-tegralmente curado o dano na esfera patrimonial da recorrente por efeito do aludido reembolso, e a situação de carência dela já não justificava, na devida altura, o recurso à via judicial. Daí que no caso sub specie, não se verifica o interesse processual.
    De outro lado, apresenta-se facilmente previsível que devido àquele reembolso, o deferimento dos 60 pedidos de isenção, derivado do dever de execução na hipótese da providência do recurso nos autos, não produz vantagem ou utilidade práticas para a mesma.
    De tudo isto emerge in casu a inutilidade ou impossibilidade, ori-ginária, da lide.
    Ao abrigo dos arts.1º do CPAC ex vi 72º do CPC, e ainda da e) do art.84º do CPAC, e perante a falta de interesse processual e a inutilidade originária da lide, afigura-se-nos incontestável que deverá ser rejeitado o recurso em apreço.
*
    Na petição inicial, a recorrente solicitou a anulação do acto sob sindicância, invocando a ofensa à b) do art.2º da Lei n.º3/90/M, ao n.º2 do art.1º do D.L. n.º64/84/M, aos art.3º n.º4, art.8º-a) e art.11º ambos do D.L. n.º50/88/M, e ainda à alínea 1) do n.º1 do art.6º do RIVM, e erro nos pressupostos de facto, na medida da errada qualificação do contrato existente entre si e o Governo da RAEM.
    Com efeito, os arts.10º a 100º da petição inicial e os pedidos da recorrente tornam claro que na sua perspectiva, ela adquiriu já o estatuto da concessionária de serviços públicos, por outorga do contrato mencionado no art.31º do petição inicial.
    Ora, o teor da Informação n.º176/NAJ/CF/2011 e o acto recorrido revela nitidamente que a Administração é da posição divergente, entendendo que a recorrente não é concessionária de serviços públicos, visto aquele contrato não ter sido concebido da natureza jurídica de concessão de serviço público de transportes colectivos.
    À luz do art.20º do CPAC, não há margem para dúvida de que o recurso contencioso não é sede idónea nem apta para discutir a questão de se a recorrente tiver adquirido o estatuto jurídico da concessionária de serviços públicos.
    Tal questão deve e, segundo nos parece, só pode ser resolvida por acção sobre contratos administrativos, ou acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos.
    Nos termos das subalíneas (1) e (3) da alínea 3) do n.º2 do art.30º da Lei n.º9/1999, pertence ao Tribunal Administrativo a competência para julgar estas acções.
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    Por todo o expendido acima, entendemos que se deverá rejeitar o recurso em apreço, ou subsidiariamente...”.
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Devidamente notificada, vem a recorrente dizer o seguinte:
   “...
   A ora Recorrente acompanha na íntegra o Douto Parecer do Ministério Público, na parte em que se pronuncia sobre as excepções de aceitação do acto recorrido e de ilegitimidade activa suscitadas pela entidade recorrida, porquanto conclui, tal como nós o fizemos em sede própria, que não podem as mesmas proceder e, como tal, ao terem sido ilegalmente invocadas, não são passíveis de comprometer a apreciação do mérito da causa.
   Do mesmo modo, se acompanha a factualidade aí invocada no que tange à identificação do acto recorrido e do seu autor, bem como dos documentos relevantes onde foram apostas as decisões que conduziram à impugnação graciosa e contenciosa do despacho de indeferimento da isenção de Imposto sobre Veículos Motorizados (IVM), requerida ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (RIVM), relativamente a um lote de veículos automóveis.
   Também não subsistem dúvidas que a decisão que vier a ser proferida nos presentes autos que, acreditamos, não deixará de decidir em sentido favorável à pretensão da ora Recorrente, terá, uma vez transitada em julgado, os limites do caso concreto objecto do acto recorrido e, como tal, traduzirá a motivação do pedido formulado: a declaração da ilegalidade do acto recorrido, com posterior execução pela entidade recorrida da decisão, através do accionamento da mencionada regra de isenção do RIVM e não de um "esquema de reembolso" cuja génese se desconhece em termos do acervo de normas tributárias em vigor no ordenamento jurídico de Macau.
   É, pois, nesta sede que nos permitimos discordar da tese defendida pelo Douto Parecer do Ministério Público.
   Aí se pugna que o reembolso do IVM suportado pela ora Recorrente pela transmissão em seu favor do referido lote de veículos motorizados se traduz numa " ... integral e efectiva reposição da esfera patrimonial [da Recorrente] ..." e, nesta medida, decaiu o seu interesse processual, a que adita um juízo de prognose que aponta para a inexistência de vantagens ou utilidades práticas na prossecução dos autos, tudo determinante da inutilidade ou impossibilidade originária da lide, conclusões estas conducentes, nos termos do artigo 72.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPAC e, ainda, da alínea e) do artigo 84.º deste último Código, à rejeição do presente recurso.
   Não é este, salvo o devido respeito, que é muito, o entendimento que subscreve a ora Recorrente.
   Salvo melhor opinião, o facto de a reconstituição da situação patrimonial da ora Recorrente ter sido operada mediante um "reembolso" de valor equivalente ao do IVM por si suportado, relativamente ao lote de veículos motorizados, não implica a falta de interesse processual nem, tão pouco, a falta de interesse ou vantagem na prossecução dos autos.
   Sendo o recurso contencioso, tal como o define o artigo 20.º do CPAC, um recurso de mera legalidade que visa a anulação do acto recorrido, deve essa legalidade ser apreciada independentemente da existência de actos administrativos paralelos que possam ter reconstituído a situação patrimonial da ora Recorrente - mantendo-se, por isso, o seu interesse processual.
   Como se extrai dos documentos juntos aos autos, quer o acto administrativo proferido no sentido de autorizar o "reembolso" quer aquele que autorizou o seu pagamento à ora Recorrente são actos formal e materialmente distintos do acto recorrido, que fizeram vingar uma prerrogativa contratual nos termos que a entidade recorrida entende serem os legais.
   Ou seja, para todos os efeitos, permanece como acto lesivo dos interesses da Recorrente aquele que lhe indeferiu a pretensão de acesso ao benefício de isenção tributária consentido pela alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM, situação à qual é absolutamente alheia aquela que viria a determinar o "reembolso".
   Até porque, note-se, a prosseguir a tese sustentada pela entidade recorrida ficaremos para sempre acorrentados à sobreposição do teor do caderno de encargos e das leituras contraditórias feitas pela ora Recorrente e entidade recorrida, do contrato de concessão, em detrimento da prevalência que se pretende de lei formal, esta última materializada no RIVM.
   É certo que o pedido que se formulou assenta na anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, fundado em vício de violação de lei e, ainda, em igual anulação sustentada na errónea qualificação do contrato assinado entre a ora Recorrente e o Governo da RAEM.
   No entanto, se este é o pedido, bem diferente é a causa de pedir - ou seja, enquanto que o pedido encerra uma pretensão com um resultado jurídico que se almeja ver reflectido na decisão, a causa de pedir constitui o acervo de factos jurídicos que nos levam a acreditar na bondade dessa mesma pretensão.
   Nesta medida, quando a entidade recorrida nos impele para uma discussão que versa o tipo de contrato em causa, isso não desvirtua a verdadeira causa de pedir que se extrai de modo inequívoco da legislação da RAEM aqui aplicável e importada para os autos pela Recorrente.
   Muitas são as normas a que podemos deitar mão nesta matéria, mas por todas elas vale o Decreto-Lei n.º 64/84/M, de 30 de Junho, que qualifica o serviço de transportes públicos como de interesse para a Região, subordinado ao regime das concessões, posição reiterada na Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio que, a comando do primeiro diploma, estabelece os princípios gerais a observar nas concessões de serviços públicos da competência do Chefe do Executivo.
   Em suma, não partilhamos da opinião expendida no Douto Parecer do Ministério Público, pelo que temos vindo a dizer: o acto recorrido é lesivo dos interesses da ora Recorrente, permanecendo no ordenamento jurídico da RAEM enquanto comando que lhe é imposto e que veicula uma decisão a todos os títulos ilegal, ilegalidade esta que sempre sustentou parcialmente o pedido da Recorrente e, na sua totalidade, a causa de pedir.
   Assim sendo, não só se verifica o efectivo e sempre actual interesse processual, como a mera recomposição da situação patrimonial da Recorrente não é de molde a que seja invocável a falta de tal interesse e, muito menos, a inutilidade originária da lide, tanto mais que o "reembolso" ocorreu em data posterior à da impugnação que ora se prossegue.
   Motivos que, no nosso entender, são suficientes para que seja julgado o mérito do presente recurso.
   Como corolário da defesa que tem a ora Recorrente vindo a empreender relativamente à sua posição nos autos, tem-se ainda que se torna evidente que se discute, no processo, bem mais do que o estatuto de concessionária daquela.
   Discute-se, sobretudo, a ilegalidade decorrente da posição assumida pelo Governo da RAEM, entidade aqui recorrida, que entende poder fazer sobrepor medidas de cariz puramente administrativo, que culminaram na assinatura de um contrato, à vinculação legal de que esse mesmo contrato mais não pode ser do que um instrumento de concessão de serviço público por via da legislação supra identificada.
   Não existe aqui, tal como não devia existir em sede tributária, a permissão para que se utilizem poderes discricionários num caso em que a vinculação à Lei é (deve ser) absoluta, uma vez exteriorizada a contratação.
   E tanto assim é que não podemos deixar de chamar à colação o Douto Acórdão desse Venerando Tribunal, proferido no Processo n.º 10/2008, o qual, decidindo sobre matéria Idêntica, também determinou a inclusão do transporte público na esfera dos serviços a concessionar pelo Governo, tudo porque assim resulta da Lei e porque essa apreciação deve ser feita em sede de recurso contencioso de anulação.
   Mais do que caracterizar contratos (que, nesta sede, se afigura irrelevante), importa interpretar a Lei e aferir da legalidade da sua aplicação pela entidade recorrida e esse é, como bem sabemos, o objecto que o artigo 20.º do CPAC traça para o recurso contencioso.
   Por isso, não poderá, salvo o muito e devido respeito que merece, proceder o douto entendimento expressado pelo Ministério Público no seu parecer, devendo os presentes autos prosseguir os seus termos até final..”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. A ora recorrente apresentou junto da DSF 3 pedidos de isenção de IVM ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 6.º do RIVM relativos aos seguintes veículos:





2. Os requerimentos de isenção foram indeferidos por despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, datado de 17 de Maio de 2011, exarado sobre a Informação n.º 0237/NVT/DOI/RFM/2011.
3. Sustentando que a requerente não detinha a qualidade de concessionária e, por isso, não preenchia um dos requisitos da norma invocada para a isenção pretendida.
4. Consequentemente, em 8 de Junho de 2011, foi apresentada reclamação, a qual não foi atendida pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças, nos termos do seu despacho de 27 de Junho de 2011, exarado sobre a Informação n.º 044/DCP/2011, que manteve a fundamentação.
5. O que determinou a apresentação de recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, o que se fez por requerimento entrado na DSF em 29 de Julho de 2011.
6. O qual manteve, por despacho de 16 de Novembro de 2011, não só o indeferimento dos pedidos mas, também, a sua fundamentação.
7. Em consequência daquele despacho inicial de indeferimento por parte da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, a ora Recorrente pagou à RAEM, a título de IVM pela importação dos veículos, a quantia de MOP897.250,00;
8. Em 12/09/2011, a recorrente requereu junto à Direcção dos Serviços de Assuntos de Tráfego o reembolso das quantias pagas a título de IVM, com a reserva de que “此申請不影響本公司對同一事宜以及其他稅項所享有的法定權利”.
9. Por Despacho do Chefe do Executivo de 01/11/2011, exarado na informação nº 1458/DGT/2011, de 17/10/2011, foi autorizado o reeembolso solicitado relativo a 245 veículos, incluindo os dos presentes autos.
10. Montante que foi pago à ora recorrente em 10/11/2011 por meio de título de pagamento.
11. Esse reembolso não é efectuado no âmbito do procedimento visando a isenção tributária, mas sim no exercício de um poder discricionário que é conferido à Administração de acordo com a cláusula 21.1 da parte III do caderno de encargos do concurso público para a "Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau".
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III – Fundamentos
Cumpre agora apreciar as excepções suscitadas.
1. Da ilegitimidade activa resultante da aceitação do acto:
Para a entidade recorrida, a recorrente ao requerer o reembolso da quantia pago a título de IVM dos veículos em causa e o que foi deferido, aceitou o acto de indeferimento de isenção, pelo que perdeu a legitimidade para recorrer nos termos do nº 1 do artº 34º do CPAC.
Não tem razão a entidade recorrida.
Dispõe o nº 1 do artº 34º do CPAC que “Não pode recorrer quem, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto, depois de praticado”.
No caso em apreço, é verdade que a recorrente requereu o reembolso da quantia pago a título de IVM dos veículos em causa, mas o fez com a reserva expressa, tal como resulta de forma clara do seu requerimento de fls. 101 e 102 dos autos.
Assim e sem necessidade de mais delongas, podemos concluir, sem qualquer margem de dúvida, pela improcedência desta excepção.
2. Da ilegitimidade activa por falta de interesse de agir e do erro na forma do processo:
Dispõe o artº 33º do CPAC que têm legitimidade para interpor recurso contencioso:
a) As pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso;
b) Os titulares do direito de acção popular;
c) O Ministério Público;
d) As pessoas colectivas, ainda em relação aos actos lesivos dos direitos ou interesses que a elas cumpra defender;
e) Os municípios, também em relação aos actos que afectem o âmbito da sua autonomia.
A recorrente não é titular do direito de acção popular, nem é alguma das entidades previstas nas al. c), d) e e) do citado artº 33º do CPAC.
Assim, a sua legitimidade para interpor o presente recurso tem de se fundar na al. a) do artº 33º do CPAC.
Tanto a entidade recorrida como o Mº Pº entenderam que a recorrente não sofreu qualquer prejuízo directo resultante do acto recorrido, nem tendo qualquer interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso, uma vez que as quantias pagas a título de IVM já foram integralmente reembolsadas, pelo que não tem legitimidade activa para interpor o presente recurso contencioso.
Em resposta, a recorrente veio a defender a sua legitimidade activa com fundamento de que:
- O reembolso não é efectuado no âmbito do procedimento visando a isenção tributária, mas sim no exercício de um poder discricionário que é conferido à Administração de acordo com a cláusula 21.1 da parte III do caderno de encargos do concurso público para a "Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau".
- Ou seja, não lhe é reconhecido o estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros, daí que tem um interesse directo e legítimo no provimento do recurso, uma vez que o provimento do recurso implica necessariamente o reconhecimento daquele estatuto, reconhecimento esse que “produzirá necessariamente efeitos que, na prática, se estendem muito para além do presente recurso e da mera anulação do acto ora recorrido porque, com esse estatuto, a Reolian beneficiará da isenção atribuída no parágrafo 1) do n.º 1 do art.º 6.º da Lei n.º 5/2002, sempre que, no futuro, adquirir veículos motorizados novos destinados ao transporte colectivo de passageiros de lotação não inferior a quinze lugares, para seu uso exclusivo” bem como pode também “vir a beneficiar da isenção do pagamento anual do imposto de circulação, a qual é conferida através da al. g) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento do Imposto de Circulação, aprovado pela Lei n.º 16/96/M, de 12 de Agosto”.
Quid iuris?
Como se deve notar que o que a recorrente pretende, no fundo, com o presente recurso contencioso é o reconhecimento do seu estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros com efeito visado para o futuro, e não ao não pagamento do IVM dos veículos em causa.
Isto é, a interposição do presente recurso contencioso de anulação não tem por finalidade principal ao não pagamento do IVM, mas sim como um meio processual para reconhecer o referido estatuto jurídico.
Não se nos afigura esta intenção real da recorrente constitui um interesse directo no provimento do recurso, já que como é sabido, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica – artº 20º do CPAC – e não visa reconhecer qualquer direito ou interesse legalmente protegido.
É certo que o conhecimento do objecto do presente recurso implica inevitalmente apreciar se a recorrente detém ou não a qualidade de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros, questão essa que constitui como prejudicial ao abrigo do nº 1 do artº 14º do CPAC, nos termos do qual este Tribunal pode sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo preceito manda que quando “a inércia dos interessados relativamente à instauração ou ao andamento de processo respeitante a questão prejudicial durante mais de 90 dias determina a cessação da suspensão do processo do contencioso administrativo, decidindo-se a questão com efeitos a ele restritos”.
Ora, resulta de forma clara do referido nº 2 que ainda que este Tribunal decida a questão prejudicial em causa no presente recurso contencioso, reconhecendo por mera hipótese a recorrente deter aquela qualidade, a decisão proferida só teria efeitos restritos à isenção do IVM dos veículos em causa, nunca podendo ter o tal efeito extensivo pretendido pela recorrente.
Com isto, cremos estar demonstrado que a recorrente não tem um interesse directo no provimento do presente recurso, já que a sua pretensão real, para além de não ter qualquer ligação directa com a finalidade do recurso contencioso legalmente estabelecida, ultrapassa o efeito legal do mesmo.
Repare-se, não estamos a dizer que a recorrente deixa de ter o interesse legítimo na defesa do estatuto jurídico a que entende ter o direito com o reembolso das quantias pagas a título do IVM, só que esse interesse não releva para o efeito do presente recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento do pedido de isenção do IVM, isto é, não pode ser considerado como um interesse directo para determinação da legitimidade activa nos termos da al. a) do artº 33º do CPAC.
Não tendo um interesse directo no provimento do recurso e tendo o prejuízo patrimonial causado com o acto recorrido já reparado com o reembolso, não tem a recorrente a legitimidade activa para interpor o presente recurso contencioso.
Quanto ao erro na escolha do meio processual, bem notou o Dignº. Procurador Adjunto do Mº Pº noutro recurso contencioso interposto pela mesma recorrente para o mesmo fim e que correu termos neste Tribunal sob o nº 368/2012, que “o recurso contencioso é, de todo em todo lado, meio inepto e incapaz de alcançar ao efeito subjacente da recorrente, efeito que, no fundo, consiste em lhe vir a ser reconhecido o estatuto jurídico de concessionária do serviço público de transporte colectivo de passageiros”.
Verifica-se aqui portanto também o erro na forma do processo para a pretensão real da recorrente; o meio processual idóneo seria, tal como disse o Mº Pº, uma acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos que tem por finalidade a declaração do conteúdo de uma relação jurídica administrativa controvertida, designadamente o reconhecimento (artº 100º do CPAC) ou uma acção sobre contratos administrativos que tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual (artº 113º. do CPAC).
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedentes as excepções suscitadas nos termos acima consignados e consequentemente rejeitar o presente recurso contencioso.
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Custas pela recorrente com 8UC taxa de justiça
Notifique e registe.
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RAEM, aos 08 de Novembro de 2012.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong Estive presente
Mai Man Ieng

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