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Processo nº 654/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Novembro de 2012
Recorrente: Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorrido: A (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 10/02/2012, foi decidido indeferir o requerimento da ampliação da Base Instrutória formulado pela Ré.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls.... na parte que indeferiu o requerimento apresentado pela Ré em sede de audiência de discussão e julgamento para aditar à base instrutória novos quesitos.
II. Conforme se afere do douto despacho datado de 07/11/2011 proferido na sequência do requerimento apresentado pela Recorrente para ampliação da base instrutória, o douto Tribunal a quo considerou que, face ao acervo de documentos existentes nos autos, seria de ampliar a base instrutória nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do CPT.
III. Contudo, antes de proceder à referida ampliação, o douto Tribunal a quo entendeu oficiar a DSAL para remeter cópia de todos os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais foi autorizada a contratação do Autor ao longo do tempo, sem prejuízo de qualquer das partes os poderem juntar aos autos caso estejam na posse de todos eles.
IV. Devidamente oficiada para juntar aos presentes autos cópias de todos os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais foi autorizada a contratação do Autor ao longo do tempo, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais procedeu à junção de (i) cópia dos contratos de trabalho celebrados entre a Recorrente e o Recorrido (ii) cópia do ofício do Gabinete para os Recursos Humanos 13550/OFI/GRH/2007, donde consta o contrato de prestação de serviços 1/1 celebrado em 29 de Maio de 2007 e válido até 31 de Maio de 2008; (iii) cópia do despacho de autorização 09501/IMO/DSAL/2007;
V. Em 16/01/2012 a Recorrente procedeu à junção do contrato de prestação de serviços 45/94 e respectivas renovações e cópia dos contratos de prestação de serviços 1/1 e respectivas renovações, tendo todos esses contratos sido facultados à Recorrente pelo Gabinete de Recursos Humanos.
VI. Tendo a DSAL junto a renovação contrato de prestação de serviços 1/1 para o período compreendido entre 12/06/2007 e 31/05/2008, na sequência do ofício do douto Tribunal a quo, resulta claro que o Autor esteve ao serviço da Ré também em virtude da celebração daquele contrato de prestação de serviços 1/1.
VII. Para uma relação laboral que durou entre 29 de Janeiro de 1996 e 31 de Maio de 2008, resultam manifestamente insuficientes os documentos juntos pela DSAL na sequência do ofício do Tribunal a quo, porém isso não poderá ser forma alguma ser imputado à ora Recorrente e nem contra ela utilizado.
VIII. Mal andou o douto Tribunal a quo ao indeferir a ampliação da base instrutória com base na falta das listas nominativas da qual conste o nome do A. não resulta sequer indiciado que o contrato de prestação de serviços 1/1 tenha qualquer interesse para a decisão da causa", já que é nítido que da resposta da DSAL e dos documentos pela mesma juntos resulta que o Autor esteve ao serviços da Ré não só em virtude do contrato de prestação de serviços 45/94, mas também do contrato de prestação de serviços 1/1.
IX. Reputa-se manifestamente insuficiente que na discussão fáctica da causa, esteja apenas assente que foi ao abrigo do contrato de prestação de serviços 45/94, com uma duração limitada, que o Autor foi contratado pela Ré, quando dos autos constam cópias de todas as renovações desse contrato 45/94, bem como do contrato prestação de serviços 1/1 e suas renovações e que, de acordo com a resposta da DSAL, também justificou a contratação do Autor.
X. Nos presentes autos o Autor formulou um pedido com expressão numérica e monetária e que se encontra impugnado, sendo que a prova desse pedido (e desses valores) terá que ter em consideração elementos de prova dos quais resulte o mesmo, pelo que importaria portanto apurar-se ao abrigo de que contratos de prestação de serviço celebrados entre a Recorrente e Agência de Emprego o Autor permaneceu ao serviço da Ré até Maio de 2008, por forma a que se apure o eventual quantum indemnizatório.
XI. Nenhum dos contratos de prestação de serviços mencionados nos factos Assentes, e mormente o contrato mencionado na alínea D) ao abrigo do qual, efectivamente o A. foi contratado e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré - cfr. documento n.º 2 junto com a contestação -, têm um período de validade e duração que permitam ao douto Tribunal a quo deles extrair consequências para todo o período que durou a relação laboral entre a Ré e o Autor
XII. A Ré, ora Recorrente, não confessou que o contrato de prestação de serviços 45/94 fundamentou a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo até ao seu termo.
XIII. Cada um dos contratos de prestação de serviços cuja inclusão à base instrutória se requereu têm datas ou períodos de validade que não podem ser ultrapassados, nem sequer por via judicial, nos termos do princípio geral da liberdade contratual e da prova, dos mesmos resultando ainda diferentes obrigações e diferentes montantes.
XIV. Seria assim de extrema relevância saber-se se o Autor permaneceu ao serviço da Ré ao abrigo do Despacho de Autorização e do Contrato de Prestação de Serviços através do qual foi inicialmente contratado, ou se, a sua permanência na RAEM, como trabalhador da Ré, se deveu à prolação de outros Despachos de Autorização e da celebração de outros Contratos de Prestação de Serviços, matéria que seria passível de resposta após a ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela ora Recorrentes.
XV. A ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela Recorrente, ou outros que o douto Tribunal considerasse adequados, ajudaria na descoberta do motivo pelo qual o Autor permaneceu durante tantos anos ao serviço da Ré, atenta a duração limitada do contrato de prestação de serviços 45/94, e também permitiria proceder ao calculo das diferenças salariais existentes entre os vários contratos de prestação de serviços celebrados com a Agência de Emprego e os vários contratos individuais de trabalho celebrados entre a Ré e o Autor, conforme aliás foi reconhecido pelo douto Tribunal a quo.
XVI. A douta decisão ora sob recurso padece assim do vício de erro na aplicação do direito, por força da violação do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do CPT.
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O Autor, ora recorrido, respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 491 a 501, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Por sentença de 19/03/2012, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a acção intentada pelo Autor e, em consequência, condenou a Ré a pagar àquele a quantia de MOP$245,311.21, acrescida dos juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão final vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$245,311.21 (duzentas e quarenta e cinco mil, trezentas e onze patacas e vinte e um avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II. Salvo devido respeito por melhor opinião, a Sentença sub judice padece da nulidade prevista no 571 nº 1 al. c) do CPC, por se verificar contradlção entre a fundamentação fáctica e a decisão.
III. Na alínea d) dos factos assentes o douto Tribunal a quo dá como provado que foi com base no contrato de prestação de serviços 45/94 que a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, contudo este contrato de prestação de serviços tem um prazo de duração de apenas 2 anos.
IV. Nos presentes autos não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços n. 45/94, que esteve na base da contratação do Autor, decorrido o período de um ano pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou.
V. Pretendendo o Réu beneficiar de valores constantes de outro documento que não o seu contrato de trabalho, e constituindo esse documento um contrato com um termo de duração limitado no tempo, o Réu tem o ónus de alegar e provar que esse contrato esteve em vigor para além do termo nele previsto, o que não sucedeu.
VI. Sem a prova de que o contrato de prestação de serviços 45/94 foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou, o douto Tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando, conforme fez, condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido as diferenças salariais vencidas num período superior a 10 anos, com base num contrato de prestação de serviços com uma duração de 2 anos.
VII. Ademais, a decisão assim tomada entra em manifesta contradição com o teor do documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial, donde resulta que as vagas do contrato de prestação de serviços n.º 45/94 (assim como todos os outros mencionados na alínea d) da matéria de facto assente), se fundiram em 2001 no contrato de prestação de serviços nº 1/1 ou no contrato de prestação de serviços 14/1.
VIII. Depois de 2001 todos os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré passaram a estar abrangidos pelo contrato de prestação de serviços 1/1 ou 14/1, o que também se comprova através dos documentos juntos aos presentes autos pela DSAL donde resulta que também o contrato de prestação de serviços 1/1 esteve na base da manutenção do Autor como trabalhador não residente da Ré
IX. É assim patente que os fundamentos da decisão (designadamente o entendimento de que o contrato de prestação de serviços 45/94, com um prazo de vigência de 2 anos fundamentou a manutenção de uma relação laboral que durou mais de 10 anos) estão em oposição com a decisão da sua aplicabilidade para todos os anos em que o Recorrido esteve a trabalhar para a Recorrente.
X. O ponto d) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 nº 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
XI. Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
XII. Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância [...] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (...) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." (...) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (...) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [...]"
XIII. À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não na dos seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
XIV. Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
XV. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XVI. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contra entes ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
XVII. De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XVIII. Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
XIX. Pelo que, ao ter qualificado o contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau com um contrato a favor de terceiro, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 400.º, 437.º e 438.º, todos do Código Civil.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 530 a 543, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94”, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Dezembro de 1994, de admissão de setenta novos trabalhadores vindos do exterior;
e) Do contrato referido em d) cuja cópia está a de fls. 101 a 106 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
f) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
g) Entre 29.01.1996 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros contratos individuais de trabalho, cujo conteúdo foi integral e previamente preparado pela Ré e posteriormente assinado pelo Autor.
l) Entre Fevereiro de 1996 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,700.00;
m) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MüP$1,800.00 mensais;
n) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
o) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
p) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
q) Entre 29.01.1996 e 30.06.1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
r) Entre 01.07.1997 e 30.06.2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
s) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
t) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
u) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora;
v) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora;
w) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) em 2008;
x) Entre 29.01.1996 e 30.06.1999 o Autor trabalhou em turnos de 12 horas por dia;
y) Entre 01.07.1999 e 30.06.2002 o Autor prestou 4902,5 horas de trabalho extraordinário;
z) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o Autor prestou 910 horas de trabalho extraordinário;
aa) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 o Autor prestou 3355,33 horas de trabalho extraordinário;
bb) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o Autor prestou 1530 horas de trabalho extraordinário;
cc) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o Autor prestou 1676,50 horas de trabalho extraordinário;
dd) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
ee) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho;
ff) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;
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III – FUNDAMENTOS
1. Do recurso interlocutório:
Na audiência de julgamento realizada no dia 07/11/2011, a Ré requereu que fossem incluídos na Base Instrutória os seguintes quesitos:
    “12) Até quando esteve em vigor o contrato de prestação de serviços n.º 45/94, ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado?
   13) Ao abrigo de que contratos de prestação de serviços se manteve o Autor ao serviço da Ré entre 29 de Janeiro de 1996 e 31 de Maio de 2008?
   14) O contrato de prestação de serviço n.º 1/1 é para 240 TNR, para 240 vagas, foi aprovado em 15 de Janeiro de 2001 pelo prazo de um ano, renovável por igual período?
   15) O contrato de prestação de serviço n.º 14/1 é de 70 vagas e foi aprovado em 3 de Abril e 7 de Junho de 2001 com duração de um ano, renovável por igual período?
   16) As condições da remuneração dos contratos acima referidos, n.os 1/1 e 14/1 são iguais, o salário é por hora e corresponde a um mínimo de MOP$2000/ para 215 horas de trabalho por mês?
   17) As vagas dos contratos n.os 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram nos contratos n.os 1/1 e 14/1, passando todos os TNR ao serviço da Ré a estar abrangidos nestes contratos?
   18) Os contratos n.os 1/1, 14/1, 12/4, 36/5, 9/5 e 35/5 foram sucessivamente renovados até 15 de Março de 2006 nas mesmas condições inicialmente estabelecidas?
   19) O contrato de prestação de serviço n.º 1/1 foi ainda renovado em 15 de Março de 2006 para durar até 31 de Março de 2007, e previa a utilização de 340 vagas?
   20) O contrato de prestação de serviço n.º 19/SS/2006 prevê a renovação de 100 vagas até 31 de Março de 2007?
   21) A partir de 15 de Março de 2006, as condições de remuneração dos contratos n.os 1/1 e 19/SS/2006 são iguais, o salário mensal é MOP$4000 e o tempo de trabalho é 312 horas?
   22) A partir de 31 de Março de 2007, as condições de remuneração dos contratos n.os 1/1 e 14/SS/2007 são iguais, o salário mensal é MOP$5070, incluindo a remuneração por trabalho suplementar e subsídios?."
Por despacho 10/02/2012, o Tribunal a quo decidiu pela forma seguinte:
   “Dos documentos juntos aos autos a folhas 278/300 pela DSAL e de folhas 308/434 pela Ré, à míngua de lista nominativa da qual conste o nome do A. não resulta sequer indiciado que o contrato de prestação de serviços 1/1 tenha qualquer interesse para a decisão da causa.
   Destarte, porque não surgiu qualquer facto novo que justifique a ampliação da base instrutória vai o Requerimento da Ré nesse sentido indeferido.”
Entende a Ré que a decisão acima transcrita violou o nº 1 do artº 41º do CPT.
Não lhe assiste razão.
Pelo contrário, a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparação, já que não obstante o nº 1 do artº 41º do CPT permitir a ampliação da base instrutória, o certo é que esta ampliação só deve visar factos alegados pelas partes ou factos supervenientes, que não é o caso em apreço.
Pois, a lei processual exige que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuando os incidentes que a própria lei mande que sejam deduzidos em separado. Depois da contestação, só podem ser deduzidas excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente (artº 409º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPT).
É o chamado “princípio da concentração da defesa”, também aplicável, a nosso ver, aos processos cíveis laborais.
Os factos que a Ré pretende acrescentar nunca foram alegados na contestação.
E do conteúdo dos mesmos resulta inequivocamente que tais factos nunca podem ser considerados como supervenientes, quer sob o ponto de vista da ocorrência, quer do conhecimento.
Pelo exposto, se conclui pela improcedência do recurso interlocutório.
2. Do recurso final:
2.1 Da nulidade da sentença por contradição insanável:
Na óptica da Ré, o contrato de prestação de serviços nº 45/94, ao abrigo do qual o Autor foi contratado, só tem um prazo de vigência de 2 anos e inexiste nos autos prova de que decorrido aquele período de validade o mesmo foi ou não renovado; por quantas vezes; em que condições e até quando vigorou.
Nesta conformidade, entendeu que “É patente que os fundamentos da decisão (designadamente o entendimento de que o contrato de prestação de serviços nº 45/94, com um prazo de vigência de 2 anos fundamentou a manutenção de uma relação laboral que durou mais de 10 anos) estão em oposição com a decisão da sua aplicabilidade para todos os anos em que o Recorrido esteve a trabalhar para a Recorrente”.
Mais uma vez não lhe assiste a razão.
Ficaram assentes que:
   “Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: nº 9/92, de 29/06/1992; n.º 6/93, de 01/03/1993; n.º 2/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994.” (alínea C) dos factos assentes)
   “O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor era o “Contrato de Prestação de Serviços nº 45/94”,…” (alínea D) dos factos assentes)
   “A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes.” (alínea F) dos factos assentes)
Ora, dos factos acima transcritos, não temos qualquer dúvida de que a contratação do Autor e as posteriores renovações foram feitas ao abrigo do contrato de prestação de serviços nº 45/94.
Vejamos a razão de ser.
Ficaram assentes que o Autor foi contratado ao abrigo do contrato de prestação de serviços nº 45/94 e que a cópia deste foi apresentada à DSTE para efeitos de renovação de contratação de trabalhadores não residentes.
A relação laboral entre a Ré e o Autor só cessou em 31 de Maio de 2008.
A própria Ré afirmou no artº 23º da Contestação (para efeitos de aplicação da cláusula arbitral constante do contrato de prestação de serviço nº 45/94) que “… as cláusulas dos referidos contratos de prestação de serviços ainda se encontram em vigor, designadamente aquele que diz respeito à contratação do Autor, pelo que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos”.
Perante este quadro fáctico, é lógico e correcto para o Tribunal a quo concluir que a relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré foi sucessivamente renovada ao abrigo do contrato nº 45/94, até ao seu termo.
Pois, é lícito ao Tribunal “tirar conclusões em matéria de facto que, não alterando os factos provados e nestes se apoiando, sejam consequência lógica dos mesmos”1.
Não se verifica, portanto, a alegada nulidade da sentença por contradição insanável.
2.2 Do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.:
A Ré entende que o Tribunal a quo andou mal em qualificar o contrato celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. como um contrato a favor de terceiro.
Sobre esta questão, este Tribunal já se pronunciou de forma unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, etc, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011 e 16/06/2011, respectivamente) no sentido de que:
- O acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda é um contrato a favor de terceiro;
- Este contrato é aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré.
Com a devida vénia e a propósito de situação igual à que ora nos ocupa, transcreve-se a jurisprudência fixada no Ac. do Proc. nº 838/2010:
   “…
   2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
   A propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré Guardforce e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada - ct. e.g. os Acórdãos do TSI tirados em 12MAI02011, 19MAI02011 e 02JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010 e 876/2010.
   Não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
   Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.
   Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.
   E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
   O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437° e s.s. do Código Civil.
   Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
   Então vejamos.
   Reza o art° 437° do Código Civil que:
   1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
   2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
   O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como "aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)" - Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s ..
   In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
   Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao "direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias".
   Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no art° 437°/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
   Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a Guardforce) e o promissário (a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula com promissória nunca poderia vinculá-lo.
   O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.”
É a jurisprudência que aponta a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Pelo exposto, se conclui pela improcedência do recurso final da Ré nesta parte.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos, confirmando a sentença recorrida.
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Custas dos recursos pela Ré.
Notifique e D.N.
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RAEM, aos 15 de Novembro de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong

1 Ac. do STJ, de 13/01/1999, referenciado no CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Abílio Neto, 21ª Edição, pág. 1094, ponto nº17 da anotação do artº 712º.
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654/2012