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Processo n.º 451/2012
(Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data : 15/Novembro/2012


ASSUNTOS:

    - Actividade de intermediação financeira
    - Erro nos pressupostos de facto
    - Julgamento de facto e alteração da matéria de facto pela 2ª Instância

SUMÁRIO:
    1. Se é certo que não se provou uma actividade directa de compra e venda, já não assim quanto a uma intermediação que não deixará de existir, nos termos da lei expressa, “na mera aceitação de ordens dos investidores relativamente a esses valores”, donde não ser de anular o acto que puniu a C.ª que desenvolveu tal actividade sem para tal estar autorizada.
    2. Na actividade de intermediação financeira incluem-se actividades diversas tais como os serviços de investimento em valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, incluindo a recepção e a transmissão de ordens por conta de terceiro, a execução de ordens por conta de terceiro, a gestão de carteiras por conta de terceiro e a colocação em ofertas públicas de subscrição, a mediação em transacções sobre valores ou instrumentos nos mercados monetário, financeiro ou cambial, a mera aceitação de ordens dos clientes/investidores relativamente a valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, tais como operações através de margin trading, nomeadamente.
    3. O tratamento das questões relativas à intermediação financeira, parte das próprias exigências subjacentes ao funcionamento dos mercados financeiros, onde os intermediários financeiros assumem um papel central, enquanto entidades responsáveis pela articulação dos diferentes participantes nesse circuito económico.
    
    4. O caso que estava sob apreciação reflecte um fenómeno bem conhecido dos reguladores financeiros: o de empresas transnacionais, dominadas por um restrito número de pessoas, que tentam dividir cuidadosamente a sua actividade em vários segmentos, repartidos por diversas sociedades e por diversas jurisdições, numa tentativa de escaparem, através do labirinto societário por elas criado, à fiscalização e à regulação em qualquer jurisdição. Para combater estas práticas pouco transparentes - que representam um perigo para o sistema financeiro em geral, e para os clientes dessas empresas em especial - tem o conceito de intermediação financeira vindo a ser interpretado de forma lata.
    5. Ainda que na 1ª instância se tenha dado como não provada a actividade que se traduzia no recebimento de instruções dadas por empresas ou clientes sobre actividade de compra e venda cambial ou consulta, ou fornecimento de qualquer proposta sobre actividade de compra e venda no mercado cambial, patenteando-se uma contradição com a globalidade de outros factos que foram comprovados, o Tribunal de Segunda Instância, que julga também da matéria de facto, pode modificar a matéria de facto, nos termos do artigo 629º do CPC, se dispuser dos indispensáveis elementos, e, face ao disposto no artigo 630º do CPC, pode conhecer do objecto do recurso, donde ser passível de exclusão do elenco dos factos não provados o aludido facto.
   
                Relator,
  

(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 451/2012
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 15 de Novembro de 2012

Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças

Recorridos: - A, Lda.
- B Lda.
- C
- D
- E
- F
- G
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças vem interpor recurso jurisdicional da sentença que anulou o acto por si praticado de 17.02.2009, exarado na deliberação n° 084/CA, de 05.02.2009, do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau (AMM) pelo qual foram aplicadas penas administrativas de multa e, acessoriamente, de publicação das sanções a duas sociedades comerciais e respectivos responsáveis, a saber:
    a) B Lda.,
    b) A, Lda.,
    c) G,
    d) D,
    e) F,
    f) C e
    g) E.
    Fundamentou-se o despacho punitivo na prática, pelos interessados, da actividade de intermediação financeira sem autorização, infracção esta prevista no art. 122°, 2, b), do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93/M, de 5 de Julho.
    Alegou no recurso, concluindo da seguinte forma:
    a) A mera aceitação de ordens dos investidores é legalmente considerada intermediação financeira (RJSF, art. 1º, c);
    b) A prática de intermediação financeira por entidades não licenciadas para tal constitui infracção administrativa (RJSF, art. 122°,2, b);
    c) Resulta da prova constante do processo administrativo que os recorridos, sob a capa do apoio técnico-administrativo prestado a sociedades do exterior, praticaram em Macau actos típicos da actividade de intermediação financeira, nomeadamente promovendo comercialmente os serviços que prestavam, recrutando agentes para angariar investidores, celebrando com os investidores contratos para a abertura de contas, aceitando fundos dos clientes, aceitando ordens para a compra e venda de valores e instrumentos financeiros e pagando aos clientes os fundos que lhes eram devidos depois de efectuadas as operações solicitadas;
    d) Todas as decisões relevantes eram tomadas em Macau por um pequeno número de indivíduos que actuavam simultaneamente como representantes de sociedades de Macau e de sociedades do exterior;
    e) É irrelevante que os documentos que corporizavam as várias fases do processo de intermediação financeira ostentassem a designação de uma sociedade do exterior;
    f) O tribunal a quo incorreu consequentemente em erro de julgamento ao qualificar os actos praticados pelos recorridos como sendo meramente preparatórios, violando assim a norma do art. 122°, 2, b), do RJSF;
    g) Além disso, a sentença recorrida contradiz-se quando diz que concorda com a opinião do regulador do mercado financeiro (AMCM) mas conclui que os actos dos recorridos não constituem intermediação financeira,
    h) e ainda ao considerar simultaneamente provado e não-provado que os recorridos tenham recebido ordens dos investidores.
    i) Não é admissivel, em sede de recurso contencioso, produzir nova prova com o objectivo de contraditar a prova feita no processo infraccional administrativo, no qual aos então arguidos não foi regateada qualquer possibilidade de defesa.
    Por estes motivos, pugna por que seja concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, pedindo se declare a nulidade da sentença recorrida, com fundamento no art. 571°,1, c), do Código de Processo Civil ou a sua revogação.
    
    Este recurso não foi contra-alegado.
    O Exmo Senhor Procurador-Adjunto emitiu o seguinte douto parecer:
    Pese embora o alegado pela entidade recorrente, não descortinamos a ocorrência da pretensa contradição, quer entre os factos dados como provados e como não provados, quer entre os fundamentos e a decisão.
    É que, por um lado, dos factos dados como provados nos pontos 7.10 e 7.11 do douto aresto em apreciação não se pode colher, com segurança, que os recorridos tenham, de facto, recebido ordens e pedidos e pedidos de informações das empresas e respectivos clientes quanto às actividades de compra e venda nos mercados, revelando-se, tão só, requerimentos de aberturas de contas por parte de clientes, verificação dos dados respectivos e remessa dos mesmos ao procurador da XXX na RPC e, após autorização deste, remessa ao mesmo dos requerimentos dessas aberturas de contas para assinatura e posterior envio aos clientes e à XXX, do mesmo passo que, ao aderir à opinião da AMCM constante do ponto 10, parte III da deliberação do C.A. de 5/2/09, tal adesão não se reporta à consideração daquele órgão e que devam ser considerados como intermediação financeira os actos sob escrutínio, mas tão só ao específico extracto transcrito dessa deliberação, onde tal conclusão se não mostra vertida.
    De todo o modo, no que tange à apreciação de fundo, de mérito, cremos assistir razão à recorrente.
    Com efeito, afigura-se-nos que a interpretação de intermediação financeira empreendida na decisão sob análise se revela muito redutora, não compaginável com a regulação desta actividade comercial de especial complexidade, cuja comprovação se não pode limitar aos puros actos de compra e venda nos mercados, antes se podendo extrair, consoante as circunstâncias, de larga variedade de actos e diligências indiciadoras daquela actividade, nelas se incluindo a publicidade, angariação de clientes, celebração de contratos e recebimentos de fundos de clientes, tudo isto para além da aceitação das ordens de compra e venda de valores e sua concretização, única actividade em que, parece, a douta sentença parece estribar a concretização daquela intermediação.
    No que tange à produção de prova a esse respeito, atento o invocado, haverá, desde logo, que apurar se, na verdade, foram carreados para o processo elementos probatórios bastantes, tendo sido efectuada a prova dos factos por cuja prática os recorrentes foram condenados, sendo sabido que, nesta área, vigora o princípio da livre apreciação, isto é, o órgão administrativo não obedece a critérios formais e rígidos quando analise os elementos probatórios carreados para o procedimento, dele se exigindo que faça um sensato juízo de valor, nunca esquecendo os princípios basilares, designadamente o da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos dos cidadãos, igualdade, justiça e oportunidade, sendo certo que, de todo o modo, em caso de recurso contencioso, o tribunal não está vinculado à apreciação que o órgão tenha feito da prova recolhida, fazendo o julgador o seu próprio juízo a propósito dos factos e elementos que o processo forneça, inculcado por uma certeza subjectiva e positiva convicção àcerca da forma como os mesmos ocorreram.
    Ora, no caso, não só entendemos que as conclusões essenciais decorrentes do acto alvo do recurso contencioso estão conformes com a prova produzida no processo, como de tais conclusões se pode retirar o efectivo exercício da actividade de intermediação financeira por parte dos recorridos, atenta a comprovada promoção comercial dos serviços prestados, a contratação de angariadores, a assinatura de contratos, aberturas de contas, aceitação de ordens e levantamento de fundos de investidores e clientes, apresentando-se inequivocamente Macau como o centro de tais operações, levadas a cabo por indivíduos que actuavam simultaneamente como representantes de sociedades de Macau e de sociedades no exterior, não obstando à efectiva existência dessa intermediação financeira o facto de os documentos que corporizam as várias fases daquela intermediação ostentarem precisamente a designação de sociedade do exterior
    Cremos, pois, mostrar-se comprovado que a actividade dos recorridos, a que aliás, o douto aresto sob análise não deixa de aludir, atinente à "prestação de auxílio aos clientes para a concretização da celebração dos contratos, fornecimento de dados de contas com verificação do registo de transferência de verba, encaminho de requerimentos de aberturas de contas, prestação de auxílio para alteração de dados pessoais e códigos e elaboração de extractos mensais a enviar a clientes" se não limitava à prestação de meros serviços marginais ou de índole "preparatória'', antes se enquadrando, nos termos concretamente apurados, no conceito de "intermediação financeira" a que alude a al. c) do art. 1° do Dec Lei 32/93/M , a carecer de autorização para o efeito nos termos do art. 18° e sujeita, na falta daquela às sanções respectivas, nos termos da al. b) do n° 2 do art. 122°, do mesmo diploma.
    Afigura-se-nos, pois, merecer provimento o presente recurso, havendo que revogar a douta sentença sob escrutínio, mantendo o acto alvo do recurso contencioso.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Respiga-se da sentença recorrida o que consignado ficou em sede de matéria de facto.
    Foram dados por assentes os factos seguintes:

1. No dia 22 de Janeiro de 2007, a Autoridade Monetária de Macau recebeu um e-mail, segundo o qual, uma empresa de mediação de investimento, na cidade de Dongguan do Interior da China, ajudou os investidores para abrir conta de investimento na empresa A (NZ) Ltd, bem como prestou auxílio aos clientes para transferir dinheiro para a conta bancária em Hong Kong e Macau, e a empresa A (NZ) Ltd. criou escritório em Macau (vd. apenso (4), fls. 1483, aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. No dia 9 de Março de 2007, pessoal da Autoridade Monetária de Macau deslocou-se à empresa A, Limitada e à empresa B Limitada, sitas em Macau, na Avenida da XXX, n.XXX, Edifício XXX Xº andar X, para efectuar diligencia tendo apreendido, no local, vários documentos (vd. apenso (l). fls. 1 a 3 e 51 a 380, e apenso (2), fls.381 a 814 e apenso (3), fls. 815 a 849).
3. No dia 31 de Maio de 2007, a Autoridade Monetária de Macau deliberou instaurar processo de infracção contra as supracitadas recorrentes por terem explorado actividade de intermediário financeiro sem autorização (vd. apenso (3), fls.1150 a 1153, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
4. No dia 6 de Julho de 2007, o instrutor da Autoridade Monetária de Macau elaborou o auto de infracção n.º2/2007 (vd. apenso (3), fls.1183 a 1189, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
5. No dia 13 de Julho de 2007, os sete recorrentes acima referidos foram notificados pela Autoridade Monetária de que contra eles tinha sido instaurado processo de infracção exigindo-lhe que apresentassem defesa escrita ou outros meios de prova (vd. apenso (4), fls. 1256 a 1303, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
6. No dia 23 de Julho e 3 de Agosto de 2007, respectivamente, as recorrentes empresa A Limitada e B Limitada apresentaram à Autoridade Monetária de Macau, as defesas escritas, róis de testemunhas e demais documentos comprovantes (vd. apenso (4), fls. 1330 a 1379, 1387 a 1461, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7. Em relação à empresa A, Limitada:
7.1 Em 21 de Setembro de 2004, a recorrente iniciou as suas actividades na RAEM (vd. apenso (3) fls. 1145 a 1147 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7.2 Dedicando-se às actividades respeitantes a consultadoria de investimento, formação financeira profissional, atendimento e ligação dos clientes (vd. apenso (3), fls. 1145 a 1147, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7.3 E os seus sócios fundadores C e A (NZ) Limited (daqui em diante designada simplesmente por “XXX”), nomearam como administradores da empresa, C (sócio) e D (não sócio) (vd. apenso (3), fls. 1145 a 1147, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7.4 A empresa XXX, como sócio fundador da empresa recorrente, tinha cerca de 3000 clientes provenientes do Interior da China, Taiwan, Nova Zelândia e outros pais e regiões, bem como 4 clientes de Macau (vd. apenso (2), fls. 389 a 503, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7.5 A recorrente prestava serviços à XXX, à empresa XXX Limited (daqui em diante designada por “XXX”) e os seus clientes (vd. apenso (5), fls. 1775 a 1790, 1940 a 1947, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7.6 XXX dedicava-se principalmente à prestação aos clientes de serviço de investimento cambial através de margem.
7.7 A recorrente, nos termos dos acordos de prestação de serviço celebrados com as empresas XXX e XXX, recebia mensalmente os honorários (vd. 1775 a 1790, 1878 a 1883, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7.8 No período entre 9 e 13 de Fevereiro de 2007, na conta bancária do Banco da China n.º XXXX, a recorrente levantou o montante total de USD622.792,43 (vd. apenso (1), fls. 174, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7.9 A recorrente detinha 5 contas bancárias do Banco da China abaixo indicadas: Conta de poupança em patacas n.º XXXX, conta de cheque em patacas n.º XXXX, conta de poupança em dólares de Hong Kong n.º XXXX), conta de cheque em dólares de Hong Kong n.º XXXX e conta de poupança em diversas moedas estrangeiras n.º XXXX (vd. apenso (5), fls. 1955 a 1956, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
7.10 A recorrente, após ter recebido os requerimentos de abertura de contas feitos pelos clientes da XXX, verificou os dados constantes deles, remetendo-os ao representante procurador da XXX da região grande china.
7.11 Após ter obtido as autorizações de abertura dadas pelo representante da XXX, a recorrente enviou-lhe requerimentos de abertura de contas para o mesmo assinar, e depois da assinatura, os respectivos requerimentos foram enviados aos clientes e à XXX.
7.12 A recorrente efectuou o registo, no sistema interno da XXX, dos dados de extracto mensal das contas de investimento cambial através de conta margem, e através de correio electrónico, enviou ao cliente da XXX.
7.13 Após ter recebido o talão das transferências de verba feitas pelos clientes para a conta da XXX, a recorrente comunicou o representante da respectiva região, e cabe este confirmar a verba transferida, e depois a recorrente inseriu no sistema interno da XXX o registo das transferências de verba.
7.14 Após ter recebido as instruções de levantamento de fundos dadas pelos clientes, a recorrente confirmou, no sistema informático fornecido pela XXX, a assinatura e os dados dos clientes, e depois submeteu ao representante da respectiva região para dar autorização.
7.15 Após ter obtido a autorização e concluído as formalidades das transferências entre os clientes e a XXX, a recorrente, por escrito, efectuou o registo das transferências.
7.16 Segundo o acordo de prestação de serviço celebrado com a XXX, a recorrente inseriu os dados do cliente e efectuou o respectivo registo, e após ter obtido autorização dada pelas empresas da XXX da região diferente, atendeu as notificações das transferências feitas pelo cliente para a XXX.
7.17 A recorrente prestava auxílio à XXX para organizar os expedientes e sistematizar os dados dos clientes.

8. Em relação à empresa B Limitada:
8.1 Em 9 de Março de 2006, a recorrente iniciou as suas actividades na RAEM (vd. apenso (3) fls. 1141 a 1143 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
8.2 Os sócios fundadores da empresa G e a empresa B Consultant, Limited nomearam como administradores da empresa, E, F e D (todos não sócios) e como gerente da empresa o sócio G (vd. apenso (3), fls.1141 a 1143, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
8.3 A recorrente dedicava-se às actividades de prestação de diversas informações do investimento e de organização de dados dos clientes (vd. apenso (5), fls. 1141 a 1143, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8.4 A recorrente celebrou contrato com as empresas XXX e B (Suisse) SA (daqui em diante designada por “XXX”) (vd. apenso (1), fls. 80 a 103, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
8.5 A recorrente fornecia aos clientes das XXX e XXX, as informações sobre “download”, “instalação”, “login” e “operação” da plataforma de transacção.
8.6 A recorrente efectuava o registo das queixas feitas pelos clientes da XXX e XXX, e por via da internet, encaminhava as queixas à secção de acompanhamento de queixas das XXX e XXX.
8.7 Após ter recebido os requerimentos de abertura de contas pelos clientes da XXX e XXX, a recorrente verificou os dados constantes dos requerimentos e organizou os documentos.
8.8 A abertura da conta deve ser autorizada previamente pelas empresas colaboradoras das XXX e XXX da respectiva região.
8.9 Após ter organizado os documentos dos requerimentos de abertura das contas, a recorrente remeteu os requerimentos ao representante procurador das XXX e XXX, da região grande china para assinatura.
8.10 Após a assinatura dos requerimentos, a recorrente remeteu-os à XXX ou aos clientes da XXX, e lhes forneceu os códigos.
8.11 A recorrente prestava auxílio à XXX ou aos clientes da XXX para alteração dos dados pessoais e dos códigos.
8.12 A recorrente pode obter da XXX ou do sistema interno da XXX, os dados sobre extracto diário ou mensal dos clientes da XXX ou XXX, e de seguida, em nome da XXX ou XXX, por via do correio electrónico, remeteu aos respectivos clientes os dados por si obtidos.
8.13 Quanto aos clientes do distrito de Taiwan, a recorrente, por via do correio electrónico, enviou-lhes os extractos mensais.
8.14 Quando recebeu a notificação de talão do depósito na conta/talão de transferência de verba por via de fax, bem como recebeu a confirmação de transferência/depósito feita representante da respectiva região, a recorrente efectuou o registo no sistema da XXX ou XXX.
8.15 Após ter recebido as instruções de levantamento dos fundos feitas pelos clientes da XXX ou XXX, a recorrente confirmou, no sistema informático, a assinatura e os dados dos clientes, e de seguida entregou ao representante das XXX e XXX da respectiva região para dar autorização.
8.16 Após concluídas as transacções entre o representante do escritório da respectiva região e os clientes da XXX ou XXX, a recorrente efectuou o registo por escrito sobre a saída e entrada dos respectivos fundos.
8.17 Todas as decisões de investimento foram feitas pelos próprios clientes, na sequência de auxílio dado pelo departamento de operação das XXX e XXX.
8.18 A recorrente forneceu à XXX e à XXX, as diversas informações abaixo indicadas tais como: Consulta técnica sobre IT incluindo como se vai fazer download da plataforma, e fornecer denominação de website; quanto ao assunto sobre a gestão incluindo como se vai fazer download de impressos, e renovar os dados pessoais; verificação sobre a transferência de conta, saldo de conta, situação de transacção, e emissão de talão de liquidação, etc.
8.19 A recorrente forneceu aos clientes das XXX e XXX, informações sobre o saldo de conta e acompanhou as queixas.
9. Em 9 e 14 de Agosto de 2007, o instrutor da Autoridade Monetária de Macau, após analisado as defesas escritas e outros documentos comprovantes apresentados pelas recorrentes A, Limitada e B Limitada, elaborou os pareceres n.ºs 106/2007 GAJ e 110/2007 GAJ (vd. apenso (5), fls. 1691 a 1696, 1733 a 1738, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10. Em 17 a 19 de Setembro de 2007, pela Autoridade Monetária de Macau foram ouvidos os depoimentos prestados pelas cinco testemunhas apresentadas pelas recorrentes (vd. apenso (4), fls. 1647 a 1673, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
11. Em 27 de Setembro, 22 e 23 de Outubro, pela Autoridade Monetária de Macau foram ouvidos os depoimentos dos três recorrentes D, C e G (vd. apenso (5), fls. 1870 a 1883, 1940 a 1947, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12. No dia 12 de Fevereiro de 2008, a Autoridade Monetária de Macau elaborou o relatório sobre o processo de infracção n.º002/2007 (vd. apenso (5), fls. 2072 a 2119, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
13. No dia 19 de Setembro de 2008, a Autoridade Monetária de Macau, através do ofício n.º5243/08/AMCM-GAJ, notificou o mandatário judicial das recorrentes do teor do respectivo relatório, bem como indicou que as mesmas podem pronunciar-se sobre isso dentro do prazo de vinte dias. O referido ofício foi recebido pelo mandatário judicial das recorrentes em 20/9/2008 (vd. apenso (5), fls. 2168 a 2170 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
14. No dia 22 de Outubro de 2008, as recorrentes A, Limitada e B Limitada, respectivamente pronunciaram-se sobre o relatório feito pela Autoridade Monetária de Macau (vd. apenso (6), fls. 2177 a 2201, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
15. No dia 5 de Fevereiro de 2009, o Conselho Administrativo da Autoridade Monetária de Macau deliberou propor aplicação de forma solidária às empresas A, Limitada e seus membros do órgão administrativo C, D, e B Limitada e seus membros do órgão administrativo E, F, D e G, da pena de multa de MOP500.000 cada e pena acessória de publicação das sanções em jornais (vd. apenso (6), fls. 2394 a 2400 e verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
16. No dia 17 de Fevereiro de 2009, o senhor secretário para a economia e finanças proferiu o despacho sobre a supracitada deliberação: “Concordo com a proposta” (vd. apenso (6), fls. 2394 a 2400 e verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
17. No dia 17 de Fevereiro de 2009, a Autoridade Monetária de Macau, através da cartas registadas com aviso de recepção n.ºs 1156/09-AMCM-CA(GAJ) e 1157/09-AMCM-CA (GAJ), notificou as recorrentes da supracitada decisão, indicando ainda na carta que podem as recorrente interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo dento do prazo legal. Os supracitados ofícios foram recebidos em 3 de Março de 2009 pelo mandatário judicial das recorrentes (vd. apenso (6), fls. 2268 a 2275, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
18. No dia 1 de Abril de 2009, as recorrentes apresentaram recurso hierárquico junto do Chefe do Executivo (vd. apenso (6), fls. 2376 a 2387 e verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
19. No mesmo dia, as recorrentes interpuseram o presente recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.
20. No dia 14 de Abril de 2009, o Chefe do Executivo concordou com a proposta do relatório n.º 04/GC-SEF/2009, rejeitando o supracitado recurso hierárquico (vd. apenso (6), fls. 2314 a 2316, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
21. No dia 5 de Novembro de 2009, o Tribunal de Segunda Instância admitiu o presente processo.

    Não foram provados os factos seguintes:
1. As empresas A, Limitada, B Limitada e seus membros do órgão administrativo, realizaram, em nomes das três empresas nomeadamente: A (NZ) Limited (simplesmente por “XXX”), B (Suisse) SA (simplesmente por “XXX”) e B Limited (simplesmente por “XXX) e os clientes destas, actividade de compra e venda no mercado cambial ou, receberam as instruções dadas pelas ditas empresas ou clientes sobre actividade de compra e venda cambial ou consulta, ou forneceram-lhes qualquer proposta sobre actividade de compra e venda no mercado cambial; nem em nome destas, angariaram em Macau ou no estrangeiro qualquer cliente para investimento.
2. As empresas A, Limitada, B Limitada, seus membros do órgão administrativo ou trabalhadores expunham ao público o local de funcionamento, divulgaram ao exterior os produtos ou serviços das XXX, XXX e XXX.
3. A finalidade de a empresa A, Limitada ter levantado o montante total de USD622.792,43 na conta bancária do Banco da China n.º XXXX, no período entre 9 e 13 de Fevereiro de 2007.
4. A razão de ter celebrado contrato de prestação de serviços entre XXX, XXX, XXX e as empresas A, Limitada e B Limitada.
    
    IV - FUNDAMENTOS
1. Questões a conhecer:
- Da pretensa contradição entre os fundamentos e a decisão
- Da pretensa contradição entre os factos provados e não provados
- Do invocado erro nos pressupostos de facto
- Da actividade de intermediação financeira
- Da prova dessa actividade de intermediação financeira

2. Da pretensa contradição entre os fundamentos e a decisão
    Diz a entidade ora recorrente que a sentença em causa se contradiz na medida em que, apesar de concluir que os actos em causa não constituem actos de execução, diz também concordar com "a opinião da AMCM constante do ponto 10, parte III da deliberação do Conselho de Administração de 5 de Fevereiro de 2009 e que nesse passo da fundamentação do acto administrativo sancionatório se afirma, precisamente, que os actos praticados pelos agora recorridos devem ser considerados como intermediação financeira.
    Não lhe assiste razão, porquanto só aparentemente parece haver contradição.
    Importa reter que na sentença recorrida se transcreve a parte em que se concorda e esse segmento da fundamentação é uma formulação abstracta das actividades imputadas às empresas recorridas, devendo interpretar-se o afirmado no sentido de que, a comprovarem-se tais factos estaríamos perante uma intermediação financeira e, assim, o concordar-se com o afirmado em termos de integração dos factos imputados.
    Só que a sentença vai no sentido de que ficaram por provar tais factos, concluindo, assim, pela anulação do acto.
    
    3. Da pretensa contradição entre os factos provados e não provados
    Quanto à pretensa contradição que lhe parece existir ainda entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados pelo TA, enquanto diz que “os factos dados como provados nos pontos 7.10 e 7.11 da sentença recorrida parecem dificilmente compatíveis com a conclusão de que não se provou que os agora recorridos tenham recebido "ordens e pedidos de informações dessas empresas e respectivos clientes quanto às actividades de compra e venda nos mercados ... " (ponto 1 dos factos não provados). De facto eles receberam e aceitaram ordens “, também parece não lhe assistir razão.
    
    Sobre esta alegação diremos que dos referidos pontos 7.10 e 7.11 do douto aresto em apreciação não se pode retirar daí, taxativamente, que os recorridos tenham, de facto, recebido ordens e pedidos e exercido actividade de compra e venda no mercado cambial. Mas como veremos adiante, conjugando essa factualidade ainda com outros factos, concluímos no sentido da comprovação do recebimento de instruções e de ordem de compra e venda no mercado cambial e de angariação de clientes para esses fins.
    Assim, o aludido facto, no segmento assinalado, que foi dado como não provado, está em contradição com a globalidade de outros factos que foram comprovados, nos termos que adiante melhor se esclarecerão.
    Este Tribunal julga também da matéria de facto, podendo modificá-la, nos termos do artigo 629º do CPC, se dispuser dos indispensáveis elementos, e face ao disposto no artigo 630º do CPC pode conhecer do objecto do recurso, donde resulta que somos a excluir do elenco dos factos não provados o aludido facto integrante do ponto 1. da matéria não provada referente à parte “…, receberam as instruções dadas pelas ditas empresas ou clientes sobre actividade de compra e venda cambial ou consulta, ou forneceram-lhes qualquer proposta sobre actividade de compra e venda no mercado cambial; nem em nome destas, angariaram em Macau ou no estrangeiro qualquer cliente para investimento.”
    Tudo como adiante melhor se verá, de forma a considerar integrados os pressupostos da prática de uma intermediação financeira.

    4. Quanto à questão do invocado erro nos pressupostos de facto, enquanto se entendeu, na douta sentença proferida, face aos factos que ficaram provados, que não terá existido intermediação financeira, tem razão a entidade ora recorrente.
     Basicamente, a questão fulcral neste recurso passa por saber se estamos perante uma actividade de intermediação financeira levada a cabo pelas companhias aqui recorridas e que foram as destinatárias do acto praticado consubstanciado na aplicação das multas de MOP$500.000,00 e publicação da sanção.
    
    5. Atentemos nas normas pertinentes do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 32/93/M, de 5 de Julho.
    
    O artigo 1º, al. c), prevê:
    “Intermediário financeiro: qualquer pessoa, singular ou colectiva, que, de modo habitual e com intuito lucrativo, exerça a actividade de compra e venda, por conta de terceiros, de valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, ou de mera aceitação de ordens dos investidores relativamente a esses valores;
    Prevê o artigo 116º deste diploma que “[o] disposto no presente título aplica-se aos intermediários financeiros e às outras instituições financeiras que não sejam consideradas instituições de crédito, excluídos aqueles cuja actividade esteja regulamentada por legislação especial.”
    
    No artigo 117º prevêem-se as operações permitidas:
    “1. Aos intermediários financeiros apenas pode ser autorizada a prática de operações de compra e venda, por conta de terceiros, de valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, ou a aceitação de ordens dos investidores relativamente aos mesmos valores ou instrumentos.
    2. As restantes instituições financeiras apenas podem efectuar as operações permitidas pelas normas legais ou regulamentares que disciplinem a respectiva actividade.”

    O exercício da actividade própria de intermediários financeiros ou de outras instituições financeiras depende de prévia autorização do Chefe do Executivo, mediante parecer da AMCM. (nº 1 do artigo 118º).
    
    Quem exercer as referidas actividades financeiras, constitui uma das contravenções previstas no artigo 122º do mesmo Diploma:
    “1. Constituem contravenções puníveis nos termos deste capítulo todos os actos que violem as normas do presente diploma e as disposições regulamentares contidas em avisos ou circulares da AMCM ou que perturbem o sistema de crédito ou falseiem as condições normais de funcionamento dos mercados monetário, financeiro e cambial.
    2. Constituem infracções de especial gravidade as seguintes práticas ou actos:
    a. O exercício, pelas instituições sujeitas a supervisão, de quaisquer actividades não incluídas no respectivo objecto, bem como a realização de operações não autorizadas ou que lhes estejam especialmente vedadas;
    b. A prática não autorizada, por quaisquer outras pessoas ou entidades, de operações reservadas às instituições referidas na alínea anterior;
    c. A falsificação ou inexistência de contabilidade devidamente organizada, bem como a inobservância das normas e procedimentos contabilísticos aplicáveis quando, neste caso, possa resultar prejudicado o conhecimento da situação patrimonial e financeira da instituição;
    d. A recusa ou obstrução ao exercício da actividade supervisora da AMCM;
    e. A inobservância das disposições e dos limites prudenciais de natureza legal, regulamentar ou administrativa destinados a proteger a liquidez e a solvabilidade das instituições, a salvaguarda contra riscos e a garantia de depositantes e outros credores, quando de tal incumprimento resulte ou possa resultar afectado o equilíbrio das suas estruturas financeiras;
    f. A inobservância do dever de informação referido no artigo 82.º;
    g. A realização do capital social ou do respectivo aumento em termos diferentes dos autorizados;
    h. A violação dos condicionalismos legais em matéria de concessão de crédito e prestação de garantias às pessoas referidas no artigo 65.º e alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 66.º;
    i. A realização de fusão, cisão ou transformação de instituições de crédito ou outras instituições financeiras sem observância dos respectivos condicionalismos legais;
    j. A realização de acções publicitárias em violação das determinações da AMCM;
    k. A recusa da prestação de informações ou do envio de elementos de remessa obrigatória à AMCM;
    l. A remessa ou exibição de quaisquer informações ou documentos falsos à AMCM;
    m. O desrespeito do regime de controlo de participações sociais consagrado nos artigos 40.º a 46.º;
    n. A violação das normas contidas nos artigos 49.º a 51.º;
    o. O incumprimento das obrigações em matéria de registo;
    p. A subsistência dos factos constitutivos de uma contravenção após a aplicação de uma sanção, quando a irregularidade não seja suprida no prazo fixado pela AMCM.”
    No artigo 124º prevê-se:
    “1. Pela prática das infracções a que se refere o presente capítulo podem ser responsabilizadas, conjuntamente ou não, pessoas singulares ou colectivas, ainda que irregularmente constituídas, e associações sem personalidade jurídica.
    2. As pessoas colectivas, ainda que irregularmente constituídas, e as associações sem personalidade jurídica são responsáveis pelas infracções cometidas pelos membros dos respectivos órgãos e pelos titulares de cargos de direcção, chefia ou gerência, no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por representantes do ente colectivo em actos praticados em nome e no interesse deste.
    3. A invalidade e a ineficácia jurídicas dos actos em que se funde a relação entre o agente individual e o ente colectivo não obstam a que seja aplicado o disposto no número anterior.
    4. A responsabilidade do ente colectivo não preclude a responsabilidade individual dos membros dos respectivos órgãos, de quem naquele detenha participações sociais, exerça cargos de direcção, chefia ou gerência, ou actue em sua representação, legal ou voluntária.
    5. Não obsta à responsabilidade dos agentes individuais que representem outrem o facto de o tipo legal do ilícito requerer determinados elementos pessoais, e estes só se verificarem na pessoa do representado, ou requerer que o agente pratique o acto no seu interesse, tendo o representante actuado no interesse do representado.”
    O artigo 126º:
    “1. Sem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas na lei, as infracções previstas no artigo 122.º são puníveis com:
    a) Multa;”
    O artigo 127º dispõe:
    “Com as sanções previstas no artigo anterior, poderão ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:
    a) Perda do capital aplicado nas operações efectuadas;
    b) Publicação das sanções.”
    
    E o artigo 128º:
    “1. Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas.
    (…)”
    
6. Da actividade de intermediação financeira
    Se é certo que não se provou uma actividade directa de compra e venda, já não assim quanto a uma intermediação que não deixará de existir “na mera aceitação de ordens dos investidores relativamente a esses valores;”
    Como já se assinalou nesta Instância1, aí se incluem actividades diversas tais como os serviços de investimento em valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, incluindo a recepção e a transmissão de ordens por conta de terceiro, a execução de ordens por conta de terceiro, a gestão de carteiras por conta de terceiro e a colocação em ofertas públicas de subscrição, a mediação em transacções sobre valores ou instrumentos nos mercados monetário, financeiro ou cambial, a mera aceitação de ordens dos clientes/investidores relativamente a valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, tais como operações através de margin trading, nomeadamente.
    
    Ao nível dos produtos negociados, os mercados têm conhecido uma vertiginosa evolução. Este desenvolvimento dos mercados financeiros foi acompanhado pelo fomento dos serviços de intermediação financeira, indispensáveis à dinâmica do funcionamento de tais mercados. Tal levou ao surgimento de novos serviços, mais adaptados às novas realidades, bem como de novas formas de contratação.
    A quantidade e natureza das relações económico-financeiras, a rapidez, globalização, velocidade da informação, o desenvolvimento das comunicações, tudo aponta para um avolumar da complexidade das transacções e das actividades empreendidas em termos nunca vistos, devendo o intérprete fazer um esforço de adaptação a essa realidade, numa perspectiva actualista, sendo que a norma, ela própria, não deverá deixar de evoluir de forma a dar resposta às exigências não só dos agentes e operadores económicos, mas também da própria sociedade.
    Tudo isto, a lançar novos desafios, o que justificou o que noutro passo, ainda nesta sede, se escreveu,2 “É certo que a liberdade de circulação e a diluição de fronteiras que a internet acarreta trazem problemas novos às autoridades também no plano de prevenção criminal. São "inúmeros" os esquemas financeiros fraudulentos que impõem aturada investigação. Além dos que correm no âmbito do combate à criminalidade económica, há ainda processos na unidade que investiga os crimes informáticos.“
    
    O tratamento das questões relativas à intermediação financeira, como assinala José Queirós de Almeida,3 parte das próprias exigências subjacentes ao funcionamento dos mercados financeiros, onde os intermediários financeiros assumem um papel central, enquanto entidades responsáveis pela articulação dos diferentes participantes nesse circuito económico.
    
    Deste modo, “a disciplina dos contratos de intermediação só se compreende quando analisada em conjunto com o regime das actividades de intermediação financeira, na medida em que o contrato será algo que subjaz à actividade em causa”4.
    
    7. Da prova dessa actividade de intermediação financeira
    
    Posto isto, há que esmiuçar bem a prova produzida e indagar da integração típica da intermediação financeira.
    
    Contrariamente ao que vem alegado, a prova documental carreada para o processo administrativo é de molde a configurar uma situação própria de uma actividade de intermediação financeira, sem que para isso tivesse obtido a necessária autorização, o que ressalta da existência de elementos vários, tais como os pedidos de transferências de fundos, abertura e registos de contas, de transferências de verbas, envio de extractos mensais, download de impressos, nada havendo que infirme as conclusões relativas ao preenchimento típico da contravenção prevista no artigo 122°, 2, b), do RJSF. Na verdade, não basta a alegação de que se trata de uma outra sociedade com a mesma firma, que os contratos foram celebrados no estrangeiro, que a documentação servia de mera referência para cálculo e aconselhamento, importando provar que a actividade de intermediação não era por si prosseguida, quando todos os elementos apontam exactamente no sentido contrário. A essa prova não se podia a recorrente ter eximido e o certo é que não conseguiu infirmar as conclusões a que a entidade recorrida chegou a partir dos elementos disponíveis.
    O caso dos autos reflecte um fenómeno bem conhecido dos reguladores financeiros: o de empresas transnacionais, dominadas por um restrito número de pessoas, que tentam dividir cuidadosamente a sua actividade em vários segmentos, repartidos por diversas sociedades e por diversas jurisdições, numa tentativa de escaparem, através do labirinto societário por elas criado, à fiscalização e à regulação em qualquer jurisdição. Para combater estas práticas pouco transparentes - que representam um perigo para o sistema financeiro em geral, e para os clientes dessas empresas em especial - tem o conceito de intermediação financeira vindo a ser interpretado de forma lata.
    
8. Concretizando a intermediação financeira praticada
    8.1. De acordo com o Manual da B Lda., ponto 3, uma das sociedades locais agora recorridas, cabia ao respectivo pessoal informar junto do público os serviços oferecidos, nomeadamente informar do website respectivo (fls. 109).
    A fls. 126 o Manual prevê o envio de material promocional aos clientes e aos angariadores ou agentes (account executives) que o solicitem.
    
8.2. Contratação de angariadores
    O mesmo Manual (a fls. 113, ponto 2) explica que cabia, a G, aprovar a abertura de contas e autorização dos pedidos (account executives), da China Continental, em nome de XXX, director de outra sociedade (a B Consultant Ltd ).
     Das comissões a pagar aos mesmos tratam as páginas do Manual a fls. 127.
    
    8.3. E sobre os procedimentos internos para a abertura de contas dos clientes veja-se ainda o referido Manual a fls. 117 - 119.
    O recorrido G era um dos responsáveis pelas operações da recorrida B Lda. em Macau (da qual era também sócio), como se conclui das listas de pessoal do escritório de Macau, onde inclusive constam os números telefónicos da RAEM para os quais o referido indivíduo podia ser contactado (fls. 194, 196 e 197), sendo legítimo concluir que G exercia funções em Macau.

8.4. Assinatura de contratos com investidores e abertura de contas.
    A título de exemplo de um contrato celebrado com um investidor para a abertura de uma conta destinada a operações financeiras com divisas estrangeiras (Agreement for Foreign Exchange Margin Trading Account) veja-se as fls. 577 - 602. O documento está assinado, a fls. 585, pelo dito G, e a sociedade contratante é identificada como sendo a A (NZ) Ltd., constituída na Nova Zelândia, embora não se conheçam a G quaisquer poderes para actuar em representação da sociedade neo-zelandesa.
    A experiência, o senso comum e normal, tudo inculca no sentido de que essa verificação de dados em relação aos documentos enviados pela B Lda aos representantes da sociedade da Nova Zelândia para a China, segundo se deu por assente na sentença recorrida (pontos 7.10 e 7.11), representantes esses que coincidentemente eram D e F, directores da mesma B Lda. (cfr. acta da reunião do respectivo conselho de administração constante a fls. 1761) não se tratava de um mero acto de apoio administrativo externo a outra empresa.
    
8.5. Recebimento de fundos de investidores
    Que os recorridos recebiam fundos de investidores, provam-no, por exemplo, os diversos recibos (credit advice) a fls. 655 e segs. do processo instrutor: 30 000 USD recebidos de XXX em 05.01.2007, 30 000 USD recebidos do mesmo XXX em 01.02.2007, 3 899998.70 USD recebidos da sociedade XXX em 02.01.2007, 4 599 998.70 USD recebidos da mesma sociedade em 03.01.2007.
    Os referidos recibos foram mais uma vez assinados pelo recorrido G, em papel com o timbre da A (NZ) Ltd. E o Manual da B Lda. efectivamente prescreve que quaisquer entregas de fundos pelos investidores, assim como quaisquer transacções em divisas estrangeiras, têm de ser confirmadas por G, em substituição do Sr. X (ponto 4.2 a fls. 110).
    Tais actos, ainda aqui, não se compadecem com a interpretação de que se trataria de uma mera verificação de dados e apoio técnico a uma sociedade do exterior, como defendem as recorridas.
    
8.6. Aceitação de ordens de investidores
    Os recorridos recebiam também ordens dos investidores para a compra e venda de valores e instrumentos financeiros. Veja-se, v.g., a fls. 819 a 829, uma ordem, apresentada pela cliente XX, para a compra de unidades de participação, no valor de cerca de 30 000 USD, no fundo de investimento designado XXX Fund. A ordem surge em papel com o timbre da B Investments Ltd., sociedade do mesmo grupo constituída nas Ilhas Virgens Britânicas (fls. 820), mas a documentação foi verificada e a informação introduzida no sistema informático (Data Checked and Input) por uma empregada de nome XXX (fls. 819), que fazia parte do escritório da B Lda em Macau, conforme se conclui da já referida lista de pessoal (fls. 194).
    De fls. 830 a 849 surgem mais duas ordens semelhantes, estas verificadas e processadas por XXX, outra trabalhadora da B Lda. em Macau (fls. 194) - a qual, por coincidência, era casada com C (vd. procuração a fls. 171), director das sociedades da Nova Zelândia e das Ilhas Virgens.
    Note-se que as ordens dos investidores podiam mesmo ser apresentadas por via telefónica, como nos elucida o Manual da B Lda. (fls. 141).
    
8.7. Levantamento de fundos por clientes
    Por outro lado, os recorridos procediam ao pagamento aos investidores dos fundos (cfr. fls. 699 a 710) e encontram-se vários pedidos de levantamentos de fundos por parte de clientes dos agora recorridos, aprovados por G, em papel timbrado da sociedade da Nova Zelândia).
    De acordo com o Manual da B Lda., os pedidos de levantamento de fundos dos clientes deviam ser cumpridos no próprio dia, se feitos antes das 11.00 horas, nomeadamente enviando as necessárias instruções ao respectivo banco para que este efectuasse a transferência para a conta do cliente (fls. 110).
    Nesta sequência, deu-se por assente na sentença recorrida (7.14), que os pedidos de levantamento de fundos apresentados pelos clientes, após verificados pelas B Lda., eram submetidos aos delegados da sociedade neozelandesa para aprovação. E é G, que os assina (vd. os recibos a fls. 661 e ss.). É assim que se dão por provados os factos constantes de 8.9 e 8.15, acima transcritos, patenteando-se uma conexão nítida e concertada entre as recorridas e as sociedades do Exterior a partir de elementos comuns a umas e outras.
    
8.8. Macau como centro das operações
    Dos factos acima listados pode concluir-se, pela concretização das instruções alegadamente emanadas da A (NZ) Ltd. e destinadas aos clientes (fls. 203), bem como das destinadas aos angariadores ou agentes (fls. 252), que o centro de operações era a recorrida B Lda., em Macau.
    Na verdade, para uma realidade complexa, para comprovar uma actividade que se desdobra numa pluralidade de actos, assume várias facetas, utiliza os modernos meios de comunicação e se desdobra por outras latitudes, os critérios de analise e interpretação da prova não podem deixar de ter alguma flexibilidade e há que partir das provas directas e indirectas para a compreensão de uma realidade que se procura, quantas vezes, por sondáveis e insondáveis razões fazer escapar à observação comum.
    
    9. Enfim, importa reter que para o preenchimento da infracção em causa interessa comprovar, como prevê o art. 1º, c), do RJSF, independentemente da comprovação do exercício da actividade de compra e venda, por conta de terceiros, de valores ou instrumentos transaccionados nos mercados monetário, financeiro ou cambial, o preenchimento da previsão típica se contenta com a mera aceitação de ordens dos investidores relativamente a esses valores, ainda que essas ordens nunca venham a ser concretizadas.
    E o facto de essas ordens serem formalizadas em documentos em que surge como aceitante uma entidade sediada no exterior não obsta à consumação da infracção. O que releva é quem efectivamente aceita essa ordem e lhe dá seguimento. Ora, no caso sub judice, comprova-se à saciedade essa actividade por banda das recorridas.
    
    10. Por tudo isto, entende-se que a interpretação da factualidade comprovada aponta em sentido diferente daquele que foi acolhido na douta sentença recorrida e que os referidos actos não são meramente preparatórios de outros, antes conformam uma real intermediação financeira, o que não deixou de se comprovar através de uma aturada, complexa e meritória investigação levada a cabo pela autoridade competente.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, mantendo-se, assim, o acto impugnado.
    Custas pelas recorridas com 4 UC de taxa de justiça, cada um, em ambas as instâncias.
    
               Macau, 15 de Novembro de 2012,
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               Estive presente
               Mai Man Ieng
1 - Ac. TSI 138/2002, de 16/Out./03
2 - Ac. do TSI n.º 238/2010, de 17/Nov./2011
3 - Contratos de Intermediação Financeira, Enquanto Categoria Jurídica, Cadernos da CMVM, 2006, n.º 24, 292
4 - Fátima Gomes, “Contratos de Intermediação Financeira”, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, Universidade

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451/2012 37/37