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Processo n.º 766/2012
(Recurso Laboral)

Data: 15/Novembro/2012

RECORRENTE : A

RECORRIDA : S.T.D.M.
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
     A, não se conformando com a sentença que, em sede de Acção Laboral interposta pelo A. contra a “S.T.D.M., S.A.”, proferiu o MMº Juiz a quo,, absolvendo a R. de todos os pedidos formulados pela A., ora recorrente, dela vêm interpor recurso, alegando, em síntese:
    Ao caso sub judicio apenas se pode aplicar o R.J.R.T da R.A.E.M., uma vez que o mesmo não contém lacuna que deva ser integrada, não se podendo fundar a sentença recorrida no art. 854° do Código Civil - art. 3° do D.L. 39/99/M e art. 6°, n° 3, 8°, 9° do C.C. e 25° e 33° do R.J.R.T.
    De acordo com o disposto no art. 33° do Decreto-Lei n° 84/89/M, de 03 de Abril, os direitos dos trabalhadores a créditos laborais, designadamente a salários por trabalho efectivamente prestado, são inalienáveis e irrenunciáveis.
    Ao não aplicar ao caso concreto a norma do art. 33° do R.J.R.T., a douta Sentença recorrida sofre de nulidade - art. 571°, n° 1 alínea d) do C.P.C..
    Os créditos laborais dos trabalhadores da R.A.E.M. não têm um tratamento diferenciado, i.e., indisponíveis na vigência do contrato de trabalho e disponíveis após essa vigência.
    Uma tal interpretação, no sentido da sua disponibilidade após a cessação da relação laboral, não resulta nem da letra da Lei, nem do seu espírito, nem das circunstâncias efectivas e históricas em que foi criada.
    Bem como violaria o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesmas circunstâncias da recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da R.A.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência assente.
    A "Declaração" assinada pelo recorrente não constitui, por falta de todos os legais requisitos e por violação do art. 33° do R.J.R.T. uma remissão ou renúncia abdicativa, sendo nula e de nenhum efeito.
    O recorrente, embora tenha cessado o seu contrato de trabalho com a recorrida, continuou a exercer funções para a sua subsidiária, existindo entre aquele e a SJM, subsidiária da recorrida e por ela controlada, uma relação de trabalho, dela dependendo a sua subsistência e da sua família, que o impedia de, livremente, formar uma vontade, com o que os documentos que suportam a Decisão recorrida são nulos e inquinam a mesma - art. 259° do C.C..
    A Doutrina portuguesa que suporta a decisão recorrida não tem aplicação ao caso concreto, pelo que padece a mesma de ausência de fundamentação - art. 571°, n° 1, alíneas b) e d) do C.P.C..
    A "Declaração" assinada pelo recorrente é vaga e imprecisa, sendo certo que os requisitos do art. 854° do C.C., sem conceder, são a existência de um direito e não a mera hipótese de existência ou probabilidade de existência do mesmo, e a certeza, pela concretização, do direito a que se renúncia, quer pela sua especificação exacta, quer pelo reconhecimento da sua existência, o que não acontece in casu.
    A "Declaração" do recorrente e documentos constantes dos autos, reportam- se a um "prémio de serviço" e não a um qualquer direito efectivado, não representando, ainda, a perda de um valor pecuniário/patrimonial, por si só e sem contrapartida, mas antes à formalização da transferência do recorrente para a SJM.
    Ainda, para que se dê a remissão/renúncia consensual do direito, nos termos do art. 854° do C.C., é condição essencial o consentimento do devedor na remissão, que inexiste nesta concreta situação.
    Ninguém pode dar quitação de um crédito que ignora e cuja titularidade nem sequer lhe é reconhecida, donde, não existindo qualquer remissão/renúncia abdicativa da recorrente aos seus créditos laborais e não sendo permitido retirar qualquer efeito liberatório de uma “Declaração” viciada, está a Decisão recorrida ferida de nulidade - cfr. artigos 854°, 239° e 240° do C.C. e art. 571°, n° 1 alíneas b) e d) do C.P.C..
    Uma vez mais sem conceder, a “Declaração” e demais documentos que postulam a decisão recorrida, padecem de erro vício - art. 240° do C.C. - uma vez que o recorrente foi levada a assiná-los pela, então, DSTE e pela R., recorrida, que não ignoravam estar a induzir em erro a recorrente/declarante.
    Atento o princípio do “favor laboratoris”, deve entender-se tal declaração como retratável, não podendo surtir qualquer efeito, porquanto muitíssimo desfavorável ao trabalhador.
    Face ao disposto np artigo 2º, al. d) do RJRT não podia surtir qualquer efeito, pois é, em concreto, muitíssimo desfavorável ao recorrente.
    
    Termos em que pede seja declarada nula e de nenhum efeito a sentença proferida.
    
    As contra alegações da recorrida, focam, em grande síntese, os seguintes argumentos:
    Não procede a invocação de nulidade da Sentença com base na errada aplicação do artigo 854º do Código Civil, porque, não obstante o RJRT regular os "condicionalísmos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes", não contém qualquer disposição que faça referência à "Remissão" de créditos laborais.
    O artigo 33º do RJRT prevê a figura da "Cedência de Créditos" e não da "Remissão", pelo que a disposição legal aplicável ao caso concreto terá que ser sempre o artigo 854º do Código Civil.
    Os direitos de que a recorrente se arroga neste processo não têm são nem indisponíveis nem irrenunciáveis, uma vez que, cessada que foi a relação laboral entre A. e R., nada justifica que o trabalhador não possa dispor dos eventuais créditos resultantes da relação laboral, da sua violação ou cessação, uma vez que já não se verificam os eventuais constrangimentos que possam permanecer durante a relação laboral.
    Não há matéria que possa integrar a existência de um erro-vício na assinatura de tal declaração.
    Termos que, em seu entender, deverá o recurso apresentado pela recorrente ser considerado improcedente.
    
    Subidos os autos, feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir deste recurso.
     Foram colhidos os vistos legais.
    
    II- Com pertinência para a decisão da presente questão, resulta dos autos a factualidade seguinte:
   O Autor começou a trabalhar para a Ré em 15 de Janeiro de 1971 e deixou de trabalhar em 2002.
    No dia 1 de Agosto de 2003, o Autor subscreveu a declaração cujo teor consta de fls. 61, com o seguinte teor : “Eu, (.........) titular do BIR n.º5/XXXXXX/2 recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$ 44,685.15 da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM. Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral”.
    
    II - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
     - Da aplicação do Código Civil em detrimento do DL 24/89/M de 3/Abril
     - Da natureza, validade e alcance da declaração e da disponibilidade ou indisponibilidade dos direitos
     - Do princípio do favor laboratoris
- Da validade da declaração
- Vício da vontade
- Princípio da igualdade

    2. O Mmo Juiz a quo julgou procedente e provada a excepção peremptória do pagamento e renúncia expressa da A. ao pagamento de quaisquer outras quantias por parte da Ré, considerando assim que ela renunciou ou abdicou dos créditos decorrentes do referido contrato a que eventualmente ainda tivesse direito.
    Insurge-se a recorrente, que peticionou na acção o pagamento das compensações devidas pelo pretenso não gozo de determinados descansos (semanal, anual e feriados, etc.), durante os anos em que trabalhou para a Ré STDM, pela aplicação do artigo 854º do CC, tomada como remissão dos créditos a declaração acima referida, segundo a qual o trabalhador, aquando da cessação da relação laboral assinou uma declaração dizendo receber as quantias a que considerava com direito, mais dizendo que considerava não subsistir qualquer outro direito decorrente da relação laboral que então findava.
    E por considerar que a situação não integra qualquer lacuna, já que regulada pelos artigos 1º e 33º, entre outros, do RJRL (DL24/89/M, de 3/4), não seria aplicável o regime geral que, no fundo, permite a disponibilidade dos créditos do trabalhador.
    
    3. Antes de esmiuçar esta questão, importa caracterizar a natureza e alcance da declaração que o trabalhador assinou, para assim se ver se ela está ou não regulada no RJRL. Só se se concluir que se trata de uma renúncia de direitos indisponíveis abrangida por aquele regime se poderá afirmar a inaplicabilidade do regime geral consagrado na lei civil.
    Analisando a transcrita declaração, os seus termos, em chinês e em português, são claros e o sentido que um declaratário normal - e, tal como se assinala na douta sentença recorrida, face ao disposto no artigo 228º do CC, é esse o sentido que há que relevar - dali se retira que o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral subsistente até então, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida.
    Em linguagem simples, deu quitação da dívida.
    
    4. Mas vem agora demandar outros montantes, quantitativamente muito maiores, numa desconformidade que desde logo impressiona, em relação àqueles que aceitou receber. E impressiona, porque em face de tais montantes, se não se considerava pago, face ao prejuízo que se afigurava, não devia ter assinado essa declaração.
    Dir-se-á que não tinha consciência do montante dos créditos ou que fora induzido em erro; mas essa é uma outra questão que devia ter sido alegada e comprovada, não se deixando de adiantar que tal como agora ocorreu não havia razões para se aconselhar sobre o alcance dos créditos a que efectivamente teria direito.
    Essa, contudo, é questão que não importa agora apreciar.
    
    5. Pretende a recorrente que se tratou de uma renúncia de direitos indisponíveis.
    E para tanto invoca a natureza indisponível dos direitos concedidos ao trabalhador, a natureza proteccionista daquele diploma em relação a tais direitos, a necessidade de protecção da parte mais fraca, a posição dominante da concessionária empregadora, a menor margem de liberdade do trabalhador.
    Invoca toda uma filosofia que diz plasmada no RJRL e expressamente nos artigos 1º e 3º .
    Não tem razão a recorrente.
    Não obstante ser verdade o que diz quanto à enunciação daqueles princípios, a protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
    É verdade que, desde logo, o RJRL, no seu art. 1°, pugnando pela "observância dos condicionalismos mínimos" nele estabelecidos, prevê que
    “O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
     E no art. 33º do R.J.R.T.
    ”O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
    Daqui decorre que nenhum desses artigos contempla ex professo a situação em apreço. Antes respeitam a situações diferentes, nomeadamente o artigo 33º o que prevê é a impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
    Tais preceitos dispõem sobre a regulação do exercício de uma relação laboral ainda em aberto, compreendendo-se que por essa via, ao trabalhador sejam garantidos aqueles mínimos que o legislador reputa como as condições mínimas de exercício humano, digno e justo do trabalho a favor de outrem.
    Tais cautelas já não são válidas quando finda essa relação, como acontece no caso presente.
    E também não são válidas quando já não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
    Não deixaria de ser abusivo e contrário à autonomia da vontade e liberdade pessoal, próprias do direito privado, que alguém, incluindo o trabalhador, não pudesse ser livre quanto ao destino a dar ao dinheiro recebido, ainda que a título de compensações recebidas por créditos laborais.
    A não se entender desta forma, pese embora a aberração do argumento, ter-se-ia de obrigar o trabalhador a aceitar o dinheiro e, mais, importaria seguir o destino que ele lhe daria.
    6. Diferentes são as coisas quando o trabalhador está em exercício de funções e a sociedade exige que as condições de trabalho sejam humanas e dignificantes, não se permitindo salários ou condições concretas de exercício vexatórias e achincalhantes, materializando a garantia da sua subsistência e do seu agregado familiar. Essa tem de ser a inspiração do intérprete relativamente ao princípio favor laboratoris, mas que não pode ir ao ponto de converter o trabalhador num incapaz de querer, entender e de se poder e dever determinar.
    Nem aquele princípio, consagrado no artigo 5º do mesmo supra citado Regime nos seguintes termos “1. O disposto no presente diploma não prejudica as condições de trabalho mais favoráveis que sejam já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis. 2. O presente diploma nunca poderá ser entendido ou interpretado no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho estabelecidas ou observadas entre os empregadores e os trabalhadores, com origem em normas convencionais, em regulamentos de empresa ou em usos e costumes, desde que essas condições de trabalho sejam mais favoráveis do que as consagradas no presente diploma.” , poderá ter o alcance que se pretende, de limitar a capacidade negocial do trabalhador de forma tão extensa.
    O princípio do tratamento mais favorável "...assume fundamentalmente o sentido de que as normas jurídico-laborais, mesmo as que não denunciem expressamente o carácter de preceitos limitativos, devem ser em princípio consideradas como tais. O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador - e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas"1
    Noutra perspectiva2, considera-se que tratamento mais favorável ao trabalhador deve ser entendido em termos actualistas, como o conjunto dos valores que o Direito do Trabalho, de modo adaptado, particularmente defende e entre os quais, naturalmente, avulta a protecção necessária ao trabalhador subordinado. Quando haja um conflito hierárquico entre fontes do Direito do Trabalho, aplicam-se as normas que estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador, sejam elas quais forem; tal não se verificará quando a norma superior tenha uma pretensão de aplicação efectiva, afastando a inferior.
    Donde decorre que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador não é erigido para sufragar toda e qualquer interpretação que permita o alargamento de uma tutela proteccionista injustificada, tendo antes na sua génese a exclusão de um regime, entre dois ou mais aplicáveis, que lhe seja menos favorável.
    7. Nesta conformidade falece eventual invocação do artigo 6º do RJRL ”São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”, tendo-se como condições de trabalho, nos termos do art. 2º, al. d) todo e qualquer direito, dever ou circunstância, relacionados com a conduta e actuação dos empregadores e dos trabalhadores, nas respectivas relações de trabalho, ou nos locais onde o trabalho é prestado.
    Isto porque, como se disse, já não se trata de conduta e actuação no local de trabalho e exercício de funções.
    Tal é a situação dos autos, em que se mostra cessada a relação laboral e assim se tem entendido em termos de Jurisprudência comparada.3
    
    8. Quanto à natureza e validade da declaração.
    Afastando-se, como se viu, a aplicabilidade do RJRL em relação à proibição de tal estipulação, importa atentar na natureza que assume a declaração emitida pelo trabalhador aquando da cessação da relação laboral.
    Em termos gerais, a remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o documento em causa constitui realmente um contrato de remissão. Pode-se entender que a referida declaração não configura um contrato de remissão, pois que tal implicaria uma identificação e reconhecimento de créditos de que prescindiria.
    Mas, o certo é que tal documento contém, pelo menos, uma declaração de quitação que, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação.
    A remissão é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte4, revestindo, por isso, a forma de contrato, como claramente se diz no art.º 854º, n.º 1, do C.C.:
    "O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor."
    
    9. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.5
     O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido.6
    Pode dizer-se, num certo sentido que, hoje, na remissão, - artigo 854º do Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.
    
10. Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
    Como diz Leal Amado7, uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.

     Perante isto, em vez de se perguntar se a autora renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seria devida em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
    Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data.
    
    11. Poder-se-á ainda dizer que a extinção da relação laboral acordada, tornou impossível o cumprimento da obrigação de pagamento ao Autor do que foi por ele solicitado. Daí que ele passasse a ser titular de um outro direito; tal como já se assinalou, o crédito peticionado é o crédito à indemnização devida pelo incumprimento das obrigações que decorreram para a entidade patronal de lhe garantir os aludidos repousos enquanto para ele trabalhou.
    Esta perspectiva afigura-se particularmente relevante.
    É que não se trata da disponibilidade de direitos, mas sim da compensação pela sua não satisfação.

    Pelo contrato havido e comprovado, no âmbito do qual foi emitida aquela declaração, as partes acordaram sobre o montante de indemnização ou "compensação" devida à A. e, com o recebimento dessa quantia, a correspondente obrigação da Ré, surgida em substituição da obrigação inicial, extinguiu-se pelo pagamento de que a A. deu total quitação, sendo legítima a transacção extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão de obrigação da Ré nos termos do artigo 1172º do CC, não abrangida já por qualquer indisponibilidade.

    12. Somos assim, face à caracterização jurídica do acordo celebrado, em considerar que a alegação sobre a vaguidade da declaração de reconhecimento de cumprimento e extinção de toda e qualquer prestação que fosse porventura devida não colhe, face à sua admissibilidade.
    Para além de que não se deixaram de concretizar a que título ocorreu o acerto final, quais as compensações a que se procedia, dando-se quitação de todas e eventuais prestações não abrangidas por aquele recebimento.
    
    13. Sobre a eventual situação de inferioridade e dependência da declarante, ao assinar o recibo, pelo que, não manifestando qualquer vontade negocial, não tomou uma opção livre e consciente, uma escolha livre no tocante à assinatura da referida declaração, estaríamos perante uma situação de erro vício previsto no artigo 240º do CC, face à indução da conduta pela entidade pública tutelar e viciação da vontade, por temor, face à continuação numa sociedade subsidiária da primeira empregadora.
    Trata-se de matéria irrelevante não invocada oportunamente nos autos, porquanto a A. não respondeu à matéria da excepção aduzida.
    Para além de que dos termos da sua alegação sempre decorreria contradição insanável e que reside em saber o que viciou a vontade do declarante, se o erro, se o temor.
    14. Quanto à violação do princípio da igualdade, não se alcança qual o âmbito do invocado princípio em sede do direito privado, face ao predomínio da autonomia da vontade e da liberdade contratual. O Direito privado não acolhe esse princípio com o alcance que lhe é dado pelo recorrente, sendo que a especificidade e o tratamento de cada caso pode levar a soluções diferentes, bastando até que divirjam as interpretações dos diferentes aplicadores do Direito.
    Nomeadamente, pode haver razões que levam a uma salvaguarda enquanto perdura a relação laboral e que já deixem de relevar quando finda essa relação.
    O problema colocar-se-á então em sede de salvaguarda de um outro valor a preservar e que é o da segurança, mas essa é uma outra questão que não releva de todo neste momento.
    Entrarão aí critérios de uniformização de Jurisprudência que caberá ao legislador acautelar.
    Assim se conclui pela não existência dos apontados vícios, sendo de manter a douta decisão proferida.
    III - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso ora interposto, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelo recorrente.
                 Macau, 15 de Novembro de 2012,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 118.
2 - Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, pág. 219.
3 - Acs. STJ de 20/11/03, proc. 01S4270, de 12/12/01, proc. 01S2271, de 9/10/02, proc. 3661/02
4 - A. Varela, Das obrigações em geral, Coimbra Editora, 2.ª ed., vol. II, pag. 203
5 - A. Varela - Ob. cit., pág. 204
6 - Professor Vaz Serra, BMJ 43, 57.

7 - A Protecção do Salário, pag. 225, eparata do volume XXXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
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