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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Na acção declarativa com processo ordinário movida por A contra B(pedindo que sejam declarada nulas as deliberações tomadas na reunião do Conselho de Administração da ré do dia 29/12/2009), veio C requerer a sua intervenção como associada da ré, nos termos do artigo 262.º, alínea a) do Código de Processo Civil ou, subsidiariamente, como assistente da ré.
Os pedidos foram indeferidos.
Recorreu C para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que, por Acórdão de 24 de Janeiro de 2013, revogando parcialmente o despacho recorrido, negou provimento ao recurso relativo à decisão sobre a intervenção principal espontânea e concedeu provimento ao recurso sobre o pedido de assistência, admitindo a recorrente a intervir como assistente.
Recorre agora a autora A para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões úteis:
- Contrariamente ao que sucede com as deliberações das assembleias gerais, nas deliberações do conselho de administração, em abstracto, um sócio não tem interesse em intervir como assistente da sociedade, numa acção tendente à sua invalidação, uma vez que, para a tomada de tais deliberações, o sócio não tem qualquer participação ou influência, sendo ainda certo que nelas o interesse particular de um sócio não assume qualquer relevância jurídica.
- Mas, mais relevante do que uma análise abstracta, é a constatação de que o acórdão em crise não especifica quais os concretos e relevantes interesses jurídicos da Recorrida susceptíveis de serem afectados com a procedência destes autos e que legitimam a sua intervenção como assistente da R ..
- Dos autos apenas resultou provado, como única relação jurídica relevante, o facto da Recorrida ser sócia da R ..
- Ora, essa relação jurídica é manifestamente insuficiente para sustentar o direito da Recorrida intervir nos autos como assistente da R., desde logo, porque a mesma não fica abalada, nem sofre qualquer alteração, na sua consistência prática ou económica, com a procedência ou improcedência dos presentes autos.
- Por todo o exposto, é forçoso concluir que o acórdão em crise, ao decidir pela admissão da sócia C como assistente da R. nos autos, é ilegal, por manifesta violação dos pressupostos legais que legitimam a intervenção de um sócio como assistente, ou seja, do disposto no art.º 276.°, n.os 1 e 2, do C.P.C., pelo que deverá ser dado total provimento ao presente recurso.
A recorrida, C, requereu a ampliação do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, alegando o seguinte:
- A Recorrida, parte vencedora no recurso, foi todavia parte vencida relativamente à questão da intervenção espontânea principal passiva. Assim, pode, ao abrigo do disposto no artigo 590.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, proceder à ampliação do âmbito do recurso de forma a que o Tribunal de Recurso aprecie da questão, o que requer.
- A Recorrida teria legitimidade activa para instaurar a presente acção, por si ou em litisconsórcio voluntário activo com a Recorrente, donde ter um direito próprio (artigo 263.° do Código de Processo Civil) que decorre da sua qualidade de sócia da Ré.
- Ao não autorizar o pedido de intervenção principal espontâneo passivo da recorrida o Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 261°/a)e 60°, do CPC, e o art. 61°/1 e 3, do Código Comercial.

II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de 1.ª e Segunda Instâncias, são os seguintes:
1. Por petição de 21/06/2010, A intentou uma acção declarativa com processo ordinário contra B, pedindo que sejam declarada nulas as deliberações tomadas na reunião do Conselho de Administração do dia 29/12/2009.
2. Por requerimento de 14/11/2011, C requereu a sua intervenção como parte principal passiva, ou, subsidiariamente, como assistente da Ré.
3. Por despacho de 30/03/2012, foi indeferida a sua pretensão, tanto quanto ao pedido de intervenção principal passiva como ao de assistente.
4. C é sócia da B, detendo na mesma 174500 acções no valor nominal de MOP$17.450.000,00, correspondente a 31.727% do capital social.
5. As deliberações em causa versam, essencialmente, sobre as seguintes matérias:
* Designação do Presidente do Conselho de Administração;
* Designação do Secretário da Sociedade;
* Delegação de atribuições e competências do Conselho de Administração no administrador D, designadamente, responder a questões colocadas e cooperar, nos termos da lei e de determinação judicial, com o fiel depositário designado pelo Tribunal relativamente ao direito resultante da concessão sobre o prédio da Sociedade; praticar todos os actos necessários à administração do prédio da Sociedade que entender adequados. agir junto do governo da RAEM ou de quem de direito, no sentido de assegurar a renovação do contrato de concessão, tomando as decisões necessárias para o efeito; praticar todos os actos necessários à exploração do prédio da Sociedade; admitir e demitir empregados;
* Não ratificação de procurações forenses conferidas a advogados designados pelos administradores da sociedade eleitos na assembleia geral de 1 de Setembro de 2008;
* Revogação de procurações forenses outorgados por administradores da Sociedade eleitos em 1 de Setembro de 2008, ficando sem efeito os poderes forenses, gerais e/ou especiais conferidos por mandato, designadamente aos Srs. Drs. E, F, G, H, I, J, K, L, M, N e O.
* Ratificação de procuração forense conferida pelo administrador D, em 27 de Julho de 2009, constituindo mandatário da Sociedade o Dr. P, e bem assim o substabelecimento dos poderes respectivos conferidos por este advogado a favor da advogada Drª Q.
* Ratificação de todas as intervenções processuais efectuadas pelo Dr. P e pela Dra. Q, nos autos que correm seus termos pelo Tribunal Judicial de Base sob os nºs. CV2-08-0067-CAO, CV3-09-0074-CAO, CV3-09-0074-CAO-A e CV2-09-0092-CAO-A.
* atribuição de poderes forenses ao administrador D para representar a sociedade em juízo em acções pendentes ou futuras, incluindo o poder ratificar ou não actos anteriores praticados em juízo em nome da sociedade, poder de constituir mandatário judicial, com poderes gerais forenses e especiais para desistir, confessar ou transigir e receber pagamentos e custas de parte, bem como junto de quaisquer outras entidades privadas, públicas ou administrativas para efeitos do exercício do mandato forense;
* Autorizar o administrador D a assinar ou intervir como outorgante em representação da Sociedade em quaisquer actos, contratos ou documentos necessários para executar qualquer das deliberações aprovadas nesta reunião do Conselho, e bem assim conferir a pessoa por si designada mandato para praticar alguns dos actos especificados nessas deliberações, na medida em que tal se mostre necessário para a sua execução.


III – O Direito
1. As questões a resolver
Quanto ao recurso da autora, trata-se de saber se pode intervir, como assistente da ré, numa acção de anulação de deliberação do conselho de administração, uma sócia da ré.
Quanto à impugnação da recorrida, nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (cfr. relatório), a primeira questão a resolver é a de saber se a mesma é possível. A segunda, suposta a resposta afirmativa à questão anterior, é a de saber se a recorrida podia ter intervindo como associada da ré, a título de parte principal.

2. Ampliação do recurso nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
A recorrida deduziu duas pretensões, uma a título principal, outra a título subsidiário, a primeira, a de intervir como parte principal, associada da ré, em litisconsórcio passivo, a segunda, a de intervir como assistente da ré.
Foram ambas indeferidas.
Recorreu para o TSI do indeferimento das duas pretensões.
O acórdão recorrido negou a primeira e concedeu a segunda, isto é, indeferiu a pretensão principal e deferiu a pretensão subsidiária.
É pacífico que aquele que vê indeferido o pedido principal e vê deferido o pedido subsidiário pode recorrer da decisão, uma vez que, não tendo obtido o melhor resultado da sua pretensão, ficou vencido. É parte legítima para recorrer, nos termos do artigo 585.º do Código de Processo Civil.
Pois bem, o instituto do artigo 590.º do Código de Processo Civil (ampliação do recurso por vencimento quanto a fundamento em que a parte vencedora decaiu ou arguição da nulidade da sentença ou impugnação da matéria de facto pela parte vencedora) pressupõe que o recorrido não foi vencido, mesmo parcialmente. Por isso, pode impugnar matérias no recurso interposto pelo vencido, relativamente às quais decaiu, mas que não pôde recorrer a título independente ou subordinado. É que se o recorrido ficou vencido, ainda que só em parte, tem o ónus de, quanto a essa parte, recorrer a título independente ou subordinado.
Ou seja, o instituto do artigo 590.º tem por fim acautelar posição do vencedor, que ficou vencido quanto a certas questões, mas não vencido quanto ao objecto da causa ou do recurso.
Por outro lado, o mesmo instituto do artigo 590.º aplica-se a causas de pedir múltiplas (em alternativa ou em subsidiariedade)1, mas não a pedidos múltiplos, porque cada um destes é recorrível, por si, o mesmo já não acontecendo com causas de pedir múltiplas.
No caso dos autos, a recorrida ficou vencida totalmente quanto à pretensão principal de intervir como ré na acção. Em abstracto, podia ter recorrido, independente ou subordinadamente. Em concreto, não podia, apenas porque o n.º 2 do artigo 638.º do Código de Processo Civil não lho consentia, já que houve confirmação da decisão, sem voto de vencido. Mas isso não releva. Tinha legitimidade para recorrer. Não pode utilizar o instituto do artigo 590.º do Código de Processo Civil, que pressupõe que a decisão foi favorável ao recorrido.
Improcede a impugnação da recorrida.

3. Recurso da autora. Assistente
Trata-se de saber se pode intervir, como assistente da ré, numa acção de anulação de deliberação do conselho de administração, uma sócia da ré.
O Ex.mo Juiz de 1.ª Instância respondeu negativamente. O acórdão recorrido admitiu a intervenção como assistente da ora recorrida.
Alguma doutrina tem entendido que nada “…impede os sócios que votaram no sentido que fez vencimento de intervirem na causa como assistentes da sociedade ré”2. O comentário refere-se a acção de anulação de deliberação da assembleia geral, em que têm assento os sócios da sociedade. Mas bem vistas as coisas, por identidade de razão, parece que a mencionada opinião também vale relativamente a deliberações do conselho de administração das sociedades, suposta a sua sindicância judicial, que neste momento não está em causa, já não para os sócios que votaram a deliberação, dado que os sócios não têm assento neste órgão, mas para os sócios que tenham interesse na conservação da deliberação.
Seja como for, afigura-se-nos que o comentário atrás citado, não pode aceitar-se, sem mais, para toda e qualquer deliberação social. Se não vejamos.
Dispõe o artigo 276.º do Código de Processo Civil:
Artigo 276.º
(Âmbito)

1. Estando pendente uma causa, pode intervir nela como assistente, para auxiliar qualquer das partes principais, quem tiver interesse jurídico em que a decisão da causa seja favorável a essa parte.
2. Para que haja interesse jurídico, basta que o assistente seja titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido.

Sobre este instituto escrevem CÂNDIDA PIRES e VIRIATO LIMA3:
«O assistente é um terceiro que intervém no processo, espontaneamente, para auxiliar uma das partes principais. É, portanto, uma parte acessória4.
Para que o assistente possa auxiliar uma das partes principais tem de ter interesse jurídico em que a decisão da causa seja favorável a essa parte. Como sublinha RODRIGUES BASTOS5 terá de tratar-se de “interesse tutelado pelo direito. Está, portanto, naturalmente fora de causa o interesse puramente afectivo, do familiar ou do amigo, que, por razões de exclusiva amizade, desejem o triunfo de um dos litigantes, ou o doutrinário que visa apenas a satisfação de ver consagrada uma tese que defendeu no campo da ciência”.
O n.º 2 foi introduzido no Código de 1961 para pôr fim a uma querela doutrinária entre os que defendiam que o assistente só teria interesse jurídico quando a decisão da causa comprometesse o seu próprio direito e outros que entendiam que esse interesse existia logo que a decisão afectasse a consistência prática ou económica do direito do terceiro. “Concretamente a questão punha-se quanto à admissibilidade como assistente do credor nas questões patrimoniais do devedor; ele poderia ser completamente estranho ao litígio, mas da decisão poderia resultar reforço ou diminuição do património do devedor, e nessa medida estaria o seu interesse em auxiliá-lo no pleito”6.
Foi esta a tese que veio a prevalecer. Assim, o terceiro não tem interesse jurídico apenas quando a decisão da causa comprometer o seu próprio direito, mas também quando a decisão afectar a consistência ou realização prática do seu direito».
Parece que só caso por caso é possível concluir se o sócio, que votou favoravelmente uma deliberação, pode intervir como assistente da ré na acção de anulação da deliberação. Tudo depende da deliberação. Só assim se poderá saber se ele é titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa do êxito ou do inêxito da acção.
Da mesma maneira, só caso por caso se pode saber se um sócio pode assistir a ré em acção de anulação de deliberação do conselho de administração.
Como se sabe, a sociedade ré tem duas sócias que se digladiam, dentro e fora dos tribunais, pelo controlo da sociedade.
As deliberações impugnandas nos autos visam uma multiplicidade de assuntos, designadamente, não ratificação de procurações forenses conferidas a advogados e revogação de procurações forenses outorgadas pelos administradores da sociedade afectos à outra sócia, autorização de poderes forenses a um dos administradores, autorizar o mesmo administrador a intervir como representante da sociedade em quaisquer actos e contratos, etc.
  Neste caso, a sócia que pretende ser assistente é titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica depende do insucesso da acção, que deve ser a pretensão do assistido.
  Sucede que no caso dos autos há uma circunstância que reforça o manifesto interesse da recorrida em assistir a ré.
  A ré não contestou. É revel.
  Entretanto, uma advogada em seu nome, requereu a falta de citação e, subsidiariamente, a nulidade da sua citação. Esta arguição ainda está pendente.
Par complicar as coisas, foi suscitada a irregularidade da representação da mencionada advogada e foi proferido despacho nesse sentido, cujo recurso está pendente (cfr. certidão junta). O despacho a declarar a irregularidade da representação prejudicou o conhecimento do atinente à falta e nulidade de citação, que ainda pode vir a ser declarada se o mencionado recurso for provido.
  Quer isto dizer que, face à revelia da ré, o interesse em ser assistida por parte da sócia é muito maior, já que a ré não se está a defender na acção.
  Improcede, portanto, o recurso da autora.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso da autora e indefere-se a impugnação da recorrida, pretensamente deduzida nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Custas em partes iguais.
Macau, 16 de Outubro de 2013.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
     1 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 2.ª edição, 1997, p. 462.
     2 J. M. COUTINHO DE ABREU, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, anotação ao artigo 60.º, Coimbra, Almedina, Volume I, 2010, p. 695.
     3 CÂNDIDA PIRES e VIRIATO LIMA, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, Macau, Volume II, 2008, p. 202 e 203.
     4 Cfr. anotação 2 ao art. 272.º.
     5 RODRIGUES BASTOS, Notas..., vol. II, pp. 121 e 122.
     6 RODRIGUES BASTOS, Notas..., vol. II, p. 122.
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1
Processo n.º 40/2013