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Processo nº 581/2012 Data: 11.10.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Omissão de pronúncia.
Nulidade.
Devolução dos autos.



SUMÁRIO

1. Incorre-se em nulidade, por omissão de pronúncia, se o Tribunal, homologando uma transacção efectuada entre dois sujeitos processuais, nada diz sobre um pedido oportunamente deduzido por um interveniente já admitido a intervir nos autos.

2. Não se tendo efectuado julgamento, e assim, apurado matéria que viabilize ao Tribunal de recurso sanar tal nulidade (por omissão de pronúncia), substituindo-se ao Tribunal recorrido, devem os autos voltar a este Tribunal para o efeito.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 581/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra A (XXX), com os sinais dos autos, imputando-lhe a prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 e 3° do C.P.M.; (cfr., fls. 46 a 47 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Remetido o inquérito para o T.J.B., e após notificado, apresentou B (XXX), ofendido, pedido de indemnização civil contra a “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.” e o arguido A.
Pedia a condenação solidária dos demandados no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no montante total de MOP$206,000,00, assim como a intervenção principal provocada da “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.R.L.”; (cfr., fls. 71 a 79).

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Oportunamente, a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.”, contestou, pedindo a sua absolvição do pedido; (cfr., fls. 95 a 98-v).

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Por despacho do Mmo Juiz titular do processo foi admitida a intervenção da “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.R.L.”, e, após notificada, veio a mesma pedir a condenação da demandada “COMPANHIA DE SEGUROS XXX”, na qualidade de seguradora do veículo causador do acidente, (matéria dos autos), a lhe reembolsar a quantia global de MOP70,842.28 (setenta mil oitocentos e quarenta e duas patacas e vinte e oito avos), que alegou ter pago ao demandante B (XXX) a título dos seus danos patrimoniais, nos termos do disposto no art. 58.° do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto; (cfr., fls. 137 e 148 a 156).

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Seguidamente, e em sede de audiência de julgamento, decidiu-se julgar extinto o procedimento criminal pelo imputado crime de “ofensa à integridade física por negligência”, homologando-se a transacção efectuada entre o ofendido e demandante B e os demandados “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.” e o arguido A, declarando-se extinta a instância; (cfr., fls. 262 a 263-v).

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Inconformada com o assim decidido, veio a interveniente “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.R.L.” recorrer.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“A. Por Despacho proferido a fls. 137 dos autos, a ora Recorrente passou a assumir nos autos a qualidade de Interveniente Principal Provocada, ou seja, passou a ter o estatuto de parte principal no processo enquanto co-Demandante Cível e, tendo intervindo activamente no processo apresentando um Articulado e deduzindo um pedido contra a Demandada Seguradora COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A., devia o Tribunal a quo ter apreciado o seu direito, nos termos do disposto no art. 270. ° do cód. proc. civ ..
B. Em caso de acidente, simultaneamente, de viação e de trabalho, competia à ora Recorrente, enquanto seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, efectuar a reparação devida ao Ofendido/Demandante nos termos do DL 40/95/M, e ficando esta sub-rogada nos direitos do Ofendido/Demandante em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação (cfr. n.° 1 do art. 58.° do DL 40/95/M).
C. Tendo a ora Recorrente efectivamente pago ao Ofendido/Demandante a indemnização prevista no DL 40/95/M, a Recorrente tomou o lugar do Ofendido/Demandante perante a Demandada COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A. e, em consequência, adquiriu os poderes que competiam ao Ofendido/Demandante, ficando a ora Recorrente investida na posição jurídica até aí pertencente ao Ofendido/Demandante pago (cfr. n.° 1 do art. 587.° do cód. civ.).
D. Apesar de o Tribunal a quo ter homologado a transacção celebrada entre o Ofendido e Demandante B (XXX) e os Demandados A (XXX) e COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A., condenando cada uma das partes nele interveniente a cumpri-los nos termos estipulados (cfr. fls. 263 dos autos), quanto ao pedido deduzido pela ora Recorrente, o Tribunal a quo nada disse.
E. O Tribunal a quo não podia ter deixado de julgar a questão levantada e o pedido deduzido pela ora Recorrente, uma vez que tinha (e tem) o dever de proferir despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cfr. art. 106.° do cód. proc. civ.), ainda que parte da acção cível tivesse sido extinta por transacção.
F. Efectivamente, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, não perdendo esta sua natureza em virtude de ser obtida através do processo penal e, por esse motivo, são aplicadas à tramitação do processo cível enxertado no processo penal as regras previstas no cód. proc. civ., com as particularidades constantes dos arts. 60.° a 74.° do cód. proc. pen., devendo ser respeitados os princípios básicos do processo civil (cfr. arts. 121.° do cód. pen. e n.° 1 do art. 63.° e art. 73.° do cód. proc. pen.).
G. Nos termos do art. 563.° do cód. proc. civ., o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e, não o fazendo, pratica uma nulidade (cfr. al. d) do n.° 1 do art. 571.° do cód. proc. civ.).
H. Atento o exposto, a decisão do Tribunal a quo é nula por omissão de pronúncia nos termos do disposto na al. d) do n.° 1 do art. 571.° do cód. proc. civ., devendo a decisão ora recorrida relativa à matéria cível dos presentes autos ser declarada nula, por omissão de pronúncia, e substituída por outra que, homologando a transacção celebrada entre o Ofendido e Demandante B (XXX) e os Demandados A (XXX) e COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A., se pronuncie também sobre o pedido deduzido pela ora Recorrente e, nos termos do disposto no art. 58.° do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto”; (cfr., fls. 267 a 279).

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Sem resposta, e após admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Com o presente recurso pretende a recorrente que se declare nula, por omissão de pronúncia, a decisão que, homologou a transacção celebrada entre o ofendido e demandante B (XXX) e os demandados A (XXX) e “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.”, e que se emita pronúncia sobre o seu pedido, condenando-se a demandada seguradora “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.” na qualidade de seguradora do veículo causador do acidente a lhe reembolsar a quantia global de MOP70,842.28 (setenta mil oitocentos e quarenta e duas patacas e vinte e oito avos), que pagou ao ofendido e demandante B (XXX), a título de danos patrimoniais decorrentes do acidente em causa nos autos; (cfr., fls. 279).

–– Comecemos, então, pela apontada “omissão de pronúncia”.

Vejamos.

Prescreve o art. 563°, n.° 2 do C.P.C.M., que:”

“O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

E, nos termos do art. 571° do mesmo Código:

“1. É nula a sentença:
(…)
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

No caso dos autos, dúvidas não há que se incorreu na assacada maleita – de “omissão de pronúncia” –, pois que o Tribunal a quo, nada disse quanto ao pedido (oportunamente) deduzido pela ora recorrente, no sentido da condenação da demandada “COMPANHIA DE SEGUROS XXX”, na qualidade de seguradora do veículo causador do acidente, a lhe reembolsar a quantia global de MOP70,842.28 (setenta mil oitocentos e quarenta e duas patacas e vinte e oito avos), certo sendo também que a apreciação de tal questão não ficou prejudicada com a decisão que proferiu.

Assim, e necessárias não nos parecendo outras considerações sobre o ponto em questão, há pois que julgar procedente o recurso na parte em questão.

–– Pede também a ora recorrente que a dita decisão do T.J.B. seja substituída por outra que condene a “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.” a lhe reembolsar a quantia global de MOP70,842.28.

E, aqui, não se mostra possível acolher tal pretensão.

É que o Tribunal a quo não chegou a efectuar julgamento, apurada não estando, nomeadamente, a “natureza do acidente” (se de viação ou de trabalho), assim como o montante pela ora recorrente alegadamente pago ao ofendido.

Assim, e inexistindo factualidade para se decidir do pedido apresentado, os autos terão que voltar ao T.J.B. para ,aí, com o adequado processamento, se emitir pronúncia sobre o pedido da ora recorrente.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso pela recorrente “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.R.L.” interposto, declarando-se nula a decisão proferida pelo T.J.B., e determinando-se a devolução dos autos para se proceder em conformidade.

Custas pelos recorridos, com taxa que se fixa em 4 UCs.

Honorários aos Ilustres Defensores Oficiosos no montante de MOP$1,500.00.

Macau, aos 11 de Outubro de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 581/2012 Pág. 12

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