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Processo nº 839/2012A-I
Data do Acórdão: 22NOV2012


Assuntos:

Suspensão de eficácia
Empreitada da obra pública
Acto de conteúdo negativo


SUMÁRIO

A adjudicação de uma empreitada da obra pública ao primeiro classificado do concurso público aberto para o efeito é, para os outros concorrentes, um acto de conteúdo puramente negativo e sem vertente, portanto, não é susceptível de suspensão.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 839/2012A-I
(Suspensão de Eficácia de acto administrativo)



Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

O Consórcio formado por Companhia de Construção e Engenharia B, Limitada, C Construction Company, Limited e Companhia de Construção e Engenharia D, Limitada, devidamente identificado nos autos e concorrente do concurso público para a empreitada de construção de habitação púbica no Bairro da ......, Lote … e …, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., , requerer, na pendência do respectivo recurso contencioso de anulação, a suspensão de eficácia do despacho proferido em 27AGO2012 pelo Senhor Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada ao consórcio formado pela F Construction (Macau) Lda. e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada, mediante o requerimento a fls. 2 a 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Citada a entidade requerida, veio contestar nos termos de fls. 78 a 91 dos autos, pedindo que fosse rejeitado o pedido por ser o acto de conteúdo puramente negativo, ou julgar improcedente o pedido com fundamento na inverificação de qualquer dos requisitos a que se referem o artº 121º/1- a), b) e c) do CPAC.

Citadas as contra-interessadas Companhia de Engenharia e de Construção H (Macau), Limitada, Companhia de Construção I, Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias, G Limitada, vieram apenas as primeiras duas constestar, respectivamente nos termos de fls. 112 – 120 e 167 – 174, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 190 a 191, no qual opiniou no sentido de indeferimento do requerimento da suspensão de eficácia, por se tratar de um acto de conteúdo negativo e subsidiariamente, por inverificação do requisito contemplado no artº 121º/1-a) do CPAC.

Não se nos afigura necessária a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente, pois como se verá, o pedido de suspensão de eficácia só reclama uma decisão de direito de acordo com a lei e com os elementos já assentes.

Assim, julgamos indeferir a requerida inquirição das testemunhas.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

De acordo com os elementos constantes doa autos, são os seguintes factos relevantes à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* Em 06JUN2012, foi publicado no B. O. o anúncio do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, lotes … e …;

* 14 concorrentes foram admitidos no concurso, entre os quais se encontrava o ora requerente;

* De acordo com o relatório de análise de propostas, o ora requerente foi classificado em 3º lugar; e

* Por despacho do Senhor Chefe do Executivo proferido em 27AGO2012, a empreitada foi adjudicada ao 1º classificado ou seja, concorrente nº 12 que é consórcio formado pela F Construction (Macau) Lda. e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada;

Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralização dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.

Assim, o acto administrativo cuja suspensão se requer tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra – artº 120º do CPAC.

Então temos de começar por averiguar se o acto administrativo em causa tem ou não conteúdo positivo, ou se não o tendo embora, apresenta uma vertente positiva.

Um acto de conteúdo negativo é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior – vide o Acórdão do TSI de 07JUN2012, proc. nº 411/2012.

In casu, trata-se de um acto administrativo que consubstancia a adjudicação de uma empreitada da obra pública ao primeiro classificado do concurso público aberto para o efeito.

E o ora requerente é o terceiro classificado no mesmo concurso.

Ora, o que in casu sucedeu foi o seguinte: o ora requerente pretendeu com a participação no concurso público mediante a apresentação da proposta que lhe fosse adjudicada a empreitada e a empreitada acabou por ser adjudicada a um outro concorrente que foi classificado em primeiro lugar.

A simples circunstância de a empreitada ter sido adjudicada a um outro concorrente em nada alterar o status quo do requerente, pois ele não perde nada que tinha anteriormente e para ele tudo permanece inalterado.

Por outro lado, não se pode esquecer que o instituto de suspensão de eficácia tem uma função conservatória de situações jurídicas já existentes, que possam ser afectadas por acto suspendendo.

Tendo permanecido tudo inalterado para o requerente com a prática do acto administrativo cuja suspensão ora se requer, a função conservatória inerente à requerida suspensão carece de objecto e nenhuma utilidade imediata pode ser trazida ao requerente pela pretendida suspensão.

É portanto de concluir que o acto em causa é de conteúdo puramente negativo e sem vertente positiva.

Ex abuntantia, mesmo que assim não entenda, a pretensão de o requerente ver decretada a suspensão não pode deixar de fracassar.

Consabidamente, a jurisprudência dos nossos tribunais administrativos têm vindo a entender que os três requisitos previstos no artº 120º/1 do CPAC são de verificação cumulativa, ou seja, a inverificação de qualquer um deles implica a improcedência do pedido de suspensão.

Diz o artº 120º do CPAC que:
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.
Ora, da simples leitura do pedido de suspensão de eficácia, nomeadamente os artºs 45º e s.s. que se ocupam do requisito previsto na alínea a) acima citada, o ora requerente não fez mais do que escrever ai um conjunto de ideias e afirmações sem suporte de factos concretizados.

E até pretendeu cumprir o ónus, legalmente incumbido ao requerente, de alegar factos susceptíveis de demonstrar o nexo de causalidade entre a execução do acto e o previsível prejuízo de difícil reparação, através das seguintes palavras: “…… o preenchimento do conceito indeterminado, de difícil reparação, deve se feito tribunal (sic) através de toda a matéria de facto e matéria de direito trazida do processo instrutor ou omitida nele, para uma analise rigorosa do pedido de suspensão no sentido de evitar graves danos para o particular com o resultado do recurso favorável.” – vide o artº 58º do petitório.

Obviamente com o assim alegado não foi cumprido o tal ónus e consequentemente não podemos deixar de dar por inverificado o requisito a que se refere o artº 121º/1-a) do CPAC.

Todavia, como destacámos supra, a não verificação desse requisito constitui apenas um argumento ex abuntante, pois basta a demonstrada falta do pressuposto processual a que se alude o artº 120º do CPAC para nos habilitar a indeferir o presente requerimento de suspensão de eficácia.

Resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho proferido em 27AGO2012 pelo Senhor Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada ao consórcio formado pela F Construction (Macau) Lda. e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 8UC.

Notifique.

RAEM, 22NOV2012


Lai Kin Hong Presente
(Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho

Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)